Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0156/23.4BALSB
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31944
Nº do Documento:SAP202402210156/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A DIRECTORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, notificada da decisão arbitral proferida no Processo 706/2022 –T CAAD, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e não se conformando com o conteúdo do segmento decisório que afirma: «conclui-se que embora os projetos de investimento efetuados pela Requerente tenham sido direcionados à sua atividade principal (o que a Requerida não contesta) – a produção de vinhos comuns e licorosos, a que corresponde o código 11021 da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro –, e essa atividade respeite à transformação e comercialização de produtos agrícolas, aqueles investimentos apenas seriam excluídos do âmbito de aplicação do RGIC, caso se verificasse alguma das condições indicadas na alínea c) do n.º 3 do seu artigo 1.º, ou seja, que i) o montante do auxílio fosse fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou ii) o auxílio fosse subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.
(…) Não dependendo a aplicação do RFAI ao caso concreto de qualquer das condições referidas na alínea c) do n.º 3 do seu artigo 1.º, do RGIC, tem de se concluir que tal aplicação não é afastada por este instrumento do Direito da União Europeia. (…) “a actividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente de vinhos comuns e licorosos, não é uma das «actividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168) [das Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020], são permitidos os auxílios estatais.” Destaques nossos Entendendo de forma assertiva, embora errada, na interpretação da ora Recorrente que as actividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas que dêem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado «…não se encontra excluída do âmbito de aplicação setorial das OAR 2014-2020, estando, bem pelo contrário, abrangida por este instrumento...”
vem dele recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) ex vi n.º 2, do art.º 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), com a alteração introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, por aquele entendimento ser contrário à decisão prolatada também naquele centro de arbitragem pelo Professor Doutor Jónatas Machado e autuado com o n.º 307/2021 – T CAAD, no qual se decidiu, sem margem para quaisquer dúvidas que: “II. O RFAI não se aplica a atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE.

Alegou, tendo concluído:
A.O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto nos termos do n.º 1 do art.º 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e nº 2 do art.º 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro), e tem por objecto a Decisão Arbitral proferida no processo nº 706/2022 – T CAAD pelo Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por aquele entendimento ser contrário à decisão prolatada também naquele centro de arbitragem Professor Doutor Jónatas Machado e autuada com o n.º 307/2021 – T CAAD, no qual se decidiu, sem margem para quaisquer dúvidas que: “II. O RFAI não se aplica a atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE.”.
Disponível em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=307&s_dat a_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=5627
B. Ora, a decisão arbitral sob recurso entendeu que: «conclui-se que embora os projetos de investimento efetuados pela Requerente tenham sido direcionados à sua atividade principal (o que a Requerida não contesta) – a produção de vinhos act comuns e licorosos, a que corresponde o código 11021 da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro –, e essa atividade respeite à transformação e comercialização de produtos agrícolas, aqueles investimentos apenas seriam excluídos do âmbito de aplicação do RGIC, caso se verificasse alguma das condições indicadas na alínea c) do n.º 3 do seu artigo 1.º, ou seja, que i) o montante do auxílio fosse fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou ii) o auxílio fosse subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários. (…) Não dependendo a aplicação do RFAI ao caso concreto de qualquer das condições referidas na alínea c) do n.º 3 do seu artigo 1.º, do RGIC, tem de se concluir que tal aplicação não é afastada por este instrumento do Direito da União Europeia. (…) “a actividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente de vinhos comuns e licorosos, não é uma das «actividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168) [das Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020], são permitidos os auxílios estatais.”.
C. Entendendo de forma assertiva, embora errada, na interpretação da ora Recorrente, que as actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas que dêem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado «..não se encontra excluída do âmbito de aplicação setorial das OAR 2014-2020, estando, bem pelo contrário, abrangida por este instrumento..”
D. Ou seja, dúvidas não subsistem de i. que há identidade de facto, estão em causa actividades que subjazem à de transformação e comercialização de produtos agrícolas que dêem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado ii. que perante situações de facto idênticas as decisões de direito aqui trazidas decidem de forma diametralmente oposta
E. Conforme supra dito as duas decisões em confronto a. 307/2021 – T CAAD (fundamento) b. 706/2022 – T CAAD (recorrida)
F. Reponderam – perante factos idênticos e a mesmíssima questão de direito – de forma diametralmente à questão.
G. Efectivamente os arestos indicados divergem no entendimento do enquadramento da seguinte questão: O RFAI não se aplica a actividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE? i.e., as actividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE enquadram-se ou não nos sectores de actividade elegíveis para a concessão do benefício fiscal do RFAI à luz da interpretação do artigo 2º e 22º do Código Fiscal ao Investimento (CFI) e de mais legislação aplicável e das exclusões previstas no RGIC e nas OAR.?
H. Saliente-se, que estamos perante thema decidendum que se reporta às matérias de auxílios de Estado – regulados, em primeira mão, pelos normativos comunitários (TFUE, OAR e RGIC), por referência ao RFAI.
I. Facto que poderá acarretar, em última análise, consequências graves para o Estado Português, nomeadamente algum procedimento de averiguações e posterior contraordenação por parte da Comissão Europeia, até pelos volumes de benefícios fiscais que têm sido usufruídos, sem impacto visível ao nível da estratégia de desenvolvimento do país (coesão).
J. Pelo que urge, uma clarificação da temática (uniformização de decisões) no centro de arbitragem, por forma a obviar a tal cenário.
K. Sumariamente, ao contrário do defendido na decisão Recorrida, entende a Recorrente, estribada na decisão fundamento 307/201 – T CAAD) as actividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas que dêem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado , encontram-se excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações relativas aos Auxílios Estatais com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de Julho de 2013 (“OAR para 2014-2020”).
L. Seguindo de perto quer a decisão fundamento prolatada pelo Professor Doutor Jónatas Machado, quer o elucidativo e cristalino voto de vencido exarado pela Professora Doutora Carla Castelo Trindade,
M. A exclusão das actividades de produção e transformação de produtos agrícolas é operada pelo ponto 10 das OAR para 2014-2020, que na nota de rodapé número 11 remetem para a aplicação das Orientações relativas aos Auxílios Estatais nos sectores Agrícola e Florestal e nas Zonas Rurais para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204, de 1 de Julho de 2014 (“OAR do Sector Agrícola, Florestal e Zonas Rurais para 2014-2020”).
N. No ponto 138 das OAR do Sector Agrícola, Florestal e Zonas Rurais para 2014-2020, determina-se que os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas, desde que estejam preenchidos os requisitos constantes (i) do RGIC ou (ii) das OAR para 2014-2020 ou (iii) as condições estabelecidas na secção em que se insere aquele ponto 138.
O. Porém, a verdade é que o legislador nacional não fez uso da faculdade de extensão da concessão de auxílios com finalidade regional ao sector da transformação de produtos agrícolas em produtos cujo resultado final continua a ser um produto agrícola.
P. É este o sentido que se retira da leitura conjugada i. do artigo 2.º, n.º 3, alínea c) da Lei de Autorização Legislativa n.º 44/2014, de 11 de Julho; ii. do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro que aprovou o CFI; iii. do artigo 2.º, n.º 2 do CFI, aplicável na redacção à data dos factos ex vi artigo 22.º, n.º 1 do mesmo código; iv. do preâmbulo da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro que procede à regulamentação do RFAI e v. do preâmbulo e do artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 Setembro, para onde remete o n.º 3, do artigo 2.º do CFI.
Q. Em nenhum dos dispositivos legais enunciados surge qualquer menção ou referência à utilização pelo legislador nacional da faculdade conferida pelas OAR do Sector Agrícola, Florestal e Zonas Rurais para 2014-2020, de conceder às actividades de transformação de produtos agrícolas noutros produtos agrícolas, o conjunto de auxílios estatais de finalidade regional previstos e permitidos pelas OAR para 2014-2020.
R. De facto, em momento algum se define e determina em que medida é que estas últimas orientações são derrogadas, nem qual o âmbito de aplicação que devem ter.
S. Em bom rigor, em momento algum se remete para aquele “bloco normativo”.
T. O que não é despiciendo, já que a concessão de auxílios estatais para o sector agrícola nos termos das OAR do Sector Agrícola, florestal e zonas rurais para 2014-2020, está sujeita a condições de elegibilidade ou compatibilidade e intensidades de auxílio mais estritas, que têm de ser comunicadas à Comissão, e que o regime português do RFAI não acautelou.
U. Conforme já citado em sede de resposta arbitral “A compatibilidade dos auxílios regionais é avaliada com base nas regras dos auxílios regionais (OAR 2014 ou disposições relativas aos auxílios regionais no RGIC), a menos que existam regras sectoriais específicas, como as aplicáveis à agricultura, silvicultura, aquicultura, pesca, transporte e sector de energia. Essas regras específicas do sector derrogam as regras de compatibilidade consagradas nas OAR 2014 ou no RGIC, estipulando, por exemplo, intensidades de auxílio superiores ou inferiores ou condições de elegibilidade ou compatibilidade mais estritas. (...) Assim, devido às políticas comuns da UE nos domínios da agricultura, silvicultura, pesca e aquicultura, os auxílios estatais a esses sectores são regidos exclusivamente por regras específicas que são avaliadas pela Comissão à luz das disposições específicas do Tratado. Contudo, para o apoio aos produtos agrícolas [que constam do Anexo I do Tratado] que não se enquadram no âmbito do artigo 42.º do Tratado (como a comercialização e a transformação de produtos agrícolas e as pescas abrangidas por programas de desenvolvimento rural co-financiados pela Comissão), os Estados-Membros podem escolher entre as regras dos auxílios regionais e as regras específicas do sector da agricultura (ou seja, orientações relativas aos auxílios estatais à agricultura) ou regulamentos de isenção por categoria agrícola emitidos com base no artigo 107.º do Tratado.”.
V. E, de facto, as Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos sectores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020 prevêem, no parágrafo 20, que “As presentes orientações aplicam-se aos auxílios estatais à produção agrícola primária, à transformação dos produtos agrícolas que resultem num produto agrícola e à comercialização de produtos agrícolas”.
W. Ora, os pontos de clivagem situam-se justamente na interpretação do parágrafo 33, da Secção 2.3 - Regras horizontais e instrumentos de auxílio aplicáveis aos sectores agrícola e florestal e às zonas rurais, da Parte I) apenas fornece a indicação de que, nos auxílios estatais à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, e (168), da Parte 2, Capítulo 1. Auxílios a favor de empresas ativas na produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas. Medidas de desenvolvimento rural, subsecção 1.1.1.4. Auxílios aos investimentos relacionados com a transformação e a comercialização de produtos agrícolas.
X. A leitura do parágrafo (33) que a Requerente perfilha é parcial porque alheia-se da parte final da segunda frase que indica que as OAR aplicam-se aos auxílios estatais à U. Conforme já citado em sede de resposta arbitral 12 “A compatibilidade dos auxílios regionais é avaliada com base nas regras dos auxílios regionais (OAR 2014 ou disposições relativas aos auxílios regionais no RGIC), a menos que existam regras sectoriais específicas, como as aplicáveis à agricultura, silvicultura, aquicultura, pesca, transporte e sector de energia. Essas regras específicas do sector derrogam as regras de compatibilidade consagradas nas OAR 2014 ou no RGIC, estipulando, por exemplo, intensidades de auxílio superiores ou inferiores ou condições de elegibilidade ou compatibilidade mais estritas. (...) Assim, devido às políticas comuns da UE nos domínios da agricultura, silvicultura, pesca e aquicultura, os auxílios estatais a esses sectores são regidos exclusivamente por regras específicas que são avaliadas pela Comissão à luz das disposições específicas do Tratado. Contudo, para o apoio aos produtos agrícolas [que constam do Anexo I do Tratado] que não se enquadram no âmbito do artigo 42.º do Tratado (como a comercialização e a transformação de produtos agrícolas e as pescas abrangidas por programas de desenvolvimento rural co-financiados pela Comissão), os Estados-Membros podem escolher entre as regras dos auxílios regionais e as regras específicas do sector da agricultura (ou seja, orientações relativas aos auxílios estatais à agricultura) ou regulamentos de isenção por categoria agrícola emitidos com base no artigo 107.º do Tratado.”.
V. E, de facto, as Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos sectores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020 prevêem, no parágrafo 20, que “As presentes orientações aplicam-se aos auxílios estatais à produção agrícola primária, à transformação dos produtos agrícolas que resultem num produto agrícola e à comercialização de produtos agrícolas”.
W. Ora, os pontos de clivagem situam-se justamente na interpretação do parágrafo 33, da Secção 2.3 - Regras horizontais e instrumentos de auxílio aplicáveis aos sectores agrícola e florestal e às zonas rurais, da Parte I) apenas fornece a indicação de que, nos auxílios estatais à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, e (168), da Parte 2, Capítulo 1. Auxílios a favor de empresas ativas na produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas. Medidas de desenvolvimento rural, subsecção 1.1.1.4. Auxílios aos investimentos relacionados com a transformação e a comercialização de produtos agrícolas.
X. A leitura do parágrafo (33) que a Requerente perfilha é parcial porque alheia-se da parte final da segunda frase que indica que as OAR aplicam-se aos auxílios estatais à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.
Y. O que vale por dizer que a aplicação das OAR está subordinada às regras estabelecidas nas Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos sectores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020.
Z. E, precisamente, no que concerne aos auxílios aos investimentos, o parágrafo 168 (Parte II, Capítulo I, Subseccção 1.1.1.4) das mesmas Orientações, prevê que: “(168) Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio: (a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o do Tratado; (b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020; (c) As condições estabelecidas na presente secção.”
AA. Donde resulta que a legislação nacional sobre os auxílios estatais a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas deve fazer referência ao quadro normativo europeu aplicável e, como já foi dito, no CFI não menciona as Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos sectores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020.
BB. É consabido que os auxílios estatais aos investimentos podem assumir a natureza de apoio financeiro directo (e.g. prémios, subsídios, empréstimos não reembolsáveis, isenção de juros) e de benefícios fiscais, sendo que as normas europeias sobre auxílios estatais em regra não diferenciam estas duas modalidades.
CC. Ora, relativamente a auxílios estatais de natureza financeira (na modalidade de subvenção não reembolsável) dirigidos aos investimentos na transformação e comercialização de produtos agrícolas, existe regulamentação própria, no quadro do Programa de Desenvolvimento Rural do Continente 2020 (PDR 2020), nomeadamente a constante da Portaria n.º 230/2014, de 11 de novembro, que manifestamente não remete para as OAR 2014-2020 ou para o RGIC.
DD. Porém, diferentemente, no domínio dos auxílios estatais, na modalidade de benefícios fiscais aos investimentos na transformação e comercialização de produtos agrícolas e, em concreto o benefício fiscal do RFAI, tanto no CFI como na Portaria n.º 282/2014, apenas se subordinam ao RGIC e às OAR 2014-2020 sendo que, como tem sido afirmado, estas Orientações explicitam – no parágrafo 10, nota de rodapé (11) – que “Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que dêem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no sector agrícola.”
EE. Ou seja, no âmbito da liberdade de conformação do legislador no domínio da definição dos pressupostos do benefício fiscal do RFAI, acolheram, por inteiro, as orientações que emanam das OAR, ao estabelecer no artigo 22.º, n.º 1 do CFI e artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, que, em conformidade com as OAR e com o RGIC, são inelegíveis “(...) para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as actividades económicas (...), da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, (...)”.
FF. Nestes termos, é infundada a conclusão de que o referido parágrafo (168) permite considerar tacitamente abrangidos pelas OAR os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que dêem origem a produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE.
GG. Por conseguinte, não pode concluir-se que a actividade económica desenvolvida pela Requerente tenha sido incorrectamente considerada como actividade excluída do âmbito do RFAI.
HH. As decisões arbitrais mais recentes – proferidas nos processos n.º 307/2021-T e 321/2021-T – , considerando como não violadora da CRP e do direito europeu relevante a que se encontra subordinado o benefício fiscal do RFAI, a exclusão das actividades económicas enumeradas no Anexo I do TFUE.
II. Em suma, da aplicação concatenada de todas as disposições de Direito da União Europeia e de direito interno anteriormente enunciadas, resulta que as actividades de transformação de produtos agrícolas apenas podem beneficiar do benefício fiscal RFAI previsto no artigo 22.º, n.º 1 do CFI quando o resultado final da transformação não for um produto agrícola que integre a lista constante do anexo I do TFUE a que alude o n.º 3, do artigo 38.º daquele tratado – o que é precisamente o caso dos autos aqui recorridos e da decisão fundamento.
JJ. Repristinando a esclarecedora fundamentação da decisão fundamento prolatada pelo Professor Doutor Jónatas Machado: «…29. Independentemente de os produtos resultantes da atividade da Requerente estarem, ou não, enumerados no Anexo I do TFUE, o RGIC é aplicável aos auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas em todos os outros casos cuja exclusão não esteja prevista na mencionada alínea c) do n.º 3 do artigo 1.º do RGIC, o que é dizer que a atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas é abrangida pelo RGIC na medida em que não estejam em causa auxílios fixados com base no preço ou na quantidade dos produtos ou subordinados à condição de serem repercutidos nos produtores primários. A atividade da Requerente inclui-se no âmbito de aplicação do RGIC, pelo que a exceção de aplicação do RFAI às atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação do RGIC, que se prevê na parte final do artigo 22.º do CFI, não afasta a aplicação do benefício fiscal do RFAI à mesma, devendo concluir-se que também o RGIC não afasta, em abstrato, a aplicação do RFAI à atividade de fabricação de alimentos para animais de criação. 30. No que diz respeito às OAR, tendo como base o artigo 107.º, n.º3, alíneas a) e c), do TFUE, as mesmas esclarecem em que condições e sob que critérios a Comissão pode considerar compatíveis com o mercado interno os auxílios estatais destinados a facilitar o desenvolvimento económico de certas regiões desfavorecidas da União Europeia. O § 10 das OAR afirma que, apesar de a agricultura estar sujeita a um regime especial previsto num instrumento jurídico específico, as respetivas orientações são aplicáveis à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. A nota (11) do § 10 das OAR dispõe que “os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que dêem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola.” (…) 33. (…) Porém, no que concerne aos benefícios fiscais do RFAI, o legislador nacional não utilizou a faculdade consagrada no citado § 168 das OAR do Setor Agrícola, tendo o artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, em conformidade com as OAR e com o RGIC, considerado não elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE. (…) 40. É assim que, com base no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro – no uso da margem de manobra reconhecida aos Estados-Membros pelo § 168 das OAR do Setor Agrícola – , ao mesmo tempo que reitera que o regime de benefícios fiscais aprovado pelo CFI se aplica a projetos de investimento produtivo cujo objeto esteja compreendido nas atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º, identifica-se as atividades económicas e os setores cujos projetos de investimento que não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, entre os quais se contam a produção agrícola primária, a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE. Em face do exposto, considera este Tribunal que não se verifica a alegada inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade da administração nas suas dimensões de reserva de lei, prevalência de lei e precedência de lei. Assim, a solução da questão controvertida apela a uma interpretação e aplicação do artigo 2.º, n.º 2, do CFI e a da Portaria n.º 282/2014 em termos sistemicamente adequados, em conformidade com a Constituição e com o direito da União Europeia.”
KK. Destarte, a resposta correcta, ao arrepio da decisão ora recorrida deverá ser: O RFAI não se aplica a actividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE. i.e., as actividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE não se enquadram nos sectores de actividade elegíveis para a concessão do benefício fiscal do RFAI à luz da interpretação do artigo 2º e 22º do Código Fiscal ao Investimento (CFI) e de mais legislação aplicável e das exclusões previstas no RGIC e nas OAR.!
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido por se mostrar verificada contradição entre a decisão arbitral proferida no processo n.º 706/2022 – T CAAD e o Acórdão deste Colendo Tribunal de 25-09-2013, autuado com o n.º 0866/13 (decisão fundamento) disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003e a931/dfcedf1ffe47cf2380257bf80047940a?OpenDocument& ExpandSection=1#_Section1 E, com os fundamentos acima indicados, ser anulada a decisão arbitral (processo n.º 456/2022 - T CAAD), e substituída por Acórdão consentâneo com o disposto nos preceitos acima citados, à luz da doutrina das decisões/Acórdãos fundamento.

Não foram produzidas contra-alegações e o Ministério Público emitiu parecer no sentido de inexistência de contradição entre a decisão recorrida e a decisão fundamento.

Cumpre decidir.

Na decisão recorrida levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
a.A Requerente é uma sociedade comercial que exerce, a título principal, uma atividade comercial que tem por objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividade económica.
b.A Requerente dispõe de contabilidade organizada, estando enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC e a sua matéria coletável é determinada por avaliação direta.
c.A Requerente tem a sua situação tributária e contributiva regularizada, não sendo devedora de quaisquer dívidas à Autoridade Tributária ou à Segurança Social.
d.A Requerente não é uma empresa “em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão – Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à restruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade, publicada no Jornal da União Europeia n.º C 249, de 31 de julho de 2014”.
e.A Requerente é a sociedade dominante do consolidado fiscal do grupo de sociedades do qual faz parte (“GRUPO B...”), ao qual é aplicável o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”).
f.Para efeitos do RETGS, do GRUPO fazem parte integrante, para além da Requerente (sociedade dominante), as sociedades dominadas C..., S.A., com o NIPC ... e D..., S.A., com o NIPC... .
g.A C... é uma sociedade comercial que tem como atividade principal a produção de vinhos comuns e licorosos, a produção de vinhos espumantes e espumosos, e o comércio por grosso de bebidas alcoólicas, a que corresponde o CAE 11021 (“produção de vinhos comuns e licorosos”).
h.A C... dispõe de contabilidade organizada, estando enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC e a sua matéria coletável é determinada por avaliação direta.
i.A C... tem a sua situação tributária e contributiva regularizada, não sendo devedora de quaisquer dívidas à Autoridade Tributária ou à Segurança Social.
j.A C... não é uma empresa “em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão – Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à restruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade, publicada no Jornal da União Europeia n.º C 249, de 31 de julho de 2014”.
k.Por referência aos exercícios de 2018 e 2019, o GRUPO B... delineou uma estratégia de crescimento que requeria, quanto à C..., a elaboração e execução de planos de investimento, tendo em vista o aumento da sua capacidade de produção e, dessa forma, fazer face à evolução do mercado e dar resposta à crescente procura verificada e esperada.
l.Nos exercícios aqui em causa (2018 e 2019), a C... realizou investimentos tendentes ao aumento da capacidade de estabelecimento já existente e, bem assim, de estabelecimento novo, considerados elegíveis para efeitos de RFAI, no âmbito de três projetos complementares entre si:
Projeto ..., focado no aumento da capacidade instalada de produção de vinho da marca ...;
Projeto ..., focado no aumento da capacidade de armazenamento da adega sita em ...; e
Projeto ..., focado no aumento da capacidade produtiva e armazenamento, por um lado, e a criação de uma base operacional, por outro, através da aquisição e equipagem da Quinta ..., sita em ... .
m.Os investimentos realizados pela Requerente situam-se geograficamente nas regiões Norte (Projeto ...– Vila Nova de Gaia), Centro (Projeto...–...) e Sul (Projeto...), tendo permanecido nestas regiões (e na esfera da Requerente) desde 2018 (e 2019, quanto à ...).
n.O Projeto ... visou dar resposta ao aumento da procura e ao aprofundamento da política de expansão e desenvolvimento do mercado internacional, com o aumento significativo da produção de caixas de vinho da marca ... .
o.No ano de 2017, a C... estava já no limite da sua capacidade de produção, tendo produzido 1 396 872 caixas, de 9 litros, de vinho ... .
p.Em virtude dos investimentos realizados nos anos de 2018 e 2019, foi possível aumentar de modo significativo a produção da C..., que produziu 1 472 139 (em 2018), 1 522 664 (em 2019), 1 611 895 (em 2020) e 1 893 865 (em 2021) caixas de 9 litros de vinho ... .
q.No âmbito do projeto “...”, a C... celebrou contratos de trabalho sem termo, para as funções de auxiliar e profissional de armazém, com os colaboradores n.ºs ... e ..., que ainda se mantêm em funções.
r.Os investimentos realizados no projeto “...”, no exercício de 2018, ascenderam ao valor total de € 1 570 665,75.
s.Do valor referido na alínea anterior, a Requerente apenas considerou como investimento elegível para efeitos de RFAI o montante de € 869 467,37.
t.No exercício de 2019, a Requerente considerou como investimento elegível para efeitos de RFAI o montante de € 352 573,61.
u.O Projeto ... teve em vista o aumento da capacidade de armazenamento, para o que a C... procedeu à aquisição de duas novas torres de inox, com capacidade de armazenagem de um milhão de litros cada.
v.Os investimentos realizados no projeto “...” ascenderam ao valor total de € 625 718,15, no exercício de 2018.
w.Do valor mencionado na alínea precedente, a Requerente apenas considerou como investimento elegível para efeitos de RFAI o montante de € 180 492,71.
x.A Requerente considerou como investimento elegível para efeitos de RFAI, no exercício de 2019 e no âmbito do projeto “...”, o montante de € 311 193,59.
y.O aumento da capacidade produtiva da C... implicou a criação de postos de trabalho por tempo indeterminado para os colaboradores n.ºs ... e..., afetos ao projeto da ..., os quais ainda se mantêm em funções.
z.A C... procedeu à aquisição da ..., constituída por 75 hectares de vinha e 50 hectares de terreno de floresta (com potencial de plantação), adega com capacidade de vinificação de 0,8 milhões de litros e de armazenagem de 2 milhões de litros.
aa.O aumento da capacidade produtiva da C... proporcionou a criação de um posto de trabalho por tempo indeterminado, com a contratação do colaborador n.º..., afeto ao projeto da Quinta ... e que ainda se mantém em funções.
bb.No exercício de 2018, os investimentos realizados pela C... ascenderam ao montante total de € 1 049 960,08.
cc.Por referência ao exercício de 2019, os investimentos realizados pela C..., ao abrigo dos três projetos, ascenderam a €1 035 97,54.
dd.Relativamente ao exercício de 2018 a C... não inscreveu, a título de dotação do período, qualquer valor no campo 714, do quadro 074, do Anexo D da sua declaração individual (declaração Modelo 22 de IRC, identificada com o n.º..., e substituída pela declaração Modelo 22 de IRC identificada com o n.º...).
ee.Quanto ao exercício de 2019, a C... não incluiu qualquer montante a título de RFAI na sua declaração individual (declaração Modelo 22 de IRC, identificada com o n.º..., e substituída pela declaração Modelo 22 de IRC identificada com o n.º...).
ff.A Requerente não inscreveu qualquer montante, a título de RFAI, no respetivo campo do Anexo D, aquando da entrega das declarações Modelo 22 de IRC do Grupo B..., do exercício de 2018 (declaração Modelo 22 identificada com o n.º ... e declaração Modelo 22 de substituição identificada com o n.º...).
gg.A Requerente não inscreveu qualquer montante, a título de RFAI, no respetivo campo do Anexo D, aquando da entrega das declarações Modelo 22 de IRC do Grupo B..., do exercício de 2019 (declaração Modelo 22 identificada com o n.º ... e declaração Modelo 22 de substituição identificada com o n.º...).
hh.Na declaração Modelo 22 do Grupo B... do exercício de 2018, identificada com o n.º ..., a Requerente apurou o montante de imposto a pagar de € 225 840,34.
ii.Na declaração Modelo 22 de substituição do Grupo B... identificada com o n.º..., referente ao exercício de 2018, a Requerente apurou imposto a pagar de € 239 045,05.
jj.Por referência ao exercício de 2019, a Requerente apurou, na declaração Modelo 22 do Grupo B... identificada com o n.º..., imposto a recuperar no montante de € 443.914,34.
kk.Na declaração Modelo 22 de substituição do Grupo B... identificada com o n.º..., referente ao exercício de 2019, a Requerente apurou imposto a recuperar no montante de € 425 737,19.
ll.A Requerente apresentou, em 27 de maio de 2021 e 14 de março de 2022, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 131.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 137.º, n.º 2, do CIRC, reclamações graciosas contra os referidos atos de autoliquidação de IRC dos exercícios de 2018 e 2019, nas quais requereu que fossem consideradas deduções à coleta, a título de RFAI, nos montantes de € 262 490,02 e de € 203 074.83, respetivamente.
mm.As reclamações graciosas n.ºs ...2021..., referente ao exercício de 2018 e ...2022..., referente ao exercício de 2019, foram objeto de decisões de indeferimento, conforme as notificações emitidas pela Direção de Finanças do Porto através de ofícios de 10 de agosto de 2022, expedidas à Requerente por ViaCTT.
nn.A fundamentação de cada uma das decisões de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas pela Requerente contra as autoliquidações de IRC dos exercícios de 2018 e de 2019, no que respeita à análise do benefício fiscal do RFAI, foi a seguinte: (ver no original)
oo.Em 23 de Novembro de 2022, a Requerente apresentou o pedido arbitral na origem dos presentes autos.

Na decisão fundamento levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
a) A Requerente é uma empresa líder no setor Agropecuário, responsável pela distribuição de bens para alimentação animal e produtos para a agricultura, tendo também participação no setor dos combustíveis através de um posto de abastecimento.
b) Durante o exercício de 2018, iniciou uma nova área de negócio, a fabricação de alimentos para animais de criação (CAE 10912), tendo, para o efeito, investido, a partir de 2017, em equipamentos produtivos em estado de novo e essenciais ao desenvolvimento desta nova área.
c) No ano de 2017, o sujeito passivo realizou investimentos na aquisição de equipamentos produtivos para a área de negócios de fabricação de alimentos para animais e na implementação de uma linha de limpeza de cevada.
d) Com referência ao investimento efetuado em 2017, a Requerente usufruiu dos benefícios fiscais RFAI e DLRR, nos termos anteriormente expostos.
Nada mais há com interesse.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
É entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos com vista à uniformização de jurisprudência, tendo em conta o regime previsto nos artigos 25º, n.º 2 do RJAT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Questão similar a esta que vem colocada no presente recurso já foi decidida por este Supremo Tribunal no âmbito do recurso n.º 0164/21.0BALSB, tendo-se concluído não existir contradição entre as decisões recorrida e fundamento que justificasse o conhecimento do mérito do recurso, pelo que, se seguirá de perto o que aí se deixou dito.

Vejamos, então, recordando que a Recorrente defende que as decisões em confronto assumiram entendimentos divergentes quanto a uma mesma questão de direito que se reconduziria à questão da dedução de benefícios fiscais, no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), incluindo a apreciação da constitucionalidade da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro.

Defende a Recorrente que o entendimento perfilhado pelo Tribunal Arbitral na Decisão Recorrida, proferida no processo nº 706/2022-T, está em contradição com a Decisão Arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no processo n.º 307/2021-T (decisão fundamento).

No essencial decidiu-se na decisão recorrida: Pelos motivos que acabam de se expor, se chega à mesma conclusão também já alcançada em outras decisões arbitrais, designadamente no Acórdão proferido em 12 de outubro de 2020 no processo n.º 220/2020-T, citado pela Requerente, de que “a actividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente de vinhos comuns e licorosos, não é uma das «actividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168) [das Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020], são permitidos os auxílios estatais.”.

Na decisão arbitral fundamento esteve em análise uma situação em que o sujeito passivo de IRC apresentou, nos anos de 2017 e 2018, modelo declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) em que usufruiu de benefícios fiscais em sede de RFAI que a Recorrida, na sequência de uma inspecção, veio a decidir constituírem deduções à colecta indevidas, decisão administrativa que deu origem a correcções nos referidos anos, com a consequente emissão de liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios, por se ter entendido, nuclearmente, que a actividade desenvolvida (empresa líder no setor Agropecuário, responsável pela distribuição de bens para alimentação animal e produtos para a agricultura, tendo também participação no setor dos combustíveis através de um posto de abastecimento) pela Recorrente estava excluída do âmbito de aplicação do RFAI, por força do artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, de 30.12 e por aplicação do nº. 1 do artigo 22º do Código Fiscal do Investimento (CFI).

Desde logo, o critério de “actividade principal” desenvolvida por cada um dos sujeitos passivos em juízo foi perfilhado por ambos os acórdãos, separando-os, nesta parte, a susceptibilidade de inclusão da actividade desenvolvida por cada um desses sujeitos passivos, distinta, como nos é revelado pela diferente CAE, às actividades passíveis de beneficiarem desse excepcional regime fiscal: num caso, com base no “critério de preponderância”, entendeu-se que resultava dos factos provados que a actividade da Recorrente se enquadrava na actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, em conformidade com o disposto no preceituado no artigo 2.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento (CFI), actividade económica cujos projectos de investimento não é elegível, nos termos da Portaria n.º 282/2014, de 30.12, para efeitos de concessão de benefícios fiscais; noutro, segundo o mesmo critério, julgou-se resultar dos factos provados que a actividade principal da requerente é a produção de vinhos comuns e licorosos, à qual corresponde o CAE 11021 e, consequentemente, se tinha que concluir que as liquidações impugnadas enfermam de vício, por erro sobre os pressupostos de direito, ao terem pressuposto o entendimento de que a actividade principal da requerente de produção de vinhos comuns não era elegível para usufruição do RFAI.

Enquanto a decisão fundamento considerou que a actividade da aí Requerente - transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente de vinhos comuns e licorosos - não é uma actividade excluída do âmbito sectorial das OAR, a decisão Recorrida considerou que a actividade da ora Recorrente - transformação e comercialização de produtos agrícolas, tendo em vista um produto final de alimentação animal – se inclui no núcleo de actividades excluídas pelas OAR.

Assim sendo, há que concluir que não existe a identidade substancial de facto que legitimaria a conclusão de existência de uma mesma questão fundamental de direito e que o que determinou as decisões alegadamente opostas ou em sentido divergente foram precisamente os quadros de facto em que ambas se moveram e se fundamentaram, o que determina a não admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência.

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.
Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da t.j.
D.n.

Lisboa, 21 de fevereiro de 2024. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves.