Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
249/19.2T8FTR.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: AÇÃO SUB-ROGATÓRIA
REPÚDIO DA HERANÇA
DÍVIDA DE VALOR
CRÉDITO DO ESTADO
CADUCIDADE
PRAZO DE PROPOSITURA DA AÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
PATRIMÓNIO
DEVEDOR
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I – A acção sub-rogatório prevista do artº 1041º CPC é o meio processual apropriado para o MP, em representação do Estado, exercer o direito de aceitação da herança repudiada pela 1ª R;

II – Direito esse a exercer, no prazo de seis meses, a contar do conhecimento do repúdio (artº 2067º nº 2 do CC);

III – Trata-se dum prazo de caducidade, que começa a correr no momento em que pode ser exercido, e tem como limite a propositura daquela acção.

IV - O facto de, inicialmente, a acção ter sido proposta, unicamente contra a repudiante, e não contra esta e as filhas beneficiárias da repudiada herança, não prejudica o início da instância aquando da propositura dessa acção, impondo, tão só, a modificação subjectiva da mesma instância, a fim de assegurar a legitimidade passiva das RR. (litisconsórcio necessário).

V – O A. demonstrou o ónus que sobre si recaia (essencialidade da acção) ao comprovar o crédito que detinha sobre a repudiante e ao indicar os bens da herança passíveis de satisfazer o aludido crédito, total ou parcialmente.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (2ª SECÇÃO)

I. O Ministério Público, em representação do Estado Português – Autoridade Tributária, intentou a presente acção de sub-rogação, sob a forma de processo especial, contra AA, devidamente identificada nos autos.

Pedindo que: - sejam reconhecidos os créditos que o Estado Português/Autoridade Tributária detém sobre a R. no montante de 95.708,82€; seja reconhecido que a R. renunciou à herança de BB, e não tem meios financeiros, nem económicos próprios para satisfazer os créditos do Estado; e que o facto da R. ter renunciado à herança prejudica o Estado Português, pois que assim se vê privado de ver satisfeitos os já referidos créditos; e nessa sequência, seja reconhecido o direito que o Estado Português tem de se sub-rogar à R. na aceitação da referida herança, nos termos do disposto nos artºs 2067º e 606º do Código Civil e 938º do Código de Processo Civil.

Alegou, em síntese, que: - detém sobre a R. um crédito relativo a impostos que, apesar de instaurada execução fiscal, não foi até ao momento pago, sendo que a R., em 27/06/2019, renunciou à herança deixada por morte de seu pai, sem que no seu património existam quaisquer outros bens susceptíveis de responder pela dívida em causa.

A R. contestou, alegando que: - o recurso à acção de sub-rogação só pode ocorrer quando o exercício do direito seja essencial à satisfação da garantia do credor, o que significa que o exercício deste direito só é admissível se a omissão do devedor provocar ou agravar a sua insolvência e o exercício do direito for essencial para afastar essa situação, o que no caso não se verifica; por outro lado, entende que apenas os créditos comuns podem ser reconhecidos na acção sub-rogatória, para efeitos do artºs 2067º e 606º, nº 2 do Código Civil; há inidoneidade processual da acção sub-rogatória face à situação em causa, dado que correndo termos execução com penhoras que garantem a quantia exequenda, está o credor vedado de lançar mão da presente acção como meio processual de aceitação da herança; há abuso de direito na modalidade da “supressio”, pois que a abertura da herança ocorreu em 21/09/2013, sendo que as acções executivas remontam a 2008, e só em 2019 é que a Autoridade Tributária veio com a presente acção, sem nunca ter procedido à penhora do quinhão hereditário da ré; e que parte dos bens indicados na petição inicial não pertencem à herança, sendo que os que restam poderão não ter valor suficiente para garantir o pagamento ao autor. Conclui pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho determinando alterando a espécie da presente acção para “comum”, à luz do disposto no artigo 212º, 1º e 546.º, nº 1, “a contrario”, ambos do CPC, julgando-se incompetente o Juízo Local de Fronteira, para conhecer da presente acção, remetendo-se os autos para o competente Juízo Central.

O A. deduziu incidente de intervenção provocada de CC e de DD, tendo estas sido chamadas a intervir na acção na qualidade de RR.

Houve lugar a audiência prévia, no âmbito da qual se relegou para sede de sentença o conhecimento da excepção de caducidade; fixou-se o objecto da acção; bem como os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença – parte decisória:

“Atento tudo o exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julgo totalmente procedente por provada a presente acção e, em consequência, decido:

a) Reconhecer os créditos que o Estado Português (Autoridade Tributária) detém sobre a Ré AA, no montante de 95.708,82€;

b) Reconhecer que a ré renunciou à herança de BB, e não tem meios financeiros, nem económicos próprios para satisfazer os créditos do Estado e que o facto de a Ré ter renunciado à herança prejudica o Estado Português;

c) Reconhecer o direito que o Estado Português tem de se sub-rogar à ré AA na aceitação da referida herança, nos termos do disposto nos art.ºs 2067º e 606º do Código Civil e 938º do Código de Processo Civil;

d) Condenar as Rés AA, CC e DD a reconhecer o direito do Autor se sub-rogar à ré AA na aceitação da referida herança, nos termos do disposto nos art.ºs 2067.º e 606.º do Código Civil e 938.º do Código de Processo Civil, e de ver satisfeito o seu direito de crédito à custa dos bens que compõem o quinhão hereditário da primeira Ré.”

Daquela sentença veio a R. apelar para o Tribunal da Relação de Évora, que proferiu acórdão - parte decisória:

“-…-

Decidindo.

- Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento aos recursos e confirmar a douta sentença recorrida.

Custas pelos Apelantes, nas respectivas Apelações.

-…-”

II. A R. AA, apesar da existência de dupla conforme, veio interpor recurso de revista excepcional, invocando a relevância jurídica da questão sub judicio, tendo o mesmo recurso sido admitido pela Formação.

– Das conclusões da revista excepcional:

“1. A questão dos autos reside em saber se, nas situações de exercício judicial de direito potestativo sujeito a um prazo de caducidade, o ato a que prevê como bom para a impedir é apenas a propositura da ação, de qualquer forma, desde que dê entrada em juízo dentro do prazo, ou se é necessário cumprir os requisitos legais que a lei impõe ao exercício judicial do direito – no caso dos autos, a aceitação sub-rogatória de herança da repudiante pelo credor, em ação a propor contra ela e suas filhas, enquanto pessoas para quem os bens passaram em virtude do repúdio.

2. Por nela se misturarem dois planos associados, mas aqui difíceis de conciliar; pela preponderância do instituto em causa na “vida” dos direitos, uma vez que o incumprimento do prazo de caducidade os faz extinguir; por ser transversal a qualquer situação de exercício judicial de direito potestativo sujeito a prazo de caducidade; por ser uma questão inovadora, não tendo ainda sido abordada pela jurisprudência ou pela doutrina; e por respeitar a um instituto basilar e transversal do direito civil, relativamente ao qual, pelos seus efeitos, não devem existir as mais pequenas dúvidas na sua aplicação, é uma questão que claramente tem pertinência e relevância jurídica, sendo necessária a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para a melhor aplicação do direito nestes casos.

3. No caso dos autos, o ato a que a lei atribui efeito impeditivo da caducidade decorrente do direito sub-rogatório do Recorrido, decorrente do prazo de seis meses do art. 2067º, n.º 2, do CC, é aquele expressa e detalhadamente previsto no art. 1041º, nº 1 do CPC: a propositura de ação sub-rogatória pelo Recorrido, no prazo de seis meses a contar do conhecimento do repúdio pela Recorrente, contra ela e suas filhas.

4. Qualquer ato que não seja a propositura de ação contra a Recorrente e suas filhas não corresponde à prática do ato que a lei prevê como produtor do efeito impeditivo da caducidade.

5. Apesar de proposta dentro dos seis meses subsequentes ao conhecimento do repúdio pelo Recorrido, contados de 04-07-2019, não o foi contra as filhas da Recorrente, apenas contra ela, pelo que não foi suficiente para produzir o efeito impeditivo da caducidade decorrente do prazo de seis meses do art. 2067º, nº 2 do CC, que assim continuou a correr até 04-01-2020, data em que se completou.

6. À data, nenhum pedido de intervenção destas havia sido deduzido nos autos, nem outra ação havia sido proposta e a única demandada era a Recorrente, que ainda nem sequer tinha sido citada.

7. Por isso, o direito sub-rogatório do Recorrido caducou em 04-01-2020.

8. A tal não obsta o disposto nos arts. 279º do CPC e 332º e 327º do CC, já que daí apenas se extrai que seria eventualmente possível o aproveitamento dos efeitos civis de impedimento da caducidade numa futura ação e não que eles se tenham verificado em primeiro lugar.

9. De qualquer forma, tal aproveitamento nunca poderia ocorrer, pois a absolvição da Recorrente da instância seria por ilegitimidade passiva e essa apenas é imputável ao Recorrido, que não propôs corretamente a ação quando tinha todas as indicações legais (art. 1041º, nº 1 CPC) e negociais (escritura de repúdio com identificação das filhas da Recorrente) para o fazer.

10. A ideia de um dever de convite do tribunal ao suprimento e a um dever de o fazer que concederia proteção ao Recorrido contra a sua falha é contrária ao afastamento da imputabilidade do Recorrido: se existe necessidade de suprir um vício da instância é porque quem lhe deu origem (à instância) incorreu num erro.

11. E nenhum dever de convite ao suprimento alguma vez impendeu sobre o tribunal desde a propositura da ação até 04-01-2020, uma vez que tal convite apenas pode ocorrer depois da fase dos articulados (art. 590º, nº 2, al. a) do CPC), quando ambas as partes já tiverem tomado posição sobre a matéria dos autos, não sendo o art. 6º, nº 2, do CPC, que apenas prevê um dever genérico, carecido de concretização pelas restantes normas processuais, a impor o contrário.

12. A propositura da ação dos autos, porque incumpridora das exigências do art. 1041º, nº 1 do CPC, não produziu o efeito de impedimento da caducidade, continuando o prazo de seis meses a correr, até que findou, em 04-01-2020, sem que o Recorrido alguma vez desse cumprimento ao disposto na referida norma, causando assim, a contrario do art. 331º do CC, a inevitável caducidade do seu direito sub-rogatório.

13. Salvo o devido respeito, decidiu mal o Tribunal a quo ao manter a decisão do Tribunal de 1ª Instância, pela qual julgou improcedente a exceção perentória de caducidade do direito invocada pela Recorrente.

14. O que acabou por suceder com o acórdão recorrido é que o prazo de caducidade do art. 2067º, nº 2 do CC, ficou suspenso com a propositura da ação pelo Recorrido por força de normas processuais de regularização da instância, o que é inadmissível, pois, nos termos do art. 328º do CC, o prazo de caducidade de seis meses do art. 2067º, nº 2 do CC, como qualquer outro da mesma natureza, é insuscetível de suspensão ou interrupção e inexiste norma em contrário, pelo que, muito menos o pode ser por força de normas processuais do CPC.

15. A ratio subjacente às normas processuais de suprimento de vícios da instância (arts. 6º nº 2, 261º, 590º nº 2 al. a) e 316º e seguintes do CPC), de economia processual, aproveitamento de atos válidos e não desperdício de recursos judiciários, em detrimento da tempestividade do cumprimento de deveres processuais, é absolutamente contrária à ratio dos prazos de caducidade, de certeza e segurança jurídica, não consentindo aplicação a estes prazos, que impõem uma atuação tempestiva e conforme à lei por parte do titular, sob pena de extinção do direito.

16. Tais normas processuais estão pensadas para suprir falhas processuais das partes e não requisitos substantivos do direito que pretendem exercer no processo, não podendo ser usadas para, neste caso, suspender o prazo de caducidade do direito sub-rogatório do Recorrido até que as filhas da Recorrente interviessem nos autos, como fez o Tribunal a quo.

17. Não podem ser aplicadas de modo que se admita o cumprimento do disposto no art. 1041º, nº 1 do CPC, enquanto ato impeditivo da caducidade, para lá do prazo de seis meses contado do conhecimento do repúdio.

18. É então inadmissível a consideração de que, a partir da propositura da ação, o Recorrido não tem culpa dos atrasos no tribunal, não podendo ele beneficiar dum regime legal não dirigido ou sequer pensado para se aplicar a um requisito substantivo do direito subjacente à ação, quando foi ele quem propôs incorretamente a ação.

19. Doutra forma, permite-se a sanação de pressupostos substantivos da ação através de normas processuais, destinadas a assegurar a mera regularidade da instância.

20. Se, independentemente do desenvolvimento da lide, decorreram seis meses do conhecimento do repúdio pelo Recorrido sem que ele tenha demandado judicialmente a Recorrente e suas filhas, não se exige que estas sofram mais tal agressão e intrusão patrimonial do pretenso sub-rogador: é o que resulta da fixação de um prazo de caducidade de seis meses para praticar o ato do art. 1041º, nº 1 do CPC.

21. E não é equiparável à falta da demanda das filhas da Recorrente a falta de pressupostos processuais, como a competência do tribunal, ou a deficiências ou insuficiências da petição inicial, como seja a obscuridade na alegação, pela simples razão de que o art. 1041º, nº 1 do CPC, não dispõe sobre nenhuma delas, sendo apenas aquela demanda obrigatória o elemento a destacar-se dos restantes e assumir aqui uma preponderância substantiva.

22. Salvo o devido respeito, decidiu mal o Tribunal a quo, violando o disposto nos arts. 328º, 327º nº 3, 331º, 332º nº 1 e 2067º do CC e arts. 6º nº 2, 590º nº 2, al. a) e 1041º nº 1 do CPC, devendo a sua decisão ser revogada por Vossas Excelências e substituída por outra que, em seu lugar, reconheça e declare a caducidade do direito do Recorrido e julgue procedente a respetiva exceção.

23. Passando a demonstração da essencialidade da sub-rogação exigida pelo art. 606º nº 2 do CC, neste caso, pela insuficiência patrimonial do dever e pela solvência da herança, sendo certo tratar-se de factos constitutivos do direito, cabia ao Recorrido, que invoca o direito à sub-rogação, de harmonia com o disposto no art. 342º nº 1, do CC, fazer prova dessa insuficiência e dessa solvência – quanto à última, que o ativo hereditário é superior ao passivo.

24. Se, por um lado, os factos 8º) a 13º) dados como provados nos autos permitirem concluir que o património da Recorrente não é suficiente para pagar a dívida ao Recorrido, já não permitem concluir da solvência ou insolvência da herança, pois nenhum deles se reporta ao ativo ou passivo hereditário, o que se pode dizer de todos os outros factos dados como provados nos autos no que toca ao passivo hereditário, na medida em que nenhum deles o identifica, descreve ou quantifica.

25. A falta dessa prova apenas é imputável ao Recorrido, onerado com ela, que deveria ter alegado e provado factos demonstrativos da situação ativa e passiva da herança, de modo que o tribunal pudesse julgar da sua solvência ou insolvência, mas que não o fez, limitando-se a alegar e provar documentalmente os bens que, à data, compunham o ativo da herança.

26. Se nenhuma prova existe sobre o passivo da herança – mais não seja que não existiam dívidas – o Tribunal a quo não pode afirmar que algum retorno para o Estado poderá haver nesta sub-rogação, além de que apenas responderia o quinhão repudiado e não toda a herança.

27. Ao decidir favoravelmente ao Recorrido com base numa mera probabilidade, sem prova que o sustente, o Tribunal a quo inverteu injustificadamente o ónus da prova, violando o disposto nos arts. 342º nº 1 e 2 e 344º nº 1 do CC.

28. Salvo o devido respeito, decidiu erradamente o Tribunal a quo neste aspeto, também em contravenção com disposto no art. 606º, nº 2 do CC: deveriam os pedidos do Recorrido ter sido julgados improcedentes por falta de demonstração da solvência da herança e da essencialidade da sub-rogação, ficando-se sem saber se a herança terá ou não liquidez para qualquer retorno que seja, o que apenas pode ser imputado ao Recorrido, incumbido por lei de fazer essa prova.

Impõe-se que Vossas Excelências procedam à revogação do acórdão recorrido e, em seu lugar, julguem improcedente a ação dos presentes autos.

Contra-alegou o Ministério Público, concluindo, deste modo:

Em primeiro lugar a Apelante refere a existência de caducidade, considerando que o direito do pelado caducou em 4 de janeiro de 2020.

- Contudo, não assiste razão à recorrente.

- É que dúvidas não existem que a propositura da presente ação ocorreu dentro dos seis meses subsequentes ao conhecimento do repúdio pelo Apelado (A.T.) assim produzindo o efeito impeditivo da caducidade decorrente do prazo de seis meses do artigo 2067°, n° 2, do Código Civil.

- Assim, quer o Tribunal de Ia instância, quer o Tribunal da Relação de Évora ao julgarem improcedente a alegada exceção de caducidade do direito não violaram qualquer norma legal, designadamente a dos artigos 328°, 327°, n° 3, 331°, 332°, n° 1 e 2067°, do Código Civil e artigos 6o, n° 2, 590°, n° 2, alínea a) e 1041°, n° 1, do Código de Processo Civil;

- Pelo que quanto a este particular deve ser mantido o douto Acórdão recorrido.

Num segundo e último ponto a recorrente alega não ter sido feita prova da essencialidade exigida pelo artigo 606, n° 2 do Código Civil e como tal deve ser julgada improcedente a ação contra si intentada pelo Estado Português.

- Contrariamente ao alegado pela Apelante e conforme consta da douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Portalegre e do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora o Apelado fez prova da essencialidade exigida pelo artigo 606°, n° 2, do Código Civil;

- Não tendo também aqui sido violada qualquer norma legal;

Em face do exposto, deve ser considerado improcedente o recurso interposto e mantido o douto Acórdão recorrido.

III. APRECIANDO E DECIDINDO

Thema decidendum

- Em função das conclusões do recurso, temos que:

a) - A recorrente/1ª R. pugna pela caducidade do direito de sub-rogação arrogado pelo Ministério Público/A, na sequência do repúdio da herança daquela enquanto sucessora do seu falecido pai, tendo em vista assegurar o pagamento de dívidas fiscais;

b) A mesma recorrente levanta ainda a questão da falta do requisito da essencialidade legitimadora da deduzida acção sub-rogatória.

A) DOS FACTOS

1º) No dia ... de ... de 2013 faleceu BB, no estado de casado, o qual teve a sua última morada no Largo ..., n.º 16, na freguesia e concelho de ....

2º) BB faleceu sem ter deixado testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado como herdeiros a esposa, EE, com quem era casado no regime de comunhão de adquiridos, e seus filhos, AA e FF.

3º) Foi apresentada na Repartição de Finanças, para liquidação do imposto de selo sobre a herança mencionada, a relação de bens, na qual figurava como beneficiária da transmissão a Ré.

4º) No dia 27.06.2019, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial sito na Rua ..., Bloco A, Loja 2, da freguesia e concelho de ..., a Ré AA repudiou a herança deixada pelo BB passando assim a ser os únicos herdeiros EE e FF e ....

5º) Perante a comunicação da escritura de repúdio da herança ao Serviço de Finanças de ..., procedeu aquele serviço à alteração do Modelo I da participação para liquidação do imposto de selo, deixando a Ré de figurar como beneficiária da transmissão.

6º) BB deixou em território nacional os bens infra descritos:

a. Verba 1 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 273, da freguesia da ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 172,41 (cento e setenta e dois euros e quarenta e um cêntimos);

b. Verba 2 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1372, da freguesia da ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 61,41 (sessenta e um euros e quarenta e um cêntimos);

c. Verba 3 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1381, da freguesia da ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor

patrimonial de € 51,18 (cinquenta e um euros e dezoito cêntimos);

d. Verba 4 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1397, da freguesia da ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 762,19 (setecentos e sessenta e dois euros e dezanove cêntimos);

e. Verba 5 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1398, da freguesia da ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 586,72 (quinhentos e oitenta e seis euros, setenta dois cêntimos);

f. Verba 6 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1428, da freguesia da ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 11.518,28 (onze mil e quinhentos e dezoito euros e vinte e oito cêntimos);

g. Verba 7 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1445, da freguesia da ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 1.162,17 (mil, cento e sessenta e dois euros, dezassete cêntimos);

h. Verba 8 – ½ do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 300, da freguesia da ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 31.992,80 (trinta e um mil, novecentos e noventa e dois euros e oitenta cêntimos);

i. Verba 9 – ½ do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 347, da freguesia da ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 15.756,73 (quinze mil e setecentos e cinquenta e seis euros e setenta e três cêntimos);

j. Verba 10 – ½ do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 626, da União de freguesias de ..., concelho de ... e distrito de ..., com o valor patrimonial de € 93.907,80 (noventa e três mil, novecentos e sete euros e oitenta cêntimos);

k. Verba 11 – ½ do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1381, da União de freguesias de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 5.146,05 (cinco mil, cento e quarenta e seis euros e cinco cêntimos);

l. Verba 12 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 94, da União de freguesias de ..., concelho de ... e distrito de ..., com o valor patrimonial de € 18,26 (dezoito euros e vinte e seis cêntimos);

m. Verba 13 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 633, da União de freguesias de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 45,84 (quarenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos);

n. Verba 14 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1230, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 5.215,04 (cinco mil, duzentos e quinze euros e quatro cêntimos);

o. Verba 15 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1231, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de ..., com o valor patrimonial de € 6.511,70 (seis mil e quinhentos e onze euros e setenta cêntimos);

p. Verba 16 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1232, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 429,31 (quatrocentos e vinte e nove euros, trinta e um cêntimos);

q. Verba 17 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 549, da União de freguesias de ..., concelho de ... e distrito de ..., com o valor patrimonial de € 46,30 (quarenta seis euros e trinta cêntimos);

r. Verba 18 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 558, da freguesia União de freguesias de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 1,33 (um euro e trinta e três cêntimos);

s. Verba 19 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 569, da freguesia União de freguesias de ..., concelho de ... e distrito de ..., com o valor patrimonial de € 1.066,90 (mil e sessenta e seis euros e noventa cêntimos);

t. Verba 20 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 574, da União de freguesias de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 203,21 (duzentos e três euros e vinte e um cêntimos);

u. Verba 21 – ½ do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 251, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 3.139,08 (três mil e cento e trinta e nove euros e oito cêntimos); v. Verba 22 – ½ do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 87, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 11.631,90 (onze mil e seiscentos e trinta e um euros e noventa cêntimos);

w. Verba 23 – ½ do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 790, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 2.781,20 (dois mil, setecentos oitenta um euros, vinte cêntimos);

x. Verba 24 – ½ do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 791, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 2.649,15 (dois mil e seiscentos e quarenta e nove euros e quinze cêntimos);

y. Verba 25 – ½ do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 792, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 1.881,40 (mil, oitocentos oitenta um euros e quarenta cêntimos);

z. Verba 26 – ½ do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1071, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 6.780,20 (seis mil e setecentos e oitenta euros e vinte cêntimos);

aa. Verba 27 – ½ do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1072, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 2.578,80 (dois mil e quinhentos e setenta e oito euros e oitenta cêntimos);

bb. Verba 28 – ½ do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1073, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de ..., com um valor patrimonial de € 4.587,80 (quatro mil e quinhentos e oitenta e sete euros e oitenta cêntimos).

7º) Os prédios constantes das verbas nºs 1 a 9 já não pertencem à herança de BB.

8º) À data em a Ré renunciou à herança, ou seja, na data em que foi lavrada a mencionada escritura pública, já a Ré tinha as dívidas para com o Estado Português – Autoridade Tributária, provenientes de falta de pagamento de impostos de IVA, IRS, IUC, IMI, e OT.E.A.AT, sendo as dívidas mais antigas relativas ao não pagamento de IRS, vencido em 08.10.2008, referente ao período de tributação compreendido entre 01 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2007, que originou o processo de execução fiscal nº ..............58 e ao não pagamento de IRS vencido em 27.01.2010, referente ao período de tributação compreendido entre 01 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2008 que veio a originar o processo de execução fiscal nº ..............95.

9º) Nas citadas execuções foram ordenadas penhoras, sendo que apenas uma delas se mantem e reporta-se a veículo automóvel de matrícula ..-..-DO, de valor atribuído de € 500,00 (quinhentos euros) e com pedido de apreensão que não foi realizado.

10º) A Ré AA deve ao Estado Português, por falta do pagamento dos impostos melhor identificados na certidão de dívidas que se anexa e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a quantia de € 95.708,82 (noventa e cinco mil e setecentos e oito euros e oitenta e dois cêntimos), dos quais € 67.900,14 (sessenta e sete mil e novecentos euros e catorze cêntimos) integram a quantia exequenda, € 25.536,03 (vinte e cinco mil e quinhentos e trinta e seis euros e três cêntimos) concernem a juros de mora e € 2.272,65 (dois mil e duzentos e setenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos) correspondem a custas.

11º) A Ré tinha conhecimento das dívidas referidas, tendo renunciado à herança de BB, seu pai, para se eximir ao pagamento das mencionadas dívidas devidas ao Estado Português-Autoridade Tributária, em consequência evitar que o Estado visse satisfeitos os seus créditos.

12º) Não são conhecidos à Ré AA outros bens ou rendimentos susceptíveis de ser executados, para liquidar a dívida que a Ré tem para com o Estado Português-Autoridade Tributária.

13º) A Ré AA não tem possibilidade de efectuar o pagamento da dívida.

Não se provaram os seguintes factos:

- Que a quota-parte na herança aberta por óbito do marido da Ré AA tenha o valor de € 12.385,11 (doze mil e trezentos e oitenta e cinco euros e onze cêntimos).

B) DO DIREITO

Como resulta do thema decidendum acima delineado/A) são duas as questões a dirimir, expressas nestas perguntas:

1 – O direito sub-rogatório assumido pelo MP foi exercido fora do prazo legalmente previsto para o efeito?

2 – O A./MP não demonstrou a chamada essencialidade da invocada sub-rogação, designadamente que a herança não tinha liquidez/património suficientes para satisfazer as obrigações fiscais em causa?

1. Da caducidade, ou não, do direito de sub-rogação do Ministério Público, em representação do Estado.

Enquadrando as questões decidendi importa esclarecer estarmos a presença duma situação de repudio da herança, por óbito do falecido pai, por parte da 1ª R. e a favor das suas filhas, igualmente chamadas a esta acção – cfr. artºs 2062º a 2066º do CC.

O Estado, enquanto credor da repudiante pretende aceitar a herança nos termos dos artº 2067 do CC, substituindo-se ao devedor nos direitos que competem aquele.

É a denominada sub-rogação do credor ao devedor prevista no artº 606º do CC.

A aceitação da herança jacente por parte dos credores faz-se - com acontece no caso vertente - na acção em que os aceitantes deduzem o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio – artº 1041º do CPC.

E o exercício desse direito, de aceitação da herança, tem que ser exercido no prazo de seis meses, a contar do conhecimento do repúdio – artº 2067º nº 2 do CC.

Ora, é precisamente esse prazo que é questionado pela recorrente/R.

Segundo a recorrente, “apesar de proposta dentro dos seis meses subsequentes ao conhecimento do repúdio pelo Recorrido, contados de 04-07-2019, não o foi contra as filhas da Recorrente, apenas contra ela, pelo que não foi suficiente para produzir o efeito impeditivo da caducidade decorrente do prazo de seis meses do art. 2067º, nº 2 do CC, que assim continuou a correr até 04-01-2020, data em que se completou.”

Por isso, veio arguir a caducidade do direito à acção previsto no citado artº 1041º do CPC, excepção peremptória essa impeditiva do exercício de tal direito, com a consequente absolvição dos pedidos deduzidos contra as RR.

Nas instâncias precedentes julgou-se improcedente a referida excepção e as RR. foram condenadas, nos termos peticionados pelo MP, o que criou uma situação de dupla conforme, que só não pôs fim ao litígio, porque, excepcionalmente, foi aceite a revista, em virtude do tema em análise encerrar alguma novidade a exigir pronunciamento do Supremo Tribunal de Justiça/STJ – artº 672º nº 2 b) do CPC e relatório supra/II.

Para se concluir pela bondade, ou não, do decidido duplamente importa aduzir algumas considerações sobre o instituto da caducidade, uma vez que o prazo de seis meses está devidamente qualificado como sendo de caducidade – cfr. elemento histórico consubstanciado no anteprojecto de Galvão Teles e no paralelo do Código Italiano.

Como refere Carvalho Fernandes, “o artº 2067º do CC, afastando-se da solução consagrada em sistemas jurídicos que contêm preceitos paralelos – e que era também o Código de Seabra - atribui aos credores um verdadeiro direito potestativo de aceitar, não fazendo depender a aceitação de prévia autorização judicial; a diferente concepção do instituto consagrado no Código Civil tornou dispensáveis, no plano processual, a prévia declaração do credor prevista no CPC/61 e a fixação do prazo a fazer, porquanto a prazo de aceitação passou a constar da lei civil; o artº 1469º do CPC (reforma de 67) não estabelece uma adjectivação plena do direito de os credores do repudiante aceitarem a herança” – “Da Aceitação da Herança pelos Credores do Repudiante”, Quid Juris, em especial pags.79 a 82 e “Comemorações dos 35 anos da Reforma de 1977 – Efeito da Aceitação”, Faculdade de Direito de Lisboa, fls.976 a 993.

Podemos concluir, na esteira de Carvalho Fernandes, que a lei substantiva apenas fixa o prazo e a lei processual o modo de exercício.

O prazo de seis meses previsto no artº 2067 é manifestamente um prazo de caducidade, a exercer adjectivamente, nos termos do artº 1041º do CPC, constituindo a aceitação um incidente endógeno ao mesmo processo especial – que não exclui a forma comum - em relação à faculdade geral de sub-rogação do credor ao devedor – artºs 606 a 608º do CC – vide, “Código Civil, Livro do Centenário, Almedina, Coordenação de Menezes Cordeiro – Da Acção de Sub-Rogação, artigo de Isabel Alexandre”, em especial fls. 716 a 724; e Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís P. Sousa, “Código de Processo Civil anotado”, volume II, Coimbra, Almedina, 2020, pags. 484 e 485.

Tratando-se dum prazo de caducidade começa a correr, no momento em que pode ser exercido, ou seja, a partir do conhecimento do repúdio – artº 2067º nº2 do CC.

Comparativamente com os prazos de prescrição, é um prazo mais curto e não sujeito a suspensão ou interrupção, como acontece com a prescrição- artºs 298º e 328º versus artº318º a 323º do CC.

A acção considera-se proposta logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial – artº 259º do CPC.

E, no caso vertente é consensual que a acção foi intentada no prazo de seis meses.

Porém, na opinião da recorrente, a citação de todas as RR. é que permite considerar cumprido o referenciado prazo de 6 meses.

Mas, não lhe assiste razão.

Senão vejamos.

A recorrente, com todo o respeito, está a confundir o início da instância com a modificação subjectiva da mesma instância, possível nos termos do artº 261º do CPC.

Ora o que se verificou, foi que a presente acção foi proposta, inicialmente contra a recorrente e posteriormente foi requerida a intervenção das outras RR., filhas da 1ª R, na sequência de incidente de intervenção provocada para o efeito.

Isto porque, nos termos do artº 1041º do CPC o aceitante deve deduzir o pedido contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repudio.

Há sim, uma situação de litisconsórcio necessário a fim de assegurar a legitimidade passiva das partes, sendo que o mesmo não acontece quanto ao lado activo, em que cada credor pode agir por si – cfr. artºs 33º e 30º do CPC.

A nível jurisprudência vejam-se sobre o tema os seguintes arestos:

1 - acordão do STJ, de 10-07-2012, proferido na revista nº 5245/07 – 1ª secção (sumário: “para impedir a caducidade não importa data da citação do réu/chamado; o que releva é a manifestação de vontade do titular do direito, exercendo-a com a propositura da acção, não a chegada dessa manifestação ao conhecimento da outra parte”) - https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/175ff541de7507d580257a3f0039861d?OpenDocument (texto integral);

2 - acórdão, de 21-09-2021, proferido na revista nº 3778/19.4T8VCT.G1.S1 - 1.ª Secção (sumário: “tratando-se de um ato obstativo ou impeditivo de uma aquisição de uma situação jurídica complexa, ao qual o património do devedor se revela indiferente, não sofrendo qualquer modificação, não se permite ao credor o recurso à impugnação pauliana; o repúdio, é também um negócio jurídico pessoal; a expectativa dos credores de se satisfazerem sobre os bens da herança a que o devedor é chamado é incerta e relativa, pois o ius delationis, que é incoercível, no seu exercício, depende exclusivamente da vontade do sucessível, dado o caráter intuitu personae da sucessão; isto obsta tanto à impugnação pauliana do repúdio da herança (arts. 610.º e ss. do CC) como à sub-rogação do credor ao devedor no exercício do direito de aceitar a herança (arts. 606.º e ss., e art. 2049.º do CC); necessidade de não deixar os credores pessoais do repudiante privados de tutela, dada a inaplicabilidade dos institutos gerais como a sub-rogação do credor ao devedor (arts. 606.º e ss. do CC) e a impugnação pauliana (arts. 610.º e ss. do CC), conduziu o legislador a consagrar o regime previsto no art. 2067.º do CC, conciliando o princípio da autonomia decisória do sucessível chamado e a indefetível exigência de salvaguarda dos credores; está em causa a perda da oportunidade de poder adquirir, de ver aumentado o património, mas não uma diminuição desse património; o meio judicial para os credores exercerem a faculdade - que não depende de autorização judicial, mas é, necessariamente, de exercício judicial (art. 1041.º, n.º 1, do CPC) – de aceitar a herança, “em nome do repudiante”, é a ação em que deduzam o pedido de pagamento dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles que receberam os bens por efeito do repúdio (art. 1041.º, n.º 1, do CPC); trata-se da atribuição ex lege, por via sub-rogatória - o que não quer dizer que estejamos perante uma verdadeira e própria sub-rogação -, de um direito que, no seu exercício, é pessoal do devedor e, por isso, insubrogável, e que já se extinguiu como consequência da declaração de repúdio; o art. 2067.º do CC como que se consubstancia num microssistema de tutela não recondutível a categorias jurídicas mais amplas, caracterizando-se por pressupostos específicos e pela finalidade de tutelar os credores do chamado em caso de repúdio da herança) - https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bf8293aed269c648802587580055c388?OpenDocument (texto integral)

2. Passando à segunda questão: “O A/MP não demonstrou a chamada essencialidade da invocada sub-rogação, designadamente que a herança não tinha liquidez/património suficientes para satisfazer as obrigações fiscais em causa?”

Este é um requisito geral do instituto da sub-rogação expresso no artº 606º do CC aplicável, ex vi artº 2067º nº1 do CC.

Segundo a recorrente, “se, por um lado, os factos 8º) a 13º) dados como provados nos autos permitirem concluir que o património da Recorrente não é suficiente para pagar a dívida ao Recorrido, já não permitem concluir da solvência ou insolvência da herança, pois nenhum deles se reporta ao ativo ou passivo hereditário, o que se pode dizer de todos os outros factos dados como provados nos autos no que toca ao passivo hereditário, na medida em que nenhum deles o identifica, descreve ou quantifica.”

Entende, igualmente, que o ónus dessa prova recaia sobre o A.

Como antes referimos o artº 1041º do CPC consagra uma acção sub-rogatória especial, em que os aceitantes deduzem um pedido dos seus créditos contra o repudiante e aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio.

Como explica Isabel Alexandre, “tal significa que a acção sub-rogatória prevista no artº 2067º do CC constitui incidente duma acção proposta pelo credor, não possuindo autonomia em relação a esta, justamente e por dela depender, sendo do exercício necessariamente judicial - diversamente do que sucede na qualidade das acções sub-rogatórias – é uma acção de cumprimento/executiva como também decorre do artº 1041º do CPC.”

E acrescenta a mesma autora, “na acção sub-rogatória constituem factos constitutivos do direito do credor à substituição ao seu devedor, tanto no crédito que tem sobre o devedor, como no crédito que este tem sobre terceiro, pelo que tais factos devem ser alegados e provados, nos termos do artº 342º nº 1 do CC, competindo-lhe ainda que demonstrar que sem a substituição não poderá ser feito o seu crédito, ou será fortemente provável a sua insatisfação”obra citada, pags. 716 a 723.

Ora, a natureza especial da acção sub-rogatória em estudo – declarativa e executiva prevista nos artºs 2067º CC e 1041º CPC, sistematicamente incluída no Título XV (dos processos de jurisdição voluntária/Capítulo XI / Herança Jacente) – permite concluir que o A. cumpriu o ónus que sobre si recaia, nos termos do artº 342º nº1 do CC, ao comprovar no incidente de aceitação da herança, o crédito que detinha sobre a repudiante e nomear os bens da herança passíveis de satisfazer o aludido crédito, total ou parcialmente.

Em conformidade, considera-se satisfeito o requisito da essencialidade deste tipo de acção à luz do artº 606º nº1, ex vi artº 2067, ambos do CC.

Sumário:

I – A acção sub-rogatório prevista do artº 1041º CPC é o meio processual apropriado para o MP, em representação do Estado, exercer o direito de aceitação da herança repudiada pela 1ª R;

II – Direito esse a exercer, no prazo de seis meses, a contar do conhecimento do repúdio (artº 2067º nº 2 do CC);

III – Trata-se dum prazo de caducidade, que começa a correr no momento em que pode ser exercido, e tem como limite a propositura daquela acção.

IV - O facto de, inicialmente, a acção ter sido proposta, unicamente contra a repudiante, e não contra esta e as filhas beneficiárias da repudiada herança, não prejudica o início da instância aquando da propositura dessa acção, impondo, tão só, a modificação subjectiva da mesma instância, a fim de assegurar a legitimidade passiva das RR. (litisconsórcio necessário).

V – O A. demonstrou o ónus que sobre si recaia (essencialidade da acção) ao comprovar o crédito que detinha sobre a repudiante e ao indicar os bens da herança passíveis de satisfazer o aludido crédito, total ou parcialmente.

DECISÃO

- Assim e pelos fundamentos expostos, improcede a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 14-3-2024

Afonso Henrique (relator)

Catarina Serra

Maria da Graça Trigo