Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S900
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Nº do Documento: SJ200606280009004
Data do Acordão: 06/28/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1. Não configura um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviço, aquele que tem por objecto a docência de aulas de educação física, durante dez meses no ano (de Setembro a Junho), mediante a celebração de contratos denominados de prestação de serviços, se não estiver directa ou indiciariamente provado que a actividade do autor era exercida de modo subordinado.
2. A prestação da actividade em local indicado pelo réu, a vinculação a horário de trabalho e o pagamento de uma retribuição em função do tempo constituem indícios no sentido da subordinação jurídica.
3. Todavia, estando em causa a actividade docente, o valor desses indícios é praticamente nulo e não permitem, só por si, concluir no sentido da subordinação.
4. Mas, se dúvidas houvesse, elas ficariam anuladas face à restante matéria de facto provada, nomeadamente o ter sido dado como provado: a) que era o autor quem planeava, programava, orientava e avaliava o trabalho das respectivas classes e que só periodicamente (trimestral ou semestralmente) reunia com o coordenador geral, a fim de ser informado dos objectivos que o réu pretendia atingir na próxima temporada e a fim de se analisarem os resultados atingidos pelos praticantes; b) que o autor nunca recebeu férias, subsídio de férias e de Natal; c) que o autor estava colectado nas finanças e emitia "recibos verdes".
5. E ainda pelo facto de não haver notícia de qualquer protesto ou reclamação por parte do autor, durante os 15 anos em que trabalhou para o réu.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. "AA", patrocinado pelo M.º P.º; propôs a presente acção no Tribunal do Trabalho de Lisboa contra o Empresa-A, pedindo que o seu despedimento fosse declarado ilícito e que o réu fosse condenado a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção até à data da sentença, a quantia de 11.971,20 euros a título de indemnização de antiguidade e outras importâncias que devidamente discriminou, a titulo de férias, subsídios de férias e de Natal e proporcionais, acrescidas de juros de mora contados desde o respectivo vencimento.

Em resumo, alegou que foi admitido ao serviço do réu em Outubro de 1987, para subordinadamente exercer as funções de professor de musculação e de cardiofitness, por tempo indeterminado e mediante retribuição, sem nunca ter recebido qualquer retribuição a título de férias ou de Natal, tendo sido despedido em 12 de Agosto de 2002, sem qualquer explicação e sem a instauração de processo disciplinar.

O réu contestou, alegando, em resumo, que a relação jurídica estabelecida com o autor era de prestação de serviço e não de trabalho subordinado.

Na 1.ª instância entendeu-se que o vínculo jurídico estabelecido entre as partes era de trabalho subordinado, tendo a acção sido julgada procedente e o réu condenado a pagar ao autor a quantia de 11.805,02 euros de retribuições intercalares, a quantia de 13.567,36 euros de indemnização de antiguidade e a quantia de 36.578,27 euros a título de férias, subsídios de férias e de Natal, todas acrescidas dos respectivos juros de mora contados nos termos referidos na sentença.

Inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a sentença, o réu interpôs o presente recurso de revista, resumindo a sua alegação às seguintes conclusões:
1 - O horário desenvolvido e o local onde se desenrolava a prestação dos serviços do Autor, resultam dos textos dos contratos outorgados, isto é, fruto do consenso das partes (cfr. cláusulas 6.ª ou 7.ª dos contratos de fls. 16 a 38).
2 - Não existem indícios de um controlo externo do modo de prestação, nem obediência a ordens ou sujeição à disciplina da "empresa".
3 - O Autor tinha plena autonomia na escolha: dos conteúdos programáticos, da sua planificação, da selecção das estratégias a utilizar na aprendizagem, dos processos a desenvolver e da avaliação dos resultados atingidos.
4 - O Autor estava apenas vinculado a atingir determinados objectivos definidos consensualmente, de acordo com os contratos outorgados.
5 - É evidente e irrefutável - face à matéria fáctica dada como provada - a existência apenas e só de uma ténue e tímida avaliação dos resultados obtidos pela actividade prestada e a indicação dos objectivos a atingir no final da citada actividade (comportamento acordado pelas partes).
6 - Não se descortina, na matéria fáctica dada como provada, a existência de uma cadeia hierárquica ou espaço para o aparecimento de deveres de efectiva obediência, exercício da direcção e disciplina do empregador - elementos constitutivos do contrato de trabalho (cfr. art. 365.º do Código do Trabalho).
7 - Quanto à retribuição existe, uma correspectividade entre o preço acordado e o trabalho efectivamente prestado, em função do tempo utilizado para o prestar (unidade lectiva - 10 meses) e até dependente do número de praticantes.
8 - Fixou-se contratualmente um critério para determinar o cálculo do valor total da retribuição e a fórmula de recebimento.
9 - Ausência de indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social do trabalho por conta de outrem.
10 - A existência de indícios formais de um contrato de prestação de serviço.
11 - O Autor não provou, como a lei processual lhe impõe, a existência dos elementos essenciais e constitutivos do contrato de trabalho que invoca - nem as ordens, nem a fiscalização por parte da ré no desenvolvimento da actividade prestada, nem a sua exclusividade e disponibilidade ao serviço daquela.
12- O Autor outorgou contratos qualificados de prestação de serviços, desenvolveu-os durante quase quinze anos, isto é, o seu comportamento - em plena execução dos mesmos - sufragou os textos dos aludidos contratos.
13 - Nunca reagiu judicialmente ou extra-judicialmente ao clausulado por si livremente outorgado.
14 - O Autor não trouxe aos presentes autos elementos probatórios contrários aos textos dos contratos outorgados e que contraditassem a declaração da vontade aí expressa.
15 - É o contrato de prestação de serviços que, no caso concreto, melhor se ajusta e enquadra juridicamente a especificidade e o modo de prestação da actividade do Autor.
16 - O Acórdão recorrido e a sentença da primeira instância, ao decidirem em sentido contrário, não atenderam aos indícios existentes na prova produzida e dada como provada, aos documentos não impugnados e juntos aos autos e à circunstancialidade e especificidade da actividade desenvolvida, violando os art.°s 1154.º, 227.º, n.º 1 e 239.º, todos do Cód. Civil.
17 - Nestes termos, deve o presente recurso de revista ser considerado procedente e revogar-se todo o Acórdão recorrido com total improcedência da acção decidida em primeira instância, porque ambas as peças processuais fizeram uma aplicação deficiente do Direito aos factos.

O autor contra-alegou, pedindo a confirmação da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos que não foram objecto de qualquer impugnação e que a Relação manteve integralmente:

1- A ré é um instituto de educação física e no exercício da sua actividade proporciona aulas e sessões de diversas modalidades, dentro da referida área desportiva, a alunos previamente inscritos.
2- O autor foi admitido ao serviço da ré, em Outubro de 1987.
3 - Com a categoria profissional de professor de musculação e cardiofitness.
4 - Incumbia-lhe, no âmbito de tal actividade, leccionar classes de musculação e cardiofitness no ginásio que funciona na sede da ré, acima mencionada.
5 - Periodicamente, trimestralmente ou por semestre, o autor reunia com o coordenador de departamento e coordenador geral, com o fim de a ré, através destes transmitir os objectivos a atingir na próxima temporada, com o fim de se analisarem os resultados atingidos pelos praticantes, podendo, ainda, o autor fazer pospostas ao coordenador que as veiculava à direcção.
6 - O autor cumpria um horário de trabalho estipulado pela ré, pelo menos de 2.ª a 6.ª- -feira.
7 - Ultimamente, entre Setembro/01 e Junho/02, como contrapartida dos serviços prestados, o autor recebia a prestação mensal de 798,08 euros, conforme doc. de fls. 29 e 30.
8 - O autor colectou-se nas finanças e passou a emitir recibos "verdes" pelas prestações pecuniárias pagas pela ré.
9 - O autor, em Outubro de 87 e em Setembro de 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 2000 e 2001, subscreveu contratos denominados de "prestação de serviços", conforme doc. de fls. 16-30, 63-65 que se reproduzem.
10 - O autor prestou serviços para a ré desde Outubro de 87 a Junho de 88 e Setembro de 88 em diante até ao ano de 2002, sempre dos meses de Setembro a Junho de cada ano.
11 - Em Julho de 2002, o autor não prestou serviço à ré.
12 - Em Agosto de 2002, a ré comunicou ao autor que prescindia dos seus serviços.
13 - A ré não instaurou ao autor processo disciplinar.
14 - A ré nunca pagou ao autor férias.
15 - A ré nunca pagou ao autor subsídio de férias.
16 - A ré não pagou ao autor proporcionais de férias e de subsídio do ano de 2002. 17 - A ré nunca pagou ao autor subsídio de Natal.
18 - De acordo com o clausulado nos contratos sucessivos, o autor planeava, programava, orientava e avaliava o trabalho das respectivas classes.
19 - O autor aceitava, através dos contratos subscritos, que a inexistência ou redução do objecto do contrato (n.º de praticantes), conduzisse à respectiva rescisão ou reconversão.
20 - Autor e ré não acordaram contratualmente que aquele tivesse direito a férias.
21 - Os acordos subscritos entre A e R. terminavam em 30 de Junho de cada ano.

3. O direito
O objecto do recurso restringe-se à questão de saber se a relação jurídica que, desde 1987, vinha sendo mantida entre o autor e o réu configurava um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviço.

Nas instâncias decidiu-se que era um contrato de trabalho, mas o réu discorda e, salvo o devido respeito, entendemos que com razão. Vejamos porquê.

Como é sabido, contrato de trabalho é aquele em que uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta (art.º 1152.º do C.C. e art.º 1.º da LCT (2) aqui aplicável, uma vez que os factos em apreço ocorreram antes da entrada em vigor, em 1.12.2003, do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/8).

E contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (art.º 1154.º do C.C.).

Como resulta do confronto dos respectivos conceitos legais, são três as diferenças entre aqueles dois tipos de contrato. A primeira diz respeito à retribuição que constitui um elemento essencial do contrato de trabalho, o que já não acontece com o contrato de prestação de serviço que pode ser oneroso ou gratuito. A segunda prende-se com o objecto do contrato que no contrato de trabalho é constituído pela prestação da actividade de uma pessoa à outra, enquanto que no contrato de prestação de serviço se traduz na prestação de um certo resultado da actividade de uma pessoa à outra. A terceira diferença reside na forma como a actividade é prestada, uma vez que ambos os contratos implicam o desenvolvimento de determinada actividade: no contrato de trabalho a actividade é prestada "sob a autoridade e direcção" da pessoa que dela beneficia, ao contrário do que acontece no contrato de prestação de serviço em que a actividade desenvolvida para alcançar o resultado que uma das partes se obrigou a prestar à outra é gerida pela parte que se obrigou a prestar o resultado e não pela parte que vai tirar proveito desse resultado.

Todavia, como a doutrina e a jurisprudência vêm salientado, o que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho e o que realmente o distingue do contrato de prestação de serviço é o modo como a actividade é exercida. Assim, se ela for prestada sob a autoridade e direcção da outra parte, isto é, sob as ordens, orientações e fiscalização da outra parte, estaremos perante um contrato de trabalho (desde que, evidentemente, a mesma seja remunerada). Se a actividade for prestada em regime de autonomia, estaremos perante um contrato de prestação de serviço.
Teoricamente, a distinção é fácil. A lei é clara ao dizer, relativamente ao contrato de trabalho, que a actividade é prestada sob a autoridade e direcção da outra parte (art.º 1.º da LCT e art.º 1152.º do C.C.). E também é clara ao dizer que compete à entidade patronal fixar os termos em que o trabalho de ser prestado, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem (art. 39.º, n.º 1, da LCT) e ao dizer que o trabalhador deve obedecer à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo na medida em que as ordens e instruções daqueles mostrem contrárias aos seus direitos e garantias (art.º 20.º, n.º 1, al. c), da LCT).

Na prática, porém, a diferenciação nem sempre é fácil, pois há situações em que a subordinação jurídica do trabalhador não transparece em todos os momentos da vida da relação o que dá uma aparência de autonomia, quando a razão de ser dessa aparente autonomia pode estar na tecnicidade das próprias tarefas ou nas aptidões profissionais do trabalhador e na correspondente autonomia (técnica) com que as mesmas são exercidas.

Aliás, como diz MAZZONI (3) (citado por Monteiro Fernandes (4) "[q]uanto mais o trabalho se refina e assume carácter intelectual, mais difícil é estabelecer uma nítida diferenciação, porque a subordinação tende a atenuar-se cada vez mais, na relação de trabalho subordinado, e a avizinhar-se daquela genérica supervisão, por parte do empregador, que se encontra também na relação de trabalho autónomo e que corresponde a um direito do comitente."

E as dificuldades agravam-se quando estamos perante actividades que normalmente são exercidas como profissão liberal (fenómeno que vai sendo cada vez mais frequente e a que Victor Rossamano (5) expressivamente apelida de "proletarização das profissões liberais) que a própria lei admite que possam ser exercidas em regime de contrato de trabalho, sem prejuízo da autonomia técnica requerida pela especial natureza das mesmas (art.º 5.º da LCT).

Uma coisa é certa: ao trabalhador compete alegar e provar a existência do contrato de trabalho, se a pretensão por ele formulada em juízo assentar naquele pressuposto (art.º 342.º, n.º 1, do C.C.) e, na dúvida, a sua pretensão terá de ser julgada improcedente.

E a prova da subordinação jurídica poderá ser feita directamente demonstrando que recebia ordens e instruções sistemáticas no decurso da sua actividade, o que não será fácil quando a actividade em causa, por esta ou por aquela razão, for exercida com grande autonomia técnica. Nesse caso, a subordinação jurídica terá de ser provada através da alegação e prova de factos que no modelo prático em que o conceito de subordinação em estado puro se traduz a ela andam associados. Isto porque, como diz Monteiro Fernandes (6), "a subordinação não comporta, em regra, a mera subsunção (...) é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características; daí o uso de um "método tipológico" baseado na procura de indícios que são outras tantas características parcelares do trabalho subordinado, segundo o id quod plerumque accidit", ou, melhor, de acordo com o modelo prático em que se traduz o conceito de subordinação em estado puro".

Será com base nos indícios recolhidos que iremos proceder à qualificação, não através de um juízo subsuntivo, mas através de um mero juízo de aproximação entre dois modelos analiticamente considerados (o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação), juízo esse que será também um juízo de globalidade, levando em conta que cada um dos indícios recolhidos, tomados de per si, tem um valor muito relativo que pode variar de caso para caso e que não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação.

Os indícios de subordinação que habitualmente são referidos pela doutrina e pela jurisprudência são os seguintes: exercer o trabalhador a sua actividade em local de trabalho definido pelo empregador; estar o trabalhador vinculado a um horário de trabalho; obedecer a ordens e estar sujeição à disciplina da empresa; auferir retribuição em função do tempo de trabalho prestado; gozar férias remuneradas e receber os subsídios de férias e de Natal; pertencerem ao empregador os instrumentos de trabalho; estar sujeito ao regime fiscal e de segurança social que é próprio dos trabalhadores por conta de outrem.

Mas importa ter presente que a existência daqueles indícios não é só por si suficiente para concluir no sentido da subordinação, uma vez que muitos desses índices também aparecem no contrato de prestação de serviço, não por força do contrato em si, mas por força das estipulações contratuais acordadas entre as partes. É o que acontece muitas vezes com a determinação do local de trabalho que pode estar dependente da actividade a desenvolver e com a fixação de um horário de trabalho para a realização da actividade que pode estar dependente do período de funcionamento da empresa ou das horas de laboração das máquinas (Pedro Romano Martinez (7) ) e com os materiais e instrumentos de trabalho (Monteiro Fernandes (8)).

Revertendo, agora, ao caso em apreço e tendo presente a matéria de facto que foi dada como provada, contactamos o seguinte:
- o réu é um instituto que se dedica à educação física de alunos previamente inscritos (facto n.º 1);
- o autor foi admitido ao serviço do réu em Outubro de 1987, como professor de musculação e cardiofitness (facto n.ºs 2 e 3);
- exercia essa actividade no ginásio do réu e cumpria um horário de trabalho estipulado pela ré, de 2.ª a 6.ª-feira (factos n.ºs 4 e 6);
- auferia uma retribuição mensal (facto n.º 7):
- nunca recebeu retribuição de férias, nem subsídio de férias ou de Natal (factos n.ºs 14, 15, 16 e 17);
- o autor planeava, programava, orientava e avaliava o trabalho das respectivas classes (facto n.º 18);
- periodicamente, trimestralmente ou por semestre, o autor reunia com o coordenador de departamento e coordenador geral, com o fim de a ré, através destes transmitir os objectivos a atingir na próxima temporada, com o fim de se analisarem os resultados atingidos pelos praticantes, podendo, ainda, o autor fazer pospostas ao coordenador que as veiculava à direcção (facto n.º 5);
- o autor todos os anos subscrevia contratos denominados de prestação de serviços com a duração de dez meses - de Setembro a 30 de Junho do ano seguinte -, excepto no primeiro ano que foi de nove meses - de Outubro/87 a Junho/88 (facto n.ºs 9 e 21) e só prestou serviços à ré nos períodos referidos (facto n.º 10);
- o autor estava colectado nas finanças e emitia recibos "verdes" pelas prestações pecuniárias pagas pelo réu (facto n.º 8).

Ora, como resulta dos factos referidos, o autor não provou que na sua actividade docente fosse dirigida pelo réu. Pelo contrário, ficou provado que era ele quem planeava, programava, orientava e avaliava o trabalho das respectivas classes (facto n.º 18). Ficou provado, é certo, que, periodicamente, trimestralmente ou por semestre, reunia com o coordenador de departamento e coordenador geral, mas tais reuniões nada tinham a ver o poder directivo que caracteriza o contrato de trabalho. Tais reuniões destinavam-se apenas a fazer um balanço dos resultados da sua actividade e a dar-lhe a conhecer os objectivos que o réu pretendia ver alcançados. Tal controlo tem a ver com os poderes de supervisão e de orientação genérica que no contrato de prestação de serviço cabem ao beneficiário da actividade que é prestada pela pessoa que se obrigou a proporcionar-lhe certo resultado.

Provou-se, é certo, que o autor exercia a sua actividade no ginásio do réu e que cumpria um horário de trabalho fixado pelo réu, mas tais factos que, normalmente constituem indícios da subordinação jurídica, são aqui pouco relevantes, dada a natureza do serviço que o autor se obrigou a prestar e à necessidade que o réu tinha de conciliar a prestação desse serviço com o interesse dos alunos e com a disponibilidade do ginásio para outras aulas. Além disso, como se pode verificar pelo teor de dos contratos de prestação de serviços celebrados entre as partes, nomeadamente do último (cl.ª 4.ª, fls. 28 a 30, neles foi expressamente convencionado que o réu (1.º outorgante) disponibilizaria ao autor (2.ª outorgante) a sua estrutura física, equipamentos, serviços administrativos e auxiliares, tendo em vista concretização da prestação de serviços aqui contratada. Tal estipulação só não consta do contrato que foi celebrado em 2 de Setembro de 1991.

Também ficou provado, é certo, que o autor auferia uma retribuição mensal, mas essa também é uma forma de retribuição corrente na actividade docente, cujo montante é calculado, em regra, em função do número de aulas semanais leccionadas.

E não havendo outros indícios que aponte no sentido da subordinação, torna-se evidente que o diminuto ou quase nulo valor dos três referidos é manifestamente insuficiente para concluir pela verificação da subordinação.

Mas se dúvidas houvesse, havia que sopesar ainda aqueles indícios com aqueles outros que apontam no sentido da prestação de serviços, como sejam, os factos de o autor só trabalhar durante dez meses por ano, nunca ter gozados férias remuneradas, nunca ter recebido os subsídios de férias e de Natal, ter subscrito, anualmente, contratos de prestação de serviços e estar colectado nas finanças como trabalhador independente e dar quitação das importâncias pagas pelo réu através de "recibos verdes", tudo isto se passando, desde 1987 até 2002, sem que haja notícia de qualquer protesto ou reclamação por parte do autor. E no juízo global a fazer, a conclusão não poderia ser diferente daquela que já foi referida. Pelo contrário, tal conclusão sairia fortemente reforçada pelos indícios que normalmente andam associados à ausência de subordinação.

No contexto factual referido, para que a pretensão do autor tivesse alguma viabilidade, era necessário saber se o autor estava sujeito ao regime disciplinar da empresa, ou seja, ao regime disciplinar que é típico do contrato de trabalho, nomeadamente no que concerne à assiduidade ao serviço, sendo certo que a tal respeito nada foi alegado.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se conceder a revista, revogar a decisão recorrida e absolver o réu do pedido.
Custas pelo autor, nas instâncias e no Supremo.

Lisboa, 28 de Junho de 2006
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
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(1) - Relator: Sousa Peixoto; Adjuntos: Sousa Grandão e Pinto Hespanhol.
(2) - Regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo D. L. N.º 49.408, de 24.11.69.
(3) - Manuale, I, p. 249
(4) - Direito do Trabalho, 12.ª ed., Almedina, p. 134.
(5) - Curso de Direito do Trabalho, 6.ª Ed., Curitiba, 1997, p. 61, citado por Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, p. 299.
(6) - Ob. cit., p. 143.
(7) - Ob. cit., p. 308-309.
(8) - Ob. cit., p. 141.