Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0232/23.3BELSB
Data do Acordão:03/14/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32011
Nº do Documento:SA1202403140232/23
Recorrente:IHRU – INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA, I.P.
Recorrido 1:A..., S.A. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO
A..., S.A, devidamente identificada nos autos, intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Juízo de Contratos Públicos (TAF) a presente acção administrativa pré-contratual contra o INSTITUTO DA HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA, IP, doravante IHRU, indicando como contra–interessada B..., S.A, pedindo a anulação da deliberação, de 21/12/2022, do Conselho Directivo do IHRU, que adjudicou à proposta da contra-interessada os Lotes ... a ... do concurso público “PA....07 - Empreitada de Construção dos Lotes ..., ..., ..., ... e ..., 10 ..., ...” e do contrato que viesse a ser celebrado, bem como, a condenação da entidade demandada a adjudicar-lhe a referida empreitada:
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O TAF do Porto por decisão datada de 21 de Abril de 2023, (SANEADOR/SENTENÇA) julgou a acção totalmente procedente, anulou a deliberação impugnada e o contrato celebrado com a contra-interessada e condenou a entidade demandada a adjudicar à A. a empreitada, consignando quanto à requerida produção de prova:
«Considerando as questões suscitadas nos autos, à luz das peças processuais apresentadas, constata-se que a matéria factual objeto de prova se reporta à tramitação do procedimento pré-contratual e aos atos nele praticados, revelando-se apenas controvertidas questões de natureza jurídica a dirimir em sede de fundamentação de direito. Nessa medida, a prova é de natureza documental, verificando-se que os autos e o processo administrativo apenso contêm, já, os elementos necessários, sem necessidade de maiores indagações ou de realização de diligências de prova adicionais, para conhecer dos pedidos formulados.
Pelo exposto, revela-se claramente desnecessária a produção de prova testemunhal requerida pela Entidade Demandada, razão pela qual se indefere o requerimento de prova testemunhal, nos termos do art. 90º, nº 3 do CPTA.
Assim sendo, e não havendo que realizar instrução da causa, porque a audiência prévia teria apenas as finalidades previstas nas alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 87º-A do CPTA, dispensa-se a sua realização, nos termos do nº 2 e 3 do artigo 87º-B do mesmo diploma legal, não havendo lugar a alegações em conformidade com o art. 102º, nº 2 do CPTA».
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Inconformados, tanto a entidade demandada como a contra-interessada interpuseram recurso jurisdicional para o TCA Norte, tendo este, por acórdão proferido a 20 de Outubro de 2023, negado provimento a ambos os recursos, confirmando a sentença recorrida.
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Desta decisão vêm interpostos 2 recursos de revista.
Por um lado, (i) a entidade demandada que apresenta para o efeito as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
«1.ª As questões enunciadas sumariamente no presente recurso – a violação do direito à prova; a violação das normas contidas nos artigos 236º, 238. e 249º do Código Civil, aplicáveis ex vi do artigo 280º, nº 4, do CCP no contexto de propostas pré-contratuais; e a violação do dever de ponderação que é exigida ex officio pelo comando legal que é inscrito no nº 4 artigo 283º do CCP – são tudo questões, que, pela sua relevância jurídica, se revestem de importância fundamental, cuja admissão do recurso se revela necessária para uma melhor aplicação do direito, desde logo porque, em flagrante omissão de pronúncia, nem sequer foram apreciadas pelo Tribunal a quo.
2.ª As instâncias concluíram, em síntese, sem admitir a produção de qualquer meio prova testemunhal pela procedência da ação com base numa interpretação puramente subjetiva, bastante discutível, realizada unilateralmente pelo juiz da causa (um jurista) de alguns fragmentos de frases contidos em documentos de natureza técnica da proposta da Contrainteressada, através dos quais se extraíram os meros juízos conclusivos – a existência de alegados e pretensoslimites na remoção de terras”, “fornecimentos de caixilharias aço” e “planos de trabalhos de uma duração para o trabalho a que se reporta o artigo 12.10.1 inferior a 1 ano” – quanto a uma pretensa violação do Caderno de Encargos e que vieram a suportar a procedência da ação.
3.ª As três páginas e meia que constituem a única parte inovatória do acórdão recorrido sub judice (cfr. pp. 131, 132, 133 e 134 do Acórdão de 20 de outubro de 2023) constituem o corpo do delito da prática de uma situação próxima de crime de denegação de justiça previsto e punido no nº 1 do artigo 369º do Código Penal – “o funcionário que, no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contra-ordenação ou disciplinar, conscientemente e contra direito, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir, ou praticar acto no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce”.
4.ª O Réu não compreende e nem aceita, que um Tribunal não lhe dê oportunidade de provar que a interpretação disparatada puramente subjetiva adotada de alguns fragmentos de frases, contidos em vários documentos técnicos da proposta da Contrainteressada, não fazem o mínimo de sentido, como qualquer engenheiro poderá concluir.
5.ª A admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito uma vez que o decidido pelas instâncias é um exemplo paradigmático da utilização apressada e desleixada de critérios de decisão que fazem prevalecer a forma sobre a substância com grave prejuízo para a justiça material do caso concreto.
6.ª As questões em discussão nos presentes autos, devido à sua relevância social e jurídica, ao abordarem aspetos relacionadas com os pressupostos da aplicação ex officio do artigo 283º, nº 4, do CCP, revestem-se de importância fundamental para a evolução do direito administrativo e para o seu correto tratamento jurisprudencial, pelo que, deve o presente recurso ser admitido.
7.ª A procedência da presente ação assenta numa interpretação puramente subjetiva, efetuada unilateralmente pelo juiz da causa, de alguns fragmentos de frases contidos em documentos de natureza técnica da proposta da Contrainteressada, através dos quais se extraíram meros juízos conclusivos acerca da existência de alegados e pretensoslimites na remoção de terras”, “fornecimentos de caixilharias aço” e “planos de trabalhos de uma duração para o trabalho a que se reporta o artigo 12.10.1 inferior a 1 ano”.
8.ª A interpretação dos vários documentos técnicos (memórias descritivas e justificativas, planos de trabalhos, planos de equipamento e planos de mão de obra) que integram as propostas da Contrainteressada, inseridas que estão num procedimento pré-contratual, encontram-se sujeita às regras gerais sobre a manifestação da vontade em contratar previstas, designadamente, nos artigos 236º e 238º do Código Civil, aplicáveis por via do nº 4 do artigo 280º do Código dos Contratos Públicos (CCP).
9.ª O direito à prova “exige que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição, de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa (...) Mas as partes têm também direito, como manifestação do princípio do contraditório, à admissão de todas as provas relevantes para o objecto da causa (513), pelo que o Juiz não pode, no despacho de admissão das provas ou na fase de instrução, rejeitar um meio de prova, por irrelevância, baseado na convicção que já tenha formado quanto à não verificação do facto que se pretende provar através desse meio” e apenas permitem a rejeição de meios de prova requeridos, por desnecessários, “quando, ao invés, (o Juiz) esteja já convicto da verificação do facto que a parte pretende provar, sem que haja meios de prova a produzir que venham a abalar essa convicção (cfr. José Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil Anotado, II, p. 388; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, II, pp. 35 e 36 e José Lebre de Freitas e Outros, Introdução, pp. 98 a 102).
10.ª As instâncias ao terem considerado que dispunham de todos os elementos necessários à prolação da decisão a produzir no presente indeferindo a prova testemunhal requerida (a audição de “testemunhas periciais”), apesar não dispor de todos os “elementos indispensáveis” para a conveniente apreciação dos pressupostos de facto da interpretação que efetuou dos vários documentos técnicos das propostas, violou o direito à prova da Entidade Demandada, o artigo 90º, n.ºs 1 e 3, do CPTA, os artigos 410º, 411.º, 413º e 593º do CPC, bem como, os artigos 236º e 238º do Código Civil, aplicáveis ex vi do artigo 280º, nº 4, do CCP.
11.ª A norma aplicada pelas instâncias que se retira das disposições conjugadas do artigo 90º, nºs 1 e 3, do CPTA e dos artigos 410º, 411º, 413º e 593º do CPC – interpretada no sentido de ser possível a rejeição da admissão de provas relevantes para o objeto da causa baseado na convicção que já tenha formado quanto à verificação de facto contrário ao que se pretende provar – é materialmente inconstitucional por violar os princípios da confiança, da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva consagrados nos artigos 2º, 18º, 20º e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.
12.ª O Professor LEBRE DE FREITAS entende que constitui “ofensa do direito de prova, emanação do princípio constitucional do contraditório, a recusa, a menos que para tal seja inidóneo, da produção dum meio oferecido para prova dum facto que não deva considerar-se já provado” (cfr. José Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil Anotado, II, p. 388 e José Lebre de Freitas e Outros, Introdução, p. 98 a 102).
13.ª O Tribunal ad quem deve, portanto, recusar a aplicação ao caso concreto da norma que se retira do artigo 90.º, nºs 1 e 3, do CPTA e dos artigos 410º, 411º, 413º e 593º do CPC, por violação dos princípios da confiança, da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva consagrados nos artigos 2º, 18º, 20º e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.
14.ª As Memórias Descritivas e Justificativas (MDJs) das propostas da Contrainteressada referem expressamente que “a remoção de produtos da escavação, entulhos e lixos para fora do local da obra, far-se-á regularmente para vazadouros e aterros sanitários autorizados para o efeito, de forma a manter a obra limpa e arrumada, em observância do plano de prevenção e gestão de RCD e das normas vertidas no DL 46/2008 de 12 de Março e do DL 178/2006 de 05 de Setembro” (vide o ponto “12.2.1 Terraplanagens: Escavações” das MDJs).
15.ª As MDJs das propostas da Contrainteressada referem expressamente que “Após o esclarecimento de dúvidas que possam existir (…) proceder-se-á à apresentação prévia de um plano de trabalhos ajustado para a execução da obra, que contemplará (…) um plano detalhado e devidamente justificado para a localização de áreas a afetar a depósitos e vazadouros temporários” (vide o ponto “11.5 Preparação” das MDJs).
16.ª As MDJs das propostas da Contrainteressada referem expressamente que “Serão realizados os trabalhos de carga, transporte e descarga de solos não utilizáveis, por inadequação ou excesso, dos locais de extração para vazadouro”(…) A B... assumirá as indemnizações e serviços de VAZADOURO” (vide o ponto “12.2.4 Terraplenagens: Remoção e Transporte de Terras” das MDJs).
17.ª As MDJs das propostas da Contrainteressada referem expressamente que “A B... assegurará a obtenção de vazadouro para os produtos sobrantes, caso o Dono de Obra não possua vazadouro próprio. Consideram-se no transporte de terras as operações de condução de terras em excesso, desde os locais de extração aos vazadouros, e das terras de empréstimo, desde os locais de origem aos de aplicação. Também se consideram em transporte de terras as operações de condução destas a depósitos provisórios e, posteriormente, aos locais de aplicação. Estão considerados os transportes de materiais de demolições” (vide o ponto “12.4 TRANSPORTES DE TERRAS 12.4.1 Âmbito de Aplicação” das MDJs).
18.ª A referência à remoção de terras até a uma distância máxima de 50 metros constante das MDJs reporta-se, portanto, como é evidente e como resulta de uma interpretação crítica, global e conjugada de tais documentos, à sua remoção provisória para os locais de depósitos e vazadouros temporários da própria obra que vierem a ser definidos no plano de estaleiro, sem prejuízo do seu posterior transporte a vazadouro (sem qualquer limite em matéria de distância máxima), se necessário, dependendo se forem terras reaproveitadas ou sobrantes.
19.ª Como é lógico, não se concebeu e seria um absurdo a existência de um vazadouro licenciado a menos de 50 metros do local da empreitada, pelo que, a tese da Autora (a que as instâncias aderiram), de que a Contrainteressada prevê na sua proposta uma limitação quanto à distância de remoção de terras, não faz qualquer sentido, nem isso resulta das MDJs, resultando antes que tal interpretação é enviesada e resulta de uma leitura fragmentária e redutora de uma frase isolada em detrimento de uma leitura crítica, global e conjugada das memórias descritiva e demais documentos que compõem as propostas.
20.ª Aliás, milita no sentido de uma interpretação contrária à efetuada pelo Tribunal a quo, conforme alegado nos artigos 140.º, 141.º e 147.º da contestação do Réu, a circunstância das MDJs para os Lotes ... a ... regularem nos pontos “12.2.4 Terraplenagens: Remoção e Transporte de Terras” e “12.2.7 Fundações e Infraestruturas: Remoção e Transporte”, refere-se aos “trabalhos de carga, transporte e descarga de solos não utilizáveis, por inadequação ou excesso, dos locais de extração para vazadouro” os transportes de terras sem colocar quaisquer limites de distância à remoção e transporte a vazadouro das terras sobrantes (cfr. páginas 78 e 79 de 226 e páginas 82 e 83 de 226, das MDJs), o teor dos artigos 1.1.2 e 1.1.3 do Mapa de Quantidades e Descrição dos Trabalhos da proposta da Contrainteressada (cfr. o ponto 8. da matéria de facto considerada provada) e o parecer da equipa projetista citado no relatório final (cfr. o ponto 14. da matéria de facto considerada provada).
21.ª À luz do que consta escrito literalmente nas MDJs e demais documentos da proposta apresentada pela Contrainteressada, é manifesto que não se pode concluir, sem mais, que esta “apenas remove as terras até uma distância de 50 metros” incumprindo o disposto no Caderno de Encargos, pelo que, o Tribunal a quo efetuou uma leitura claramente descontextualizada de tais documentos, omitindo partes fundamentais do respetivo texto, alterando o seu sentido e correta interpretação, e violando os n.ºs 1 do artigo 236.º e 238.º do Código Civil.
22.ª A tese da Autora de que a Contrainteressada prevê na sua proposta uma limitação quanto à distância de remoção de terras (um vazadouro licenciado a menos de 50 metros da empreitada) é um absurdo e não faz qualquer sentido, nem isso resulta das MDJs, resultando antes que tal interpretação é enviesada e resulta de uma leitura fragmentária e redutora de uma frase isolada de tais documentos em detrimento de uma interpretação crítica e conjugada de todo o texto das MDJs e demais documentos que compõem as propostas, tendo o Tribunal a quo, ao aderir a tal tese, violado os nºs 3 e 4 do artigo 94.º do CPTA e as als. a), b) e c) do nº 2 do artigo 5.º e os nºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1º do CPTA).
23.ª O Acórdão de 20 de outubro de 2023 ao concluir, por remissão para o decidido em primeira instância, que se prevê nas propostas da Contrainteressada que esta “apenas remove as terras até uma distância de 50 metros”, enferma de erro de julgamento na interpretação do ponto 8. (onde se considerou “integralmente reproduzido” todos os documentos da proposta do Contrainteressado) e do ponto 14. (transcrição do relatório final) da matéria de facto considerada provada, tendo ainda violado os artigos 236º e 238º do Código Civil.
24.ª Analisadas as MDJs no seu todo, de forma completa, integrada e conjugada, verificamos que as referências a “caixilharias em aço” constituem meros lapsos de escrita «revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita” (cfr. artigo 249º do Código Civil), pois sob a epígrafe “12.9.1. Caixilharias em Aço” descreverem-se procedimentos aplicáveis ao fornecimento, montagem e instalação de caixilharias, quer em alumínio, quer em aço, visto que os procedimentos não divergem em função do tipo de material a fornecer (cfr. o ponto 8. da matéria de facto considerada provada e o ponto 17. da matéria de facto considerada provada).
25.ª Analisadas as MDJs no seu todo, de forma completa, integrada e conjugada, verificamos que as referências a “caixilharias em aço” constituem meros lapsos de escrita «revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita” (cfr. artigo 249.º do Código Civil), pois sob a epígrafe “12.9.1. Caixilharias em Aço” descreverem-se procedimentos nos quais é chamada a “atenção” para a “eliminação de fenómenos de corrosão eletrolítica, provocados pelo contacto do alumínio com outros metais” (cfr. Págs. 138 das MDJs).
26.ª Analisadas as MDJs no seu todo, de forma completa, integrada e conjugada, verificamos que as referências a “caixilharias em aço” constituem meros lapsos de escrita «revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita” (cfr. artigo 249.º do Código Civil), pois consta expressamente das mesmas que sob a epígrafe “12.9.1. Caixilharias em Aço 12.9.1.1 Aspetos gerais O fornecimento e montagem de folhas e caixilhos dos vãos descritos no projeto, executados conforme especificações do fabricante do sistema, incluindo todos os acessórios de assemblagem de componente se montagem do conjunto especificados.” (cfr. o ponto 8. da matéria de facto considerada provada).
27.ª Aliás, milita no sentido de uma interpretação contrária à efetuada pelo Tribunal a quo do termo “caixilharias de aço” empregue (cfr. Págs. 137 das MDJs), o alegado nos artigos 145.º e 146.º da contestação do Réu, e, nomeadamente, a circunstância de nenhum dos outros documentos da proposta da Contrainteressada para os Lotes ... a ..., nomeadamente, as Memórias Descritivas e Justificativas, os Planos de Trabalhos, os Planos de Mão de Obra e os Planos de Equipamento, fazer qualquer referência ou identificar, devido às poucas quantidades previstas no projeto, a existência de qualquer “Equipa de Caixilharia de Aço”.
28.ª As MDJs das propostas da Contrainteressada, pelo contrário, fazem expressa referência à “Equipa de Caixilharia de Alumínio” (Págs. 14, 16 e 17 das MDJs) e todos os demais documentos das propostas da Contrainteressada, nomeadamente, cada um dos Mapas de Quantidades e Descrição dos Trabalhos, os Planos de Trabalhos, os Planos de Mão de Obra e os Planos de Equipamento), referem-se sempre a “caixilharias em alumínio” (31 tarefas ou referências),“Equipa de Caixilharia de Alumínio” (31 tarefas ou referências), “Serralheiro de Alumínio” (31 tarefas ou referências) e “Auxiliar de Serralheiro de Alumínio” (31 tarefas ou referências) e a “Equipamento de Serralheiro de Alumínio” (31 tarefas ou referências), nunca fazendo qualquer referência, por uma única vez, à existência de uma “Equipa de Caixilharia de Aço”.
29.ª Acresce que, constituindo ainda facto público e notório (cfr. artigo 412.º do CPC) que a caixilharia de aço é substancialmente mais cara (2 a 3 vezes) do que a caixilharia de alumínio, seria totalmente descabido que a Contrainteressada quisesse propor a aplicação de caixilharia de aço ao preço de caixilharia de alumínio, incorrendo em avultados prejuízos.
30.ª O n.º 4 do artigo 72.º do CCP determina expressamente que “o júri procede à retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido”, motivo pelo qual o júri acompanhou o parecer emitido pela equipa projetista “na medida em que dele consegue a segurança de que as diferenças evidenciadas constituem meros lapsos e descrita e não qualquer alteração ao projeto patenteado a concurso” (cfr. relatório final a fls. no processo administrativo e que consta do ponto 16. da matéria de facto considerada provada).
31.ª Uma vez que sob a epígrafe “12.9.1. Caixilharias em Aço” se descreve o modo de execução da atividade das caixilharias em aço (também previstas na obra, mas em menor quantidade) e em alumínio, cujos procedimentos de montagem são análogos, à luz de uma interpretação crítica e conjugada de tudo o que consta escrito literalmente nas MDJs e demais documentos da proposta apresentada pela Contrainteressada, é manifesto que se tem que concluir que onde se lê atualmente “caixilharias em aço” se deve ler “caixilharias em aço ou alumínio” ou, de forma até mais correta, apenas “caixilharias”.
32.ª O Tribunal a quo ao ler nas propostas da Contrainteressada uma alegada substituição das caixilharias em alumínio previstas no projeto por caixilharias em aço e ao concluir pela exclusão das propostas com fundamento na alegada violação de um aspeto da execução do contrato a celebrar não submetidos à concorrência, enferma de erro de julgamento na interpretação do ponto 8. (onde se considerou “integralmente reproduzido” todos os documentos da proposta do Contrainteressado) e dos pontos 14., 16. e 17. da matéria de facto considerada provada, violando os artigos 236.º, 238.º e 249.º do Código Civil.
33.ª Ao contrário do que é sentenciado fica bem evidente a existência de um mero lapsus calami nos vários planos de trabalho das propostas, desde logo porque o próprio descritivo do artigo, que a Contrainteressada replicou expressamente (pelo menos 12 vezes) em todos os seus documentos do planeamento (os Planos de Trabalhos, os Planos de Mão de Obra e os Planos de Equipamento), a expressão “12.10.1 Operação & Manutenção - 1 ano” (sublinhado nosso), pelo que, pelo contrário, é a referência que é efetuada nos mesmos documentos a “258” dias que se encontra incorreta.
34.ª Milita no sentido de uma interpretação contrária à efetuada pelo Tribunal a quo a uma alegada e pretensa “duração para o trabalho a que se reporta o artigo 12.10.1 inferior a 1 ano” a circunstância de em cada um dos Planos de Trabalhos das propostas da Contrainteressada para os Lotes ... a ... se ter feito exarar o seguinte texto “12.10.1 Operação & Manutenção - 1 ano” (sublinhado nosso) nos seguintes termos:
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35.ª Milita no sentido de uma interpretação contrária à efetuada pelo Tribunal a quo quanto a uma alegada e pretensa “duração para o trabalho a que se reporta o artigo 12.10.1 inferior a 1 ano” a circunstância de em cada um dos Planos de Equipamento das propostas da Contrainteressada para os Lotes ... a ... se ter feito exarar o seguinte texto “12.10.1 Operação & Manutenção - 1 ano” (sublinhado nosso) nos seguintes termos:
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36.ª Milita no sentido de uma interpretação contrária à efetuada pelo Tribunal a quo quanto a uma alegada e pretensa “duração para o trabalho a que se reporta o artigo 12.10.1 inferior a 1 ano” a circunstância de em cada um dos Planos de Mão de Obra das propostas das Contrainteressada para os Lotes ... a ... se ter feito exarar o seguinte texto “12.10.º1 Operação & Manutenção - 1 ano” (sublinhado nosso) nos seguintes termos:
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37.ª Se, efetivamente, fosse intenção da Contrainteressada encurtar o prazo fixado para a duração de tais tarefas, a mesma teria omitido a parte em que se refere “1 ano” em todos os documentos do planeamento ao invés de repetir essa mesma expressão pelo menos doze vezes.
38.ª Sempre será maior a probabilidade estatística de que a alusão que é efetuada nos Planos de Trabalhos a “258” dias, quando interpretada como aplicando-se à tarefa denominada “12.10.1 Operação & Manutenção”, como sendo a expressão verdadeiramente incorreta por mero lapso de escrita.
39.ª A inclusão de referências a “258” dias da Contrainteressada nos Planos de Trabalhos, constituirá, na pior das hipóteses, um mero lapso de escritarevelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita” que apenas confere ao concorrente em causa o “direito à rectificação”, a todo o tempo, do erro de escrita, considerando o a expressão como “não escrita” (cfr. artigo 249.º do Código Civil).
40.ª A circunstância do Réu, enquanto Dono de Obra, e de todos os demais intervenientes em obra sempre terem interpretados os documentos das propostas da Contrainteressada tendo por pressuposto a existência de uma “Operação & Manutenção” dos painéis fotovoltaicos com “1 ano” de duração, tendo, inclusive, aprovado (antes de proferida a decisão recorrida) os Planos de Trabalho ajustados para os Lotes ... a ... com base nesse mesmo pressuposto de facto, revela, de forma clara, o equívoco de que enferma a decisão recorrida.
41.ª Ainda que assim não se entendesse, sempre seria totalmente descabido determinar a exclusão das propostas da Contrainteressada com base neste fundamento, porquanto, a tarefa de “Operação & Manutenção” (a executar após a receção provisória e conclusão de todos os “trabalhos” da empreitada) não faz, em sentido próprio, parte integrante da empreitada propriamente dita e, como tal, não tinha que ser representada nos vários documentos do planeamento (como, aliás, se concluiu na decisão de primeira instância).
42.ª O “plano de trabalhos” tal como ele se encontra previsto e definido na al. e) do n.º 1 do artigo 8.º do Programa de Procedimento (cfr. ponto 2. da matéria de facto provada) e nos artigos 57.º, n.º 2, al. b), 343.º, 361.º e 394.º do CCP destina-se apenas a planificar os “trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alteração ou adaptação, conservação, restauro, reparação, reabilitação, beneficiação e demolição de bens imóveis” a realizar durante o prazo de execução da obra que se enquadrem nas “subcategorias previstas no regime de ingresso e permanência na atividade de construção”.
43.ª A definição das tarefas de operação e manutenção, próprios de uma prestação de serviços, a realizar após a conclusão da empreitada, nem sequer teriam que constar do planeamento da empreitada, por não fazerem, em sentido próprio, parte da empreitada propriamente dita, apesar de fazerem parte do objeto do contrato a celebrar, razão pela qual não faz qualquer sentido excluir as propostas da Contrainteressada por este motivo à luz do previsto e definido nos artigos 57.º, n.º 2, al. b), 343.º, 361.º e 394.º do CCP.
44.ª O Tribunal a quo ao concluir que se prevê nas propostas da Contrainteressada a “uma duração para o trabalho a que se reporta o artigo 12.10.1 inferior a 1 ano” e ao concluir pela exclusão das propostas com fundamento na alegada violação de um aspeto da execução do contrato a celebrar não submetidos à concorrência, enferma de erro de julgamento na análise e interpretação do ponto 8. (onde se considerou “integralmente reproduzido” todos os documentos da proposta do Contrainteressado), tendo ainda violado os artigos 57.º, n.º 2, al. b), 343.º, 361.º e 394.º do CCP e os artigos 236.º, 238.º e 249.º do Código Civil.
A TÍTULO SUBSIDIÁRIO AO ALEGADO NAS CONCLUSÕES 7.ª A 44.ª:
45.ª As instâncias anularam o contrato invocando o disposto no n.º 2 do artigo 283.º do CCP, mas esqueceram-se de efetuar a ponderação que é exigida ex officio no âmbito da aplicação do direito aplicável pelo comando legal que é inscrito no n.º 4 da mesma disposição legal de onde resulta que o “efeito anulatório previsto no n.º 2 pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral, quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do ato procedimental em causa, a anulação do contrato se revele desproporcionada ou contrária à boa-fé”.
46.ª As alegadas contradições no texto dos documentos das propostas com o Caderno de Encargos, a existirem como alegado, o que muito se duvida, nunca serão aplicadas no plano dos factos durante a execução do contrato com decorre das Cláusulas 2.ª e 3.ª do Caderno de Encargos e das regras de prevalência previstas nos artigos 51.º e 96.º, n.ºs 2, 5 e 6, e 279.º do CCP e da imperativa e perentória prevalência do que se dispõe no Caderno de Encargos e no clausulado do Contrato, é manifesta a falta de gravidade da alegada, mas não provada, “ofensa geradora do vício do ato procedimental em causa”.
47.ª A consignação das obras a que se referem os Lotes ..., ..., ... e ... ocorreu em 29 de março de 2023, a aprovação dos Planos de Segurança e Saúde só foi comunicada à Contrainteressada em 05 de abril de 2023 e o início dos trabalhos e do prazo para execução e conclusão da empreitada de 600 dias só ocorreu em 10 de abril de 2023 já com um atraso de cerca de 71 dias em relação ao que se encontrava inicialmente programado com o objetivo de cumprir as metas previstas contrato de financiamento celebrado pelo Réu e no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) aprovado para Portugal.
48.ª A substituição do empreiteiro durante o decurso dos trabalhos da empreitada implicaria, nomeadamente, o cancelamento de garantias, de contratos e encomendas de materiais já efetuadas, a receção provisória de trabalhos, a realização de vistorias, a medição dos trabalhos já realizados e a liquidação da conta final, bem como, a repetição das formalidades associadas à habilitação, à assinatura do contrato, à prestação de garantias, à preparação da obra, à contratação de mão de obra e de subempreiteiros, à realização de uma nova consignação, à elaboração e aprovação de novo Plano de Segurança e Saúde e de um novo plano de trabalhos ajustado para quatro empreitadas.
49.ª A ponderação a realizar pelo julgador ao abrigo do n.º 4 do artigo 283.º do CCP deve considerar que, no caso concreto, a obra já se iniciou com um atraso de cerca de 71 dias em relação ao que se encontrava inicialmente previsto, a circunstância do contrato já ter sido celebrado e se encontrar atualmente a ser executado, a perturbação e os atrasos que seriam provocados na execução dos trabalhos com a substituição do empreiteiro e o risco de incumprimento das metas previstas contrato de financiamento celebrado pelo Réu e no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) aprovado para Portugal.
50.ª O resultado da ponderação a realizar pelo julgador ao abrigo do n.º 4 do artigo 283.º do CCP não poderia deixar de ser análoga à que já foi efetuada por sentença de 20 de março de 2023 através da qual se concluiu no “quadro de ponderação dos interesses envolvidos” (…) “que os prejuízos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo, atento o adiamento na concretização das políticas habitacionais públicas num contexto de premência em dar soluções e respostas ao mesmo e a possibilidade de perda de financiamento, são superiores aos que podem resultar do seu levantamento” tendo por pressuposto os factos considerados provados nos pontos 1 a 7 dessa decisão que aqui se dão por integralmente reproduzidos (cfr. a sentença de 20 de março de 2023 que consta a fls. 2880-2922 no processo digital).
51.ª Dos poderes e deveres de cognição do tribunal de recurso, decorre que todas aquelas questões de conhecimento oficioso, ou seja, que o tribunal tem obrigação de conhecer independentemente de alegação, isto é, sejam ou não invocadas, e independentemente do concreto conteúdo da decisão recorrida, quer elas digam respeito à relação processual quer à relação material controvertida, o tribunal de recurso terá de a conhecer mesmo que ela não tenha sido abordada na decisão recorrida de primeira instância.
52.ª Conforme jurisprudência firmada neste Supremo Tribunal Administrativo, a aplicação do princípio do aproveitamento dos atos que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, positivado no n.º 4 do art.º 283.º, constitui matéria de conhecimento oficioso para o juiz de primeira instância, pois este “não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (vide o n.º 3 do artigo 5.º e os n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA).
53.ª O Tribunal a quo ao confirmar a anulação do contrato adjudicado afirmando que “o caso concreto permite identificar apenas uma solução como legalmente possível” e que “assiste à A. o direito à adjudicação” sem sequer ponderar o afastamento do efeito anulatório ao abrigo do n.º 4 do artigo 283.º do CCP (questão de direito) devido à reduzida gravidade das alegadas “ofensas” geradoras de invalidade e à circunstância do contrato se encontrar em plena execução, enferma de erro de julgamento na interpretação dos artigos 283.º, n.º 4, do CCP, do artigo 107.º, n.º 9, do CPTA e das als. a), b) e c) do n.º 2 e o n.º 3 do artigo 5.º e dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.»
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Por outro lado, (i) a contra-interessada, concluiu as suas alegações do modo seguinte:
«A. O presente recurso de revista deve ser admitido em nome da “necessidade de uma melhor aplicação do direito” e em nome da “relevância social e jurídica da questão”, uma vez que resulta evidente a necessidade de uma melhor aplicação do direito, já que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre todas a questões que se devia pronunciar e, bem assim, por ter ficado patente uma errada aplicação do direito ao manter a exclusão das propostas da Recorrente;
B. Tendo a Recorrente, em sede de recurso, impugnado a matéria de facto, fazendo constar das suas alegações e conclusões os pontos de facto que considerava incorretamente julgados, assim como os concretos elementos probatórios, ou ausência deles, que, no seu entendimento, impunham uma decisão distinta da adotada pela decisão recorrida, era dever do Tribunal a quo pronunciar-se ou conhecer sobre as questões que lhe haviam sido submetidas;
C. O Acórdão ora em crise não se pronunciou quando aos pontos A), B) e C) das conclusões de recurso da ora recorrente, as quais eram objeto do recurso, estando o julgador obrigado a conhecer das mesmas;
D. A decisão recorrida encontra-se ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, já que não tomou posição nem decidiu sobre matérias que foi convocada a decidir; Não se tendo pronunciado sobre questões que devia de conhecer, o Tribunal a quo não assegurou uma tutela jurisdicional efetiva do caso dos autos;
E. Sendo nulo o Acórdão recorrido, impõe-se a sua anulação e, bem assim, a sua substituição por outra decisão que conheça do objeto do recurso;
F. O caso dos autos, e tendo por base o disposto no artigo 150º, n.º 4, do CPTA, pode, e deve, este douto STA conhecer da matéria de facto, uma vez que o erro apontado ao julgamento de facto da decisão recorrida se prende com uma total ausência ou inexistência de prova relativamente aos seguintes factos dados como provados – a CI “fez constar expressamente que iria colocar caixilharias de alumínio e que, no caso de “Terraplanagens: Escavações” apenas remove terras até uma distância de 50 metros”;
G. Se, em revista, o STA pode apreciar matéria de facto nos casos de prova vinculada - existência de disposição que exija certa espécie de prova/ fixe a força de determinado meio de prova -, por maioria da razão, também poderá apreciar matéria de facto nas situações em que se verifique total ausência ou inexistência de prova, ou de meios de prova, que permitam dar como provados os factos da conclusão precedente;
H. Da análise da prova dos autos, nomeadamente, dos documentos das propostas da CI, não se retira que a mesma tenha proposto caixilharias de aço ao invés de alumínio, nem que a mesma tenha limitado a remoção/ transporte de terras até uma distância de 50 metros;
I. De acordo com a prova constante dos autos, devem considerar-se não provados os factos a seguir indicados, devendo ser aditado o seguinte ponto à matéria de facto dada como não provada - subcapítulo “IV.2. Factos não provados”: “Da prova documental constante dos autos, consideram-se não provado que a CI fez constar expressamente da sua proposta que iria colocar caixilharias de aço e que, no caso de “Terraplanagens: Escavações” apenas remove terras até uma distância de 50 metros”;
J. Deve assim, este douto STA, substituir-se ao Tribunal a quo e corrigir o errado julgamento da matéria de facto que foi feito pelas instâncias recorridas, nos termos e com os fundamentos já exposto, já que a prova constante dos autos, ou a falta dela, neste caso, impõe, decisiva e forçosamente decisão distinta da tomada anteriormente; ou, assim não entendendo, deve mandar baixar o processo ao Tribunal Central Administrativo do Norte a fim de esta proceder à correspondente reforma do Acórdão e cuja anulação se impõe;
K. Em qualquer dos casos, e sem prejuízo da reforma da decisão recorrida quanto à matéria de facto, sempre se imporá a correção da mesma quanto à matéria de direito, uma vez que a decisão recorrida incorreu em erro no julgamento de direito, ao considerar que constitui motivo de exclusão das propostas da CI, por violação de termos e condições não submetidos à concorrência, o facto de se prever, por lapso manifesto, um prazo de 258 dias para a atividade de “Operação e Manutenção” – artigo 12.10 do MQT, quando o CE determina que tal atividade tenha a duração de 12 meses;
L. Pelo contexto da proposta, é manifesto que a previsão de um prazo de 258 dias para a atividade de “Operação e Manutenção” se trata de um lapso; e
M. Ainda que assim não fosse, nunca seria de excluir as propostas da CI pelo facto de preverem um prazo desconforme o CE para a atividade de “Operação e Manutenção”, uma vez que se trata de uma tarefa que não faz parte da empreitada propriamente dita;
N. O contrato objeto do presente procedimento assume-se como um contrato misto, que comporta prestações típicas de uma empreitada de obras públicas e, ainda, uma componente de aquisição de serviços – Operação & Manutenção;
O. O plano de trabalhos destina-se a planificar os trabalhos a realizar durante o prazo de execução da obra, conforme se encontra previsto no artigo 361, n.º 1, do CCP: “O plano de trabalhos destina-se, com respeito pelo prazo de execução da obra, à fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e à especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe executá-los, bem como à definição do correspondente plano de pagamentos.”;
P. O plano de trabalhos não se destina, nem tem por objeto, a definição de atividades a decorrer após a conclusão da empreitada, nomeadamente, a atividade de operação e manutenção;
Q. Logo, a previsão das tarefas de operação e manutenção, próprias de uma prestação de serviços, a realizar após a execução da obra, não têm que constar do planeamento da empreitada, por não fazerem parte das prestações objeto da empreitada;
R. Não constitui apresentação de condições e termos em violação de aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência a previsão, ou a incorreta previsão, da atividade de operação e manutenção nos documentos do planeamento, quando tal não resulta de exigência legal ou procedimental;
S. As propostas da aqui Recorrente não padecem dos vícios que lhe são, erradamente, apontados na decisão da primeira instância e mantidos na decisão recorrida, nem as mesmas propostas se encontram inquinadas por qualquer irregularidade/ vício que configure motivo de exclusão das propostas.».
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A A, ora recorrida, apresentou contra-alegações, onde formulou as seguintes conclusões:
«A. O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 20 de outubro de 2023, por via do qual se confirmou a Sentença proferida em primeira instância pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (“TAF do Porto”), que, e bem, havia determinado a anulação da decisão de adjudicação da proposta apresentada pela B... adotada pelo IHRU, na qualidade de entidade adjudicante.
B. Ante os fundamentos convocados pelo Acórdão recorrido para confirmar integralmente o teor da Sentença proferida em primeira instância, competia aos Recorrentes elencar concretamente as questões jurídicas que, eventualmente, pudessem reclamar um melhor esclarecimento ou julgamento, em face da respetiva relevância e/ou por decorrerem de um ostensivo (e grave) erro de Direito.
C. Os Recorrentes, no entanto, não lograram cumprir o ónus de alegação que sobre eles recaía.
D. Ora, de acordo com o artigo 150.º do CPTA, haverá lugar a recurso excecional de revista (i) quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou (ii) quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito – tendo por fundamento único e exclusivo a violação de lei substantiva ou processual.
E. Nenhum dos referidos requisitos se verifica no caso em apreço – não são formuladas quaisquer questões que se revistam de importância jurídica que justifique a admissão do presente recurso de revista (pelo contrário, as pretensas questões suscitadas estão absolutamente circunscritas ao caso concreto), nem, tampouco, é demonstrado de que forma houve, efetivamente, uma violação ostensiva de lei substantiva ou processual.
F. Na verdade, os pretensos erros que imputam ao Acórdão recorrido correspondem, no essencial, à mera discordância com o sentido da decisão adotada. E, ainda que legítima (embora infundada), tal discordância não é suficiente para mobilizar a admissibilidade do presente Recurso de Revista.
G. É que, lidas e relidas as respetivas alegações de recurso é premente reconhecer que os Recorrentes pretendem apenas aceder a uma terceira instância (ou segunda instância recursiva) com o único intuito de protelar uma conclusão que, desde a primeira decisão proferida, se apresenta categórica – o ato de adjudicação impugnado nos presentes autos é inválido.
H. E ao longo das respetivas alegações de recurso, não há um único momento, sequer, em que os Recorrentes não deixem de reconhecer a verificação de cada uma das causas de exclusão imputadas à proposta adjudicada e que, por isso, determinam a ilegalidade da decisão de adjudicação que sobre a mesma recaiu.
I. Nestes termos, só poderá concluir-se pela inadmissibilidade da presente revista, dado que os Recorrentes não demonstraram – por referência ao caso dos presentes autos e àquilo que está aí em pauta – o preenchimento dos requisitos indicados no artigo 150º, nº 1, do CPTA.
J. Como se compreende, a ausência ou omissão absoluta de demonstração do preenchimento dos requisitos ou pressupostos indicados no artigo 150º, nº 1, do CPTA – que é aquilo que se verifica in casu, seja porque as Recorrentes alegaram a relevância da interpretação de normas que, como resulta claramente das decisões dos Tribunais a quo, não são sequer essenciais à adequada resolução do caso em apreço nos presentes autos, seja porque as Recorrentes não demonstraram, quanto à questão dos autos, a verificação destes critérios –, tem de levar necessariamente à recusa da revista por este Supremo Tribunal.
Sem conceder,
K. O Primeiro Recorrente imputou ao Acórdão recorrido quatro vícios: (i) existência de omissão de pronúncia; (ii) existência de violação do direito à prova; (iii) erro de julgamento quanto às causas de exclusão imputadas à proposta adjudicada; (iv) erro de julgamento quanto ao não afastamento do efeito anulatório no caso em apreço pelo TAF do Porto.
L. A Segunda Recorrente, por seu turno, imputa ao Acórdão recorrido os seguintes vícios: (i) existência de omissão de pronúncia quanto a uma alegada impugnação da matéria de facto; (ii) erro de julgamento quanto à matéria de direito.
M. Por economia, desde já se adianta que nenhum dos referidos vícios procede. Vejamos.
N. A alegação do Primeiro Recorrente quanto a uma alegada nulidade do acórdão por omissão de pronúncia assenta num pressuposto que objetivamente é difícil de compreender – seja porque as omissões que são imputadas ao acórdão recorrido se reportam a matérias de que aquele trata especificamente; seja porque faz antever uma confusão conceptual entre os institutos da reforma da sentença quanto à matéria de facto e da impugnação dessa mesma matéria de facto.
O. Em concreto, o Tribunal a quo, depois de analisado o thema decidendum do recurso interposto, determinou, e bem, que toda a prova carreada para os autos era suscetível de permitir o seu correto julgamento, inexistindo, por isso, qualquer necessidade de produção de prova complementar.
P. A circunstância de o objeto dos autos dizer exclusivamente respeito à legalidade da decisão de adjudicação, significa que o juízo que se poderia exigir em cada uma das Instâncias estava factualmente circunscrito em data muito anterior à impugnação da referida decisão. E por ser assim, que é, são absolutamente irrelevantes quaisquer documentos posteriores a essa data (em particular, os documentos posteriores à data da apresentação da Contestação).
Q. Em segundo lugar, no que concerne à reforma da sentença, sempre será de fazer notar que a alegação improcede por uma questão processual simples: é que a reforma da sentença, tal como formulada pelo Primeiro Recorrente, nos termos do disposto no artigo 616º, nº 2, al. c), do CPC, só pode ser requerida quando não caiba recurso da decisão.
R. O Primeiro Recorrente, em momento algum, impugnou concretamente a matéria de facto dada como provada, pelo menos não o fez seguramente ao abrigo e segundo os condicionalismos fixados nos artigos 640º e 662º, nº 1, ambos do CPC. Pelo contrário, aquele apenas se insurgiu – e imputou – um erro de julgamento da matéria de facto, sem cuidar de impugnar a fixação dessa mesma matéria de facto.
S. Por essa razão, e bem, o Tribunal a quo esclareceu, no Acórdão Recorrido, que «afastada qualquer possibilidade de reforma da Sentença, como decorre do Despacho de 16/06/2023» «importa elucidar a posição das partes e objetivar concretamente o dissídio que nos cumpre decidir e que consiste (…) nos seguintes pontos» (cfr. § 1 do Ponto 2. Matéria de Direito do Acórdão recorrido).
T. Não tendo o Primeiro Recorrente logrado impugnar a matéria de facto (limitando-se a requerer a reforma da sentença; o que processualmente não era cabível no caso dos autos), então, o objeto do referido recurso apenas se poderia circunscrever a um eventual erro de julgamento, a conhecer aquando do julgamento do mérito do recurso. O que se verificou.
U. Também não corresponde à verdade que o Tribunal a quo não se tenha concretamente pronunciado sobre uma pretensa “errada interpretação da prova documental, junto aos autos com violação do direito substantivo, nomeadamente, dos artigos 236º, 238º e 249º do Código Civil”.
V. Pelo contrário, não só se pronuncia sobre uma pretensa violação das referidas normas do Código Civil quando analisa cada um dos erros de julgamento imputados à sentença proferida em 1ª Instância, como o faz, ainda, quanto à prova testemunhal requerida.
W. Por seu turno, a Segunda Recorrente também defende que há nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à alegada impugnação da matéria de facto que havia suscitado.
X. Sucede que, compulsadas as alegações do recurso de apelação, verifica-se que não existiu qualquer impugnação da matéria de facto, conforme se exigia, à luz do disposto no artigo 640º do CCP.
Y. Em concreto, a Segunda Recorrente limitou-se a indicar os motivos pelos quais não concordava com alguns factos dados como assentes, sem nunca lograr impugná-los concretamente ou evidenciar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão em sentido diverso.
Z. E por essa razão, e bem, o Tribunal a quo conheceu da alegação apresentada nos precisos termos em que a Recorrente a formulou: como se da imputação de um erro de julgamento se tratasse, quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito, a considerar em sede de apreciação do mérito do recurso.
AA. Quanto à alegada violação do direito à prova e do pretenso erro sobre a matéria de facto dada como provada, suscitada pelo Primeiro Recorrente, o mesmo defende que a não produção da prova testemunhal por si requerida violou o seu direito à prova e, por isso, o disposto nos artigos 90º, n.ºs 1 e 3, do CPTA, 410º, 411º, 413º e 593º do CPC e 236º e 238º do Código Civil, aplicáveis ex vi artigo 280º, nº 4, do CCP.
BB. Expurgadas todas as considerações teóricas sobre a produção dos meios de prova no contexto de um qualquer processo judicial, certo é que o Primeiro Recorrente se limita a afirmar, sem mais, que o Tribunal a quo fez uma interpretação errada dos documentos da proposta apresentada pela B..., sem que, em concreto, especifique o que seria suscetível de resultar diferente em face da produção da prova testemunhal, e que, na sua falta, ficou, por isso, irremediavelmente prejudicado.
CC. Por outro lado, não deixa de ser curioso, para se dizer o menos, que o Primeiro Recorrente se insurja quanto à não produção de prova testemunhal – que serviria, como diz, para descobrir a vontade dos autores materiais dos documentos técnicos interpretados (cf. pág. 12, § 7 do Ponto B das alegações de recurso) –, quando as testemunhas por si arroladas não incluem nenhum técnico que tenha produzido os documentos da proposta da Recorrente B....
DD. Mais, os documentos que constituem as propostas (todos eles) devem, em bom rigor, ser passíveis de análise e avaliação, com vista à seleção e ordenação das propostas apresentadas, sem que, para tal, o júri dos procedimentos pré-contratuais de adjudicação de contratos públicos se encontre necessariamente assessorado por “peritos”.
EE. A tese defendida pela Recorrente B... é ligeiramente distinta, limitando-se, pois, a defender que a matéria de facto dada como provada é insuficiente para concluir que a proposta por si apresentada limitava a remoção de terras a uma distância máxima de 50 metros.
FF. É claro e objetivo que, do Ponto 8 dos factos provados do Acórdão recorrido, decorre expressamente, e sem mais, que a proposta da Segunda Recorrente prevê, precisamente, tal limitação indevida. E isso mesmo é, aliás, expressamente confessado pelo Primeiro Recorrente.
GG. Quanto ao alegado erro de julgamento a propósito do ‘limite da distância de 50 metros à remoção e transporte de terras a vazadouro’, cumpre esclarecer que ambos os Recorrentes confessam a existência da referida causa de exclusão, sendo certo que, ao contrário do que alegaram nas respetivas Contestações, vêm agora dar-lhe um “contexto diferente”.
HH. Sumariamente, e não obstante confessarem que da proposta consta a referida limitação indevida do limite da distância de 50 metros à remoção e transporte de terras a vazadouro, os Recorrentes vêm agora, e ainda que nada se diga a esse propósito na proposta adjudicada, que tal referência respeita a “locais de depósito e vazadouros temporários”.
II. Mesmo que a proposta se referisse a locais de depósito e vazadouros temporários – o que não é verdade, não logrando, tão pouco, o Primeiro Recorrente provar que a Segunda Recorrente assumiu essa solução como temporária –, também nesse caso a proposta apresentada pela B... estaria a introduzir uma limitação não admitida pelo Caderno de Encargos. Caso em que, também por essa razão, deveria ser objeto de exclusão.
JJ. Nenhum dos argumentos mobilizados pelos Recorrentes permite colocar em crise aquela que foi a declaração feita pela Segunda Recorrente na respetiva proposta e que, ademais, o Primeiro Recorrente expressamente reconhece constar da mesma – “A remoção, até uma distância máxima de 50m, dos terrenos em excesso ou não selecionados para aplicação nos aterros do projeto”.
KK. Quanto ao alegado erro de julgamento a propósito da ‘substituição de caixilharias de alumínio por aço’, o Primeiro Recorrente reconhece que a Segunda Recorrente propôs tal modificação, mas reputa-a de um lapso de escrita.
LL. Não é relevante aferir se o proposto pela Segunda Recorrente teria, ou não, qualquer razão ou sentido de ser e/ou se o fez num documento mais ou menos relevante para a avaliação da proposta; o que importa é determinar se tais alterações indevidas foram efetivamente propostas, e, tendo-o sido, como na verdade veio a suceder, identificar qual a cominação aplicável. E foi isso que o Tribunal a quo corretamente decidiu.
MM. Qualquer um dos argumentos invocados, não permite afastar aquela que foi correta perceção das instâncias precedentes – «que se verifica é que foi no documento Memória Descritiva e Justificativa, o único que foi efetivamente elaborado pela CI, sendo da sua autoria, sem campos pré-definidos designadamente no que respeita à descrição dos trabalhos como é o caso das listas de preços unitários em que a CI se limita a preencher os campos referentes ao preço, que a CI fez constar expressamente que iria colocar caixilharias de alumínio (…)».
NN. Quanto ao alegado erro de julgamento a propósito da apresentação ‘de um prazo inferior a um ano’, uma vez mais os Recorrentes assumem que da proposta adjudicada resulta um prazo de apenas 258 dias, mas que tal também corresponde a um lapso, pois terá repetido (pelo menos 12 vezes) em todos os seus documentos do planeamento (dos Planos de Trabalhos, Planos de Mão de Obra e Planos de Equipamento), a expressão “12.10.1 Operação & Manutenção - 1 ano”.
OO. Mais uma vez, o Primeiro Recorrente, apesar de recorrer do Acórdão e de afirmar que este reitera na íntegra a Sentença do TAF do Porto, não coloca em causa o que resulta da aludida sentença por referência ao acórdão do STA, de 11.9.2019, proferido no âmbito do processo n.º 0984/18.2BEAVR, no sentido em que as referências que faz a “1 ano” correspondem ao Mapa de Trabalhos e Quantidades constantes das peças do procedimento pré preenchido, mas, naquilo que é por si elaborado, o que resulta é o prazo de 258 dias.
PP. Sempre se diga que é irrelevante ser no plano de trabalhos – ou em qualquer outro documento que compõe a Proposta – que a Segunda Recorrente apresenta o prazo em violação do Caderno de Encargos, pois o que releva é que efetivamente o declarou de forma clara e inequívoca no único documento que efetivamente elaborou, sendo, pois, absolutamente desacertado, do ponto de vista das consequências jurídicas, o alegado pelo Primeiro Recorrente, na medida em que se mantém inalterado o pressuposto que conduziu à verificação da causa de exclusão.
QQ. A terminar, o Primeiro Recorrente vem alegar, em termos muito concretos, que competia ao tribunal de 1.ª instância conhecer oficiosamente da possibilidade de afastamento do efeito anulatório do contrato, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 283.º do CCP, pelo que não tendo o Tribunal determinado tal afastamento, o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento.
RR. Contrariamente ao alegado pelo IHRU, o afastamento do efeito anulatório terá, sempre e necessariamente, de estar sujeito ao princípio do pedido. Pedido, esse, que aquele nunca formulou (ou, pelo menos, não formulou expressamente).
SS. Nesse sentido, não caberia ao Tribunal a quo ou ao TAF do Porto conhecer de um pedido que o Recorrente nunca formulou atempadamente (nomeadamente, a título subsidiário na respetiva Contestação), e a propósito do qual nunca foram apresentados factos objetivos que permitissem decidir ou, pelo menos, ponderar os diversos critérios que o legislador considera necessários para o efeito.
TT. Por outro lado, também não assiste qualquer razão àquele mesmo Recorrente quando pretende fazer crer que a circunstância de o Tribunal ter determinado o levantamento do efeito suspensivo o ‘vinculava’ ou ‘condicionava’ numa futura decisão (sobre um pedido que nunca foi apresentado) sobre o possível afastamento do efeito anulatório.
UU. Em face do exposto, também neste caso nenhuma censura merece o acórdão proferido pelo Tribunal a quo.
VV. Por último, requer-se, por extremo dever de patrocínio, e sempre à cautela, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento de Custas Processuais, à semelhança, aliás, do determinado nas demais instâncias
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O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA], proferido em 11 de Janeiro de 2024.
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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 146º, do CPTA, não emitiu pronúncia.
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Sem vistos, por não serem devidos.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
Remete-se a matéria de facto para os termos da decisão recorrida, nos termos do disposto no artº 663º, nº 6 do CPC.
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2.2. O DIREITO:
Como supra se deixou enunciado, o TAF do Porto – Juízo de Contratos Públicos, em sede de primeira instância, julgou a presente acção totalmente procedente e consequentemente, anulou a deliberação de 21.12.2022 do Conselho Diretivo do IHRU, bem como, o contrato celebrado entre o IHRU e a B... tendo por objeto a execução de trabalhos de empreitada de obras dos 1 a 4, condenando a entidade demandada a adjudicar tais lotes à A..
Por sua vez, o TCA Norte, em sede de apelação negou provimento ao recurso.
E é esta decisão que vêm interpostos 2 recursos de revista por parte da contra-interessada B... e do R. INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA, I.P., recursos estes que para além do apontado erro de direito, também imputam ao acórdão recorrido, nulidades por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artº 615º, nº 1, al. d), do CPTA, que dado terem subjacente os mesmos argumentos ou similares, serão analisados no seu conjunto.
Esta questão é de conhecimento prioritário, uma vez que da sua eventual procedência ou não, pode depender a decisão de mérito que vier a ser proferida.
Daí que se imponha o seu conhecimento de imediato.
Apontam as recorrentes o seguinte nas suas alegações que depois levaram às conclusões:
«Conforme já se referiu, em sede de recurso quanto à decisão de primeira instância, a ora recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, tendo indicado nas suas alegações e conclusões os pontos de facto que considerava incorretamente julgados, assim como os concretos elementos probatórios, ou ausência deles, que, no seu entendimento, impunham uma decisão distinta da adotada pela decisão recorrida, no que à matéria de facto respeita.
Sucede que, ao contrário do que lhe impunha a lei processual, o Tribunal Central Administrativo do Norte ignorou, por completo, as alegações e as conclusões de recurso da aqui recorrente, pelo menos no que à impugnação da matéria de facto respeita, não se tendo pronunciado sobre qualquer dos erros para o efeito apontados à decisão recorrida.
É consabido que as conclusões delimitam o objeto de recurso, não podendo o Tribunal ad quem deixar de se pronunciar ou conhecer sobre as questões que lhe são submetidas.
Se a aqui recorrente, nas suas alegações e conclusões impugnou a decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto, pugnando pela sua alteração/modificação, essa questão faz parte do objeto do recurso.
Do Acórdão em crise não consta qualquer referência à matéria de facto, não tendo nele sido feita qualquer análise crítica da mesma, sendo que os Senhores Desembargadores tomaram as suas decisões como se a matéria de facto estivesse totalmente assente e não tivesse sido impugnada.
Não existindo qualquer pronúncia, seja expressa ou tácita, quando aos pontos A), B) e C) das conclusões de recurso da ora recorrente.
O Tribunal a quo atuou como se a matéria de facto fosse matéria assente e não controvertida, ignorando que a mesma havia sido impugnada, conforme resulta da já citada passagem do Acórdão recorrido e que transcrevemos novamente: “No que concerne ao facto da Memória Descritiva e Justificativa – MDJ - introduzir uma limitação quanto à distância de remoção dos terrenos quando estão em causa “Terraplanagens: Escavações”, bem como a indicação de que nesse mesmo documento forneceria caixilharias em aço ao invés das exigidas em alumínio e ainda ao prazo de execução das tarefas quanto à manutenção de espaços verdes, sendo indubitável que 365 dias correspondem ao prazo de 12 meses exigido pelo CE para a realização desta tarefa, diferentemente do prazo de 258 dias definido no PT da CI para a execução dos trabalhos a que se reporta o artigo 12.10.1, para os quais, como se disse, o CE prevê um prazo de 1 ano, remetemos, sem necessidade de considerações adicionais para a assertiva fundamentação/decisão do TAF do Porto, supra relembrada.” (cfr. pág. 133).
(…)»
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«(…) 14. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº 2, e 146º, nº 4, do CPTA e dos artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nºs 4 e 5, e 639º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
15. O Acórdão recorrido de 20 de outubro de 2023, na sua página 133, transcreveu o seguinte texto do recurso do Réu “Mais se requer, no termos da parte do nº 1 do artigo 651.o do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º e 140º, nº 3, do CPTA, que seja admitida a junção aos autos dos docs. nºs. 1 e 2 em anexo, que só agora se juntam devido à circunstância de tais documentos serem supervenientes à data da apresentação da contestação (07 de março de 2023), de ter sido decidido dispensar a audiência e conhecer do mérito no saneador sem alegações e sem prévio contraditório das partes e por tal junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e em face da motivação de direito especulativa supra citada que foi utilizada no despacho saneador-sentença recorrido” (cfr. decisão recorrida).
16. Todavia, o Tribunal a quo não se pronunciou nos termos do artigo 651º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, quanto à admissão (ou não admissão) dos docs. nºs 1 e 2, juntos com as alegações de recurso por tais documentos serem supervenientes à data da apresentação da contestação (07 de março de 2023), por ter sido decidido dispensar a audiência e conhecer do mérito no saneador sem alegações e sem prévio contraditório das partes (cfr. documentos a fls. 10131 no processo digital do SITAF; curiosamente, na pág. 15 do Acórdão, de 20 de outubro de 2023, o pedido de junção é mesmo transcrito, mas o Tribunal a quo não lhe dá qualquer resposta).
17. O que reforça a ideia, afirmada supra, no sentido de que o Tribunal a quo nem sequer leu as partes transcritas na decisão recorrida, limitando-se a realizar um “copy/paste” das conclusões de recurso do Recorrente (cfr. Acórdão recorrido de 20 de outubro de 2023.
18. O Acórdão de 20 de outubro de 2023 é assim nulo, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do artigo 666º, nº 1, do mesmo Código, por “não se pronunciar”, designadamente, quanto à admissão dos documentos supervenientes juntos com as alegações, tendo sido ainda violados os artigos 144º, nº 2, e 146º, nº 4, do CPTA e dos artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nºs. 4 e 5, 651º e 639º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
19. Por outro lado, salvo o devido respeito, nas três páginas e meia que constituem, supostamente, a parte inovatória do acórdão recorrido sub judice (pp. 131, 132, 133 e 134 do Acórdão de 20 de outubro de 2023), o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as seguintes questões enunciadas nas conclusões das respetivas alegações de recurso:
a) Erro de julgamento na interpretação da prova documental junto aos autos com violação do direito substantivo, nomeadamente, dos artigos 236º, 238º e 249º do Código Civil (conclusões 15ª a 17ª, 26ª a 28ª e 38ª a 40ª das alegações de recurso);
b) Erro de julgamento na seleção da matéria de facto com pedido de ampliação da matéria de facto, reformulando-se matéria de facto considerada provada e aditando-se à mesma os factos públicos e notórios e os factos instrumentais que se retiram dos documentos juntos aos autos, incluindo aqueles a que se faz referência nas conclusões 8ª, 9ª, 10ª, 11ª, 14ª, 19ª, 20ª, 21ª, 22ª, 23ª, 24ª, 29ª, 30ª, 31ª, 32ª, 33ª, 36ª, 44ª, 45ª e 48ª (págs. 37 a 46 das alegações e conclusões 51ª a 53ª das alegações de recurso).
20. Para mais, o Tribunal a quo, nas três páginas e meia que constituem, supostamente, a parte inovatória do acórdão recorrido sub judice (pp. 131, 132, 133 e 134 do Acórdão de 20 de outubro de 2023), além de não se pronunciar sobre as questões efetivamente enunciadas nas conclusões das respectivas alegações de recurso, deu-se ao luxo de apreciar questões que não foram suscitadas nessas mesmas conclusões, como se o Réu alguma vez tivesse questionado no recurso os poderes legais do Tribunal de anular a adjudicação e condenar a adjudicar o contrato (cfr. pp. 132 e 133 do Acórdão recorrido).
21. O Acórdão de 20 de outubro de 2023 é assim nulo, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do artigo 666º, nº 1, do mesmo Código, por “não se pronunciar”, designadamente, quanto ao erro de julgamento na selecção da matéria de facto, ao pedido de ampliação da matéria de facto (aditamento de transcrições de documentos que inquinavam a interpretação dos factos); quanto à violação do direito substantivo, nomeadamente, dos artigos 236º, 238º e 249º do Código Civil, conforme consta das conclusões 15ª a 17ª, 26ª a 28ª, 38ª a 40ª e 51ª a 53ª de recurso, tendo sido ainda violados os artigos 144º, nº 2, e 146º, nº 4, do CPTA e dos artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nos 4 e 5, e 639º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA».
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A A./ora recorrida pronunciou-se pela ausência de qualquer nulidade por omissão de pronúncia alegando que as ora recorrentes nunca impugnaram concretamente a matéria de facto dada por assente.
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O TCA Norte em sede de despacho de sustentação das nulidades imputadas ao acórdão, considerou que se verificava a nulidade por falta de pronúncia quanto à requerida, pelo IHRU, I.P., junção de documentos, colmatando a nulidade; quanto ao mais, deixou consignado que:
«(…)Efectivamente, no que entendemos ser suficiente, em confirmação da decisão da 1ª instância, decidiu-se que a abundante prova documental, em especial a proposta da contra interessada, de acordo com as melhores regras interpretativas, sem que se vislumbrasse estarmos perante um simples erro mecânico, lapso evidente de escrita, que, como se refere no aresto deste TCA, deveria ser revelado através das circunstâncias em que a declaração foi efectivada, pois que, se as circunstâncias em que a declaração foi efetuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não haveria lugar a rectificação do mesmo – como pretendido – nem importava a produção de prova adicional, maxime, a denominada prova “testemunhal pericial”, pois que a interpretação a fazer da proposta da contra interessada se mostrava acertada e de acordo com a melhor interpretação.
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Assiste razão às recorrentes neste segmento recursivo, padecendo o acórdão recorrido da nulidade por omissão de pronúncia que lhe é imputado.
Com efeito, a decisão proferida em 1ª instância, foi na fase processual do saneador/sentença, tendo-se entendido que as questões suscitadas nos autos suscitavam apenas questões de direito pelo que se indeferiu qualquer produção de prova adicional à documentação junta aos autos e se indeferiu a prova testemunhal.
Esta decisão foi questionada pelos ora recorrentes junto do TCAN, que ao invés de a abordar se limitou a confirmar a decisão de 1ª instância, transcrevendo-a na quase totalidade, referindo, sem justificar a não produção de prova adicional “não basta dizer entendemos que inexistia e inexiste razão para que tivesse/tenha de ser produzida prova adicional” – cfr. fls.
Ficou, pois, por apreciar, conhecer e decidir em concreto, as questões colocadas pelo recorrente IHRU nas conclusões 15º a 17º, 26º a 28º e 38º a 40º das alegações apresentadas em sede de recurso de apelação, o que não se mostra feito, independentemente do desfecho que em termos de mérito vierem a ter.
Igualmente não foi apreciado o erro de julgamento de facto, no que respeita à requerida ampliação/“reforma” da matéria de facto dada como provada na 1ª instância e por isso não foram apreciadas as questões colocadas nas conclusões 8º, 9º, 10º, 11º, 14º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 29º a 33º, 36º, 44º, 45º, e 48º, fosse, mais uma vez, para indeferir ou para deferir.
Quanto à alegada “Violação do direito à prova”, a recorrente parece apenas desejar que as testemunhas por si indicadas sejam ouvidas nos autos acerca de determinadas matérias, máxime documentos juntos aos autos, que pretende seja contraditado o seu conteúdo; porém, esta questão, já não se prende com qualquer alteração à matéria de facto; o que pode ter sucedido é ter havido um erro de julgamento, e isso não poderá neste momento ser objecto de decisão.
No que respeita ao recurso apresentado pela recorrente B..., também lhe assiste razão, uma vez que no acórdão recorrido não se mostra enunciado qualquer apreciação no que respeita aos pontos A), B) e C) das conclusões apresentadas em sede de apelação que respeitam à impugnação da matéria de facto e que impunham pronúncia.
Atento o exposto e sem necessidade de ulteriores considerações, é forçoso concluir que o acórdão recorrido padece da nulidade que lhe é assacada pelos recorrentes, prevista na al. d), do nº 1, do artº 615º do Código Civil, sendo que, nesta sede de revista, não pode este Tribunal substituir-se no conhecimento da referida questão, impondo-se assim, a baixa dos autos ao tribunal a quo para que aí seja conhecida a questão e suprida a nulidade (artº 150º do CPTA).
Procede, pois, a presente revista, declarando-se a nulidade do acórdão recorrido, com a baixa dos autos ao TCA-Norte para, nos termos do artº 684º, nº 2, do CPC, aí se proceder à reforma da decisão, atento que o artº 679º do mesmo diploma, exclui a aplicação ao recurso de revista do disposto no nº 2, do artº 665º.
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3. DECISÃO
Atento o exposto, concede-se provimento aos recursos e consequentemente, declara-se nulo o acórdão recorrido e ordena-se a baixa dos autos ao TCA Norte para os fins que ficaram referidos.
Sem custas.

Lisboa, 14 de Março de 2024. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Cláudio Ramos Monteiro – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva.