Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01339/23.2BEPRT
Data do Acordão:02/29/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
AVALIAÇÃO
Sumário:Não é de admitir a revista em que as questões colocadas contendem com a densificação do modelo de avaliação no que respeita aos factores preço e valia técnica, se as mesmas estão decididas de forma unânime e aparentemente correcta por ambos os tribunais de instância, e não se perfilam como de importância fundamental.
Nº Convencional:JSTA000P31992
Nº do Documento:SA12024022901339/23
Recorrente:A..., S.A. E OUTROS
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE GUIMARÃES
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A..., S.A., e B..., S.A. - agrupamento autor desta «acção do contencioso pré-contratual» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAN - de 15.12.2023 - que negou provimento à sua «apelação» e confirmou o saneador-sentença do TAF do Porto - de 15.09.2023 - que julgou totalmente improcedente a acção na qual demandaram o MUNICÍPIO DE GUIMARÃES - enquanto entidade adjudicante - e dois contra-interessados - C..., S.A., e D..., S.A. - E..., S.A.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão.

Apenas a entidade adjudicante - MUNICÍPIO DE GUIMARÃES - contra-alegou, defendendo, para além do mais, a não admissão da revista por falta de verificação dos pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O agrupamento constituído pelas duas sociedades autoras - A..., S.A., e B..., S.A. - intentou a presente acção contra o MUNICÍPIO DE GUIMARÃES e dois outros candidatos ao concurso público em causa - concurso limitado por prévia qualificação para adjudicar a empreitada de construção da Escola-Hotel na ... - pedindo ao tribunal, essencialmente, que declare ilegais as disposições do procedimento relativas ao modelo de avaliação no que respeita ao factor preço - designadamente a fórmula matemática - e no que respeita ao factor valia técnica. Alega, além do mais, que a fórmula prevista para determinar a pontuação a atribuir ao factor preço viola os princípios da boa administração, da igualdade e da concorrência [artigos 5º do CPA, 1º, nº4, e 1º-A, nº1, do CCP], os artigos 70º, nº6, 75º, e 139º, do CCP, que ocorre uma diferença significativa nos preços das propostas, e, ainda, que a entidade adjudicante incumpriu com o grau de pormenorização e detalhe legalmente exigido na definição do factor valia técnica [artigo 74º nº2, e 139º, nº1 e nº2, do CCP], na definição do local onde se iriam realizar os trabalhos, e na utilização, indevida, de conceitos indeterminados, que fazem claudicar a necessária clareza do modelo avaliativo.

O tribunal de 1ª instância - TAF do Porto - apreciou todas e cada uma das ilegalidades que foram invocadas pelas autoras e julgou-as improcedentes, absolvendo todos do pedido - entidade adjudicante e contra-interessadas.

O tribunal de 2ª instância - TCAN - negou provimento à apelação das autoras, e decidiu confirmar totalmente a sentença aí recorrida, fazendo-o, essencialmente, com idêntica fundamentação jurídica. No seu afã decisório conheceu e julgou improcedentes vários erros de julgamento de direito apontados pelas apelantes à sentença da 1ª instância, nomeadamente o erro de julgamento decorrente de a fórmula prevista para determinar a pontuação a atribuir ao factor preço violar princípios e normas legais - princípios da boa administração, da igualdade e da concorrência, e artigos70º, nº6, 75º, e 139º, do CCP -, o erro que a seu ver resulta de a sentença ter entendido que não existe uma diferença significativa nos preços das propostas, e o erro de julgamento relativo ao factor valia técnica, quer no respeitante ao conhecimento do local onde se iriam desenrolar os trabalhos, quer no respeitante à alegada utilização indevida de conceitos indeterminados.

Novamente as autoras discordam, e pedem revista do acórdão proferido pelo tribunal de apelação apontando-lhe erros de julgamento de direito. Em súmula, as recorrentes reiteram os erros de julgamento de direito - quanto à legalidade do modelo de avaliação do factor preço e quanto ao modelo de avaliação do factor valia técnica - que já haviam imputado à sentença em sede de recurso de apelação, pretendendo que o acórdão ora recorrido seja revogado e substituído por um outro que decrete a ilegalidade do procedimento de concurso em causa. Defende que o acórdão, mantendo a sentença, faz errada aplicação dos artigos «1º-A, 70º, nº2 d), e nº6, 74º, 75º, 132º, nº1, e 139º, do CCP, e 5º, nº1, do CPA», se concatenada com os princípios da concorrência, igualdade e transparência. Insiste em que o modelo de avaliação do preço é violador dos referidos princípios e que a fórmula matemática estatuída subverteu o critério de adjudicação fixado, e insiste também em que o modelo de avaliação do factor qualidade foi erradamente considerado legal, pois que da leitura concatenada dos artigos 74º, nº1, 75º, nº1, nº4 e nº5, e 139º, do CCP, resulta que os factores e subfactores do critério de adjudicação têm de dizer respeito a aspectos da execução do contrato a celebrar, o que não acontece no caso, a seu ver, relativamente a todos os subfactores em que se decompõe o critério de adjudicação, e, em particular, ao subfactor «conhecimento do local onde se irão realizar as obras». E salienta que a construção do modelo de avaliação é matéria complexa, susceptível de várias interpretações, e não pode padecer da indeterminação e da falta de clareza que no caso, diz, ocorre.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, cumprirá ressaltar, à cabeça, que os dois tribunais de instância foram «unânimes» na decisão proferida, bem como na sua respectiva fundamentação, o que, obviamente, sem garantir a correcção do assim julgado, não deixa de constituir «sinal relevante» do seu aparente acerto. Dois tribunais, quatro juízes, convergiram num mesmo sentido, e fizeram-no, diga-se, alicerçados «numa análise jurídica dos factos provados» e «numa interpretação e aplicação do regime jurídico chamado a intervir» que se mostra lógica, coerente, sem contradições e sem erros manifestos, e, enquanto tal, justificativos da admissão da revista em nome da «clara necessidade de melhor aplicação do direito». E acrescente-se que as alegações de revista, que insistem no julgamento de procedência desta acção, não obstante serem doutas não se mostram capazes de fazer sucumbir a fundamentação levada à decisão unânime dos dois tribunais de instância. Também não se evidencia, atentos os concretos contornos da factualidade que foi apurada, qualquer conflito com jurisprudência já existente nos tribunais superiores da jurisdição.

Ademais, admitir este recurso seria abrir uma 3ª instância, o que não é permitido pela lei, sendo certo que a matéria que as recorrentes pretendem continuar a debater, que se prende, sobretudo, com o «modelo de avaliação das propostas», não obstante ser transversal a toda a contratação pública encontra-se abordada e decidida, neste caso, de forma convincente e aparentemente correcta, esmorecendo, assim, a «importância fundamental» de repetir a sua abordagem pelo tribunal de revista.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pelas autoras da acção.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelas recorrentes.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.