Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0971/11
Data do Acordão:11/22/2011
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:PAIS BORGES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - Nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, “excepcionalmente”, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
II - Não se justifica, à luz da apontada disposição legal, a admissão de revista excepcional de um acórdão do TCA que, sufragando a decisão de 1ª instância, confirmou a anulação da deliberação da Comissão de Inscrição da OTOC que indeferira a inscrição do A. como técnico oficial de contas, e a condenação da Ré a inscrever o A. como TOC, e em que a controvérsia se cinge à questão da apreciação da força probatória de documentos apresentados pelo A., concretamente sobre o juízo efectuado pelo tribunal a quo, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, sobre os elementos de prova documental apresentados e as ilações que dos mesmos retirou relativamente aos factos relevantes para a decisão, e que se impõem ao tribunal de revista nos termos do nº 4 do art. 150º do CPTA.
Nº Convencional:JSTA000P13510
Nº do Documento:SA1201111220971
Recorrente:ORDEM DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
( Relatório)
A ORDEM DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, recurso de revista do acórdão do TCA Norte, de 09.06.2011 (fls. 318 e segs.), que confirmou decisão do TAF do Porto pela qual foi julgada procedente a acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido, contra si intentada por A……, identificado nos autos, e, em consequência, anulada a deliberação da Comissão de Inscrição da Ré, ora recorrente, que indeferira a inscrição do A. como técnico oficial de contas, e condenada a mesma Ré a inscrever o A. como TOC no prazo de 30 dias após o trânsito da decisão.
Alega, em abono da admissibilidade da revista, e em suma, que o acórdão recorrido incorreu em erro na apreciação dos meios de prova constantes do processo, através dos quais o A. intentava comprovar o exercício de funções como responsável directo por contabilidade organizada nos termos do POC durante pelo menos 3 anos seguidos ou interpolados, concretamente no que respeita ao ano de 1993, e que esta errada jurisprudência referente à força probatória dos meios de prova e respectiva apreciação pela OTOC pode basear inúmeras decisões futuras, assim justificando a sua reapreciação pelo STA.
( Fundamentação )
O art. 150º n° 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, “excepcionalmente”, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
A jurisprudência do STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n°s 92/VIII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.
Deste modo, a intervenção do STA só se justificará em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se generalizar este recurso de revista, o que não deixaria de se mostrar desconforme com os aludidos fins tidos em vista pelo legislador.
O Supremo Tribunal Administrativo tem interpretado a norma do art. 150º como exigindo que, em relação à questão objecto de recurso de revista, seja possível entrever, “ainda que reflexamente, a existência de interesses comunitários especialmente relevantes” (Ac. de 19.06.2008 – Proc. nº 490/08), ou ainda que a mesma se relacione com “matéria particularmente complexa do ponto de vista jurídico” (Ac. de 14.04.2010 – Rec. 209/10) ou “particularmente sensível em termos do seu impacto comunitário” (Acs. de 26.06.2008 – Procs. nº 535/08 e nº 505/08), exigindo ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas.
A admissão da revista para melhor aplicação do direito terá lugar, designadamente, e segundo a referida jurisprudência, quando, em face das características do caso concreto, ele revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente infundada ou insustentável, ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, assim fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Na situação em análise, e à luz da orientação jurisprudencial atrás enunciada, entendemos que não se justifica a admissão da revista.
Está em causa nos presentes autos, para o que de essencial aqui releva, a apreciação feita pelo tribunal a quo da força probatória de documentos apresentados pelo A., ora recorrido (uma declaração modelo 22 do IRC relativa ao ano fiscal de 1993, apresentada pela sociedade B…… na Repartição de Finanças competente; uma declaração do sócio gerente dessa sociedade a atestar que o A. foi o responsável directo pela contabilidade da empresa em 1993; e a certificação pela referida Repartição de Finanças de que os elementos disponíveis apontam nesse mesmo sentido), documentos cuja genuinidade o TCA refere não ter sido posta em causa, pelo que “reproduzem com exactidão os originais ou a vontade do respectivo declarante”.
Acrescenta o acórdão recorrido que a apreciação a que procedeu “emana objectivamente da ponderação da força probatória dos três documentos apresentados pelo requerente, e não depende do juízo discricionário da Comissão de Inscrição”, pelo que o tribunal pode e deve alterar a decisão administrativa “devido ao erro manifesto em que incorreu a entidade que a ela procedeu”.
A questão assinalada tem sido objecto de apreciação por este Supremo Tribunal, designadamente pelo Pleno, e reiteradamente decidida no sentido de uma ampla consagração da possibilidade de recurso a todos os meios de prova admissíveis em direito, não se antevendo qualquer justificação pertinente para retomar tal apreciação.
Por outro lado, torna-se claro que aquilo que a recorrente efectivamente põe em causa é o juízo efectuado pelo tribunal a quo, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, sobre os elementos de prova documental apresentados pelo A. e as ilações que dos mesmos retirou relativamente aos factos relevantes para a decisão, e que se impõem ao tribunal de revista.
Ora, e como decorre do nº 4 do art. 150º do CPTA, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artº 150º, nº. 4 do CPTA).
Razões mais do que suficientes para concluir que não se verificam, in casu, os pressupostos de admissibilidade da revista excepcional enunciados no art. 150º do CPTA.
( Decisão)
Com os fundamentos expostos, acordam em não admitir a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 22 de Novembro de 2011. – Luís Pais Borges (relator) – Rosendo Dias José – José Manuel da Silva Santos Botelho.
Segue Acórdão de 12 de Janeiro de 2012

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
A recorrente ORDEM DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS, notificada do acórdão de fls. 414 e segs., que não admitiu a revista, vem requerer a reforma desse acórdão, nos termos do disposto nos arts. 666º e segs. do CPCivil.
Alega, em suma, que, contrariamente ao que diz resultar do referido acórdão, a recorrente não pretendeu pôr em causa a questão da ilegalidade da decisão que indeferiu o pedido de inscrição do Autor como TOC, nomeadamente no que respeita à restrição feita aos elementos probatórios que instruíram o pedido (assunto que diz ter ficado assente e transitado em julgado), mas sim a pronúncia do TCA que “aponta no sentido de se dever considerar como provado um facto … cujo ónus da prova, nos termos da lei, caberia ao interessado cumprir…, mas que se inverte a favor do recorrido”, não podendo deixar de se “considerar como prova bastante dos requisitos exigidos pelo artigo 1º da Lei 27/98, de 03.06, os (meios de prova?) então apresentados pelo recorrente”.
Ou seja, o que a requerente pretende pôr em causa em sede de revista é, como ela própria afirma, o facto de o tribunal a quo ter entendido que “os elementos de prova apresentados pelo recorrido, e apreciados quer pela requerente quer pelas instâncias anteriores, provam de forma inegável e objectiva o facto de ter sido o recorrido responsável directo pela contabilidade organizada da empresa B......., Lda, durante todo o ano de 1993”.
O recorrido pronunciou-se no sentido do indeferimento do pedido, por não se verificar qualquer dos pressupostos enunciados no art. 669º, nº 2 do CPCivil, pedindo ainda a condenação da requerente como litigante de má-fé.
Decidindo.
Nos termos do art. 669º, nº 2 do CPCivil, é lícito a qualquer das partes requerer a reforma da decisão quando “tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”.
Não se vê que ocorra, in casu, qualquer dos referidos pressupostos legais.
Aliás, a requerente vem apenas, e mais uma vez, pôr em causa o juízo de facto empreendido pelo tribunal recorrido na apreciação dos meios de prova, censurando a pronúncia do TCA sobre a força probatória de determinados factos e sobre as ilações (juízos de facto) retiradas pelo tribunal sobre os factos dados como provados.
O que a requerente contesta, como fundamento do presente pedido de reforma, é, em bom rigor, e como decorre dos termos da pretensão por si deduzida, o juízo efectuado pelo tribunal recorrido, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, sobre a conjugação dos elementos de prova documental juntos aos autos e as conclusões que dos mesmos se extraem relativamente aos factos relevantes para a decisão.
Ora, esta é matéria que o tribunal de revista não pode reapreciar, pelo que o pedido de reforma do acórdão está naturalmente condenado ao malogro.
Como se deixou sublinhado no acórdão cuja reforma vem requerida, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (artº 150º, nº. 4 do CPTA).
Por outro lado, não se vê justificação para a condenação da requerente como litigante de má-fé, por não se anteverem verificados os respectivos pressupostos.
Só a lide essencialmente dolosa, e já não a meramente imprudente, temerária, ousada ou pouco cuidada, justifica a condenação como litigante de má-fé, ao abrigo do nº 2 do art. 456º do CPCivil.
Assim o tem entendido a jurisprudência deste STA, segundo a qual a condenação por litigância de má-fé pressupõe a existência de dolo, não bastando uma lide ousada ou uma conduta meramente culposa, sendo que tal conduta é sancionada apenas nos casos em que as partes, tendo agido com dolo ou negligência grosseira, hajam incorrido em alguma das interacções tipificadas nas diversas alíneas do art. 456º do CPCivil (cfr., por todos, os Acs. de 02.12.2004 – Rec. 145/04, de 26.09.2002 – Rec. 987/02 e de 18.10.2000 – Rec. 46.505). No mesmo sentido, podem ver-se os Acs. STJ de 02.06.2003 – Rec. 4S004 e de 20.03.2001 – Rec. 1ª3692.
Termos em que se indefere o pedido de reforma formulado.
Custas do incidente a cargo da requerente.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2012. – Luís Pais Borges (relator) – José Manuel da Silva Santos Botelho – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.