Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0272/09.5BELRS |
Data do Acordão: | 04/10/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL NÃO ADMISSÃO DO RECURSO |
Sumário: | O erro respeitante ao julgamento de matéria de facto é insindicável perante o Supremo Tribunal Administrativo e expressamente excluído do âmbito da revista, salvo casos especiais (cf. o n.º 4 do artigo 285.º do CPPT). |
Nº Convencional: | JSTA000P32107 |
Nº do Documento: | SA2202404100272/09 |
Recorrente: | A..., S.A. |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório – 1 – A..., S.A. (anteriormente designada B..., S.A.), com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de setembro de 2023, que concedeu provimento ao recurso da Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara procedente a impugnação judicial por si deduzida contra os actos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e de juros compensatórios, do exercício de 2004, emitidos no seguimento de procedimento de inspeção tributária, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação. A recorrente conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos: Admissibilidade da Revista A. É referido no voto de vencido da Primeira Ajudante - Sra. Juiz Desembargadora Patrícia Manuel Pires - no âmbito ao Acórdão sob recurso que a decisão perfilada no presente aresto encontra-se em clara contradição com vários outros Acórdãos proferidos por esse mesmo TCAS, designadamente com o proferido no processo 1924/08.2BELRS, já transitado em julgado (inclusive na data da prolação da sentença da primeira instância), cujo objecto fático e jurídico é exactamente o mesmo do dos presentes autos. B. Em todos estes arestos proferidos pelo mesmo tribunal (TCAS), onde foram analisadas e discutidas as mesmíssimas questões de facto e de direito, vieram confirmar, por unanimidade em todas elas, as respectivas decisões já proferidas em primeira instância (que julgaram procedentes as impugnações judiciais deduzidas pela Impugnante e ora Recorrente). C. O Acórdão sob recurso, ao vir introduzir, ainda que de forma isolada e parcial - com dois votos a favor e um voto de vencido, uma nova Doutrina Jurisprudencial sobre a mesma questão de facto e de direito constantes de outros arestos anteriores transitados em julgado, cria um claro sentimento de dúvida e incerteza quanto a futuras decisões semelhantes, sendo por isso evidente e necessário que seja clarificada uma melhor aplicação do direito no âmbito deste último procedimento judicial, que é exactamente o que se pretende com a presente Revista. D. A não ser assim, correr-se-á o risco de existirem pelo menos 4 decisões proferidas pelo mesmo Tribunal sobre a mesma questão fática e de direito, mas em que 3 delas (sem qualquer voto de vencido) determinaram a procedência das impugnações judiciais (e, consequentemente, a devolução pela AT à Impugnante dos valores das liquidações adicionais entretanto anuladas, acrescidas de juros de mora) e uma última decisão final (com vencimento parcial) que veio decidir em sentido totalmente contrário!!!! E. Será compreensível, para qualquer pessoa, que um Tribunal possa decidir a mesma questão fática e de direito de duas formas totalmente opostas, designadamente quando em causa apenas se encontram tributos diferentes? F. Conforme é referido pela jurisprudência unanimemente emanada desse Supremo Tribunal Administrativo, a admissibilidade da Revista com o requisito da melhor aplicação do direito existe serve precisamente para acautelar estas situações dúbias entre decisões judiciais quanto à melhor forma de aplicar o direito a uma concreta e idêntica questão de facto - cfr. Ac. STA 24/03/2021 (Proc. N.º 01365/09.4BEALM), Ac. STA de 15/12/2022 (Proc. N.º 0226/14.0BEPNF) e ainda Ac. STA de 04/04/2013 (Proc. 376/13) e Ac. STA de 03/02/2021 (Proc. 087/20.0BECTB), todos disponíveis para consulta em dgsi.pt. G. A presente Revista deve pois ser admitida, nos termos dos artigos 285º do CPPT e 150º do CPTA, o que se requer. Violação do Caso Julgado Material H. Como acima se referiu, existe um outro processo de impugnação com o n.º 1924/08, cuja decisão final proferida pelo próprio TCAS já tinha transitado em julgado, inclusive, na data da sentença proferida em primeira instância. I. Nos termos do disposto nos artigos 580º, 581º e 619º do Código de Processo Civil (CPC) existe uma situação de violação do caso julgado material quando em causa estiverem processos com a mesma identidade quanto aos sujeitos, causa de pedir e pedido. J. Não há dúvidas que entre o indicado processo n.º 1924/08 e os presentes autos existe uma clara identidade de partes, de causa de pedir e de pedido, uma vez que no processo intervêm as mesmas partes (AT e ora Recorrente), apresentam a mesma causa de pedir (relação comercial estabelecida no ano 2004 entre o SP e a sociedade denominada C..., Lda. - serviços de construção civil) e contêm o mesmo pedido (existência de simulação fiscal com a consequente inadmissibilidade de contabilização das faturas emitidas pela indicada sociedade a favor do SP na contabilidade do ano 2004). K. A decisão proferida no indicado Proc. N.º 1924/08, designadamente no que concerne à matéria de facto nele julgado, ficou definitivamente assente com o seu trânsito em julgado, valendo com força de caso julgado mesmo fora desse processo. L. A força do caso julgado material visa precisamente evitar aquilo que acabou por se verificar com o Acórdão sob recurso, isto é, que existam dois tribunais (neste caso até é o mesmo - TCAS) a proferir duas decisões totalmente opostas, quer quanto à matéria de facto em análise e discussão, quer quanto ao direito aplicável. M. Assim, ao decidir alterar a matéria de facto já assente em outras decisões judiciais transitadas em julgado (como foi o caso do Acórdão proferido no referido Proc. 1924/08 e replicada na sentença proferida na primeira instância), o Acórdão sob recurso violou claramente o disposto nos indicados artigos 619º e 580º e 581º, todos do CPC. Violação do Objecto do Recurso fixado pela AT nas suas conclusões N. A delimitação objectiva da matéria em discussão num recurso é sempre e somente feita através das conclusões apresentadas pelo Recorrente, estando o Tribunal "ad quem" impossibilitado de ir além do mesmo na prolação do Acórdão, o que não foi o caso nestes autos. O. Em nenhuma das conclusões formulados pela AT no seu requerimento de recurso se refere à alteração ou modificação da matéria de facto já assente pela primeira instância, e mais concretamente, à alteração da prova sobre a realização dos trabalhos de construção civil que deram origem à emissão das faturas em causa nos autos. P. A única questão em apreço no recurso era a de saber se ainda assim o conceito de SIMULAÇÃO FISCAL se verifica ou não, designadamente no que diz respeito à pessoa da Impugnante. Q. O TCAS, como tribunal "a quo", nada disse ou sequer se pronunciou sobre esta questão, tendo decidido unilateralmente alterar uma determinada matéria de facto (dando como não provada a realização dos trabalhos de construção civil em causa), e sem qualquer correspondência com as conclusões formuladas pelo AT no seu recurso. R. Ao fazê-lo, o TCAS extravasou claramente o objecto do recurso apresentado pela AT, violando dessa forma o disposto nos artigos 635º e 639º do CPC. Contradição Insanável na Valoração da Matéria de Facto S. Entendeu o TCAS no Acórdão sob recurso que a primeira instância não deveria ter valorado a prova produzida pela Impugnante no que diz respeito à efetiva realização de todos os trabalhos de construção civil identificados nas faturas em causa nos autos. T. Não obstante, o TCAS começa por referir e salientar que «ficou provado nos autos que os trabalhos foram realizados e pagos pela Impugnante»!!!. U. Mas imediatamente depois contradiz-se salientando que as faturas emitidas pela sociedade C..., por um lado, e os autos de medição, por outro, não permitem "demonstrar e comprovar o circuito comprovante das mesmas", justificando que estes «eram elaborados apenas pelo prestador de serviços». V. Apesar de se desconhecer e entender como o TCAS conseguiu retirar estas conclusões fáticas (pois nenhuma referência é feita às partes dos depoimentos onde são retiradas estas conclusões), é o próprio TCAS quem, no Acórdão sob recurso, expressamente descreve os factos que no seu entender são considerados como provados (tendo inclusivamente aditados novos fatos) e de onde claramente resulta entre outros factos, que os «Autos de Medição em causa eram elaborados pelo funcionário da Impugnante AA» (cfr. facto 2.3 do ponto 24 dos factos provados). W. Mais à frente na sua fundamentação, veio o TCAS contradizer-se novamente ao alegar que: "A invocação de que a impugnante estaria de boa fé, ao contratar com o Sr. BB, em nome da C..., também não releva. Por um lado, do procedimento contabilístico da impugnante resulta que tal não corresponde à verdade, dado que a impugnante não controlava a elaboração dos autos de medição das obras em causa (n.º 24)". X. Ou seja, por um lado o TCAS entende que a prova documental junta nos autos, designadamente no que diz respeito aos autos de medição utilizados para a emissão das faturas, não são elementos probatórios suficientes para a conclusão da realização dos trabalhos de construção civil em causa, «por se tratarem de autos de medição elaborados pelo prestador de serviços e não pela Impugnante». Y. Mas por outro e em contradição adita e considera como provado o ponto 2.3 do facto 24 de onde claramente resulta que tais autos de medição foram elaborados por um funcionário da Impugnante (Sr. AA). Z. O próprio TCAS nem sequer colocou em causa a prova testemunhal produzida em primeira instância e valoração que a ela foi dada, não tendo sequer, até porque tal nem fazia parte do objecto do recurso, decidido ouvir de novo as declarações prestadas pelas testemunhas. AA. Existe uma clara contradição insanável entre os factos aceites e dados como assentes pelo TCAS e a fundamentação de facto e de direito que acabou por produzir no Acórdão sob recuso. Nestes termos, admitindo e concedendo provimento ao presente recurso de revista, e, consequentemente anulando o Acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo do Sul e confirmando a sentença proferida em primeira instância, fareis Vossas Excelências Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo o que é de inteira JUSTIÇA
1. A recorrente pretende, em REVISTA, que seja anulado o acórdão do TCA de 13-09-2023. 2. Todavia, não se verificam os pressupostos do referido recurso de revista. 3. Como se verifica nas alegações e conclusões, a recorrente insiste na “contradição de prova”, na diferente valoração da prova, contradições de prova, etc. que na sua perspetiva se verificam. 4. Tal como resulta do art 285.º n.4 do CPPT: “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista”. 5. A eventual contradição com outros acórdãos, também não se verifica, uma vez que os factos e a causa de pedir são diversos. 6. Consideramos, por isso, que acórdão do TCA recorrido deve ser confirmado nos seus precisos termos, julgando-se improcedente o recurso de revista.
3 – Contra-alegou a Fazenda Pública, concluindo nos termos seguintes: I. Nenhum dos argumentos avançados pelo Impugnante para a admissão do recurso é válido, e nenhum argumento foi avançado para a admissão do recurso quanto às questões concretas que pretende ver apreciadas no Recurso de Revista. II. Quanto aos argumentos avançados pelo Impugnante: a) As decisões “contraditórias” que invoca, não assentam nos mesmos pressupostos fácticos (como se refere acima, nomeadamente em 22º, 23º e 24º) b) As questões que pretende sejam objeto de apreciação na revista assentam numa apreciação casuística que não tem a possibilidade de se repetir c) As decisões do TCA Sul, que o Impugnante supostamente põe em crise, são perfeitamente justificadas. III. Assim, in casu, a) A questão a resolver não assume importância fundamental, por via da sua relevância jurídica ou social; nem b) A intervenção do Supremo Tribunal Administrativo se revela claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. IV. Sendo que certo que a Impugnante, quanto às questões concretas que pretende ver apreciadas no Recurso de Revista, se demitiu de fundamentar a verificação de qualquer dos pressupostos para o recurso de revista. V. Todavia, o recurso de revista é um recurso excepcional, não podendo ser admitido com base na mera discordância quanto ao decidido, deste modo, não sendo identificados os fundamentos concretos para a admissão do recurso quanto às questões concretas em causa, impõe-se desde logo a sua rejeição. VI. Não se podendo o Tribunal substituir ao Recorrente, prescindindo da formulação das alegações a este respeito, em violação do previsto no art. 639º do Código de Processo Civil (CPC) e do art.º 4º do CPC, sob pena de assumir a posição de parte, e da violação do direito à igualdade de armas, consagrado constitucionalmente no principio da igualdade, art. 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e nos direitos constitucionais de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, na vertente do direito a um processo equitativo art. 20º n.1 e 4 da CRP. Refira-se, no entanto, sem prejuízo de o recurso dever desde logo ser rejeitado, pelo que atrás se refere, também que: VI. O recurso de revista, apenas pode incidir sobre questões decididas em 2ª instância, o que não sucede relativamente à questão identificada em H, das conclusões de recurso do Impugnante, art. 285º n.º 1 CPPT - devendo também por isso ser rejeitado quanto a esta questão, cf. supra 4º a 10º VII. Nos termos do n.º. 2 do art. 285º do CPPT- A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual. Nada sendo alegado pelo Impugnante relativamente à violação de qualquer lei a respeito da questão S do seu recurso - deve o mesmo ser rejeitado quanto a esta questão. VIII. Ainda, porque respeita à valoração da prova, esta questão não pode ser objecto de revista, nos termos do n.º. 4 do art. 285º do CPPT, que dispõe que “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista”, pelo que também por esta razão deve ser rejeitado. IX. A decisão do TCA Sul não assentou exclusivamente no suposto erro do TCA Sul alegado pela Impugnante, pois no Acórdão, de que a Impugnante recorre, são identificadas várias situações de facto que suportam a decisão. Logo, ainda que fosse procedente o recurso do Impugnante quanto a esta questão, não implicaria a mera indicação de que os autos de medição eram feitos por um funcionário da Impugnante, uma alteração à decisão do recurso X. Devendo assim, se não pelas razões antes indicadas, ser recurso quanto a esta questão se rejeitado por inutilidade. XI. Quanto à questão suscitada em N, além de se tratar de uma situação casuística intimamente ligada às circunstâncias do caso concreto (e ligada à valoração de prova, irrecorrível, como atrás se refere) não sendo minimamente evidente a existência de qualquer erro do Tribunal recorrido, que assentou a sua decisão no artigo 662º n.º 1 do CPC (o qual permite o aditamento oficioso de matéria de facto pelo TCA Sul) e que não extravasou o recurso da Fazenda Pública, como acima se referiu em 14º a 18º - deverá igualmente ser rejeitado o recurso quanto a esta questão. Nestes termos e nos demais de direito, requer-se a V. Ex.as: Que seja rejeitado o recurso de revista da Impugnante, Assim se fazendo a tão costumada Justiça
Cumpre decidir da admissibilidade do recurso. - Fundamentação – 6 – Apreciando. 6.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista. O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”: 1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual. 3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias. 6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário. Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso. E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.». Constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário do recurso de revista excepcional não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13 e de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14). Também as questões de inconstitucionalidade não constituem objecto específico do recurso de revista, porquanto para estas existe recurso para o Tribunal Constitucional. Vejamos. O acórdão sindicado nos presentes autos, lavrado por maioria, julgou procedente o recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara procedente a impugnação da liquidação adicional de IRC relativo a 2004, resultante da desconsideração de custos constantes de facturas alegadamente falsas, julgando, ao invés, improcedente a impugnação. Contrariamente ao decidido em 1.ª instância, considerou o TCA Sul, com base no probatório fixado e que aditou, que a AT reuniu indícios sérios de que as operações constantes das facturas desconsideradas não correspondem à realidade, sendo por isso conforme à lei a liquidação adicional efectuada. Do decidido requer a recorrente revista alegando que a admissão desta é necessária para “melhor aplicação do direito” – conclusões C) e F) das suas alegações de recurso -, invocando o voto de vencida aposto por uma das Senhoras Conselheiras Adjuntas ao acórdão e bem assim a circunstância de existirem pelo menos 4 decisões proferidas pelo mesmo Tribunal sobre a mesma questão fática e de direito, mas em que 3 delas (sem qualquer voto de vencido) determinaram a procedência das impugnações judiciais (e, consequentemente, a devolução pela AT à Impugnante dos valores das liquidações adicionais entretanto anuladas, acrescidas de juros de mora) e uma última decisão final (com vencimento parcial) que veio decidir em sentido totalmente contrário!!!! A pretensão da recorrente está, porém, destinada ao insucesso, porquanto a questão fundamental que coloca na presente revista está, por expressa disposição legal, dela arredada. Dispõe o n.º 4 do artigo 285.º do CPPT que “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. A haver erro no acórdão, o que não se concede, trata-se de erro respeitante ao julgamento de facto, insindicável perante o Supremo Tribunal Administrativo e expressamente excluído do âmbito da revista. No demais, ou seja, no que respeita à alegada violação do caso julgado material, trata-se de questão que não foi apreciada e que manifestamente improcede, pois é diverso o objecto de um e outro recurso. Finalmente, se alguma nulidade pretende a recorrente imputar ao acórdão a interposição de recurso de revista não é meio adequado para o fazer, antes devia ter arguido a nulidade perante o tribunal “a quo” nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13 e de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14).
Concluindo: O erro respeitante ao julgamento de matéria de facto é insindicável perante o Supremo Tribunal Administrativo e expressamente excluído do âmbito da revista, salvo casos especiais (cf. o n.º 4 do artigo 285.º do CPPT). O recurso não será, pois, admitido. - Decisão - 7 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista.
Custas pela recorrente. .
Lisboa, 10 de Abril de 2024. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia. |