Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02671/14.1BEBRG
Data do Acordão:05/02/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:CONCURSO
CARREIRA DOCENTE UNIVERSITÁRIA
COMPETÊNCIA DO JÚRI
IMPARCIALIDADE
BOA-FÉ
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
DISCRICIONARIEDADE
AVALIAÇÃO
Sumário:I - Tendo, em momento anterior à abertura do concurso, sido definidas as “Áreas disciplinares da Escola de Direito”, em que se previu em relação ao Grupo disciplinar das “Ciências Jurídico-Públicas”, três áreas disciplinares distintas, “Ciências Jurídico-Políticas, Ciências Jurídicas Administrativo-Financeiras e Ciências Jurídicas Criminais” e, posteriormente, tendo o Conselho Científico da Escola de Direito deliberado a afetação de duas vagas para professor associado na área disciplinar de “Ciências Jurídico-Políticas, igualmente aprovando o método, os critérios de seleção e os parâmetros de avaliação para o concurso e, noutro momento, sido deliberada a abertura do concurso para recrutamento de dois postos de trabalho de professor associado na área disciplinar de “Ciências Jurídico-Políticas”, apresenta-se inequívoco que o concurso foi aberto para o recrutamento de duas vagas da área disciplinar de Ciências Jurídico-Políticas e não para qualquer outra área.
II - O que traduz que, previamente à abertura do concurso e, consequentemente, a conhecer-se o universo dos seus candidatos, foram definidos os seus elementos e regras essenciais, quer em relação ao âmbito do concurso, quanto ao grupo disciplinar e respetiva área disciplinar, quer quanto ao sistema de avaliação.
III - A circunstância de o júri do concurso ter alterado o projeto de graduação após a audiência dos interessados nada diz sobre a adoção de critérios novos ou de fatores externos às vinculações legais e administrativas previamente fixadas, por a primeira deliberação do júri não ter tido em consideração a concreta área disciplinar prevista no Edital de abertura do concurso.
IV - Não tendo sido criado nenhum critério novo, nem ter ocorrido a sua alteração superveniente, não tem pertinência convocar a violação do procedimento justo de recrutamento, consagrado no n.º 2, do artigo 47.º da Constituição, nem dos demais princípios invocados pela Recorrente.
V - Se no Regulamento dos Concursos de Recrutamento da Universidade está definido que o desempenho e desenvolvimento curricular do candidato é avaliado na área disciplinar, é isso que o júri tem de ter em conta, cabendo-lhe avaliar, dentro do seu saber e juízo técnico especializado, aquilo que, dentro de cada área disciplinar está englobado, interpretando as áreas do saber jurídico das candidatas em face dos currículos apresentados, o que não traduz uma especificação restritiva, que estreite de forma injustificada o universo dos candidatos, não se podendo dar por violado o n.º 2, do artigo 37.º do ECDU.
VI - A razão de ser da definição de áreas disciplinares de cada grupo disciplinar, tem, precisamente, como finalidade definir a priori e em abstrato, antes de apresentadas as candidaturas, o universo dos candidatos em função de cada área disciplinar, assim assegurando os princípios da imparcialidade e da transparência, mas em termos não excessivamente restritivos, por essa delimitação não se basear nas disciplinas, não limitando ou restringindo, para além do adequado e necessário, o universo potencial dos candidatos, como estabelece o disposto no artigo 37.º do ECDU.
VII - A atuação do júri do concurso não foi de molde a pôr em crise ou a abalar a boa-fé e a confiança, pois a alteração da ordenação das candidatas ocorrida na segunda deliberação é fruto da ponderação das razões invocadas na pronúncia dos interessados na fase de audiência prévia, tendo o júri acolhido essas razões, assim atestando a importância e a finalidade de tal formalidade procedimental.
VIII - Atender às razões invocadas pelos interessados na audiência prévia e alterar o seu projeto de decisão, não pode ser entendido como pondo em causa o respeito pelo conjunto de princípios gerais da atividade administrativa, como a confiança ou a boa-fé, ou até mesmo a imparcialidade.
IX - A circunstância de o júri não decidir por unanimidade, mas por maioria, sobre a maior adequação de um candidato em relação a outro para a área disciplinar objeto do concurso, nada diz sobre a competência do júri do concurso para enquadrar o currículo de cada candidato nessa área disciplinar, nem tão pouco afeta a correção desse juízo e, muito menos, a sua credibilidade, imparcialidade ou isenção.
X - O júri entender que determinado currículo está mais vocacionado para uma certa área científica do que outra, insere-se na sua atividade, eminentemente avaliativa e discricionária de avaliação, sem que esteja a criar unidades curriculares, a fixar critérios inexistentes ou a definir inovatoriamente as disciplinas que integram cada área científica, por caber ao júri do concurso integrar a vontade dos órgãos deliberativos da Universidade quando fixaram a área científica, avaliando, segundo o seu saber e experiência, os elementos curriculares apresentados pelos candidatos.
XI - O que se espera de qualquer júri de concurso, atenta a sua particular composição, especialmente adequada ao concurso em questão, é de o obter o contributo avaliativo de académicos experientes, sabedores e independentes, numa avaliação que não se resume à prestada por apenas um dos jurados, mas em que intervém e participa todo o órgão colegial que é o júri, sobre o desempenho e valia científica dos candidatos na área disciplinar, como previsto no n.º 1, do artigo 19.º do Regulamento da Universidade.
XII - O Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES), aprovado pela Lei n.º 62/2007, de 10/09, regula a constituição, atribuições, organização, funcionamento e competência dos órgãos das Instituições do Ensino Superior e, ainda, a tutela e fiscalização pública do Estado sobre tais instituições, no quadro da sua autonomia, sublinhando o artigo 11.º daquele RJIES, a par do estatuído no n.º 2, do artigo 76.º da Constituição, a sua autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado.
XIII - Nos termos do citado regime legal, são previstas as competências do Conselho Científico, pelo que, nunca a deliberação do júri do concurso e os seus votos fundamentados, podiam colidir com a autonomia da Universidade, uma vez que o júri não criou ou definiu o âmbito do concurso, nem o seu sistema de avaliação, limitando-se a avaliar os currículos dos candidatos e o seu saber técnico-científico, perante a área científica posta a concurso, nos termos definidos pelos órgãos da Universidade.
XIV - A circunstância de cada voto ter fundamentação individualizada e, por isso, diferente, constitui uma imposição expressa da lei, nos termos do n.º 1, do artigo 52.º do ECDU, que revela toda a especialidade do regime do ECDU.
XV - Estando em causa um concurso para recrutamento de docentes universitários, que tem por critério a avaliação curricular, toda a apreciação de fatores e subfatores e respetiva avaliação global relativa aos currículos é da competência do júri, num espaço próprio da justiça administrativa e não judicial, sob pena de ser afrontado o princípio da separação de poderes, pelo que, apenas em casos muitíssimo limitados e sob pressupostos muito precisos, não pode o Tribunal substituir-se ao júri do concurso e proceder à avaliação dos currículos dos candidatos e reapreciar a graduação final, com a possibilidade de reordenar os respetivos candidatos, alterando a ordem da lista em que foram posicionados pela Administração.
XVI - A discricionariedade administrativa assume papel aplicativo de destaque quando a Administração é chamada a realizar juízos de valor ou de apreciação de factos ou de qualidades de pessoas, coisas ou situações, decorrente da abertura da norma.
XVII - A escolha do candidato pelo júri insere-se na sua ampla margem de discricionariedade, pois se trata de aferir da valia da obra científica, da capacidade de investigação e da atividade pedagógica dos candidatos, que implica o conhecimento da área em questão e a formulação de juízos de caráter eminentemente técnicos e científicos.
XVIII - Tendo os candidatos sido notificados em sede de audiência prévia da segunda deliberação do júri do concurso, que apresenta a ordenação final dos candidatos, nos termos em que foi mantida na deliberação final do júri e do ato final do procedimento de concurso, não se impunha repetir novamente essa formalidade, por nada de novo ou de inovatório ocorrer em relação à avaliação dos candidatos e à sua ordenação final.
Nº Convencional:JSTA00071843
Nº do Documento:SA12024050202671/14
Recorrente:AA
Recorrido 1:UNIVERSIDADE DO MINHO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento: