Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02151/11.7BEPRT
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA ESTEVES
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA
DUPLA FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS
ACTO INÚTIL
Sumário:I - Se na sentença se julgou procedente uma questão com dois fundamentos diversos, não basta que, em sede de recurso jurisdicional, se ataque apenas um deles, porquanto a procedência sempre se manteria com base no fundamento não atacado.
II - A apreciação da nulidade da sentença por excesso de pronúncia quanto ao fundamento posto em causa é um acto inútil e, por isso, proibido (artigo 130.º do CPC).
Nº Convencional:JSTA000P32100
Nº do Documento:SA22024041002151/11
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1.Relatório

1.1. A Administração Tributária, inconformada, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º ...61 e apensos, revertida contra AA e inicialmente instaurada contra a originária devedora A..., S.A. para cobrança de dívidas de IRS, Imposto de Selo e coimas, dos anos de 2002 a 2004, no valor total de 93.415,81 euros.

1.2. Alegou, concluindo da seguinte forma:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida pela revertida, AA, NIF ...25, à execução fiscal instaurada sob n.º ...61 e aps., que corre seus termos no Serviço de Finanças de Porto-2, respeitante a dívidas de IRS, Imposto de Selo e Coimas, dos anos de 2002 a 2004, no valor total de 93.415,81 Euros, instaurado contra a originária devedora “A..., S.A.” - Sociedade em Liquidação, NIPC ...30.
B. A reversão foi determinada com base no desconhecimento da existência de bens susceptíveis de serem penhorados à devedora originária suficientes para pagamento das dívidas exequendas e acrescido, e no facto da oponente ser gerente da sociedade.
C. As datas limite de pagamento das dívidas em execução, situam-se no ano de 2006.
D. A reversão foi efectuada nos termos da al. b) o nº 1 do art. 24.º da LGT.
E. Vieram invocados como fundamentos da oposição a ilegitimidade da oponente por em determinados períodos (anteriores às datas limite de pagamento em questão) terem sido outros os administradores da devedora originária e a falta de culpa na insuficiência patrimonial da devedora originária.
F. Considerou o douto Tribunal a quo, e bem, que a questão que ao Tribunal cumpria solucionar era a da ilegitimidade da Oponente em sede de reversão, “por inexistência de culpa sua na insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária”.
G. No entanto, na douta sentença recorrida, a Mma Juíza do Tribunal a quo quedou-se pela apreciação da questão da falta de prova do exercício da gerência de facto da devedora originária.
H. A Mma Juíza do Tribunal a quo na douta sentença recorrida decidiu a oposição “procedente, determinando-se a extinção quanto à Oponente do processo de execução fiscal n.º ...61 e apensos” considerando [em resumo] que não resultou demonstrado o exercício de facto da administração da sociedade devedora originária pela Oponente no termo do prazo para pagamento voluntário das dívidas revertidas, podemos concluir, com segurança, que esta não podia ser responsabilizado ao abrigo desta norma.
I. Com o assim decidido não pode a Fazenda Pública conformar-se, ressalvado o respeito devido que é muito, atentas as razões que de imediato passa a expor.
J. Entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito por melhor opinião, que na douta sentença recorrida, a Mma Juíza de direito do Tribunal a quo, quedou-se pela apreciação de questão que não foi colocada ao tribunal, da prova do (não) exercício da gerência de facto da devedora originária por parte da oponente.
K. O douto tribunal a quo decidiu uma questão que não foi submetida à sua apreciação, tendo ido para além da pronúncia devida.
L. Pelo exposto, considera a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida é nula por enfermar de vício formal de excesso de pronúncia, nos termos do disposto dos art.ºs 615.º n.º 1 alínea d), 608.º n.º 2 e 124.º e 125.º do CPPT.
M. Entendimento jurisprudencialmente plasmado no douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14/10/2015, proferido no processo nº 0393/15, disponível in www.dgsi.pt, e que se encontra em oposição com o decidido.

1.3. Não houve contra-alegações.

1.4. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser “concedido provimento ao recurso, declarando-se a nulidade da decisão recorrida, por viciada com o excesso de pronúncia que lhe é imputado”.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.


2. Fundamentação
2.1. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. Pela Ap. ...14, foi registado na Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Famalicão o contrato da sociedade com a atual designação de “A... S.A.”, constando da respetiva certidão os seguintes órgãos designados:
[IMAGEM]
– cfr. o doc. 1 junto com a p.i..
2. Em 15/10/2002, os acionistas detentores da totalidade do capital social da sociedade “A... S.A.” reuniram-se em Assembleia Geral, da qual resultou a ata n.º ...0, de onde consta o seguinte: «(…) tendo o mesmo sido aprovado por unanimidade e desta forma, eleito o Exm.º Senhor, Doutor BB, para ocupar o cargo de vogal do Conselho de Administração até ao termo do mandato que se iniciou no ano em curso e que terminará no ano de dois mil e quatro (…) a acionista AA, afirmou que, nos termos dos actuais estatutos a sociedade se obriga ou com a assinatura de dois membros do Conselho de Administração ou com a assinatura de dois membros do Conselho de Administração. Ora, entendida que de futuro se procedesse à alteração dos estatutos de modo a que a sociedade se obrigasse sempre com a assinatura de dois membros do Conselho de Administração, deixando o Presidente do Conselho de Administração de poder obrigar a sociedade unicamente com a sua assinatura e a intervenção.
ARTIGO DÉCIMO SEXTO
Dois - A sociedade fica validamente obrigada com a assinatura e intervenção de dois administradores, ou, em alternativa, com a intervenção de um administrador e a de um mandatário da sociedade, mas em relação a esta, apenas nos termos e com os poderes expressos no competente instrumento de mandato (…)» – cfr. o doc. 4 junto com a p.i..
3. Por carta de 22/05/2003, o Administrador BB comunicou à sociedade “A... S.A.” a renúncia a esse cargo - cfr. o doc. 5 junto com a p.i..
4. A sociedade “A... SA” reclamou um crédito no montante de 112.531.416$50 no âmbito do processo de falência da sociedade “B..., Lda.”, que correu termos no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia sob o n.º 202/00, não tendo obtido quanto ao mesmo, qualquer pagamento - cfr. o doc. 2 junto com a p.i.
5. Entre 2001 e 2004 (outubro), a sociedade “A... S.A.” apresentou os seguintes resultados:
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– cfr. o doc. 3 junto com a p.i.
6. Em 2004, a sociedade “A... S.A.” requereu a aplicação de processo especial de recuperação de empresas (PERE), que correu termos no Tribunal Judicial de Santo Tirso sob o n.º .../…TS, que culminou com a elaboração do relatório do gestor judicial que conclui que «a Requerente não apresenta possibilidades de recuperação» não tendo proposto qualquer medida de recuperação - cfr. o doc. 3 junto com a p.i.
7. Por sentença de 02/02/2005, proferida no processo n.º …/…TS, a sociedade “A... S.A.” foi declarada falida tendo sido nomeada liquidatária judicial a Dra. CC, tendo o processo sido arquivado em 03/02/2009 - cfr. informação de fls. 114 do processo físico e pesquisa online de atos societários disponível em https://dre.pt/web/guest/pesquisa-avancada/- /asearch/11554345/details/normal?advanced.search=Pesquisa+Avan%C3%A7ada&anoDR=2005&sortOrder=ASC&n umeroDR=45&den=...=ACTOS_SOCIETARIOS, cuja cópia se determina seja junta aos autos nos termos e para os efeitos do art. 412.º do CPC.
8. Em 05/09/2006, o Serviço de Finanças do Porto-2 instaurou contra a sociedade “A... S.A.” o processo de execução fiscal n.º ...61, por dívidas de coimas ficais - cfr. fls. 2 do processo físico.
9. Em 04/11/2006, o Serviço de Finanças do Porto-2 instaurou contra a sociedade “A... S.A.” o processo de execução fiscal n.º ...89, por dívidas de Imposto do Selo dos anos de 2003 e 2004, com data limite de pagamento de 16/10/2006 - cfr. fls. 2 e 121 verso do processo físico.
10. Em 18/11/2006, o Serviço de Finanças do Porto-2 instaurou contra a sociedade “A... S.A.” o processo de execução fiscal n.º ...95, por dívidas de IRS do ano de 2004, com datas limite de pagamento entre ../../2006 e ../../2006 - cfr. fls. 2 e 121 verso do processo físico.
11. Em 22/11/2006, o Serviço de Finanças do Porto-2 instaurou contra a sociedade “A... S.A.” o processo de execução fiscal n.º ...35, por dívidas de IRS do ano de 2002, com data limite de pagamento de ../../2006 – cfr. fls. 2 e 121 verso do processo físico.
12. Em 05/04/2011, foi proferido despacho de reversão contra a Oponente das dívidas referidas em 9) a 11), na quantia exequenda global de €93.415,81, com os seguintes fundamentos: «Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/n.º 2 da LGT): Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artigo 24º/nº 1/b) da LGT)» - cfr. fls. 121 do processo físico. - cfr. fls. 107 do processo físico e o PEF apenso.
13. Em 12/04/2011, foi a Oponente citada em reversão nos processos de execução fiscal referidos em 9) a 11) - cfr. fls. 42-45 do processo físico.
14. Em 13/05/2011, deu entrada no Serviço de Finanças de Porto-2 a petição de oposição que deu origem aos presentes autos - cfr. fls. 3 do processo físico.

*
Mais se provou, com interesse para a decisão, o seguinte:
15. No ano de 2000/2001, a empresa apresentou um projeto, que foi aprovado pelo IAPMEI, o que representou um grande investimento - cfr. depoimentos prestados em sede de inquirição de testemunhas.
16. Para que o capital financiado pelo IAPMEI fosse liberado, a empresa teria de apresentar garantias bancárias, mas como a empresa não as conseguiu apresentar, todo o investimento teve de ser suportado pela empresa - cfr. depoimentos prestados em sede de inquirição de testemunhas.
17. Para assegurar o seu funcionamento e honrar os seus compromissos, a empresa teve de atrasar pagamentos a fornecedores, bem como recorrer ao crédito concedido pelos bancos, com financiamentos de curto prazo, através de livranças, cujos juros eram muito altos - cfr. depoimentos prestados em sede de inquirição de testemunhas.
18. Com a saída do sócio e administrador DD, ocorrida com a sua em 30/06/2002, a empresa deixou de beneficiar de crédito bancário - cfr. depoimentos prestados em sede de inquirição de testemunhas.
19. A Oponente desempenhava na empresa funções ligadas à área comercial e produção - cfr. depoimentos prestados em sede de inquirição de testemunhas.
20. Para o desempenho dessas funções, a Oponente deslocava-se para as instalações da empresa diariamente, onde se mantinha e trabalhava - cfr. depoimentos prestados em sede de inquirição de testemunhas.
21. Com a saída do administrador DD, iniciou o desempenho de funções o “Sr. BB” que exigiu ser “ele sozinho a mandar, a tomar decisões” - cfr. depoimentos prestados em sede de inquirição de testemunhas.
22. O Sr. BB não conseguiu manter a cooperação bancária que até aí vinha sendo atribuída à sociedade, o que levou a que deixasse de haver dinheiro, impossibilitando que se cumprisse qualquer obrigação, levando, até, a atrasos no pagamento dos vencimentos - cfr. depoimentos prestados em sede de inquirição de testemunhas.

2.2. O direito
A única questão que vem suscitada no presente recurso é a de saber se a sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia.
Sustenta a Recorrente, em síntese, que o tribunal a quo decidiu uma questão que não foi submetida à sua apreciação - a da prova do (não) exercício da gerência de facto da devedora originária por parte da Oponente -, pelo que a sentença recorrida é nula por enfermar de vício formal de excesso de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d), 608.º, n.º 2 do CPC e 124.º e 125.º do CPPT.
Vejamos.
Nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Outrossim, estabelece o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT que é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Esta nulidade está directamente relacionada com o disposto no artigo 608.º, n.º 2 e no artigo 609.º, ambos do CPC, em que se estabelece que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, nem pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

Portanto, o excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal decide uma questão que não foi chamado a resolver, sendo nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que é invocada, como razão de decidir, uma causa ou facto jurídico essencialmente diverso da causa de pedir da sua pretensão.

A sentença recorrida, após anunciar que a Oponente “pretende reagir contra a cobrança coerciva de dívida exequenda proveniente de reversão de dívidas de IRS e Imposto do Selo, invocando a sua ilegitimidade substantiva nos processos de execução fiscal que contra si reverteram porquanto não lhe poderá ser imputada qualquer atuação ou omissão, culposa e ilícita, que tenha sido causal não só da insuficiência patrimonial como também do consequente não pagamento dos impostos em causa”, considerou que: “(…) feitos estes considerandos e regressando ao caso concreto dos autos, mostra o probatório que a reversão se concretizou ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT (cfr. o item 12) do probatório).
No entanto, como conclui o TCA Sul, no Acórdão de 14/02/2019, processo n.º 3677/15.9BESNT, se com o prosseguimento da execução fiscal contra o revertido se busca o pagamento coercivo de créditos vencidos após a declaração de insolvência e num momento temporal em que o revertido não detinha poderes de disposição nem de administração, por esses poderes estarem na data de vencimento do crédito cometidos ao administrador da insolvência por força do preceituado no artigo 81.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas - como é o caso vertente, em que a sociedade devedora originária foi declarada falida por sentença de 02/02/2005 e os processos de execução fiscal objeto de reversão apenas foram instaurados pelo Serviço de Finanças de Porto-2 entre 04/11/2006 e 22/11/2006, por dívidas com data limite de pagamento voluntário entre ../../2006 e ../../2006 (cfr. os itens 7) e 9) a 11) do probatório), é sobre a Fazenda Pública que recai o ónus de alegar e provar que a insuficiência de bens no património da devedora suscetíveis de garantir aquele pagamento é culposamente imputável ao revertido (artigo 24.º, n.º 1, al a) da LGT).
Com efeito, no que concerne à prova da inexistência de culpa na insuficiência do património social para satisfação do crédito tributário que não seja respeitante a coimas (já que, quanto a estas, rege o art. 8.º do RGIT), entendeu o legislador, no artigo 24.º da LGT, que relativamente às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo se justifica a presunção de culpa dos órgãos sociais na falta de pagamento, cabendo a estes demonstrar que a falta de pagamento não lhes é imputável (alínea b)), sendo que nos demais casos, cabe à AT fazer a prova de que foi por culpa do gerente que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos sociais (alínea a)).
Caberia, assim, à AT reunir os indicadores de que dependeria a verificação dos demais pressupostos de reversão a coberto da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, ou seja, demonstrar que foi por facto imputável à Oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente para o pagamento das dívidas constituídas antes da falência da sociedade mas que só se venceram depois desse facto ter ocorrido, o que não foi feito.

Por outro lado, se a alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT responsabiliza o gerente/administrador pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (sublinhado nosso) e, no caso dos autos, apesar de invocado esse normativo no despacho de reversão, não resultou demonstrado o exercício de facto da administração da sociedade devedora originária pela Oponente no termo do prazo para pagamento voluntário das dívidas revertidas, podemos concluir, com segurança, que esta não podia ser responsabilizado ao abrigo desta norma.

Dito de outra forma, se a reversão foi determinada a coberto do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT e não estão reunidos, quanto a essas dívidas, os pressupostos de que depende o funcionamento da presunção nela contida, então, também por aqui a decisão respetiva é ilegal e deve, por isso, ser revogada.

Termos em que se julga procedente a presente oposição, determinando-se a absolvição da Oponente da instância executiva”.

Portanto, depois de anunciar que a questão a solucionar era a ilegitimidade da Oponente por ausência de culpa na insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária e de discorrer sobre os pressupostos legais da reversão contidos no artigo 24.º da LGT, o tribunal a quo decidiu pela procedência da oposição por duas razões: (i) por caber à Administração Tributária reunir os indicadores de que dependeria a verificação dos pressupostos de reversão a coberto da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, ou seja, demonstrar que foi por facto imputável à Oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente para o pagamento das dívidas constituídas antes da falência da sociedade mas que só se venceram depois desse facto ter ocorrido, o que não foi feito; (ii) porque se a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT responsabiliza o gerente/administrador pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo e, no caso dos autos, apesar de invocado esse normativo no despacho de reversão, não resultou demonstrado o exercício de facto da administração da sociedade devedora originária pela Oponente no termo do prazo para pagamento voluntário das dívidas revertidas, esta não podia ser responsabilizada ao abrigo dessa norma.
Ou seja, o tribunal a quo concluiu pela ilegitimidade da Oponente por considerar que a reversão da execução contra esta deveria ter sido a coberto da alínea a) - e não, como foi, da alínea b) - do n.º 1 do referido artigo 24.º, em virtude da declaração da insolvência da devedora originária antes da instauração das execuções fiscais e do vencimento dos créditos exequendos, por os poderes de disposição e administração estarem na data do vencimento cometidos ao administrador da insolvência por força do preceituado no artigo 81.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas. E, em consequência, ser à Administração Tributária que caberia o ónus de alegar e provar que a insuficiência de bens no património da devedora susceptíveis de garantir aquele pagamento era culposamente imputável à Oponente, o que não logrou fazer.
Este foi o fundamento determinante em que a sentença recorrida se estribou (bem ou mal não cabe aqui sindicar) para concluir pela procedência da execução.
E só adicionalmente, em jeito de reforço de tal decisão, é que se referiu que, mesmo a coberto da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT a Oponente não poderia ser responsabilizada, por não ter sido demonstrado o exercício de facto da administração da sociedade devedora originária por aquela no termo do prazo legal de pagamento das dívidas revertidas.
Daí que o tribunal tenha concluído que, “também por aqui”, a decisão de reversão é ilegal.
Assim, e ao contrário do que a Recorrente alega, o tribunal a quo não se quedou pela apreciação da questão que não foi colocada ao tribunal, da falta de prova do exercício da gerência de facto da devedora originária por parte da Oponente. Na verdade, como vimos, mesmo que esta última razão não tivesse sido referida, o tribunal a quo já antes tinha concluído pela ilegitimidade da Oponente com fundamento em que a reversão deveria ter sido feita a coberto da alínea a) e não da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT e pela falta de prova pela Administração Tributária de que a insuficiência de bens no património da devedora susceptíveis de garantir o pagamento da dívida era culposamente imputável à Oponente.
Neste contexto, e não vindo atacado no recurso este segmento da sentença, que assim transitou em julgado por falta de impugnação, torna-se inútil apreciar a invocada nulidade por excesso de pronúncia quanto à outra questão aí apreciada (a da falta de prova do exercício da gerência de facto da devedora originária) porque mesmo que essa nulidade se verificasse sempre ficaria incólume aquele primeiro fundamento e que é o bastante para a procedência da oposição.

Deste modo, e não sendo permitido ao tribunal praticar actos inúteis no processo (artigo 130.º do CPC) é de concluir pela improcedência do recurso.

3. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrida [artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT], sem taxa de justiça porque não contra-alegou.

Lisboa, 10 de Abril de 2024 - Fernanda de Fátima Esteves (relatora) - Anabela Ferreira Alves e Russo - José Gomes Correia.