Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02240/20.7BEPRT
Data do Acordão:03/08/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso, sob pena a revista não ser admitida (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).
II - Na ausência total de alegação relativamente a esses requisitos a revista não pode ser admitida.
Nº Convencional:JSTA000P30717
Nº do Documento:SA22023030802240/20
Data de Entrada:02/14/2023
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 2240/20.7BEPRT
Recorrente: AA
Recorrida: Administração Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente, inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 22 de Setembro de 2022 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/09ad55fbffc55555802588c600362fe8.) – que negou provimento ao recurso por ele interposto e manteve a sentença recorrida, por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a excepção de erro na forma do processo e, em consequência, indeferiu liminarmente a impugnação judicial deduzida pelo ora Recorrente –, dele recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações de recurso do seguinte teor:

«O recorrente justifica a revista excepcional para melhoria de Direito, e relevância jurídica-social sobre nos seguintes pontos:
A: Os milhares de contribuintes que recebem a notificação da AT que lhes informa do seu direito de impugnação, identificando o Processo de Impugnação - Liquidação de tributos, e depois quer o representante da fazenda pública quer o tribunal de 1.ª instância quer em 2.ª instância não aceitam convolar a acção interposta pelo recorrente na acção legalmente aplicável in casu, favorecendo a AT e impedindo o contribuinte de aceder ao Direito e aos tribunais. Vd., art. 20.º n.º 1 e 4 da CRP.
Esta atitude da AT e FP que sabem que o meio de impugnação descrito na notificação não é o correcto e fazem valer dessa incorrecção em tribunal são bem beneficiados com este erro?
Pode-se limitar sem qualquer hipótese de salvação os contribuintes, o seu concreto acesso aos Tribunais e ao Direito da violação ainda que hipotética dos seus direitos enquanto contribuintes?
Bem como a questão da extemporaneidade.
A data da entrada do recurso/acção como aponta o TCAN é a data que o autor envia para a repartição de finanças ou a data que entra em Tribunal?
Aplica-se o art.º 78º do CPTA ou o art.º 103º do CPPT? ».

1.2 A Recorrida não contra-alegou.

1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto, após enunciar os requisitos do recurso de revista excepcional e de sumariar a posição do Recorrente, pronunciou-se no sentido de que a revista não seja admitida, com fundamentação da qual nos permitimos realçar as seguintes passagens: «[…]

4. O recorrente não invoca qualquer dos fundamentos previstos para o presente recurso de revista excepcional, limitando-se a requerer a reapreciação da questão por si suscitada.

5. A alegação do recorrente assenta, assim, num erróneo pressuposto: a de que o recurso de revista excepcional pretende ser uma reapreciação de uma decisão proferida em segunda instância, ou seja, na essência, uma terceira instância.

6. Por outro lado, conforme jurisprudência consolidada, as questões de constitucionalidade não constituem objecto próprio dos recursos de revista, já que podem ser autonomamente colocadas junto do Tribunal Constitucional.

7. Pelo exposto, afigura-se-nos não se encontrarem reunidos os requisitos previstos no artigo 285.º, n.º 1 do CPPT para que o presente recurso seja admitido».

1.5 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, da admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Na verdade, apesar de o Recorrente dizer que vem interpor o recurso ao abrigo dos «arts. 150.º n.º 1 CPTA e 281.º CPPT», porque diz que o recurso é de revista excepcional, é à luz do art. 285.º do CPPT que será apreciado.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido.

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr. art. 285.º, n.º 1, do CPPT).
Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.ºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar naqueles precisos termos.

2.2.1.2 Como a jurisprudência tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável).

2.2.2 O CASO SUB JUDICE

No caso, lidas as alegações de recurso, verificámos que o Recorrente não alegou o quer que seja no sentido da demonstração dos requisitos de admissibilidade da revista: nelas não vislumbrámos a mínima tentativa de demonstrar que estão verificados esses requisitos, nem sequer a sua mera enunciação. Salvo o devido respeito, o Recorrente não atentou na natureza do recurso de revista e não se esforçou, minimamente que fosse, por se desonerar do ónus de alegação e demonstração de que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista.
Ora, como deixámos já dito, em ordem à admissão do recurso de revista, que não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso (como o Procurador-Geral-Adjunto bem salientou, o recurso de revista excepcional não corresponde a uma possibilidade irrestrita de terceiro grau de jurisdição), a lei não se basta com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido (e, muito menos, de nulidades processuais), devendo ainda verificar-se uma das circunstâncias de que o legislador faz depender este recurso excepcional – a relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso seja claramente necessário para uma melhor aplicação do direito –, cumprindo ao recorrente a respectiva alegação, o que não sucede no caso.
Por isso, o recurso não deve ser admitido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPTT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.

II - Na ausência total de alegação relativamente a esses requisitos a revista não pode ser admitida.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 8 de Março de 2023. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Isabel Marques da Silva.