Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0219/11.9BECBR 0723/14
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IRC
IMPUGNABILIDADE
MÉTODOS INDIRECTOS
REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - O n.º 4 do artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve ser interpretado no sentido de que, em caso de erro na indicação do meio de reação na notificação da decisão, o notificado que o tenha utilizado pode utilizar o meio de reação adequado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial que considere errada aquela utilização;
II - O n.º 4 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária deve ser interpretado no sentido de que a Administração não tem que indicar, na fundamentação da escolha dos critérios utilizados na quantificação da matéria tributável, a razão porque não foram escolhidos os outros critérios a que alude o seu artigo 90.º.
Nº Convencional:JSTA000P32084
Nº do Documento:SA2202404100219/11
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. AA, NIF ...36, residente na Rua ..., ...60-...50 ..., interpôs recurso jurisdicional da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (“IRC”) do exercício de 2005 e dos respetivos juros compensatórios, a que atribuiu o valor global de € 14.304,38.

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Notificado da admissão, o Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

1. Verificando-se uma errada indicação das possibilidades de reacção à actuação administrativa – meios de defesa – acoplada à falta de notificação para dedução de pedido de revisão, não pode proceder a excepção da inimpugnabilidade nem sequer sustentar-se de que tal irregularidade se encontra sanada.

2. Se o pedido de revisão se configura como um meio de reacção e, no mais, como condição de impugnação judicial nos termos do artigo 86.º da LGT, a omissão da sua referência na indicação dos meios de defesa e a falta de notificação do responsável subsidiário para esse procedimento traduz-se numa errada indicação dos meios de defesa.

3. Se o recorrente, não notificado, como responsável subsidiário, para apresentar pedido de revisão segue o caminho indicado pela AT quanto aos meios de defesa, não podia o Tribunal deixar de assentar a sua decisão nos termos e para os efeitos referidos no artigo 37.º, n.º 4, do CPPT, no reconhecimento de errada indicação dos meios de reacção ao dispor do ora recorrente.

4. Na hipótese normativa da realização da avaliação indirecta por impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do imposto, o acto administrativo decidente deverá − rectius, terá de − especificar, em todo o caso, qual o concreto circunstancialismo fáctico que, sendo susceptível de um enquadramento nas diversas categorias de pressupostos que estão definidos no art.º 88º da LGT, acaba por permitir a formação de um juízo, conformado segundo os princípios de causalidade adequada que sejam solicitados pela natureza própria dos concretos factos que estão em causa, quanto à impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria colectável, bem como, de resto, explicitar o porquê de decorrer da verificação de determinadas anomalias a impossibilidade de comprovação directa dos rendimentos sujeitos a tributação, porquanto, em rigor, as diferentes alíneas do artigo 88.º da LGT não operam automaticamente, id est, independentemente da formulação de um tal juízo.

5. Todo o discurso administrativo relativo aos “critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso aos métodos indirectos” é de tal forma técnico e complexo que um destinatário normal, ou mesmo um destinatário relativamente qualificado, não consegue acompanhar as operações aí [não] “explicitadas”.

6. Dizer-se que se aplica a mediana porque é a mediana não aporta ao discurso justificador o mínimo de cognoscibilidade relativamente à actuação administrativa.

7. Encontrando-se a AT a utilizar um critério não expressamente previsto, a fundamentação teria que incluir a explicitação das razões pelas quais se mobiliza aquele em concreto e não outro, dentro dos mesmos rácios.

8. Ainda quanto a este problema, se não há qualquer ponderação dos motivos que determinam a colocação do sujeito passivo devedor originário numa “posição intermédia”, não há qualquer razão compreensível – para além da mera subjectividade, que o dever de fundamentação visa controlar – para excluir a consideração dos valores mínimos e máximos da amostra, ou seja para preferir a “mediana” à “média”, sendo que esta é precisamente a medida que funciona como ponto de equilíbrio de um conjunto de dados, sendo o seu cálculo efectuado a partir de todos os valores de uma população.

9. É incontornável, cremos, que o mesmo roça a total ininteligibilidade, seja quanto à sua origem, seja quanto aos valores tidos em conta.

10. A fundamentação consubstancia-se num discurso funcional externado pela administração, expresso, formal, explícito, contextual, com capacidade para dar a um destinatário normal, colocado na situação concreta do destinatário do acto as razões subjacentes aos actos praticados.

11. Esse desiderato não pode considerar-se cumprido quando a fundamentação assenta num discurso não justificado e imperceptível não apenas para o cidadão normal, mas para muitos acima desse patamar, com elevada formação académica e profissional.

12. É facilmente perceptível que a generalidade da população portuguesa não percebe minimamente que rácio é esse, de onde é que resultam as percentagens, como é que se faz o apuramento das mesmas...

13. A improcedência do alegado não deixará de acarretar, em consequência da injunção constitucional tipificada no artigo 268.º, n.º 3, a aplicação de norma eivada de inconstitucionalidade, qual seja a do artigo 77.º, n.º 1 e 4, da LGT, interpretada no sentido de que, no caso da avaliação indirecta do rendimento, a fundamentação pode consubstanciar-se num discurso de cariz técnico e inacessível (imperceptível) a um destinatário normal.

14. O critério utilizado carece de uma fundamentação específica que revele as razões pelas quais se valorou esse mesmo critério de quantificação e se demonstre a sua aptidão funcional para o resultado legalmente visado, sob pena de se cair na ridícula posição dogmática de apenas se exigir fundamentação (ainda que remissiva) para os critérios previstos na lei e não já para critérios que a lei não prevê, pelo menos expressamente, como se encontra postergado pelo mais basilar exercício de interpretação enunciativa.

15. A admitir-se que a possibilidade de recurso a um critério não constante do elenco normativo do artigo 90.º, n.º 1, da LGT, não pode aceitar-se, como o fez o Tribunal recorrido, que a AF possa recorrer a qualquer outro critério objectivo, “à escolha”, sem ter que demonstrar a sua aptidão e idoneidade para o resultado pressuposto na lei e que é a determinação do rendimento que o sujeito passivo presumivelmente obteve...

16. Quer isto significar que, nos casos em que a AF pretenda socorrer-se de qualquer critério praeter legem ou “fora-da-lei”, no sentido de não previsto expressamente, terá forçosamente que demonstrar, que o mesmo é válido e apto para os fins da avaliação.

17. Na verdade, se quanto aos critérios elencados expressamente, esse juízo é feito a priori pelo legislador quanto aos factores que considerou idóneos para a determinação presumida do rendimento tributável, e por isso os previu na norma, já quanto aos critérios não expressamente previstos, a AF não pode deixar de justificar, como pressuposto para a sua mobilização, que o critério que utiliza é igualmente apto e idóneo à produção do resultado pretendido pelo legislador, sendo que este resultado não é tout court, o da fixação do rendimento, ou de um qualquer rendimento, outrossim o estabelecimento do rendimento que o contribuinte presumivelmente obteve.

18. Por outro lado, no que diz respeito aos critérios de quantificação, fosse em abstracto, fosse em concreto, o discurso administrativo é completamente omisso quanto à indicação dos preceitos legais habilitadores da quantificação concretamente operada, não sendo possível a um destinatário normal – medianamente capaz e, por isso, desprovido de formação jurídica especializadas – localizar e compreender os fundamentos da actuação administrativa, tanto mais que os mesmos resultam de uma interpretação – que não é pacífica – de uma norma (art. 90.º, n.º 1, da LGT) que tão-pouco se referenciou.

19. Partindo-se de um determinado rácio para quantificar os rendimentos e resultando desse rácio um conjunto de indicadores cuja mobilização se afigura possível em abstracto, não é admissível que seja o mero voluntarismo subjectivista do funcionário a determinar o porquê da aplicação de um indicador e não de um outro sem que essa escolha seja justificável e justificada perante o caso concreto, no sentido de desvelar as razões pelas quais se decide como se decidiu.

20. O valor da posição central de uma amostra – mediana – não reflecte mais do que uma divisão dessa amostra, sendo, pois, um mero valor posicional, que, em rigor, corresponderá a um sujeito determinado e que irreleva os valores de conjunto na sua expressão quantitativa (ex. na amostra 1,2,10 ou 1,2,1000, o valor da mediana é o mesmo...).

21. Ora, estando em causa a quantificação de rendimentos a partir de um rácio e não a posição que um sujeito ocupe na amostra, apenas os valores da média permitem dar a conhecer a expressão quantitativa dos rendimentos declarados por toda a amostra e não apenas por um sujeito.

22. Pelo que, consequentemente, se se pretender afastar esse indicador em detrimento de outro, terão que ser explicadas as razões desse concreto proceder, quais sejam: os motivos pelos quais se coloca o sujeito passivo na posição correspondente à do sujeito que ocupa o lugar intermédio/central na amostra e, correspondentemente, as razões pelas quais se ignora a expressão quantitativa dos rendimentos declarados na sua globalidade por todo o universo que a compõe, dado que, para efeitos de quantificação, a posição central referida pela AT, face à globalidade dos rendimentos declarados/amostra, é dada quantitativamente pela média e não por um valor atomístico-posicional, volátil em face do n.º de sujeitos que compõem a amostra e não em face dos rendimentos declarados, sendo por esse motivo que os critérios de determinação da matéria tributável por métodos indirectos expressamente previstos, se referem apenas e só a valores médios e não aos valores da mediana, razão pela qual qualquer outro critério estatístico que venha a ser utilizado não poderá deixar de enquadrar-se na racionalidade erigida pelo legislador, devendo ser particularmente fundamentada a opção por indicador diverso.

23. Nesta óptica, a fundamentação do acto não apenas omite as razões de escolha do critério (quais sejam as que determinam a colocação do sujeito passivo numa posição central) e, perante os “rácios” disponíveis, considera-o numa posição estática indiferente aos valores de quantificação e que corresponde a um desvio superior a 100% relativamente aos valores médios de quantificação (12,36 a média face a 26 de mediana...), sendo que a posição central do sujeito passivo em face da quantificação não pode deixar de corresponder à média dos valores globais, que será o meio da amostra em termos quantitativos, pois é esse o valor que se pretende apurar e não o valor intermédio resultante da divisão da amostra onde apenas se releva o n.º de elementos da amostra independentemente dos valores com que esses elementos sejam preenchidos (ex.: 1, 9, 10, 1000, 10000 – mediana 10).».

Pediu fosse dado provimento ao recurso, fosse revogada a douta sentença recorrida e fosse julgada procedente a impugnação judicial, com todas as legais consequências.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Remetidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, foram os mesmos com vista ao M.º P.º.

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer, tendo concluído no sentido de ser dado provimento ao recurso.

Foram colhidos os vistos legais.

Em fase decisão e em outubro de 2023 os autos foram redistribuídos ao atual relator.

Pelo que cumpre decidir.


***

2. Ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 679.º do mesmo Código, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados em primeira instância.

***

3. Importa, antes de mais, delimitar o objeto do recurso.

Para o efeito importa identificar corretamente a parte dispositiva da sentença.

Na interpretação que dele fazemos, o dispositivo da sentença contém duas partes.

A parte em que foi decidido não conhecer da pretensão de anulação da liquidação impugnada com fundamento em vícios substanciais da decisão de determinação da matéria coletável por métodos indiretos – ponto 2 da sentença (em especial o seu último parágrafo).

E a parte em que foi decidido julgar improcedente a impugnação da liquidação, deduzida com fundamento no vício de falta de fundamentação da mesma decisão – ponto 5 da sentença.

Assim, interpretamos o dispositivo da sentença no sentido de que foi decidido não conhecer do mérito da impugnação deduzida com o primeiro fundamento. E que foi decidido conhecer do mérito da impugnação deduzida com o segundo fundamento, julgando-a, nesta parte, improcedente.

O recurso abrange ambas as decisões (ou ambas as partes da decisão). Ou seja, abrange todo o dispositivo da sentença.

Assim, o Recorrente não se conforma com a parte em que foi decidido que era ilegal a impugnação da liquidação com fundamento em erro sobre a verificação dos pressupostos do recurso a métodos indiretos – ver as três primeiras conclusões do recurso.

E não se conforma com a parte em que foi decidido que o ato impugnado não padecia do vício de falta de fundamentação – restantes conclusões do recurso.

São, por isso, duas as questões colocadas ao Tribunal ad quem.

A questão de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir pela inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos (e, em consequência, a abster-se de conhecer desses vícios).

E a questão de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que o ato impugnado não padece de falta de fundamentação.

Delas conheceremos nos pontos seguintes.


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4. O Tribunal a quo concluiu pela inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos porque partiu do pressuposto de que a impugnação dos atos tributários, pelo responsável subsidiário, com tal fundamento depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável.

Ou seja, partiu do pressuposto de que a condição de impugnabilidade prescrita no n.º 5 do artigo 86.º da Lei Geral Tributária e no n.º 1 do artigo 117.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário também se aplica ao responsável subsidiário.

O Recorrente não põe em causa esse pressuposto.

Assim, o Recorrente não questiona que o responsável subsidiário pode formular pedido de revisão da matéria tributável apurada por métodos indiretos na sequência da sua citação no processo executivo (isto é, não contesta o entendimento firmado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de março de 2011, tirado no recurso n.º 0876/09).

Pelo que esta questão não faz parte do âmbito do presente recurso.

E também não questiona o entendimento segundo o qual a formulação do pedido de revisão não constitui, nestas circunstâncias, uma faculdade do responsável subsidiário, mas uma verdadeira condição de ulterior impugnabilidade do ato com tais fundamentos.

Pelo que também não faz parte do presente recurso a questão apreciada no processo n.º 222/11.9BECBR (recurso n.º 0732/14, na numeração do Supremo Tribunal Administrativo), que correu termos entre as mesmas partes.

A razão pela qual o Recorrente defende que não pode proceder a exceção da inimpugnabilidade é outra: é que o Recorrente também entende que a falta de apresentação do pedido de revisão pelo responsável subsidiário não pode ter como consequência que ele não possa impugnar o ato (com tais fundamentos) quando não tiver sido expressamente notificado para o efeito.

Isto é quando não tiver sido notificado para pedir a revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, nos termos dos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária.

Porque ninguém pode ser penalizado em consequência de falta ou irregularidade que não lhe é imputável.

É por isso que o Recorrente também considera que o Tribunal a quo deveria ter baseado a sua decisão na regra inserta no artigo 37.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Assim, por detrás da questão (fundamental) de saber se a impugnação com tais fundamentos é, ou não, ilegal, o Recorrente coloca a questão (que considera dependente) de saber se é, ou não, ilegal o ato de notificação ou citação do responsável subsidiário.

Sucede que a questão de saber se ocorreu alguma deficiência na citação ou notificação do responsável subsidiário (e, em particular, a de saber se existiu algum erro ou alguma omissão na indicação dos meios de defesa) nunca foi colocada ao tribunal recorrido.

Não o foi, sequer, a título incidental, para justificar o âmbito da impugnação e legitimar o Recorrente a incluir tais fundamentos na impugnação.

Que, por isso, também não a apreciou. Designadamente, no julgamento da matéria de facto, onde não encontramos nenhuma referência a atos de notificação ou citação. Mas também no corpo da decisão, onde não detetamos nenhuma referência ao seu conteúdo e a consequências que dele possam advir.

Pelo que a questão que pode, agora, ser equacionada pelo tribunal de recurso é a de saber se o tribunal recorrido deveria ter apreciado oficiosamente a legalidade desse ato.

Isto é, se o tribunal recorrido teria o dever de indagar oficiosamente da regularidade da comunicação a que alude o n.º 5 do artigo 22.º da Lei Geral Tributária antes de se decidir pela inimpugnabilidade do ato.

E a essa questão respondemos negativamente.

Fundamentalmente, porque a questão da irregularidade da notificação não importa para a decisão da questão da inimpugnabilidade do ato.

A questão da irregularidade da notificação importaria para a questão da inimpugnabilidade do ato se a lei permitisse ao notificado utilizar o meio indicado na notificação mesmo que não fosse o meio de reação adequado.

Mas não é esse o regime do artigo 37.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário: a irregularidade da notificação não releva para aferir qual o meio de reação adequado, mas para aferir se o meio de reação adequado ainda pode ser exercido.

Ou seja, o regime inserto naquele dispositivo permite ao interessado utilizar o meio reação adequado quando o interessado tenha utilizado (erradamente) um meio indicado na notificação e a convolação não seja possível.

Não permite ao interessado utilizar meio de reação indicado na comunicação o ato mesmo que este seja inadequado.

Pelo que a questão da regularidade da comunicação não releva para decidir se o ato é impugnável contenciosamente.

Embora possa relevar para decidir se o meio de reação adequado, uma vez utilizado, é tempestivo.

A tal não obsta que a lei estipule que o meio de reação adequado pode ser exercido se «o tribunal vier a reconhecer como estando errado o meio de reação (…) indicado na notificação».

Porque o que o legislador quer dizer não é que o juiz deva enxertar na impugnação uma decisão de reconhecimento da ilegalidade do ato de notificação.

O que o legislador quer dizer é que o juiz decide se o meio utilizado está errado. O reconhecimento de que o erro tem origem na notificação compete à entidade que deva apreciar a tempestividade do meio adequado, se este vier a ser utilizado.

Dizendo de outro modo: o tribunal não reconhece o erro na notificação; reconhece o erro no meio utilizado. O erro na notificação é reconhecido se e quando for utilizado o meio de reação adequado e para aferir da sua tempestividade.

E daqui não deriva (ao contrário do que alega o Recorrente) que a irregularidade na notificação, a existir, fique sanada. Porque também não deriva que não possa ser suscitada no momento e no local adequado.

Por esta razão, também não podem considerar-se violados, com tal interpretação, os princípios jusfundamentais indicados pelo Recorrente. Já que a sua invocação assenta no pressuposto de que, por causa de facto imputável à Administração Tributária, o Recorrente ficou impedido de utilizar o meio adequado.

Pelo que o recurso não pode merecer provimento por aqui.


***

5. Do ponto 4 da douta sentença recorrida deriva que o Tribunal a quo concluiu que, quer a decisão de aplicação dos métodos indiretos, quer a decisão de aplicação de determinados critérios de quantificação, se encontravam suficientemente fundamentadas.

As razões de discordância do Recorrente com o decidido em primeira instância estão todas relacionadas com o discurso administrativo relativo “aos critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos” (conclusões “5” até final).

É certo que, na quarta conclusão do recurso, o Recorrente também faz referência ao dever de fundamentar a impossibilidade de comprovação direta e exata da matéria tributável. Mas não extraiu daí nenhuma consequência concreta, visto que nem disse que esse dever foi incumprido no caso.

Ao discurso administrativo dirigido à indicação dos critérios utilizados na avaliação indireta da matéria tributável, o Recorrente opõe a falta, a obscuridade e a insuficiência na fundamentação.

A falta de fundamentação (de direito) porque o discurso administrativo é completamente omisso quanto à indicação dos preceitos legais habilitadores da quantificação concretamente operada (conclusão “18”)

A obscuridade, porque ninguém percebe minimamente o rácio utilizado, de onde resultam as percentagens, como que se fez o apuramento das mesmas (conclusões “5” a “12”).

A insuficiência, porque o critério utilizado carece de uma fundamentação específica que revele as razões pelas quais um critério foi valorado em detrimento de outro, especialmente num caso e que a Administração pretenda socorrer-se de um critério “fora-de-lei” (conclusões “14” a “17” e “19” a “23”).

Quanto à falta de fundamentação de direito:

Na sentença recorrida, foi concluído que a Administração Tributária indicou as alíneas “d)” e “i)” do n.º 1 do artigo 90.º da Lei Geral Tributária para os critérios que elegeu como adequados (o que, de resto, resulta do ponto 5 do relatório de inspeção tributária).

O Recorrente não explica minimamente porque é que esta conclusão está errada e, do resto, da fundamentação do recurso resulta até que não é isso que entende verdadeiramente.

O que o Recorrente entende é que os critérios adotados não se subsumem àquelas alíneas e que não se percebe porque é que a Administração fez esse enquadramento normativo.

Só que a questão de saber se as regras de direito foram corretamente aplicadas e se a operação de subsunção do caso àquelas regras foi corretamente efetuada não é um problema – formal – de fundamentação, mas o problema de saber se a Administração incorreu em erro de direito.

Assim, essa questão já não tem nada a ver com o vício apreciado na sentença recorrida. E não é do conhecimento oficioso, pelo que também não pode ser agora, diretamente, colocada o tribunal de recurso, mesmo que pudesse ser conhecida.

Quanto à obscuridade na fundamentação:

O Tribunal a quo nunca se pronunciou sobre esta questão. Isto é, nunca analisou a questão de saber se o ato é ininteligível quanto à explicitação das razões pelas quais se mobiliza, em concreto, um rácio em vez de outro (as razões para preferir a “mediana” à “média”).

Isso sucede porque a questão também nunca lhe foi colocada. A questão que tinha sido colocada na impugnação judicial era a de saber se estava fundamentado um ato que não justifica a razão para as 21 faturas terem sido consideradas “desconhecidas”.

Importa, por isso, lembrar (outra vez) que a função do tribunal de recurso não é a de reanalisar a decisão administrativa impugnada, mas a de verificar se a decisão recorrida padece de algum vício que impeça a sua manutenção na ordem jurídica. E que o recurso não pode servir para o Recorrente colocar questões que o tribunal recorrido não apreciou.

Sempre se dirá que, de qualquer modo, o Recorrente não teria razão nesta parte.

Os rácios foram utilizados para estimar os custos que contribuíram para a realização dos proveitos, também estimados. Para o efeito, a Administração Tributária considerou necessário estimar a margem bruta (ou margem de lucro sobre as vendas) que é uma operação contabilística corrente e se traduz em aferir a diferença entre as receitas globais (no caso, € 157.558,37) e os custos de produção das mercadorias vendidas (CMV) e dos fornecimentos e serviços externos (FSE), multiplicar o resultado por 100 e dividir o valor obtido pelo preço de venda.

Como não tinha dados na contabilidade, a Administração Tributária recorreu aos rácios nacionais para o setor de montagem de trabalhos de carpintaria e caixilharia (CAE 45420), como resulta do anexo 21 para que remete expressamente o relatório de fiscalização. Assim, foi considerado para o cálculo dos custos de produção, de consumo corrente e de serviços externos a “mediana” nacional de 34,82%, pelo que foi obtida uma margem de lucro sobre as vendas de 65,18%.

É verdade que não foi feita nenhuma referência à “média” nacional e não foi explicado porque foi «preferida» a “mediana”. Mas a razão por que isso sucedeu torna-se evidente se consultarmos o tal anexo 21: é que a média nacional é inferior (no caso 32,75%), o que significa que o recurso ao rácio correspondente se iria traduzir em menos custos a deduzir e, por conseguinte, uma margem de lucro superior. Não havia necessidade de especificar as razões para «preferir» a “mediana” porque a escolha era mais favorável ao sujeito passivo.

Quanto à insuficiência na fundamentação:

O Supremo Tribunal Administrativo já respondeu à questão de saber se a Administração Tributária tem de incluir no discurso fundamentador as razões de ter escolhido um critério para a quantificação em detrimento do outro.

Assim, no acórdão de 7 de outubro de 2015, tirado no recurso n.º 0406/15, foi entendido que «no que toca ao critério para a quantificação da matéria coletável, bastará à administração tributária referir o critério que utilizou».

Trata-se de um entendimento que aqui corroboramos, não só por ser o que decorre diretamente da lei (n.º 4, in fine, do artigo 77.º da Lei Geral Tributária), mas também por ser o que responde à finalidade prosseguida com o dever de fundamentação respetivo, que é o de permitir ao contribuinte sindicar o erro ou desacerto no critério utilizado.

E ao qual o acórdão do Pleno convocado na douta petição inicial (acórdão de 24 de outubro de 2007, tirado no recurso n.º 0315/07) nada contrapõe, visto que, não estava ali em causa a fundamentação para a escolha de um critério de quantificação, mas a fundamentação para, no âmbito do método escolhido, aplicar uma margem específica de comercialização.

Acrescentamos que obrigar a Administração Tributária a justificar o critério utilizado em detrimento de outro se poderia tornar numa tarefa de muito difícil exequibilidade prática. O discurso lógico que a comportasse seria, necessariamente, muito extenso, complexo e virtualmente inacessível. E, no limite, nunca seria suficiente para justificar o afastamento dos demais critérios.

De qualquer modo, a razão fundamental porque o Recorrente entende que a Administração estaria obrigada a justificar o critério que utilizou em detrimento dos demais deriva do facto de também ter entendido que a inspeção utilizou um critério “fora-de-lei”.

Só que – como já foi dito – estoutra questão (a de saber se a Administração Tributária ou o Tribunal a quo incorreram em erro ao subsumir o critério utilizado nas alíneas “d)” e “i)” do n.º 1 do artigo 90.º da Lei Geral Tributária) já não é uma questão formal, mas de verdadeira qualificação jurídica. E que, por isso, não importa conhecer neste âmbito.

De todo o exposto deriva que o recurso também não merece provimento nesta parte.

6. Preparando a decisão, formula-se as seguintes conclusões, que valerão também como sumário do acórdão:

I. O n.º 4 do artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve ser interpretado no sentido de que, em caso de erro na indicação do meio de reação na notificação da decisão, o notificado que o tenha utilizado pode utilizar o meio de reação adequado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial que considere errada aquela utilização;

II. O n.º 4 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária deve ser interpretado no sentido de que a Administração não tem que indicar, na fundamentação da escolha dos critérios utilizados na quantificação da matéria tributável, a razão porque não foram escolhidos os outros critérios a que alude o seu artigo 90.º.


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7. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 10 de abril de 2024. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo - José Gomes Correia.