Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
297/13.6TTTMR.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: ALEGAÇÕES
CONCLUSÕES COMPLEXAS
Data do Acordão: 04/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DELIMITAÇÃO DO RECURSO / ÓNUS DO RECORRENTE / ALEGAÇÕES DE RECURSO.
Doutrina:
- Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, 299.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 3, 639.º, N.ºS 1, 2 E 3, 641.º, N.º 2, ALÍNEA B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL:

-DE 9-07-2015, PROCESSO N.º 818/07.3TBAMD.L1.S1 - 2.ª SECÇÃO.
Sumário :
I- A reprodução nas conclusões do recurso da respectiva alegação não equivale a uma situação de falta de conclusões, estando-se antes perante um caso de conclusões complexas por o recorrente não ter cumprido as exigências de sintetização impostas pelo nº 1 do artigo 639º do CPC.

II- Assim, não deve dar lugar à imediata rejeição do recurso, nos termos do artigo 641º, nº 2, alínea b) do CPC, mas à prolação de despacho de convite ao seu aperfeiçoamento com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, conforme resulta do nº 3 do artigo 639º do mesmo compêndio legal.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1----

AA intentou uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

BB, S.A., com sede na Rua ..., Edifício ..., Apartado ..., em ..., peticionando que a ré seja condenada a pagar-lhe o montante global de € 111 127,14, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou para tanto que foi admitido ao serviço da R para exercer as funções de motorista de serviço público, através dum contrato de trabalho que teve o seu início em 1 de Setembro de 1997; que sendo Ourém o seu local de trabalho inicial, passou a ter de exercer as suas funções em Tomar, a partir de 1998.

Sucede que, a pedido da R, teve que prestar trabalho extraordinário, cujo pagamento reclama. Além disso, e desde 1998, teve que se deslocar para trabalhar em Tomar utilizando viatura própria sem ter sido ressarcido do acréscimo de despesas que teve de suportar.

Tendo-se frustrado o acordo na audiência de partes, veio a R apresentar contestação, onde excepcionou a ineptidão da petição inicial e a prescrição dos créditos reclamados. Além disso, impugnou o pedido de pagamento de trabalho suplementar, e alegou ainda que foi o trabalhador quem solicitou à empresa a sua transferência para a filial de Tomar, a que ficou adstrito até à presente data.

Terminou pugnando pela improcedência da acção.

O A. respondeu, sustentando a improcedência das excepções deduzidas e reiterando o teor da sua petição.

Efectuada a audiência de julgamento, foi proferida sentença nos seguintes termos:

“ Pelo exposto, decido:

a) Julgar improcedentes as excepções de ineptidão da petição e de prescrição do direito do autor; e,

 b) Julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, e absolver a ré do pedido formulado pelo autor.“

Inconformado, apelou este, tendo o relator proferido despacho que não admitiu o recurso por as conclusões serem uma mera reprodução das alegações, o que equivale à sua falta.

Notificado deste despacho, o A reclamou para a conferência, que proferiu acórdão a indeferir a reclamação apresentada, assim mantendo o despacho reclamado.

Novamente inconformado trouxe-nos o A a presente revista, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões:

A.      Por Acórdão proferido, foi determinada a improcedência da reclamação apresentada pela Autor, decidindo manter-se o despacho reclamado no sentido da não admissão do recurso interposto por alegado incumprimento do disposto nos artigos 641º, nº 2, al. b) e 639º, n° 1, ambos do CPC.

B.      Tal decisão, cremos, viola entre o mais o disposto nos arts. 639º, nº 1 e 3 do CPC.

C.      Senão vejamos,

D.      Ainda que o recorrente aceite que não tenha cumprido cabalmente o disposto no art. 639º, nº 2, o certo é que determina o nº 3 do mesmo artigo que:

"Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada."

E.      Ora, não pode aceitar-se que tendo o recorrente especificado e distinguido no seu requerimento de interposição de recurso a matéria de alegação e a matéria conclusiva, possa o Tribunal a quo, sem mais e sem respeitar o disposto no art. 639º, nº 3 do CPC, fazer equivaler tal a uma total omissão de conclusões atribuindo-lhe o efeito cominatório previsto no art. 641º, nº 2, al b) do referido diploma legal.

F.        Aliás, é vasta a mais alta jurisprudência nesse sentido, vendo--se a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 9.07.2015, Processo nº 818/07.3TBAMD.L1.S1,disponível em www.dgsi.pt, onde se refere entre o mais a este propósito:

"(… )A reprodução nas "conclusões" do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com "falta de conclusões", de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al, b), do NCPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art. 639º, nº 3, do NCPC.(...)"

G.      Ora de acordo quer com a legislação vigente, quer com vasta jurisprudência, não pode sem mais e sem prévio convite ao aperfeiçoamento aceitar-se que a falta de síntese conclusiva seja considerada em si falta de indicação de matéria conclusiva.

H. Nestes termos, sempre teria de ser considerada procedente a reclamação apresentada, e em conformidade, determinar a alteração do despacho reclamado, deferindo a reclamação.

Pede assim que se revogue o acórdão recorrido, ordenando-se que seja proferido despacho de convite de aperfeiçoamento do acervo conclusivo que o recorrente havia apresentado.

A R não alegou.

Subidos os autos, emitiu a Senhora Procuradora Geral Adjunta judicioso parecer no sentido da procedência da revista, que notificado às partes não suscitou qualquer reacção.

Cumpre assim decidir.

2---

A questão que se discute consiste em saber se andou bem a Relação em não admitir a apelação, sem ter dado ao recorrente a possibilidade de proceder a uma síntese efectiva do acervo conclusivo da sua alegação.

Efectivamente, estamos perante uma situação em que o próprio recorrente reconhece que não deu cabal cumprimento ao disposto no art. 639º, nº 2 do CPC.

Sustenta no entanto, que não se podia indeferir a admissão da apelação sem, previamente se cumprir o nº 3 do mencionado preceito, que determina que quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, ou complexas, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, e esclarecê--las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.

Para alicerçar a sua posição de não admissão da apelação, argumentou a Relação que “a lei de processo é bem clara ao estatuir o ónus de formular conclusões na alegação do recurso interposto pela parte que por esse via pretende impugnar uma decisão judicial (cfr. art.º 639º, nº 1, do C.P.C.). Deverá por isso o recorrente desenvolver um esforço de síntese das razões por que manifesta a sua discordância quanto ao sentido da decisão impugnada, reconduzindo-o às conclusões que deverão rematar a sua alegação de recurso.

Poderá essa síntese ser ainda assim deficiente, obscura, ou demasiado complexa, caso em que deverá então ser formulado convite à parte para que as conclusões sejam completadas, esclarecidas, ou melhor sintetizadas – nº 2 do mesmo art.º 639º.

O que não pode é pretender-se que a inexistência de um qualquer esforço de síntese, e a denominação como ‘conclusões’ dos próprios fundamentos da alegação da recorrente, na reprodução da alegação numa mera operação de ‘copy/paste’, possa ter idêntica virtualidade, e suscitar semelhante convite.”

Assim, tudo se resume em apreciar se a reprodução da alegação nas conclusões se deve equiparar à sua falta ou se a situação deve ser equiparada à existência de conclusões complexas ou obscuras que deva dar lugar ao convite ao seu aperfeiçoamento, nos termos do nº 3 do artigo 639º do CPC.

Com efeito trata-se de regimes diversos, pois enquanto a complexidade, deficiência ou obscuridade das conclusões dá lugar ao convite do relatar com vista ao seu suprimento, a falta de conclusões leva à inadmissão do recurso, conforme estabelece o nº 2, alínea b) do CPC.

Colocando-se a questão nestes termos, vejamos então se o A tem razão.

2.1---

Dispõe o nº 1 do artigo 639º do CPC que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação de decisão.

Assim, e conforme sustentava Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág. 299, as conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas por que se pretende obter o provimento do recurso.

Por outro lado, as conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, conforme resulta do art. 635º, nº 3, do mencionado compêndio legal, devendo conter a identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Por isso, devem as conclusões integrar as razões invocadas para esse efeito e que constituirão as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá  à decisão pretendida.

Nem sempre as conclusões satisfazem o imperativo legal de síntese dos argumentos do recorrente, conforme impõe o nº 1 do artigo 639º do CPC.

Ciente desta realidade, estabeleceu o legislador no nº 3 do artigo 639º do CPC que, quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas, o relator deve convidá-lo a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.

E estaremos perante conclusões deficientes quando, nomeadamente, elas não reflectem todas as questões abordadas na motivação, sofrendo por isso do vício da insuficiência; quando revelam incompatibilidade com o teor da motivação e sejam por isso contraditórias; quando não encontram apoio na motivação, sendo por isso excessivas; e quando sejam incongruentes por não corresponderem às premissas que logicamente conduzem ao resultado pretendido.

E serão obscuras quando são ininteligíveis, ou de difícil inteligibilidade, por não permitirem ao recorrido ou ao tribunal percepcionar as razões invocadas para atingir o resultado que o recorrente pretende.

Por último, as conclusões serão complexas, nomeadamente, quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº 1 do supramencionado artigo 639º.

É esta a situação dos autos, pois o recorrente, ao reproduzir nas conclusões a argumentação constante do corpo da sua alegação, não cumpriu o dever de síntese advindo deste normativo.

De qualquer forma, as conclusões existem, apenas não cumprem aquele desiderato legal.

Aderimos assim à doutrina que dimana do acórdão deste Supremo Tribunal de 9-07-2015, na Revista n.º 818/07.3TBAMD.L1.S1 - 2.ª Secção (Abrantes Geraldes), que considera que a reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de “falta de conclusões”.

Por isso, não deve dar lugar à imediata rejeição do recurso, nos termos do artigo 641.º, n.º 2, al. b), do CPC, mas à prolação de despacho de convite ao seu aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, conforme dimana do nº 3 do artigo 639º.

3----

Termos em que se acorda em conceder a revista, pelo que, e revogando-se o acórdão recorrido, determina-se a remessa dos autos à Relação para que seja formulado convite ao aperfeiçoamento das alegações de recurso, na parte correspondente ao segmento conclusivo, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 639º, nºs 2 e 3, do CPC.

         Custas a final.

         Anexa-se sumário do acórdão.

        

Lisboa, 6 de Abril de 2017

         Gonçalves Rocha (Relator)

         António Leones Dantas

         Ana Luísa Geraldes