Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5578/09.OTVLSB.L1.S1.
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SILVA GONÇALVES
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
TRIBUNAL DE COMÉRCIO
ACÇÕES RELATIVAS AO EXERCÍCIO DE DIREITOS SOCIAIS
ACÇÃO UT SINGULI
ACÇÃO UTI UNIVERSI
Data do Acordão: 09/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - COMPETÊNCIA INTERNA (EM RAZÂO DA MATÉRIA)
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - ADMINISTRAÇÃO E FISCALIZAÇÃO (RESPONSABILIDADE CIVIL)
Doutrina: - Brito Correia, Direito Comercial, Sociedades Comerciais, vol. II, 4.ª, p. 305 e segs..
- Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. II, Das Sociedades, p. 205 e segs..
- Ferrer Correia, Sociedades Comerciais (policopiado), p. 348 e segs..
- Paulo Olavo e Cunha, in “Breve Nota sobre os Direitos dos Sócios (das sociedades responsabilidade limitada) no âmbito do Código das Sociedades Comerciais”, in Novas Perspectivas do Direito Comercial.
- Pupo Correia, Direito Comercial, 7.ª ed., p. 517.
- Raul Ventura, Reflexões sobre Direitos dos Sócios, C.J., Ano IX– 1984, Tomo 2, pág.7.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 67.º
L.O.F.T.J. (LEI 3/99, DE 13.01): - ARTIGOS 18.º, NºS 1 E 2, 77.º, N.º1, AL. A), 89.º N.º1, AL.ª C).
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 64.º, 72.º, N.º1, 75.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17/9/2009, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 11/1/2011, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - O Tribunal de Comércio é um Tribunal de competência especializada afirmado no art.º 89.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13.01), competindo a este tipo de tribunais preparar e julgar as acções relativas ao exercício de direitos sociais, (cfr. art.º 89.º n.º1, al.ª c), da LOFTJ.

II - A par da própria sociedade podem também os sócios, fazendo uso da igualmente denominada acção ut singuli (isoladamente, a título particular), propor acção social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista a obterem, a favor da sociedade, a reparação do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma o não tenha feito. Esta última acção incluiu-se no espaço jurídico-substantivo dos direitos sociais de que fala o art.º 89.º n.º1, al.ª c), da LOFTJ.

III - Este juízo que acabamos de fazer sobre a acção social dos sócios (ut singuli), na qual o direito exercido pelos sócios é um direito da sociedade (não próprio) e através da qual se procura efectivar a responsabilidade dos gerentes e/ou administradores perante ela, naturalmente se estende também aos casos da acção ut universi.

IV - Na verdade, quando a sociedade se apresenta, ela própria, a demandar os seus ex-gerentes ou ex-administradores, responsabilizando-os pelo desprezo a que votaram os seus deveres de cuidado e lealdade, não é só em nome próprio que age mas, igualmente, está ela a acautelar, mesmo que reflexamente, o particularizado interesse dos sócios, o fim último de todo o exercício da sua actividade comercial.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

 “AA, SA” instaurou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB e outros pedindo a condenação solidária dos réus a pagar-lhe:

- A quantia de EUR 482.514,10, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 31/3/2009 e vincendos, até integral pagamento;

- A quantia que se vier a liquidar, a título de indemnização, pelos prejuízos sofridos pela A., respeitante ao acréscimo de encargos da sua responsabilidade emergente do aumento das remunerações dos RR no período de Janeiro a Junho de 2008, nomeadamente as contribuições para a segurança social, as prestações para outros sistemas de previdência e assistência social e os prémios de seguro de acidentes de trabalho.

     Para tanto, alega, em síntese:

Os RR. foram administradores da Autora até 24 de Junho de 2008, data em que cessaram funções;

Em Abril de 2008, o 1.º Réu, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da Autora, determinou à Direcção de Recursos Humanos da Autora que procedesse à alteração da remuneração dos Réus, com efeitos retroactivos a Janeiro daquele ano, por forma a que os respectivos valores brutos passassem a corresponder à sua remuneração líquida, o que efectivamente sucedeu;

Tal deliberação é nula por se tratar de matéria da competência da Assembleia-geral de accionistas;

Devido à actuação dos réus, violadora dos seus deveres de diligência (art. 64º, CSC), a autora sofreu diversos danos, que descrimina, e cujo ressarcimento pede nesta acção (art. 72º, n.º 1 do CSC).

A acção foi contestada. Além do mais, foi deduzida a excepção de incompetência material da Vara Cível para conhecer desta acção.

Findos os articulados, foi proferido despacho que julgou procedente a excepção de incompetência material do Tribunal Cível de Lisboa e absolveu os réus da instância.

Desta decisão recorreu a autora para a Relação de Lisboa que, por Acórdão de 30.07.2010 (cfr. fls. 901 a 306), confirmou a sentença recorrida.

 O “AA, SA” interpôs recurso extraordinário de revista, assim admitido por Acórdão deste Supremo Tribunal de 19/05/2011 (cfr. fls.947 a 951), apresentando as seguintes conclusões:

I. A acção ut singuli prevista no art.° 77.° do Código das Sociedades Comerciais parte da iniciativa de um sócio que, no exercício de uma faculdade legal, se substitui à sociedade, para efeitos de legitimação na acção.

II. A presente acção não foi intentada por um sócio, mas pela própria sociedade contra os seus ex-administradores;

III. Não se trata, sequer, de uma acção ut universi, pois que, em rigor, não se discute a existência de responsabilidade civil dos administradores, mas sim uma obrigação de restituição do indevido;

IV. E mesmo na acção ut universi o direito é apenas um e de um só titular - a sociedade -, admitindo-se apenas a substituição processual do sócio na sua interposição caso a sociedade a não faça, sendo o resultado dessa acção sempre em favor da sociedade e nunca do sócio que interpôs a acção em benefício desta, prova evidente de que nenhum direito assiste ao sócio a este respeito e de que o mesmo não é titular de qualquer "direito social";

V. Não são os sócios quem originariamente e em primeira linha são titulares de um direito de acção contra os administradores da sociedade em cujo capital participam pelos danos que aqueles causaram à sociedade; é a sociedade a única titular desse direito de natureza indemnizatória, é ela a lesada e é seu o respectivo crédito que reverterá sempre a seu favor;

VI. A decisão recorrida, porém, inverte toda a lógica do regime jurídico acima exposto e coloca como um a priori a acção ut singuli, considerando que se esta consubstancia o exercício de um direito social, então, também a acção ut universi será um exercício de um direito social.

VII. Os direitos sociais são direitos próprios e originários dos sócios, que lhes são conferidos em virtude dessa qualidade e que são exercidos no seu âmbito - trata-se de uma relação subjectivada e que nada tem a ver com a "vida da sociedade", tendo antes um âmbito muito mais restrito da posição de cada sócio em face da sociedade e em face dos demais sócios.

VIII. Assim, nem mesmo a acção ut singuli consubstancia o exercício de um direito social, pois que o direito que se exerce por via da acção e que se pretende seja por ela efectivado não é um direito do sócio ou para o sócio, mas um direito da sociedade, que ela tem de prosseguir, intervindo a título principal na acção, e cujo cumprimento aproveita exclusivamente à sociedade

IX. A dimensão social da faculdade atribuída ao sócio esgota-se com a apresentação da acção e é apenas de natureza processual - confere legitimidade para o seu exercício a quem originariamente não a tinha por não ser dele titular.

X. Se uma acção ut singuli não consubstancia o exercício de um direito social e a sua apreciação não estará submetida à competência dos tribunais de comércio, por maioria de razão, uma acção intentada pela própria sociedade contra os seus ex-administradores, no exercício de um direito originariamente seu, sendo uma "acção social", por respeitar à vida da sociedade, não é o exercício de um direito social (dos sócios).

XI. A mera atribuição da legitimidade aos sócios para se substituírem à sociedade na interposição de uma acção contra os administradores não é sequer um direito subjectivo, mas, se como tal for considerado, é forçoso concluir que tal qualificação se restringe à própria substituição da sociedade pelo sócio no exercício do verdadeiro direito subjectivo - o direito à indemnização - e não contamina este que não se desvirtua, não se altera e não ganha novo titular;

XII.  E sendo "social" a possibilidade de um sócio se substituir à sociedade na demanda contra um administrador, já não constitui exercício de direito social a própria demanda em si, nem o direito cujo reconhecimento e efectivação ali se pretende, pois a acção exprime um direito próprio da sociedade, esperando-se, ope legis, a intervenção da sociedade, que assim faz terminar a substituição, passando a assumir a posição na acção directamente, sem que alguma vez os efeitos dela emergentes se pudessem fazer sentir na esfera de outro que não ela própria.

XIII. A própria interposição da acção mecaniza-se por via de uma substituição processual ou, como o qualifica a doutrina e a jurisprudência, como uma verdadeira sub-rogação do sócio na posição de legitimidade da sociedade.

XIV. Admitindo a impropriedade desta sub-rogação legal, temos de admitir que o sócio que instaure uma tal acção social o faz na estrita medida do carácter e da natureza daquela que seria a demanda caso houvesse sido a sociedade ela mesma a intentar o procedimento, pelo que é da caracterização da acção ut universi que há que partir, e não o contrário;

XV. Finalmente, cumpre dizer que as "grandes dificuldades e complexidades" que uma acção de responsabilidade civil dos gestores das sociedade pode envolver não pode ser critério de atribuição de competência, pois que a competência atribuída ao tribunal de comércio em matéria de sociedades é restrita e abrange apenas as acções cujo conhecimento o legislador entendeu que exige preparação técnica específica em sede de direito das sociedades.

XVI. E nas "acções relativas ao exercício de direitos sociais" estão incluídas, dentro do universo heterogéneo de todas as que tenham por objecto direitos tipicamente respeitantes ao funcionamento das sociedades, não só as que visam obter a regularidade desse funcionamento, mas também aquelas em que um sócio (ou um credor) exerce contra a sociedade direitos individuais com conteúdo específico de direito societário;

XVII. Ao contrário do critério que outrora adoptou para determinar a competência dos tribunais de comércio (competentes para julgar, em geral, as acções provenientes da prática de actos comerciais), a nova lei não atribui ao tribunal de comércio competência para julgar todas as questões relacionadas com a actividade (nem sequer com o funcionamento) das sociedades comerciais.

XVIII. Pelo que o direito de indemnização da sociedade contra o gerente ou administrador não cabe no enunciado do art. 89°., n°. 1 , da LOFTJ.

XIX. É, assim, de concluir que a competência para conhecer da acção de responsabilidade contra administradores e gerentes, quer seja movida ut universi, quer seja movida ut singuli, não é do tribunal de comércio, mas sim do tribunal de competência genérica, por via do art.° 77.°, n°. 1, da LOFTJ.

XX. O acórdão recorrido viola, assim, os art.ºs 77.°, n.°1, e 89.°, n.° 1, alínea c), da LOFTJ, e encontra-se em contradição com os acórdãos da Relação do Porto, Proc. n.° 0756246, de 19.12.2007, in www.dgsi.pt. da Relação do Porto, Proc. n°. 0721243, de 13.05.2008, www.dgsi.pt. da Relação de Évora, Proc. n.° 2777/07, de 28.02.2008, in Colectânea de Jurisprudência, e da Relação de Lisboa, Proc. 132/09, de 20.10.2009, in Colectânea de Jurisprudência,

XXI. O presente recurso deve, pois, merecer provimento e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, ordenando-se o prosseguimento dos autos.

     Não foram apresentadas contra-alegações.

     Corridos os vistos legais cumpre decidir.

     A questão posta no recurso é a de saber se compete aos Tribunais de Comércio o julgamento da acção intentada pela sociedade contra os seus ex-administradores, responsabilizando-os pelos prejuízos que sofreu em consequência da violação dos seus deveres de diligência (art. 64º, CSC).

     I. As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada (art.º 67.º do C.P.Civil).

Neste enquadramento dispõe o art.º 18.º, n.º 1 e 2, da L.O.F.T.J. (Lei 3/99, de 13.01) que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, determinando ainda aquele diploma legal a competência em razão da matéria entre os tribunais judiciais e estabelecendo as causas que competem aos tribunais de competência específica, competindo aos tribunais de competência genérica preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outro tribunal (art.º 77.º, n.º 1, al. a), da Lei 3/99, de 13.01).

A regra geral a atender que sobressai destes preceitos legais é, assim, a de que a competência em razão da matéria só deixa de pertencer aos tribunais de competência genérica se tal competência for atribuída a certo e determinado tribunal de competência específica, convenientemente assinalado na L.O.F.T.J.

     O Tribunal de Comércio é um Tribunal de competência especializada afirmada no art.º 89.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13.01), competindo a este tipo de tribunais, designadamente preparar e julgar as acções relativas ao exercício de direitos sociais, (cfr. art.º 89.º n.º1, al.ª c), da LOFTJ.[1]

     O juízo sobre a competência em razão da matéria assenta no tipo da relação controvertida contextualizada na acção, tal qual ela é configurada pelo demandante na sua petição inicial.

     A nossa questão é agora a de saber se a presente acção - acção intentada pelo “AA, SA” contra os seus ex-administradores, responsabilizando-os pelos prejuízos que sofreu em consequência da violação dos seus deveres de diligência (art. 64º, CSC) - se insere no grupo de acções relativas ao exercício de direitos sociais e, por isso, há-de ser julgada pelos tribunais de comércio.    

    II. A lei não explicita nem caracteriza de modo preciso o que deve entender-se por direitos sociais.

    A jurisprudência tem-se apoiado na mais influente doutrina para alcançar este objectivado conceito[2]; e é destas materializadas teorizações assim encontradas de que nos vamos igualmente socorrer.

         Destes circunstanciados estudos resulta esta nota conclusiva: - direitos sociais são todas aquelas prerrogativas dirigidas à protecção de cada sócio de uma particularizada sociedade, mercê, exclusivamente, da qualidade de sócio que lhes está conferida; são direitos que advêm ao sócio por força do pacto de sociedade conscientemente aceite e neste ambiente contratual exercidos.

     O conteúdo do contrato de sociedade é sempre complexo, mais ou menos conforme os tipos e os casos; mesmo sem os aditamentos introduzidos pelas partes, o quadro legal apresenta variedade e complexidade pouco usuais. Na medida em que esse conteúdo se subjective em situações dos sócios, não é pacífico o laço entre todas essas situações; em princípio ele pode consistir apenas na titularidade do mesmo sujeito ou origem da mesma fonte, ou pode reconduzir-se a uma unidade objectiva, embora complexa - Prof. Raul Ventura; Reflexões sobre Direitos dos Sócios; C.J ; Ano IX– 1984, Tomo 2.; pág.7.

     III. Através da também chamada acção ut universi (em conjunto, como um todo) o “AA, SA”, valendo-se do disposto no  art. 72º, n.º1  e com a oportunidade conferida pelo art.º 75.º, ambos do CSC, pretende responsabilizar os seus ex-administradores pela violação dos deveres de cuidado e lealdade enunciados no art.º 64.º do CSC, omitidos na gerência da sociedade.

     A par da própria sociedade podem também os sócios, fazendo uso da igualmente denominada acção ut singuli (isoladamente, a título particular), propor acção social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista a obterem, a favor da sociedade, a reparação do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma o não tenha feito.

     Esta última acção, posta na disponibilidade de cada um dos sócios de modo a conferir-lhes a possibilidade de, no interesse da sociedade, reivindicar a atinente indemnização aos gerentes e administradores que, no desempenho da gestão, prejudicaram a sociedade, incluiu-se no espaço jurídico-substantivo dos direitos sociais de que fala o art.º 89.º n.º1, al.ª c), da LOFTJ.

     Este juízo que acabamos de fazer sobre a acção social dos sócios (ut singuli), na qual o direito exercido pelos sócios é um direito da sociedade (não próprio) e através da qual se procura efectivar a responsabilidade dos gerentes e/ou administradores perante ela, naturalmente se estende também aos casos da acção ut universi.

       Na verdade, quando a sociedade se apresenta, ela própria, a demandar os seus ex-gerentes ou ex-administradores, responsabilizando-os pelo desprezo a que votaram os seus deveres de cuidado e lealdade, não é só em nome próprio que age mas, igualmente, está ela a acautelar, mesmo que reflexamente, o particularizado interesse dos sócios, o fim último de todo o exercício da sua actividade comercial.

          A equiparação entre estas duas situações deduz-se sem violentar as regras da lógica e da razão funcionalmente contextualizadas - o facto de, beneficiando a sociedade com o desfecho da acção em termos patrimoniais, reflexamente beneficiar os seus sócios, não retira que estejam em causa direitos sociais nem desqualifica a acção como ut universi (Ac. do STJ de 17 de Setembro de 2009; www.dgsi.pt).

    A acção delineada nestes contornos há-de ser preparada e julgada nos Tribunais de Comércio.

     Concluindo:

   1. O Tribunal de Comércio é um Tribunal de competência especializada afirmado no art.º 89.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13.01), competindo a este tipo de tribunais preparar e julgar as acções relativas ao exercício de direitos sociais, (cfr. art.º 89.º n.º1, al.ª c), da LOFTJ.

   2. A par da própria sociedade podem também os sócios, fazendo uso da igualmente denominada acção ut singuli (isoladamente, a título particular), propor acção social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista a obterem, a favor da sociedade, a reparação do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma o não tenha feito. Esta última acção incluiu-se no espaço jurídico-substantivo dos direitos sociais de que fala o art.º 89.º n.º1, al.ª c), da LOFTJ.

     3. Este juízo que acabamos de fazer sobre a acção social dos sócios (ut singuli), na qual o direito exercido pelos sócios é um direito da sociedade (não próprio) e através da qual se procura efectivar a responsabilidade dos gerentes e/ou administradores perante ela, naturalmente se estende também aos casos da acção ut universi.

     4. Na verdade, quando a sociedade se apresenta, ela própria, a demandar os seus ex-gerentes ou ex-administradores, responsabilizando-os pelo desprezo a que votaram os seus deveres de cuidado e lealdade, não é só em nome próprio que age mas, igualmente, está ela a acautelar, mesmo que reflexamente, o particularizado interesse dos sócios, o fim último de todo o exercício da sua actividade comercial.

    Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

                  Custas pela recorrente.


                
 Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Setembro de 2011.

Silva Gonçalves (Relator)

Pires da Rosa

Prazeres Beleza


______________________


[1] Artigo 89.º (Competência).
   1 - Compete aos tribunais de comércio preparar e julgar:
      c) As acções relativas ao exercício de direitos sociais;
    3 - A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respectivos incidentes e apensos.

[2] Ferrer Correia, Sociedades Comerciais (policopiado), p. 348 e segs.; Brito Correia, Direito Comercial, Sociedades Comerciais, vol. II, 4.ª, p. 305 e segs.; Pupo Correia, Direito Comercial, 7.ª ed., p. 517; Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. II, Das Sociedades, p. 205 e segs.; Paulo Olavo e Cunha – in “Breve Nota sobre os Direitos dos Sócios (das sociedades responsabilidade limitada) no âmbito do Código das Sociedades Comerciais”, in Novas Perspectivas do Direito Comercial, citados no Ac. deste STJ de 11 de Janeiro de 2011; www.dgsi.pt.