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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0187/17.3BEBRG
Data do Acordão:02/28/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRC
LOCAÇÃO FINANCEIRA
MENOS VALIAS
Sumário:I - A locação financeira encontra-se regulada, fundamentalmente, pelo dec.lei 149/95, de 24/06, diploma que sofreu alterações posteriores (cfr.dec.lei 265/97, de 2/10; dec.lei 285/2001, de 3/11; dec.lei 30/2008, de 25/02), podendo definir-se como o contrato pelo qual uma das partes (locador financeiro) se obriga, contra retribuição, a conceder à outra (locatário financeiro) o gozo temporário de uma coisa, adquirida ou construída por indicação desta e que a mesma pode comprar, total ou parcialmente, num prazo convencionado, mediante o pagamento de um preço determinado nos termos do próprio contrato. A locação financeira pode considerar-se um contrato nominado misto, dado conter elementos da compra e venda e da locação.
II - As mais e menos-valias traduzem-se em ganhos/perdas ocasionais de capital, sem relação directa com a actividade produtiva, assim não sendo consideradas como rendimento, mas como um acréscimo patrimonial. A mais ou menos-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.46, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2014).
III - As mais ou menos-valias derivadas dos resultados obtidos em consequência da entrega pelo locatário ao locador dos bens objecto de locação financeira não são reconhecidas como tal pelo legislador fiscal, como claramente resulta do disposto no artº.46, nº.6, al.a), do C.I.R.C., ou seja, não constituem ganhos ou perdas que devam influenciar o lucro tributável, afastando-se aqui, inequivocamente, a lei fiscal do direito contabilístico.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P31955
Nº do Documento:SA2202402280187/17
Recorrente:A..., LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"A..., L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Braga, constante a fls.70 a 76 do processo físico, a qual julgou totalmente improcedente a presente impugnação intentada pela sociedade recorrente, visando acto de liquidação adicional de I.R.C., relativo ao ano de 2014 e no valor total a pagar, após demonstração de acerto de contas, de € 36.140,68.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.78 a 84-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-O presente recurso vem interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente, absolvendo a Fazenda Pública de todos os pedidos formulados na petição inicial.
B-Não existe controvérsia quanto à matéria de facto.
C-E em matéria de direito o desacordo da Recorrente com a Fazenda Pública – e, agora, com a douta sentença em recurso, a que imputa erro de direito – limita-se a avaliar se a disposição do art.º 46.º/n.º 6/alínea a) do Código do IRC
a) afasta do cômputo do lucro tributável “Os resultados [no caso negativos] obtidos em consequência da entrega pelo locatário ao locador dos bens objeto de locação financeira”; ou se
b) apenas estabelece que o efeito dos referidos resultados no apuramento do lucro tributável não segue o regime das mais e menos valias.
D-A Recorrente perfilha a hipótese da alínea b) da conclusão anterior e a Fazenda Pública pugna pela pelo sentido expresso na alínea a).
E-Sendo que a sentença sufragou o entendimento da Fazenda Pública – nisso consistindo o erro de direito que a Recorrente lhe imputa.
F-Especialmente à luz do disposto nos art.ºs 3.º e 17.º, 20.º, 21.º , 23.º e 24.º do CIRC – o lucro tributável em IRC, que o legislador quis moldado a partir do conceito de rendimento acréscimo, corresponde à diferença entre o património líquido dos sujeitos passivos no fim e no início de cada período de tributação, a menos que do próprio CIRC ou de legislação fiscal extravagante resulte o contrário.
G-A diferença referida na conclusão anterior decorre, numa perspetiva analítica, de uma sucessão de variações patrimoniais positivas ou negativas ocorridas no período, que a contabilidade separa em dois segmentos de informação: (i)para um lado, as variações que são refletidas no resultado líquido do período; e (ii) para outro lado, as variações que não estão aí refletidas.
H-Para o caso dos autos não releva que as variações patrimoniais em causa sejam contabilisticamente reconhecidas no resultado líquido do exercício ou fora dele, porque a norma cuja interpretação importa não faz qualquer apelo à arrumação contabilística das variações patrimoniais, pelo menos quanto à divergência interpretativa em análise: sejam elas reconhecidas onde forem, o seu regime fiscal é sempre o mesmo.
I-Da estrutura sistemática do Código do IRC e reparando que a Subsecção VI da secção II do Capítulo III, que integra os art.sº 46.º a 48.º, se refere ao “Regime das mais-valias e menos-valias realizadas” e que especificamente o art.º 46.º está epigrafado por “Conceito de mais-valias e de menos-valias” – colhe-se, em termos de enquadramento, que aí o legislador cuidou de regular o regime das mais e menos valias, que teve necessidade conceituar no art.º 46.º.
J-É esse o alcance do art.º 46.º, especialmente dos seus n.ºs 1 e 6: estabelecer o conceito de mais e menos valias, sem qualquer preocupação de regular que esta ou aquela variação patrimonial – esteja ela incluída no resultado líquido do período, ou não – conta ou não conta para o cômputo do lucro tributável.
K-A razão do art.º 46.º do CIRC reside precisamente no propósito de criar um conceito de mais ou menos valias fiscais com conteúdo diferente do conceito contabilístico homólogo.
L-E assim é isso – e só isso – que, claramente, o n.º 6.º/alínea a) diz: “Não se consideram mais-valias ou menos-valias [para efeitos fiscais]: Os resultados obtidos em consequência da entrega pelo locatário ao locador dos bens objeto de locação financeira” – estabelecendo uma exceção relativamente à amplitude da previsão do n.º 1.
M-Outro sentido – esse sim equivalente ao aqui pretendido pela Fazenda Pública e sufragado pela douta sentença, foi pensado pelo legislador para o caso particular de relocação dos bens ao mesmo locatário – e vem estabelecido no art.º 25.º/n.º 1, ao dispor que “No caso de entrega de um bem objeto de locação financeira ao locador seguida de relocação desse bem ao mesmo locatário, não há lugar ao apuramento de qualquer resultado para efeitos fiscais em consequência dessa entrega…”.
N-Aliás, se em todos os casos de entrega de bens pelo locatário ao locador os correspondentes ganhos ou perdas não relevassem para efeitos de apuramento do lucro tributável – como concluiu a Meritíssima Juiz na interpretação que fez do art.º 46.º/n.º 6/alínea a) – não faria sentido que viesse o art.º 25.º/n.º 1 regular que no caso de entrega seguida de relocação “não há lugar ao apuramento de qualquer resultado para efeitos fiscais...”, simplesmente porque o caso específico do art.º 25.º /n.º 1 estaria incluído na previsão mais ampla do art.º 46.º/n.º 6/alínea a).
O-As atuais redações dos art.º 25.º/n.º 1, 46.º/n.º 6.º foram introduzidas no CIRC (então nos artigos com a numeração 24.ºA e 42.º), a par de uma alteração art.º 23.º (também na numeração vigente ao tempo) pelo Decreto-Lei n.º 420/93 de 28/12.
P-Se analisarmos esse diploma legal, vemos que tratou de alterar, em termos cirúrgicos, o Código do IRC, por causa das alterações então sobrevindas em matéria contabilística quanto ao reconhecimento da locação financeira – com o seguinte sentido, muito preciso:
c) por um lado – excluir da relevância como gasto a componente da renda relativa à amortização, que antes era efetivamente gasto fiscal; e
d) por outro lado, regular a entrega pelo locatário ao locador dos bens locados (que antes simplesmente não existia no plano contabilístico ou fiscal) numa dupla perspetiva:
no caso de a entrega ser seguida de relocação ao mesmo locatário – “não há lugar ao apuramento de qualquer resultado para efeitos fiscais”; e
no caso de não se verificar a relocação ao mesmo locatário – os resultados gerados (positivo ou negativos) “Não se consideram mais-valias ou menos-valias” (estão fora dos respetivos conceito e regime).
Q-Se o art.º 46.º/n.º 6 excluísse do cômputo do lucro tributável os resultados negativos ocorridos a propósito da entrega pelo locatário ao locador dos bens objeto de locação financeira – também inquestionavelmente excluiria os resultados positivos.
R-Ora, o regime (suposto) expresso na conclusão anterior não faz qualquer sentido na lógica de construção do Código do IRC, perfilhando o conceito de rendimento acréscimo – e não se vislumbra qualquer indício de que o legislador quisesse estabelecê-lo.
S-A interpretação da norma em causa que a Meritíssima Juíza acolheu implicaria que também os “Os resultados obtidos na transmissão onerosa ou na afetação permanente nos termos referidos no n.º 1, de títulos de dívida cuja remuneração seja constituída, total ou parcialmente, pela diferença entre o valor de reembolso ou de amortização e o preço de emissão, primeira colocação ou endosso” – fossem eles positivos ou negativos – estivessem excluídos do cômputo do lucro tributável.
T-Mas, com todo o respeito, é inconcebível que o legislador o tivesse querido – e, de facto, não o quis: apenas os excluiu da aplicação do regime das mais e menos valias, como no caso da entrega dos bens ao locador.
U-A Recorrente entende que, no plano da indagação e entendimento dos propósitos do legislador, encarados no quadro dos princípios que nortearam a construção do Código do IRC, incluindo quanto ao conceito de rendimento acréscimo que acolhe, não se vislumbra qualquer lógica na interpretação do art.º 46.º/n.º 6 no sentido de pretender excluir as variações patrimoniais aí elencadas – sejam elas reconhecidas contabilisticamente no resultado líquido do período ou fora dele – do cômputo do lucro tributável.
V-A Recorrente entende que, ao contrário, faz todo o sentido que o legislador tenha querido afastar apenas a aplicação do regime das mais e menos valias.
W-E entende ainda que o legislador não traiu, ao escrever, o seu pensamento: para a Recorrente é linear que da redação do art.º 46.º/n.º 6 decorre o afastamento do regime das mais e menos valias – e só.
X-E assim, entende a Recorrente, com todo o respeito, que a Meritíssima Juiz de Direito incorreu efetivamente no erro de erradas interpretação e aplicação da disposição do artigo 46.º/n.º 6/alínea a) do Código do IRC – pelo que a sua decisão não deve manter-se na ordem jurídica.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.88 e verso do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.70-verso a 74 do processo físico):
1-No dia 14.01.2005, foi celebrado um Contrato de Locação Financeira Imobiliária – Proposta n.º ...76 – entre o B..., S.A., (locadora) e a sociedade C..., Lda. (locatária), relativamente à fração autónoma designada pela letra ..., que corresponde a rés-do-chão e um piso, o segundo a contar da esquerda para a direita, tendo como referência o alçado principal e um lanço de escadas para a saída de emergência com saída direta para o lado poente, destinado a armazém, pertencente ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vizela, sob a ficha n.º ...49-..., inscrita a propriedade horizontal sob a Ap n.º ...0 de 2002.10.22, inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... (...) sob o artigo ...79. Cfr. Contrato de Locação Financeira Imobiliária – Proposta n.º ...76 – integrante do documento 1 junto com a contestação.
2-Em 09.01.2006, é celebrado um Contrato de Cessão de Posição Contratual entre aquela sociedade locatária, C..., Lda. e a sociedade A..., Lda., aqui impugnante, através do qual aquela, pelo preço de € 127.257,31, cede à aqui impugnante a posição que detém no citado Contrato de Locação Financeira. Cfr. Contrato de Cessão de Posição Contratual que integra o documento 1 junto com a contestação.
3-No dia 14.01.2005, foi celebrado um Contrato de Locação Financeira Imobiliária – Proposta n.º ...78 – entre o B..., S.A., (locadora) e a sociedade D..., S.A. (locatária), relativamente à fração autónoma designada pela letra ..., que corresponde a rés-do-chão e um piso, o segundo a contar da esquerda para a direita, tendo como referência o alçado principal e um lanço de escadas para a saída de emergência com saída direta para o lado poente, destinado a armazém, pertencente ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vizela, sob a ficha n.º ...49-..., inscrita a propriedade horizontal sob a Ap n.º ...0 de 2002.10.22, inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... (...) sob o artigo ...79. Cfr. Contrato de Locação Financeira Imobiliária – Proposta n.º ...78 – integrante do documento 1 junto com a contestação.
4-Em 18.04.2006, é celebrado um Contrato de Cessão de Posição Contratual entre aquela sociedade D..., S.A., na qualidade de locatária no Contrato de Locação Financeira Imobiliária – Proposta n.º ...78 – e a sociedade A..., Lda., aqui impugnante, através do qual aquela, pelo preço de € 120.742,04, cede à aqui impugnante a posição que detém no citado contrato de locação financeira. Cfr. Contrato de Cessão de Posição Contratual que integra o documento 1 junto com a contestação.
5-No exercício de 2006, a impugnante procedeu ao registo contabilístico dos imóveis objeto de locação financeira na conta 43 – Ativos Fixos Tangíveis – do Sistema de Normalização Contabilística (doravante, SNC) – factualidade não controvertida.
6-Ao longo da vida útil daqueles ativos fixos tangíveis, foram registados os gastos associados às depreciações decorrentes da sua utilização/desgaste na conta 64 – Gastos de Depreciação e de Amortização, subconta 642 – Ativos Fixos Tangíveis – do SNC. Cfr. Mapa de depreciações e amortizações, período de 2013, que integra o documento 1 junto com a contestação.
7-Em 15.05.2014, é celebrado um Acordo de Resolução do Contrato de Locação Financeira n.º ...76 entre o Banco 1..., S.A. e a aqui impugnante no qual ficou clausulado:
Por cessão de posição contratual a 2.ª outorgante tomou a posição contratual no contrato de locação financeira assinado e reconhecido notarialmente em 14/01/2005, que teve por objecto a fracção autónoma designada pela letra ..., (…)
Tendo em consideração que a 2.ª Outorgante perdeu o interesse na manutenção do contrato, pelo presente acordo, a 1ª e 2ª Outorgantes acordam resolver o contrato de locação financeira imobiliária referido no artigo 1º, acordando expressamente que, com base neste título, seja requerido o cancelamento na sobredita Conservatória.
A 2ª Outorgante procede nesta data, à restituição do imóvel à 1.ª Outorgante que o recebeu. (…) - Cfr. fls. 9 e 10 do processo administrativo apenso aos autos (doravante, PA).

8-Em 15.05.2014, é celebrado um Acordo de Resolução do Contrato de Locação Financeira n.º ...78 entre o Banco 1..., S.A. e a aqui impugnante no qual ficou clausulado:
Por cessão de posição contratual a 2.ª outorgante tomou a posição contratual no contrato de locação financeira assinado e reconhecido notarialmente em 14/01/2005, que teve por objecto a fracção autónoma designada pela letra ...,
(…)
Tendo em consideração que a 2.ª Outorgante perdeu o interesse na manutenção do contrato, pelo presente acordo, a 1ª e 2ª Outorgantes acordam resolver o contrato de locação financeira imobiliária referido no artigo 1º, acordando expressamente que, com base neste título, seja requerido o cancelamento na sobredita Conservatória.
A 2ª Outorgante procede nesta data, à restituição do imóvel à 1.ª Outorgante que o recebeu. (…) Cfr. fls. 7 e 8 do PA.

9-Aquando da Resolução dos descritos Contratos de Locação Financeira Imobiliária, a impugnante apurou e relevou na sua contabilidade uma menos-valia contabilística e, no plano fiscal, apurou e relevou uma menos-valia fiscal nos termos constantes do quadro ínsito no RIT que se transcreve:
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Vide, ainda, Mapa de mais-valias e menos-valias constante do documento 1 junto com a contestação.
10-A menos-valia contabilística em causa no valor de € 122.076,69 foi acrescida para efeitos fiscais, no campo 736 (Menos-valias contabilísticas), quadro 07, da declaração Modelo 22 de IRC, ano de 2014, estando incluída no saldo de € 119.234,81 declarado respeitante ao cômputo global das transmissões efetuadas nesse exercício - Cfr. Mapa de mais-valias e menos-valias constante do documento 1 junto com a contestação.
11-A impugnante deduziu no campo 769 [Diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias fiscais Menos-valia fiscal (art.º 46.º do Código do IRC)], quadro 07, da declaração Modelo 22, ano de 2014, o saldo de € 136.823,65, no qual está integrada a menos-valia fiscal em causa no valor de € 139.566,66 - Cfr. Mapa de mais-valias e menos-valias constante do documento 1 junto com a contestação.
12-A coberto da ordem de serviço n.º ...38, os Serviços de Inspeção Tributária (doravante, SIT) da Direção de Finanças de Braga efetuaram um procedimento inspetivo interno, de âmbito parcial, com incidência no ano de 2014, à sociedade aqui impugnante – cfr. pág. 1 do RIT, inserto a fls. 15 e ss. do PA.
13-O procedimento inspectivo foi motivado pelo facto de, no âmbito de procedimento inspetivo levado a cabo aos períodos de 2011 a 2013, ter havido notícia de que, neste exercício económico, o sujeito passivo havia efetuado acordos de Resolução de dois Contratos de Locação Financeira – cfr. pág. 2 do RIT inserto a fls. 15 e ss. do PA.
14-Quanto aos descritos acordos de resolução de Contratos de Locação Financeira, consignaram os SIT no relatório de inspecção:
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15-Através do Ofício n.º ...02, datado de 30.08.2016, remetido através de carta registada com aviso de receção – registo dos ... n.º ... – foi o sujeito passivo notificado do RIT - Cfr. fls. 11 a 17 do PA.
16-Com base nas descritas correções meramente aritméticas, foi emitida a liquidação adicional IRC de n.º ...35, datada de 10.10.2016, no valor de € 34.716,25 (trinta e quatro mil setecentos e dezasseis euros e vinte e cinco cêntimos), Juros Compensatórios (doravante, JC) incluídos, referente ao exercício de 2014 [objeto de impugnação nos presentes autos] – cfr. fls. 2 e 3 do doc. 1 junto com a PI.
17-A referida liquidação produziu um valor a pagar, em sede de Demonstração de Acerto de Contas, de € 36.140,68 – cfr. fls. 1 do doc. n.º 1 junto com a PI.
18-Em 06.12.2016, a impugnante procedeu ao pagamento voluntário do imposto em causa. Cfr. documento nº 3 junto à PI.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "… Inexistem factos não provados que se mostrem relevantes para a decisão da causa…".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção do Tribunal alicerçou-se nos documentos juntos aos autos e na posição das partes vertida nos respectivos articulados…".
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a presente impugnação, assim absolvendo a Fazenda Pública dos pedidos formulados pela sociedade impugnante e ora recorrente.
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a razão de ser do artº.46, do C.I.R.C., reside no propósito de criar um conceito de mais ou menos-valias fiscais com conteúdo diferente do conceito contabilístico homólogo. Que não se vislumbra fundamento para a interpretação do artº.46, nº.6, al.a), do C.I.R.C., no sentido de pretender excluir as variações patrimoniais aí elencadas – sejam elas reconhecidas contabilisticamente no resultado líquido do período ou fora dele – do cômputo do lucro tributável. Que o Tribunal "a quo" procedeu a uma errada interpretação e aplicação da norma prevista no artº.46, nº.6, al.a), do C.I.R.C., na redacção aplicável à data (cfr.conclusões A) a X) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Começamos por dar uma noção do contrato de locação financeira.
A locação financeira encontra-se regulada, fundamentalmente, pelo dec.lei 149/95, de 24/06 (cfr.anteriormente o dec.lei 171/79, de 6/06), diploma que sofreu alterações posteriores (cfr.dec.lei 265/97, de 2/10; dec.lei 285/2001, de 3/11; dec.lei 30/2008, de 25/02), podendo definir-se como o contrato pelo qual uma das partes (locador financeiro) se obriga, contra retribuição, a conceder à outra (locatário financeiro) o gozo temporário de uma coisa, adquirida ou construída por indicação desta e que a mesma pode comprar, total ou parcialmente, num prazo convencionado, mediante o pagamento de um preço determinado nos termos do próprio contrato. A locação financeira pode considerar-se um contrato nominado misto, dado conter elementos da compra e venda e da locação (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/01/2023, rec. 2452/07.9BELSB; António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5ª. Edição, 2014, Almedina, pág.713 e seg.).
Já quanto à figura das mais e menos-valias diremos que estas se traduzem em ganhos/perdas ocasionais de capital, sem relação directa com a actividade produtiva, assim não sendo consideradas como rendimento, mas como um acréscimo patrimonial. A mais ou menos-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.46, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2014; ac.S.T.A-2ª.Secção, 26/10/2022, rec.1324/10.4BELRS; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.443 e seg.; Miguel Luís Cortês Pinto de Melo, A Tributação das Mais-Valias Realizadas na Transmissão Onerosa de Partes de Capital pelas SGPS, Almedina, 2007, pág.11).
Revertendo ao caso dos autos, a sociedade impugnante e ora apelante, na decorrência da resolução de dois contratos de locação financeira imobiliária, os quais implicaram a devolução à locadora dos bens imóveis objecto de locação, considerou como componente negativa do lucro tributável do exercício de 2014 uma menos-valia fiscal no montante de € 139.566,66 e ao abrigo do artº.46, do C.I.R.C. (cfr.nºs.2, 4, 5, 10 e 11 do probatório supra).
A Fazenda Pública não aceitou a menos-valia fiscal apurada, sustentando, no essencial, que de acordo com o disposto no artº.46, nº.6, al.a), do C.I.R.C., não se consideram mais-valias ou menos-valias os resultados obtidos em consequência da entrega pelo locatário ao locador dos bens objecto de locação financeira, em consequência do que estruturou a liquidação adicional objecto do presente processo (cfr. nºs.14 e 16 do probatório supra).
O Tribunal "a quo" confirmou a posição defendida pela A. Fiscal, dado concluir que em causa nos autos está uma perda consubstanciada numa menos-valia contabilística, à qual é aplicável o regime consagrado no citado artº.46, nº.6, al.a), do C.I.R.C., norma que exclui a relevância de tal perda para efeitos fiscais, assim não devendo influenciar o cálculo do lucro tributável e afastando-se, inequivocamente, a lei fiscal do direito contabilístico.
No âmbito desta apelação a sociedade recorrente continua a defender que não se vislumbra fundamento para a interpretação do artº.46, nº.6, al.a), do C.I.R.C., no sentido de pretender excluir as variações patrimoniais nele elencadas do cômputo do lucro tributável.
Vejamos quem tem razão.
O artº.46, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2014, sob a epígrafe "Conceito de mais-valias e menos-valias", previa e estatuía o seguinte:

1 - Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida, respeitantes a:
(…)
2 - As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A e 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A.
(…)
6 - Não se consideram mais-valias ou menos-valias:
a) Os resultados obtidos em consequência da entrega pelo locatário ao locador dos bens objeto de locação financeira;
(…)".

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Em primeiro lugar cumpre referir que quer o artº.3, quer o artº.17, ambos do C.I.R.C., consagram regras gerais relativamente ao apuramento do lucro tributável, não deixando, contudo, o legislador de ressalvar expressamente a existência de normas especiais no mesmo diploma que se traduzem em ajustamentos/correcções, positivas ou negativas, ao lucro contabilístico apresentado pelo sujeito passivo.
Um dos exemplos em que isso acontece é, precisamente, o caso das mais-valias ou menos-valias: as mais-valias e as menos-valias fiscalmente relevantes são as determinadas na "Subsecção VI – Regime das mais-valias e menos-valias realizadas" (artºs.46 a 48, do C.I.R.C.) e não as reflectidas no resultado líquido do período de tributação, as ditas mais-valias e menos-valias contabilísticas. O apuramento das mais-valias é, por isso, um dos casos em que se opera um total afastamento entre a contabilidade empresarial e a contabilidade fiscal (cfr.António Rocha Mendes, IRC e as Reorganizações Empresariais, Universidade Católica Editora, 2016, pág.85 e seg.).
O artº.46, do C.I.R.C., consubstancia, assim, numa norma especial que, desde logo, regula a relevância como componente, negativa ou positiva, do lucro tributável, das mais-valias ou menos-valias contabilísticas, acolhendo-as nuns casos e noutros não.
Especificamente, quanto ao ganho ou a perda resultante da devolução ao locador dos bens objecto de locação financeira é este enquadrado, contabilisticamente, em sede de mais-valias ou menos-valias, sendo que os imóveis utilizados através de locação financeira estão classificados como itens do activo fixo tangível nos termos da norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 7 - Activos fixos tangíveis, por remissão do parágrafo 24 da NCRF 9 (Locações), normas estas aprovadas em conjunto com o Sistema de Normalização Contabilística, consagrando os princípios e normas que permitem à contabilidade processar os dados de forma a obter as demonstrações financeiras, mais entrando em vigor no primeiro exercício fiscal anual ocorrido em 1/01/2010 ou após esta data (cfr.dec.lei 158/2009, de 13/07; António Ribeiro Gameiro e Outros, Manual de Contabilidade para Juristas, Almedina, 2019, pág.27 e seg.).
A mais ou menos-valia pelo desreconhecimento do imóvel, classificada como item do activo fixo tangível, é determinada pela diferença entre o valor de realização do bem e a quantia escriturada (valor líquido contabilístico) do mesmo bem, conforme previsto no parágrafo 70 da NCRF nº.7.
Apesar disso, essas mais ou menos-valias não são reconhecidas como tal pelo legislador fiscal, como claramente resulta do disposto no artº.46, nº.6, al.a), do C.I.R.C., ou seja, não constituem ganhos ou perdas que devam influenciar o lucro tributável, afastando-se aqui, inequivocamente, a lei fiscal do direito contabilístico. Por outras palavras, o legislador exclui do regime do artº.46, do C.I.R.C., por não os considerar mais-valias ou menos-valias, os resultados obtidos em consequência da entrega pelo locatário ao locador dos bens objecto de locação financeira (cfr.Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.406, em anotação ao artº.46; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.371, em anotação ao então artº.42).
Revertendo ao caso dos autos, em causa está uma perda consubstanciada numa menos-valia contabilística, à qual é aplicável o regime consagrado no artº.46, nº.6, al.a), do C.I.R.C., norma que exclui a relevância de tal perda para efeitos fiscais, como acabámos de concluir.
Com estes pressupostos, deve decidir-se, com o Tribunal "a quo", pela legalidade da correcção sob exame, assim não padecendo o acto tributário objecto do presente processo, de qualquer vício, contrariamente ao defendido pela sociedade recorrente.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 28 de Fevereiro de 2024- Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha – José Gomes Correia.