Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
125/13.2TELSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
COMPETÊNCIA MATERIAL
PERDA DE BENS A FAVOR DO ESTADO
DECISÃO SUMÁRIA
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 12/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Tendo o tribunal da Relação confirmado, sem voto de vencido e com a mesma fundamentação (que subscreveu), a decisão proferida em matéria cível pelo tribunal de 1.ª instância, verifica-se uma situação de “dupla conforme” a determinar, em princípio, a irrecorribilidade do acórdão do tribunal da Relação.

II - Porém, o n.º 3 do art. 671.º do CPP exclui da inadmissibilidade de recurso aí prevista “os casos em que o recurso é sempre admissível” e nestes se incluem, desde logo, os previstos no n.º 2 do art. 629.º do CPC e, particularmente, na sua al. a): os recursos interpostos com fundamento na violação das regras de competência em razão da matéria.

III - O pedido cível fundado na prática de crimes imputados ao arguido na acusação deduzida pelo Ministério Público deve ser formulado no processo criminal, sendo competente para o seu conhecimento o tribunal criminal.

IV - A decisão proferida pelo tribunal da Relação, em apreciação de recurso interposto pelo MP de acórdão proferido na 1.ª instância, sobre a perda alargada de bens não conhece “do objecto do processo”. E assim, por força do disposto no art. 400, n.º 1, al. c) do CPP, de tal decisão não é possível recorrer para o STJ.

V - Não obstante o disposto no art. 417.º, n.º 6, al. b) do CPP co CPP, não existe qualquer impedimento legal a que a rejeição de um recurso seja conhecida, em primeira linha, pela conferência, posto que da composição colectiva do tribunal resulta um acréscimo (e não uma diminuição) de garantias de defesa do recorrente; de outro lado, o não cumprimento do estatuído nessa norma nunca importaria numa nulidade da decisão recorrida, porquanto no nosso processo penal vigora o princípio da tipicidade em matéria de nulidades, sendo certo que nenhum preceito comina com a nulidade a rejeição de um recurso em conferência, que não (previamente) em decisão sumária.

VI - Não existe qualquer impedimento legal a que, no tribunal ad quem, seja feito um primeiro convite ao recorrente, para apresentar conclusões (caso o recurso as não contenha e, no tribunal recorrido, não tiver sido feito o convite a que alude o art. 414.º, n.º 2, do CPP) e, depois, um segundo convite a aperfeiçoar as conclusões que forem apresentadas (em resposta ao primeiro convite), caso das mesmas não seja possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do art. 412.º do CPP.

Decisão Texto Integral:

            Acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça:


  I. No Juízo central criminal de ... – J..., os arguidos AA, BB e CC, todos com os demais sinais dos autos, foram julgados pela prática de 2 (dois) crimes de burla qualificada p. e p. pelos arts. 26.º, 109.º, 110.º, 217.º e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a), todos do CP e de 1 (um) crime de branqueamento de capitais p. e p. pelos arts. 26.º, 109.º, 110.º e 368.º-A, todos do CP, tendo aí sido decidido, por acórdão proferido em 24 de Janeiro de 2019:

«I – PARTE CRIMINAL:

--julgar a acusação parcialmente improcedente, por parcialmente não provada, e, em consequência, absolver os arguidos AA, BB e CC da prática dos 2 (dois) crimes de burla qualificada de que vinham acusados;

--julgar a acusação parcialmente improcedente, por não provada, e, em consequência, não declarar perdidos a favor do Estado os bens móveis e imóveis arrestados;

--julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condenar o arguido AA pela prática em co-autoria material de 1 (um) crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368.º-A do CP, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

--julgar a acusação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenar o arguido BB pela prática em co-autoria material de 1 (um) crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368.º-A do CP, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

--julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condenar o arguido CC pela prática em co-autoria material de 1 (um) crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368.º-A do CP, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

Cada um dos arguidos vai ainda condenado em 4 Ucs. de taxa de justiça, nos termos do art. 8.º, n.º 9, do RCP, em conjugação com a Tabela III anexa a este diploma.

II – PARTE CÍVEL:

--julgar a acção cível enxertada parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenar os arguidos/demandados AA, BB e CC a pagar:

--aos demandantes cíveis II e EE a quantia de USD 9 869 510,93 (nove milhões, oitocentos e sessenta e nove mil, quinhentos e dez dólares e noventa e três cêntimos), na proporção das importâncias monetárias aplicadas por cada um deles, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde o dia 04-04-2016 até integral e efectivo pagamento;

--ao demandante cível II a quantia de € 10 000 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a presente data até integral e efectivo pagamento;

--ao demandante cível EE a quantia de € 2 000 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a presente data até integral e efectivo pagamento».

    Nesse acórdão foi, ainda, decidida a improcedência da pretensão formulada pelo MºPº, no sentido de serem declarados “perdidos a favor do Estado até ao montante total de USD 9.869.510,94, sem prejuízo dos direitos dos ofendidos” os bens móveis e imóveis arrestados nos autos.

    Inconformados, recorreram os arguidos para o Tribunal da Relação de .... Também o Ministério Público interpôs recurso do acórdão proferido em 1ª instância, pedindo que fossem declarados perdidos a favor do Estado os bens adquiridos com proventos obtidos através da atividade criminosa pela qual os arguidos AA, CC e BB foram condenados e os valores do património incongruente do arguidos AA, CC e BB (respetivamente: 4.273.281,29€ + 4.749.943,60USD; 511.086,99€ e 131.536,64€).


  Por despacho proferido pelo Exmº Desembargador relator em 9/10/2019, foi determinada a notificação do recorrente BB para, em 10 dias, “apresentar conclusões (concisas) (…) sob pena de rejeição do recurso nos termos dos art.s 417º, nº 3 e 420º, nº 1, al. c), ambos do CPP”.

  Em 18 de Junho de 2020 foi proferido acórdão no Tribunal da Relação de ..., onde se decidiu:

«1. Não admitir o recurso do arguido BB, nos termos dos arts. 417.º n.º 3 e 420.º n.º 1, al. c), ambos do C.P.P.;

2. Julgar improcedentes os recursos dos arguidos AA e CC;

3. Conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, declarando perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos dos lesados, os bens adquiridos com proventos obtidos através da atividade criminosa pela qual os arguidos AA, CC e BB foram condenados, bem como os valores do património incongruente dos arguidos AA, CC e BB (respetivamente: 4.273.281,29€+ 4.749.943,60USD; 311.086,99€ e 131.536,64€).

Manter, no mais, a decisão recorrida».

  O arguido BB, por requerimento de 7 de Julho de 2020, veio arguir a nulidade do acórdão, alegando que respondeu ao convite que lhe havia sido formulado, apresentando conclusões, e que se o Exmº Desembargador relator entendia que as mesmas eram demasiado extensas, deveria tê-lo convidado a aperfeiçoá-las no exame preliminar a que se refere 417º do CPP; não o tendo feito, omitiu pronúncia sobre matéria que lhe era imposta pelo nº 3 do artº 417º do CPP e, daí, a nulidade do acórdão. De outro lado, entende que a extensão das conclusões era imposta pela complexidade das questões a debater e que, em qualquer dos casos, as motivações do seu recurso “cobrem 119 páginas, sendo as restantes ocupadas com as transcrições do depoimento de testemunhas e dos assistentes, enquanto as conclusões não contêm mais do que 57 páginas”.

     Por acórdão proferido em 17 de Dezembro de 2020, o Tribunal da Relação de ... indeferiu as arguidas nulidades:

«As conclusões, em número de 339 em 57 páginas, estão longe de ser sucintas, pelo que o recorrente não deu cumprimento ao convite formulado na notificação oportunamente efectuada.

O arguido BB, apesar de notificado com essa cominação não apresentou conclusões concisas pelo que se rejeita o respectivo recurso nos termos dos arts. 417.° n.° 3 e 420.° n.° 1, al. c), ambos do C.P.P..

Não se alcança que tenha sido cometida qualquer nulidade, maxime as normas dos artigos 417.º n.º 3 e a norma do n.º 6 da alínea b) do mesmo artigo, e ainda o art.º 379.º n.º 1 alínea c), nem ainda o art.º 420.º n.º 1, todos do C.P.Penal.

O arguido foi notificado com essa cominação, não fazendo qualquer sentido a ponderação de uma segunda notificação para o aperfeiçoamento das conclusões.

O relator, ao não ter decidido a rejeição do recurso em decisão sumária nos termos do disposto na alínea b) do n.º 6 do art.º 417.º do C.P.Penal, teve em vista, desde logo, e por economia processual, remetê-la para uma decisão colegial.

Não se vislumbra qualquer nulidade processual.

Não ocorreram quaisquer nulidades e/ou irregularidades (“É este o princípio da tipicidade, também designado por princípio da legalidade e da taxatividade das nulidades que o art.º 118.º n.º 1 consagra na seguinte fórmula: a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. A norma do art.º 118.º n.º 1 não permite a sua extensa analógica”, Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Verbo, 2.ª Ed, 1999, Vol. II, pag 74).

Termos em que, se indefere a existência de quaisquer nulidades e/ou inconstitucionalidades, mantendo-se na íntegra a decisão desta Relação de 18 de junho de 2020».

Inconformados com o teor do acórdão proferido em 18 de Junho de 2020, recorreram os três arguidos, extraindo das suas motivações as seguintes conclusões (transcritas):


  1. Arguidos AA e CC:

«1. Os contratos celebrados entre a Í…. E… e os assistentes, os designados "MEMORANDUM OF AGREEMENT", quer em Janeiro de 2014 quer em Julho de 2013, são contratos fiduciários, como tal atípicos, que se baseiam na confiança depositada pelo FIDUCIANTE no FIDUCIÁRIO;

2. Destes MEMORANDA, foi dado como provado que os assistentes assinaram e aceitaram todo o teor do "MEMORANDUM OF AGREEMENT" datado de Janeiro de 2014, sem que o Tribunal de 1ª Instância o tivesse analisado, o que deveria ter acontecido, uma vez que o mesmo faz referência expressa aos "MEMORANDUM OF AGREEMENT" e levariam a matéria dos autos a ser discutida nos tribunais cíveis, dado o seu conteúdo ser competência exclusiva destes tribunais e não dos tribunais criminais;

3. A Relação de ..., por sua vez, não quis reapreciar a prova no que respeita à matéria de facto dada por provada e não provada, prosseguindo o caminho traçado pela 1ª Instância, onde era mais importante salvar o inquérito e proceder à condenação dos arguidos sem ir ao fundo da questão;

4. Não tendo recurso para o STJ em matéria penal — dupla conforme —, e tendo o Tribunal da Relação decidido revogar a decisão da 1ª Instância em matéria Civil, cabe agora aos arguidos/recorrentes recorrer desta decisão para o STJ para reaverem os bens que foram indevidamente apreendidos e arrestados; assim,

5. O ouro apreendido ou arrestado e supra referido, é pertença da D. FF, oferecido pelas suas Mãe e Avó há mais de 20 anos;

6. Os artigos gemológicos foram adquiridos, a pouco e pouco, pelo arguido AA, com recurso a rendimentos próprios, cuja proveniência nem sequer mereceu competente investigação por parte de quem coordenava a investigação criminal, para poder concluir pela incongruência ou congruência do seu património, como do património do arguido CC;

7. Mais grave, ainda, é o que a investigação fez constar dos autos de inquérito e prosseguiu na apreensão e arresto: os Avós do arguido CC doaram-lhe um prédio em 31 de Outubro de 2011, facto este que não pode nunca, em circunstância alguma, ter sido adquirido pelo arguido CC, nem sequer com presunção, de constituir vantagem de atividade criminosa naquela data, integrando a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito, sendo certo que tal prédio ingressou no seu património lícito em 31 de Outubro de 2011, por doação dos Avós maternos;

8. Não basta reportar-se, a investigação criminal, ao facto de os arguidos não apresentarem IRS nos Serviços de Finanças competentes para logo concluir que todo e qualquer rendimento é de proveniência ilícita, já que tal conclusão não é compaginável nem com doações nem com gratificações por participação em negócio lícito, já que nem sempre estes são participados à Autoridade Tributária;

9. O mesmo se diga das viaturas com as matrículas XX-QN-XX, XX-PM-XX e XX-QX-XX, que foram adquiridas de boa-fé com os recursos provenientes de negócios lícitos, que o DCIAP e a PJ não quiseram investigar, como pode facilmente concluir-se dos autos, uma vez que lhes importava sobretudo assegurar a condenação dos arguidos, que nem eram conhecidos dos assistentes, por isso que foram absolvidos dos crimes de burla;

10. Por isso, devem os referidos bens ser separados dos restantes arrestados, sendo estes mais do que suficientes para pagar qualquer indemnização aos assistentes — que não é devida —, como se demonstrará nos processos em curso e nos demais que serão brevemente intentados, porque a aplicação dos recursos financeiros feita pelo arguido AA, orientado como foi por bancários do Millennium-BCP, como consta dos autos, vale hoje o dobro ou o triplo daquilo que foi investido;

11. Por último, os arguidos são pessoas de bem e considerados como tal no meio social onde residem, e tidos como humildes e honestos, pelo que mereciam uma ponderação mais cuidada destes Tribunais, sendo certo que a análise dos ditos MEMORANDA, a ter sido feita como se impunha, levaria os tribunais a absolver os arguidos e a remeter os autos para os tribunais civis.

NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, COMO É APANÁGIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL, REVENDO O ACÓRDÃO DO TR..., RESPEITANTE Á MATÉRIA CÍVEL ORA EM APREÇO, E CONCEDENDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, NO QUE CONCERNE AOS INTERESSES DOS RECORRENTES/ARGUIDOS, V. EXAS. FARÃO CERTAMENTE A MELHOR

JUSTIÇA!».


     2. Arguido BB:

«1. No seu recurso da sentença condenatória, proferida no douto acórdão do Tribunal Coletivo de 1ª Instância, apresentado e distribuído à 9ª Secção do Tribunal da Relação de ..., faltaram as conclusões, a cujo ónus se encontrava sujeito, e que deviam ser juntas com as competentes motivações;

2. Convidado a apresentar as conclusões (sucintas) nos termos do n° 3 do art.° 417.° e do art.° 420°, ambos do CPP, por douto despacho de 09/10/2019, o arguido BB apressou-se a dar cumprimento a este mencionado despacho, apresentando as conclusões do recurso da forma que consta da primeira parte do referido n° 3 do art° 417° (se a motivação do recurso não contiver conclusões ...), as quais correspondiam às exigências normativas do CPP, em nossa modesta opinião;

3. Admite-se que, face à copiosidade da matéria constante das MOTIVAÇÕES, mais longa do que seria expectável, se deva considerar que, como doutamente ensina o douto Desembargador, João Aveiro Pereira, não possa nem deva aferir-se "da razoabilidade da extensão das conclusões", considerando apenas o número de artigos ou de páginas que as contêm (in "O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil'), como o fez o mui Venerando Desembargador Relator que entendeu que "As conclusões, em número de 339 em 57 páginas ..., estão longe de ser sucintas ...", para daí concluir "que o recorrente não deu cumprimento ao convite formulado na notificação oportunamente efectuada ";

4. O Acórdão do STJ de 29-04-2008, no processo n° 07A4712, 1a Secção, www.dgsi.pt, ocupou-se de caso idêntico, em que o Tribunal da Relação convidara os recorrentes a sintetizar as conclusões das suas alegações e estes reduziram-nas de 177 para 71 e, apesar desta redução, o Tribunal de 2ª Instância, achou que ainda eram demais e não conheceu do recurso, mas o STJ, apreciando o recurso desta decisão, reconhecendo embora que mesmo assim os recorrentes foram demasiado prolixos e que podiam ter feito um esforço maior de resumo, deu-lhes razão, mandando baixar o processo por entender que as alegações levantavam muitos temas, principalmente sobre a matéria de facto debatida na ação, considerando justificada a copiosidade das conclusões ...".

5. No caso sub júdice, a norma do n° 3 do referido art.° 417.° do CPP, em nossa modesta opinião, impõe uma interpretação muito atenta, pois é inquestionável que deve ser cindida em duas partes: uma primeira, em que se estipula que "se a motivação do recurso não contiver conclusões ..., o relator convida o recorrente a apresentar ... as conclusões ..., no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ...", convite a que o recorrente acedeu, apresentando as suas conclusões tempestivamente; uma segunda, em que se estipula que, uma vez apresentadas as referidas conclusões, se "destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.°s 2 a 5 do art.° 412.°, o relator convida o recorrente a ... completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada".

6. É inquestionável que o primeiro caminho é o recorrente responder ao convite para apresentar as suas conclusões e, só depois, julgando tais conclusões demasiado extensas ou não concisas suficientemente, cabe ao Sr. Relator convidar o recorrente a aperfeiçoar, esclarecer ou completar as mesmas conclusões, nos termos prescritos na segunda parte do n° 3 do mencionado art.° 417.° do CPP.

7. Tanto assim é que, hoje há já uniformidade na jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido de que "a falta de concisão das conclusões não é motivo de imediata rejeição do recurso, mas apenas de convite a "esclarecer" (ou melhor) a aperfeiçoar as conclusões apresentadas", jurisprudência esta consagrada no acórdão do TC n° 193/97, cuja doutrina foi refinada pelo acórdão do TC n° 43/99, onde "o TC a sugestão das declarações de voto de MESSIAS BENTO e LUÍS NUNES DE ALMEIDA, juntas ao anterior acórdão, no sentido de o tribunal de recurso dever convidar o recorrente, tendo esta doutrina sido conformada com força obrigatória geral pelo acórdão do TC n. ° 337/2000", in PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, obra citada abundantemente nas MOTIVAÇÕES deste recurso.

8. O mesmo entendimento levou o legislador, na Lei n° 48/2007, a atribuir poderes de decisão sumária sobre o recurso, bem como a reconhecer expressamente o poder de convite ao recorrente a apresentar, completar e esclarecer as conclusões formuladas, poderes hoje consagrados na norma ínsita no n° 3 do art.° 417.° do CPP, poderes esses, por último, que foram desrespeitados pela decisão do acórdão ora recorrido, já que foi violada a segunda parte do citado n° 3 do art° 417° do CPP.

9. E, ainda que o critério seguido pelo Venerando Relator do Acórdão em crise fosse o número de conclusões e o número de páginas, para concluir que as conclusões estão longe de ser sucintas, sempre se concluirá como no Acórdão do STJ, 4.3.1999, in CJ, Acs. do STJ, VII, 1, 239, e Acórdão do TRC, de 6.10.2004, in CJ, XXIX, 4,46, onde se decide que a falta de conclusões também ocorre quando se apresenta, como conclusões, uma cópia quase integral do texto da motivação, com pequeníssimas e irrelevantes diferenças de pormenor, para se concluir pelo dever de convidar o recorrente a aperfeiçoar as mesmas conclusões nos termos da segunda parte do n° 3 do art.° 417° do CPP.

10. Mas a violação da segunda parte do normativo do n° 3 do art° 417°, em análise, levou o Sr. Relator do Acórdão recorrido, ainda, por deficiente interpretação desta norma, à violação da norma do n° 6, al. b) do mesmo artigo, ao afirmar "não ter decidido a rejeição do recurso em decisão sumária nos termos do disposto na alínea b) do n° 6 do art.º 417° do C. P. Penal ..., após exame preliminar, porque "teve em vista, desde logo, e por economia processual, remetê-la para uma decisão colegial", o que não lhe é consentido fazer pela norma do n° 6 supra referenciada, nem por qualquer outra norma, até porque impede ilegitimamente o recorrente de reclamar para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos n°s 6 e 7, conforme o prescreve a norma do n° 8 do mesmo artigo.

11. Os vícios que vimos de apontar, quais sejam, primeiro a violação da segunda parte da norma do n° 3 do art.° 417° e, segundo, as normas ínsitas na alínea b) do n° 6, até por saber que o recurso ia ser rejeitado, porque não convidou o recorrente a aperfeiçoar as conclusões apresentadas, como se lhe impunha, reforçado pelo disposto na alínea c) do n° 1 do art.° 420°, vícios estes que inelutavelmente afetam a totalidade do recurso, ferem a validade das decisões tomadas no acórdão recorrido, pelo que deve ser concedida a revista e revogar-se o acórdão recorrido.

12. Estas razões são decisivas, pelo que a doutrina do acórdão recorrido deve ser revogada.

PELO EXPOSTO, E POR TUDO O QUE SUPERIORMENTE V. EXAS. SUPRIRÃO, CONFIADAMENTE SE ESPERA VER JULGADO O PRESENTE RECURSO DE REVISTA, CONCEDENDO-LHE O COMPETENTE PROVIMENTO E REVOGANDO-SE O ACÓRDÃO RECORRIDO, PORQUE ASSIM SE MOSTRA SER DA MAIOR

JUSTIÇA!».


    Responderam os assistentes II e EE aos recursos, extraindo das respostas as seguintes conclusões (igualmente transcritas):


    1. No que concerne ao recurso dos arguidos AA e CC:

«1. No Acórdão recorrido, toda a matéria de facto foi mantida e caracterizada pelo Tribunal da Relação de ... em total conformidade com a decisão do Tribunal a quo, sendo mantida a medida da pena apurada em 1ª Instância para cada um dos arguidos, assim como foram mantidos os montantes indemnizatórios arbitrados quanto aos danos patrimoniais e morais dos lesados.

2. Não apenas foram mantidos os segmentos decisórios em toda a sua extensão como foi igualmente apoiada, pelo Tribunal da Relação de ..., a fundamentação que os suportou.

3. Apesar do Acórdão da Relação de ... vir admitir o perdimento a favor do Estado, no que à indemnização cível diz respeito, a distribuição interna da responsabilidade de cada um dos arguidos não atinge a posição dos lesados, porque os lesados em nada são afectados em termos de garantia patrimonial do seu crédito.

4. Não obstante a decisão do TR... do perdimento a favor do Estado, mantém-se a primazia do ressarcimento dos Assistentes (“sem prejuízo dos direitos dos lesados”), os quais podem executar qualquer dos arguidos (ou todos eles) pela totalidade da indemnização arbitrada, pois que o Acórdão da Relação coincide, na plenitude (em termos quantitativos e de fundamentação), com o conteúdo da decisão da 1ª Instância.

5. Do mesmo modo, o perdimento a favor do Estado, arbitrado pela Relação, não altera o conteúdo e efeitos da decisão quanto aos arguidos, pois que a estes foi arbitrada, em termos quantitativos, a mesma condenação indemnizatória.

6. A decisão em apreço não apresenta qualquer “desconformidade” que possa justificar a Revista, pois que não encontramos qualquer divergência no conteúdo decisório das decisões de ambas as Instâncias.

7. No caso concreto dos autos, o Acórdão da Relação confirmou a decisão com base nos mesmos fundamentos da decisão da 1ª Instância, mantendo a qualificação jurídica do objeto da acção.

8. Ora, a relevância da fundamentação contida no Acórdão da Relação ganha especial relevo quando não opere qualquer mudança na decisão da 1ª Instância e nos fundamentos que a suportam.

9. Apesar do Acórdão da Relação de ... vir admitir o perdimento a favor do Estado, no que à indemnização cível diz respeito, a distribuição interna da responsabilidade de cada um dos arguidos não atinge a posição dos lesados, porque os lesados em nada são afectados em termos de garantia patrimonial do seu crédito.

10. Não obstante a decisão do TR... do perdimento a favor do Estado, mantém-se a primazia do ressarcimento dos Assistentes (“sem prejuízo dos direitos dos lesados”), os quais podem executar qualquer dos arguidos (ou todos eles) pela totalidade da indemnização arbitrada, pois que o Acórdão da Relação coincide, na plenitude (em termos quantitativos e de fundamentação), com o conteúdo da decisão da 1ª Instância.

11. Do mesmo modo, o perdimento a favor do Estado, arbitrado pela Relação, não altera o conteúdo e efeitos da decisão quanto aos arguidos, pois que a estes foi arbitrada, em termos quantitativos, a mesma condenação indemnizatória.

12. Parece, pois, não haver dúvidas que a Revista não é admissível, verificando-se uma situação de “dupla conforme”, o que desde já invocamos e requeremos a V. Exas. seja determinado.

13. O Recurso dos arguidos, não se restringe, conforme exigência do art. 400, nº 2 do CPP, à apreciação da Indemnização Cível, antes se detém na qualificação de documentos, já duplamente analisados e qualificados pelo Tribunal de 1ª Instância e pelo Tribunal da Relação de ..., os quais, em directa conexão com as demais provas, convergiram para a condenação dos arguidos, quer penal quer civilmente.

14. É, no modesto entendimento dos Assistentes, irrecorrível o objecto do presente Recurso.

15. A incompetência material invocada pelos arguidos, a existir teria impedido o Tribunal de 1ª Instância de conhecer o mérito da causa, pondo fim a todo o processo e, consequentemente, determinando a absolvição dos arguidos.

16. Ora, decorre do presente Recurso que, a ser como pretendem os arguidos estes teriam desprezado a possibilidade de obter o encerramento antecipado do processo com ganho de causa (por absolvição da instância decorrente da suposta incompetência material do Tribunal de 1ª Instância) ao não terem invocado atempadamente tal incompetência.

17. Sob a aparência de se encontrarem a discutir a questão da indemnização cível, os arguidos aludem, nos fundamentos que apresentam, a diversos temas, sem qualquer cabimento no presente Recurso, como são a incompetência material e a errada apreciação da prova.

18. Até porque, a suposta incompetência teria impedido o Tribunal de 1ª Instância de conhecer o mérito da causa, pondo fim a todo o processo e, consequentemente, determinando a absolvição dos arguidos.

19. (não tem texto)

20. Quanto aos MEMORANDA OF AGREEEMENT de 3 e 4 de Julho de 2013 os arguidos não lograram demonstrar a veracidade, nem mesmo a credibilidade desses documentos que vieram juntar tardiamente aos autos, depois de conhecerem as provas documentais apresentadas pelos lesados e já decorridos 5 anos após a sua primeira intervenção nos autos. (Confr. Vol. I ,a fls 343 onde consta a primeira intervenção dos arguidos em 26 de Agosto de 2013 e da Contestação do arguido BB de 31.01.2018 referenciado no Citius com o nº ... de 31.01.2018 onde consta a apresentação dos Memoranda de 3 e 4 de Julho de 2013 pelos arguidos).

21. Os arguidos estiveram presos à ordem do presente processo precisamente por haver fortes suspeitas do crime de branqueamento de capitais (que veio a ser provado) e os arguidos, a possuírem uma prova importante e decisiva (os Memoranda de 3 e 4 de Julho de 2013) que lhes permitia justificar a utilização de 10 milhões de dólares em bens pessoais, tê-la-iam, necessariamente, exibido como meio de impedir a sua prisão, o que não fizeram.

22. E, ao invés de terem apresentado os tais Memoranda que justificavam o uso dos fundos dos lesados, os arguidos optaram por invocar nos autos, desde a fase do Inquérito em 2013 e até ao julgamento em 2018, inúmeras e contraditórias razões para justificarem o acesso aos fundos e a sua utilização mas nunca referem os ditos Memoranda of Agreement de 3 e 4 de Julho de 2013.

23. Só após terem acesso aos documentos que provavam a versão dos lesados, onde constam os 2 Memoranda of Agreement datados de 13 de Janeiro de 2014 (um Memorandum assinado pelo lesado DD e e outro assinado pelo lesado EE, ambos com o

mesmo teor) destinados à devolução dos fundos, já o processo se encontrava em fase de julgamento e, por isso, já os arguidos tinham apresentado a sua versão dos factos e apresentado os respectivos documentos no decurso do Inquérito e já os arguidos tinham praticado todos os actos de branqueamento de capitais que vieram a fundamentar as decisões proferidas por ambas as instâncias, sem nunca haver notícia dos Memoranda de 3 e 4 de Julho de 2013, ora objecto do presente Recurso.

24. Como bem sabem os arguidos e resulta dos autos, (numa primeira fase) os arguidos em 2013 reclamam o acesso aos fundos dos lesados como pretexto da sua aplicação em projectos de exploração de Águas, o projecto das “...” e posteriormente (em 2016) em projectos de Energia.

25. Quer os projectos de águas quer o de energia nunca foram concretizados pelos arguidos quando acederam ao dinheiro, pois tais projectos não existiam, sendo constituídos por meras cópias de projectos alheios, desatualizados e sem qualquer conexão aos lesados ou aos arguidos, como demonstrado nos autos (Cfr. Apenso Temático C, págs. 4, 5 e 42 a 244).

26. Sendo que nesta altura e até 2018, os arguidos afiançavam em declarações juntas aos autos que nunca tinham ouvido falar dos cidadãos chineses (Cfr. declarações dos arguidos AA em Ficheiro áudio: 20170317164907_19254996_2871072.wma, passagem 00:20:42 a 00:20: 44 e 00:42:44 a 00:42:55 - CC em Ficheiro áudio: 20170317184455_19254996_2871072.wma passagem 00:10:28 a 00:10:29 o que é contrariado na escuta efetuada à comunicações telefónicas dos arguidos CC e BB, em sessão Auto de Transcrição de Conversações ou Comunicações, Código de Interceção: ..., Nº auscultado: ..., Despacho do JIC a fls 2261, Data: 11.03.2017, Sessão: 1716 pode confirmar-se que o arguido conhecia o assunto) e art. 119º da Contestação de BB, de 31 de Janeiro de 2018, a fls….).

27. Em Maio de 2018 os arguidos alteraram os argumentos trazido até então e justificavam o uso dos 10 milhões de dólares com o argumento de que os fundos lhes tinham sido emprestados pela India Energy Acquisition Corp, conforme requerimento de AA datado de 28 de Agosto de 2018, a fls….

28. A partir de Janeiro de 2018 (numa segunda fase), os arguidos esqueceram tudo quanto tinham levado aos autos até então e iniciaram de novo a sua defesa, como se os anteriores argumentos por si apresentados nunca tivessem constado do processo.

29. Dos projectos das “...” e de energia, assim como do empréstimo dos fundos ao arguido AA afiançado por este junto do banco, não mais se ouviu falar nos autos!

30. A partir de Janeiro de 2018, afinal tinham acedido e gasto os fundos dos lesados porque, em representação da empresa I… E….., encontravam-se a cumprir um contrato de investimentos em negócios muito rentáveis, pois estavam a dar cumprimento aos Memoranda of Agreement (os Memoranda de 3 e 4 de Julho de 2013) que subitamente, em 2018, surgem nos autos assinados pela IEAC e onde constam os nomes dos lesados.

31. E, é a esses Memoranda que os lesados pretendem atribuir valor probatório apto a constituir prova determinante para a justificação dos seus actos, qualificados como ilícitos por ambas as instâncias e a que pretendem atribuir fundamento de Revista.

32. Quanto a esses documentos, convirá dizer que foram juntos com a contestação do arguido BB (a fls. 4133 a 4140) e apresentados como equivalendo a uma acordo celebrado entre a IEAC e os assistentes DD e EE, em Julho de 2013, e com os quais pretendem justificar a transferência de fundos (10.000.000,00 USD), nesse mês, dos lesados para a referida IEAC.

33. Diversamente do que sucede com os acordos celebrados em janeiro de 2014 (entre a IEAC e a os assistentes DD e EE), no que diz respeito ao aludidos memoranda de entendimento apresentados como tendo sido celebrados em julho de 2013, os lesados não assumem tê-los celebrado.

34. Confrontado com tal documento, o lesado DD declarou não o ter assinado, sendo a data do documento desconhecida para ele e, como chinês, nunca assinaria daquela forma, sendo que as letras não condizem e assina de outro modo, ainda que, quanto à assinatura posta no final do documento, a considere muito parecida com a sua (cfr. gravação do depoimento do assistente DD, prestado no decurso de julgamento, em 18.04.2018, minuto 49.23 ao minuto 52.02 onde reproduziu as suas declarações já prestadas no decurso do Inquério a fls.3320 dos autos, no 10ºVol.).

35. E a falta de credibilidade dos tais Memoranda de Entendimento, alegadamente subscritos em 3 e 4 de Julho de 2013 radica em que o motivo da transferência foram os documentos intitulados Acordos de Depósito Autorizado de Curadores em Plataforma de Investimentos (...) (traduzidos a fls. 3913 a 3918, 3921 a 3925, e 3926 a 3930), em que é contraparte o Miami International Bank, enviados via correio eletrónico, por GG, ao lesado EE e por este ao lesado DD, e por ambos digitalizados e assinados, em Julho de 2013.

36. Ora, os arguidos, ao longo do processo afirmam saber que os lesados eram os proprietários dos fundos (conforme alega o arguido BB nos art. 121 e 139 da sua Contestação), em cujo benefício afirmam estar a operar nos negócios (rentáveis) que efectuaram, quando adquiriram em nome pessoal e para seu uso privado, carros de alta cilindrada e casas destinadas à sua habitação pessoal que registaram como suas.

37. Assim como sabiam que o referido montante não lhes pertencia, nem tinha vindo à sua posse em resultado de negócio, acordo ou qualquer outro facto lícito que justificasse a sua utilização em proveito próprio, na medida em que conheciam a proveniência dos mesmos e a reclamação dos seus proprietários pela respetiva devolução, conforme resultou provado nos autos.

38. Se – como alega – o recorrente AA investiu o dinheiro em imóveis e no interesse de terceiros, mal se compreende que tenha feito o registo dos imóveis comprados em seu nome, sujeitando-se, por isso, ao pagamento de mais-valias em eventuais e futuras transmissões.

39. Serão, pois, no entendimento dos arguidos AA e filho CC, estes Memoranda de 2 e 3 de Julho de 2013 a razão da sua conduta temerosa e será com base no seu teor que pretenderão justificar os negócios “rentáveis” em benefício dos cidadãos chineses que efetuaram quando dividiram por contas pessoais suas (dos arguidos) a totalidade dos fundos, adquiriram em nome próprio, casas e carros de gama alta.

40. Tudo para “benefício” dos lesados a quem não contactaram (ainda que conhecessem os seus contactos), nunca viram e com quem nunca falaram, podendo fazê-lo ao menos para os informarem dos ditos “benefícios”.

41. Porém, iniciam a sua intervenção no processo judicial, em 14 de Agosto de 2014 (Volume I a fls. 343 dos autos), tendo alegado inicialmente que eram detentores de fundos com vista a um investimento em um projecto de águas (denominado de “...”), não saberem de nenhum chinês, o que é contrariado na escuta efetuada à comunicações telefónicas dos arguidos CC e BB, , afirmando que os fundos provinham de um empréstimo que lhes havia sido feito (conforme declarações de AA na conversa interceptada, às 12.00h do dia 13.03.2017, a que corresponde a sessão 116 (no apenso/alvo 89916040) que ao ser informado que os fundos já não estariam disponíveis em razão de um processo crime, afirma que o dinheiro veio lá de fora e foi-lhe emprestado.

42. Posteriormente (confrontados com as escutas) já conheciam os chineses, afinal era a favor destes que haviam adquirido casas, carros, terrenos e fundos bancários.

43. Alegam os arguidos que ao abrigo dos Memorandum de 3 e 4 de Julho de 2013, adquiriram imóveis que registaram em nome próprio para enganarem o vendedor de forma a alcançarem melhor preço e não para uso pessoal, tudo para rentabilizar os investimentos em benefício dos cidadãos chineses mas já não foram capazes de explicar a razão da escolha dos equipamentos de uma das vivendas por parte da esposa e filho do arguido AA.

44. Nem foram capazes de explicar que rentabilidade negocial pretendiam retirar da compra de carros de gama alta que usavam pessoalmente.

45. Aqui, os arguidos, na qualidade de investidores de “grande prestígio e altos conhecimentos”, explicaram que tinham necessidade de se apresentarem bem nos negócios, vulgo, precisavam de “fazer figura” junto dos parceiros de negócios.

46. Acontece que os altos negócios não passaram de um mero esbanjar de dinheiro alheio na aquisição de bens de uso pessoal.

47. E porque “dinheiro não é problema” (como alegado por AA junto do construtor civil a quem adquiriu 2 moradias por 1 milhão de euros, conforme declarações desta testemunha, os arguidos gastavam rapidamente o dinheiro para rapidamente impedirem a ligação dos lesados aos fundos, assim como impedirem ou dificultarem a conexão dos fundos aos bens que adquiriam, fazendo passar o dinheiro, previa e sucessivamente, por várias contas bancárias, em movimentos de crédito e débito entre elas, sem qualquer justificação, conforme está abundantemente demonstrado nos autos.

48. Face às provas documentais apresentadas pelos lesados, face ao seu próprio depoimento, face ao depoimento das testemunhas e, sobretudo, face às declarações dos próprios arguidos em sede de 1º interrogatório judicial e às escutas telefónicas efectuadas aos arguidos, é evidente a astuciosa intenção de rapidamente darem sumiço aos fundos dos lesados, gastando-os sem critério financeiro ou negocial, como seria próprio de investimentos criteriosos, apenas com a intenção de gozarem, enquanto era tempo, de luxos que o dinheiro (no caso 10 milhões de dólares) proporciona, sempre dirigidos a impedirem o acesso aos fundos por parte dos seus proprietários (os lesados) e furtarem-se à investigação em curso, incumprindo e impedindo conscientemente os efeitos do arresto decretado, conforme é por demais notório num dos trechos das escutas efectuadas aos arguidos CC e BB.

49. Ora, esta conduta não é a de investidores sérios e credíveis em operações em nome e no interesse de terceiros (no caso concreto, os lesados DD e EE), de quem os recorrentes AA e CC e o arguido BB sabiam ser o dinheiro.

50. Donde, a decisão de ambas as Instâncias, foi a de concluírem que os recorrentes AA e CC (e o arguido BB) decidiram dispersar os fundos, desde que a eles tiveram acesso, através de variados depósitos, através de movimentações entre diversas contas bancárias de que eram titulares e através da aquisição de bens imóveis e veículos automóveis, com a intenção de encobrirem a sua origem ilícita e de disfrutarem das respectivas vantagens económicas e não para darem cumprimento aos Memoranda sejam eles quais forem.

51. A função do STJ está para além das questões de facto, o seu elevado patamar não se situa ao nível do debate factual ou do escrutínio material da prova material ou da avaliação analítica doas actos e factos trazidos ao processo pelos diferentes actores processuais (arguidos, assistentes, peritos, etc.)

52. No que diz respeito ao excesso de condenação quanto aos bens enumerados, a decisão de perdimento a favor do Estado decretada, engloba o património incongruente que motivou os benefícios e ganhos dos arguidos por via do crime de branqueamento de capitais.

53. E a apreensão e arresto dos bens tiveram como fundamento impedir que os arguidos fizessem desaparecer a totalidade do dinheiro, como era seu objectivo, pois dos 10 milhões os arguidos lograram gastar 5 milhões, em apenas alguns meses.

54. Sendo que o património dos arguidos apresenta-se exíguo para responder pelos prejuízos dos lesados, mesmo se considerado na globalidade dos bens arrestados.

55. Os bens arestados constantes das decisões de ambas as instâncias, face à sua insuficiência, não serão capazes de responder pela totalidade dos prejuízos dos assistentes, o que, por si só, justificará a manutenção dos mesmos como garante indemnizatórios dos lesados.

56. O que dificilmente permitirá dar cumprimento à decisão confirmada pelo Tribunal da Relação de ... de modo a cumprir “A salvaguardada dos direitos indemnizatórios que venham a ser reconhecidos aos ofendidos DD e EE passará pela atribuição aos mesmos, até ao limite do dano causado, do valor dos bens arrestados, ficando o remanescente (caso remanesça alguma coisa) afeto à cobrança desses mesmos valores (a ser declarados perdidos a favor do Estado)”.(cfr. pág. 194 do Acórdão da Relação de ...).

47. Nessa conformidade bem decidiram ambas as instâncias quanto aos bens enumerados como garante dos direitos dos lesados e do perdimento a favor do estado.

Termos em que se requer encarecidamente a V. Exas. que seja decretada a improcedência do pedido formulado pelos arguidos AA e CC, rogando a confirmação do ACÓRDÃO DO TR... que confirmou a decisão do Tribunal de 1ª Instância devendo ser decretada a Dupla Conformidade das decisões arbitradas pelas instâncias, nos termos dos art. 671º, nº 3 do CPC e 400, nº 1, al f) do CPP e negado provimento ao recurso apresentado pelos arguidos, com o que V. Exas. farão a incontestável e costumada Justiça».


    2. No que concerne ao recurso do arguido BB:

«I. O arguido/recorrente BB, apresentou recurso para o Tribunal da Relação de ..., do Acórdão proferido em 1ª instância no processo 125/13...., Juiz ..., Juízo central criminal de ....

II. O dito recurso não continha conclusões, tendo o arguido/recorrente BB sido convidado a apresentar as suas conclusões de recurso de forma concisa, no prazo de 10 dias, sob pena da rejeição do recurso nos termos dos arts. 417º, n.3 e 420º, n.1, al. c), ambos do CPP.

III. O arguido/recorrente BB, apresentou uma peça processual que intitulou de “conclusões” com 339 pontos, cujo texto continha a transcrição fiel das suas motivações de recurso.

IV. Em 18 de Junho de 2020, o Tribunal da Relação de ... proferiu Acórdão decidindo não admitir o recurso do arguido/recorrente BB, com fundamento nos arts. 417º, n.3 e 420º, n.1, al.c), ambos do CPP.

V. Inconformado com a decisão, o arguido/recorrente BB, vem arguir junto do Tribunal da Relação de ... nulidades da decisão por violação dos arts. 417º, n.3 e n.6, al. b) e 420º n.1 al. c), ambos do CPP.

VI. Em 17 de Dezembro de 2020, o Tribunal da Relação de ... indeferiu a existência de quaisquer nulidades e/ou inconstitucionalidades do Acórdão de 18 de Junho de 2020, mantendo na íntegra a decisão nele proferida.

VII. Vem, ora, o arguido/recorrente BB, apresentar recurso para o Supremo Tribunal e Justiça com os mesmos fundamentos.

VIII. O arguido/recorrente BB, no presente recurso admitiu, nas suas conclusões, a abundante matéria que incluiu nas motivações do seu recurso para o Tribunal da Relação de ... (ponto 3 das conclusões de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça), e reclama uma interpretação singular do artº 417º, nº 3 do CPP, pugnando por sucessivos prazos para o aperfeiçoamento da sua peça processual.

IX. Em boa verdade, o arguido/recorrente BB defende que o Tribunal da Relação de ..., ao abrigo do art.º 417º, nº 3 CPP, deveria ter-lhe formulado dois convites, um convite para apresentar as conclusões em falta no prazo de 10 dias e, cumulativamente, face à prolixidade das conclusões apresentadas deveria ter-lhe endereçado um segundo convite para, num novo prazo de 10 dias, vir aperfeiçoar as suas conclusões.

X. Na defesa da posição que apresenta, o arguido/recorrente BB enumera doutrina e jurisprudência sobre a reformulação, esclarecimento e concisão das conclusões de recurso e o respetivo prazo de 10 dias que é concedido para o aperfeiçoamento das mesmas.

XI. Ora, na opinião dos Assistentes, a questão em apreço no presente recurso não se prende com o prazo de 10 dias concedido por lei (art.º 417, nº 3 CPP) para o aperfeiçoamento das conclusões de recurso, mas ao invés, a questão central reside em apurar se a lei admite sucessivos prazos de 10 dias para apresentação de conclusões e aperfeiçoamento das mesmas, pois que o recorrente/arguido reclama não um prazo de 10 dias, mas dois prazos de 10 dias para o efeito.

XII. Segundo o entendimento do arguido/recorrente BB, o Tribunal da Relação de ... deveria, num primeiro momento e face à inexistência de conclusões no recurso, notificá-lo para juntar as suas conclusões no prazo de 10 dias e, num segundo momento, formular-lhe novo convite para aperfeiçoar as ditas conclusões, concedendo-lhe novo prazo, igualmente de 10 dias.

XIII. Não descortinam os Assistentes em que disposição processual colhe o arguido/recorrente tal previsão ou tal interpretação.

XIV. Ora, tendo sido formulado pelo Tribunal da Relação de ... o convite ao Requerente para o aperfeiçoamento do Recurso, por este se encontrar impreciso e incompleto na ausência da formulação das respetivas conclusões, o Tribunal da Relação de ... deu cumprimento ao artigo 417, nº 3 CPP, convidando o Requerente a vir, em 10 dias, apresentar as suas Conclusões.

XV. Ocorre que BB não formulou as solicitadas conclusões, segundo os requisitos de fixação e precisão das questões a decidir, o que nos termos do artigo 412, nº 1 do CPP consubstancia a inexistência de verdadeiras Conclusões, conforme exposto pelos Assistentes na sua Resposta ao Recurso do ora Requerente que aqui se dão por reproduzidas.

XVI. Na ausência de Conclusões o Tribunal da Relação de ..., secundado pelo MP, deu como inexistentes as Conclusões, com a consequente rejeição do Recurso.

XVII. Nesta conformidade e atenta a previsão legal do artigo 412, nº 1 conjugado com o disposto no artigo 417, nº 3, ambos do CPP, cessou o direito a qualquer outra notificação processual para aperfeiçoamento do Recurso.

XVIII. A consagração legal deste entendimento previsto no artigo 417, nº 3 CPP é inequívoca.

XIX. O modelo interpretativo pretendido pelo recorrente, do citado artigo 417, nº 3 CPP, admitindo-se, por mera hipótese, levaria a que, no limite, este pudesse aperfeiçoar as suas Conclusões reiterada e permanentemente até alcançar as exigências legais, porquanto, da letra do artigo 417º, n.3 do CPP resulta apenas a necessidade do convite e não o número de vezes da sua formulação.

XX. A ser como pretendido pelo arguido/recorrente BB, estaríamos em presença de uma desproporção de direitos entre aos intervenientes processuais, com manifesta vantagem e impunidade no incumprimento dos prazos previstos na lei.

XXI. É, pois, desprovido de sentido e sem suporte processual, doutrinário ou jurisprudencial, o período dilatório adicional de mais 10 dias que o Requerente, artificiosamente, alega colher da letra da lei, para o aperfeiçoamento do seu Recurso.

XXII. De resto, o Princípio do Equilíbrio, da Igualdade de Direitos Processuais de todos os intervenientes, da Celeridade e da Utilidade recursiva, impedem tais significações, totalmente alheias à hermenêutica interpretativa da lei.

 XXIII. O Tribunal da Relação de ... deu cumprimento taxativo ao supra citado art.º 417, nº 3 do CPP, conforme decorre do seu Despacho datado de 9 de Outubro de 2019, de fls. 5930 e 5931.

XXIV. No entendimento dos Assistentes, não colhe a pretensão do arguido/recorrente ao pretender vislumbrar nulidades na interpretação literal, lógica e coerência da lei.

XXV. O arguido/recorrente faz uma errada interpretação do art.º 417, nº 3 CPP ao ignorar duas distintas situações nele previstas.

XXVI. A primeira parte do art.º 417, n.º 3 do CPP refere-se à situação do recurso incluir conclusões da motivação que carecem de aperfeiçoamento e, a segunda parte do art.º 417, n.º 3 do CPP refere-se à total ausência de conclusões da motivação de recurso.

XXVII. Não resulta desta disposição legal qualquer repetição de convites para sucessivos aperfeiçoamentos das conclusões (na ausência ou imperfeição das mesmas).

XXVIII. Invoca igualmente o arguido/recorrente BB que a rejeição do seu recurso, proferida no Acórdão de 18 de Junho 2020 por decisão colegial e não por decisão sumária, constitui nulidade processual.

XXIX. Ora, também esta pretensão do arguido/recorrente BB, não encontra fundamento legal atenta a previsão dos arts. 118º, 119º e 120º CPP.

XXX. A invocada nulidade é desprovida de sentido, pois que a decisão colegial não impede qualquer impulso ou direito processual do arguido/recorrente conforme, aliás, é patente na Reclamação e no Recurso a que o mesmo acedeu.

XXXI. O Tribunal da Relação de ... escrutinou e pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas pelo arguido/recorrente, inexistindo quaisquer vícios ou nulidades por omissão de pronúncia.

XXXII. Tendo o Tribunal da Relação de ... apreciado e fundamentado todas as questões que lhe foram apresentadas, efetuou uma correta aplicação da lei, sem omissões ou violações de quaisquer normas ou princípios jurídicos, inexistindo nulidades ou ilegalidades na apreciação da matéria em causa.

Nesta conformidade, no entendimento dos Assistentes, o recurso do arguido/recorrente BB deve improceder, todavia, V. Exas. melhor decidirão fazendo a costumada Justiça».


  A Exmª Procuradora-Geral da República junto do Tribunal da Relação de ... respondeu ao recurso interposto pelos arguidos AA e CC, pugnando pelo seu não provimento:

«Por acórdão proferido em 24 de Janeiro de 2019 no proc.° n.° 125/13...., da Comarca de ..., Juízo central criminal de ..., Juiz ..., foi decidido:

I - Parte Criminal:

- julgar a acusação parcialmente improcedente, por parcialmente não provada, e, em consequência, absolver os arguidos AA, BB e CC da prática dos 2 (dois) crimes de burla qualificada de que vinham acusados;

-julgar a acusação parcialmente improcedente, por não provada, e, em consequência, não declarar perdidos a favor do Estado os bens móveis e imóveis arrestados;

- julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condenar o arguido AA pela prática em co-autoria material de 1 (um) crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368o-Ado CP, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

- julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condenar o arguido BB pela prática em co-autoria material de 1 (um) crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368°-A do CP, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condenar o arguido CC  pela prática em co-autoria material de 1 (um) crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368°-A do CP, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

II - Parte Cível:

- julgar a acção cível enxertada parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenar os arguidos/demandados AA, BB e CC a pagar:

- aos demandantes cíveis DD e EE a quantia de USD 9 869 510,93 (nove milhões, oitocentos e sessenta e nove mil, quinhentos e dez dólares e noventa e três cêntimos), na proporção das importâncias monetárias aplicadas por cada um deles, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde o dia 04/04/2016 até integral e efectivo pagamento;

- ao demandante cível DD a quantia de 10.000,00 (dez mil) euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a presente data e até integral e efectivo pagamento;

- ao demandante cível EE a quantia de 2.000,00 (dois mil) euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a presente data e até integral e efectivo pagamento.

Não se conformando com tal acórdão, os Arguidos AA e CC, ora Recorrentes (bem como o Arguido BB), recorreram do mesmo para o Tribunal da Relação de ....

O MINISTÉRIO PÚBLICO junto da 1ª Instância interpôs recurso do referido acórdão, invocando, em suma:

- no âmbito deste processo foi determinado o arresto preventivo de bens, ao abrigo do disposto no art. 228° do CPP e foi determinado o arresto de bens ao abrigo do disposto na Lei n.° 5/2002, de 11/01;

- quanto aos bens arrestados ao abrigo do disposto no art. 228° do CPP se impunha declarar perdidos a favor do Estado os bens adquiridos com os proventos da actividade criminosa, mantendo o arresto daqueles bens que o não foram, salvaguardando que a declaração de perda desses bens a favor do Estado não poderá prejudicar os direitos dos ofendidos, nos termos do art. 110° n.° 6, do C. Penal;

- quanto aos bens cujo arresto foi determinado ao abrigo do regime especial da perda alargada, por forma a assegurar o pagamento dos montantes correspondentes ao património incongruente dos arguidos - isto é, 4.273.281,29 Euros + 4.749.943,60 USD (valor do património incongruente do arguido AA), 511.086,99 Euros (valor do património incongruente do arguido CC) e 131.536,64 Euros (valor do património incongruente do arguido BB), se impunha declarar perdidos a favor do Estado tais valores, face ao art. 12°n.° 1 da Lei n.° 5/2002, de 11/01, sem prejuízo da salvaguarda dos direitos indemnizatórios que venham a ser reconhecidos aos ofendidos;

- com a dedução da acusação, o M° P° requereu que os saldos das contas bancárias referenciadas e os artigos em ouro e gemológicos apreendidos, bem como os bens arrestados ao abrigo do art. 228° do C.P.P. e outros que entretanto viessem a ser arrestados, fossem declarados perdidos a favor do Estado até ao montante total de USD 9.869.510,94, sem prejuízo dos direitos dos lesados/ofendidos;

- após a dedução da acusação, em 15 de Novembro de 2017, o M° P° veio apresentar a liquidação do património incongruente dos arguidos AA, CC e BB e requerer a perda ampliada de bens a favor do Estado e o arresto de determinados bens para garantia do pagamento do valor correspondente àquele património;

- ora, nesta parte a 1ª Instância julgou improcedente a pretensão do M° P°, não declarando perdidos a favor do Estado os bens adquiridos com proventos obtidos através da actividade criminosa pela qual os arguidos foram condenados, violando assim o disposto no art. 110° n.° 1 ais. a) e b) do C. Penal, e não declarou o valor do património incongruente dos arguidos, que deve ser declarado perdido a favor do Estado, inobservando assim o disposto no art. 12° n.° 1, da Lei n.° 5/2002, de 11/01;

- o Ministério Público pediu, pois, a revogação nessa parte do acórdão proferido, devendo o mesmo ser substituído nessa parte por outra decisão que, sem prejuízo dos direitos dos lesados, declare perdidos a favor do Estado os bens adquiridos com proventos obtidos através da actividade criminosa pela qual os arguidos AA, CC e BB foram condenados e declare perdidos a favor do Estado os valores do património incongruente dos arguidos AA, CC e BB sendo respectivamente, 4.273.281,29 Euros + 4.749.943,60 USD (valor do património incongruente do arguido AA), 511.086,99 Euros (valor do património incongruente do arguido CC) e 131.536,64 Euros (valor do património incongruente do arguido BB).

Por acórdão proferido em 18 de Junho de 2020, o Tribunal da Relação de ... decidiu:

1. Não admitir o recurso do Arguido BB, nos termos dos arts. 417° n.° 3 e 420° n.° 1 al. c), ambos do C.P.P.;

2. Julgar improcedentes os recursos dos Arguidos AA e CC;

3. Conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, declarando perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos dos lesados, os bens adquiridos com proventos obtidos através da actividade criminosa pela qual os Arguidos AA, CC e BB foram condenados, bem como os valores do património incongruente dos Arguidos AA, CC e BB (respectivamente, 4.273.281,29 Euros + 4.749.943,60 USD; 311.086,99 Euros e 131.536,64 Euros);

Manter, no mais, a decisão recorrida.

Não se conformando com tal acórdão proferido pelo TR..., os Arguidos AA e CC, ora Recorrentes, vieram interpor o presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Das conclusões da motivação de recurso em apreço, que como é consabido delimitam o respectivo âmbito, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do Tribunal quanto a vícios da decisão recorrida e a nulidades (art. 410° n.°s 2 e 3 do CPP e Ac. do STJ n.° 7/95, publicado no DR, I Série, de 28/12/1995), extrai-se que os Recorrentes, AA e CC, pretendem a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ... quanto à matéria cível, pedindo a sua absolvição do pedido cível e a remessa dos autos aos tribunais cíveis, para reaverem os bens apreendidos e arrestados e declarados perdidos a favor do Estado.

A matéria constante das Conclusões da Motivação do recurso dos Recorrentes AA e CC, atenta a sua natureza, não nos suscita qualquer comentário.

O Ministério Público revê-se no recurso do Exm.° Magistrado do Ministério Público junto da 1a Instância e na decisão do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ..., ora recorrido, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, declarando perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos dos lesados, os bens adquiridos com proventos obtidos através da actividade criminosa pela qual os Arguidos AA, CC e BB foram condenados, bem como os valores do património incongruente dos Arguidos AA, CC e BB (respectivamente, 4.273.281,29 Euros + 4.749.943,60 USD; 311.086,99 Euros e 131.536,64 Euros) e manteve, no mais, a decisão recorrida.

No âmbito das competências do Ministério Público, acompanhamos na totalidade a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de ....

A nosso ver, o douto acórdão recorrido pronunciou-se sobre todas as questões que lhe foram submetidas, efectuando correcta interpretação e aplicação do direito, não tendo violado qualquer norma jurídica nem qualquer princípio geral de Direito.

Encontra-se muito bem fundamentado, explicitando com clareza as razões de facto e de direito em que se fundou, tendo apreciado criteriosamente toda a prova, feito correcta subsunção jurídica e aplicado penas justas e proporcionadas, bem como fixado indemnização adequada e declarado, de acordo com a lei, a perda dos bens a favor do Estado.

Sem necessidade de outras considerações, afigura-se-nos que o douto Acórdão recorrido não padece das ilegalidades que lhe são assacadas pelos Recorrentes, não merecendo qualquer censura.

Deve, pois, ser mantido o douto Acórdão proferido pelo TR..., improcedendo o recurso dos Recorrentes».

   E, de igual modo, respondeu ao recurso interposto pelo arguido BB, pugnando igualmente pelo seu não provimento e extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (transcritas):

«1 - O Recorrente, BB, vem interpor o presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça invocando violação do disposto na segunda parte do n.° 3 do art. 417° do C. de Processo Penal e bem assim violação da al. b) do n.° 6 do art. 417° do C. de Processo Penal, reforçado pelo disposto na alínea c) do n.° 1 do art. 420° do C. de Processo Penal, nulidades previstas no art. 379° n.° 3 al. c) do CPP, "vícios estes que (...) ferem a validade das decisões tomadas no acórdão recorrido".

2 - Salvo o devido respeito, entendemos que ao Recorrente não assiste razão.

3 - No recurso que interpôs do acórdão de 24 de Janeiro de 2019 proferido no Proc. n.° 125/13...., da Comarca de ..., Juízo central criminal de ..., Juiz ..., o Arguido/Recorrente BB não apresentou conclusões.

4 - Por despacho proferido pelo Sr. Desembargador Relator em 9 de Outubro de 2019, o Recorrente foi convidado a apresentar conclusões (concisas), no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de rejeição do recurso nos termos dos arts. 417.° n.° 3 e 420.° 1 al. c), ambos do C.P.P.

5 - Notificado deste despacho, o Recorrente veio apresentar a peça processual que consta de fls. 5933 a 5967, que denomina de "Conclusões", na qual numerou 339 itens.

6 - Por despacho proferido em 8 de Junho de 2020, o Sr. Desembargador Relator determinou: "(...) O arguido BB interpôs recurso, não tendo apresentado quaisquer conclusões e, após notificado sob cominação de, não as fazendo e concisas, não ser admitido o recurso, veio formular extensas conclusões que praticamente são a reprodução das motivações.

A seu tempo pronunciar-nos-emos sobre o respectivo recurso.

 (...)"

7 - Por acórdão proferido em 18 de Junho de 2020, o Tribunal da Relação de ... decidiu:

1. Não admitir o recurso do Arguido BB, nos termos dos arts. 417° n.° 3 e 420° n.° 1 al. c), ambos do C.P.P.;

2. Julgar improcedentes os recursos dos Arguidos AA e CC;

3. Conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, declarando perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos dos lesados, os bens adquiridos com proventos obtidos através da actividade criminosa pela qual os Arguidos AA, CC e BB foram condenados, bem como os valores do património incongruente dos Arguidos AA, CC e BB (respectivamente, 4.273.281,29 Euros + 4.749.943,60 USD; 311.086,99 Euros e 131.536,64 Euros);

- Manter, no mais, a decisão recorrida.

8 - Notificado do acórdão proferido, o Recorrente veio a fls. 6111 a 6114, apresentar um requerimento em que vem proceder à arguição de nulidades, invocando, em suma, violação do disposto no n.° 3 do art. 417° do C. de Processo Penal e bem assim violação da al. b) do n.° 6 do art. 417° do C.de Processo Penal, reforçado pelo disposto na alínea c) do n.° 1 do art. 420° do C. de Processo Penal, o que considera "vícios estes que (...) ferem a validade das decisões tomadas no acórdão recorrido".

9 - Salvo o devido respeito, entendemos que ao Recorrente não assiste razão,

10 - O Tribunal da Relação de ... apreciou criteriosamente todas as arguições invocadas na Reclamação apresentada pelo Arguido/Recorrente, proferindo em 17 de Dezembro de 2020 douto acórdão pelo qual indefere a existência de quaisquer nulidades e/ou inconstitucionalidades, mantendo na íntegra a decisão do Tribunal da Relação de ... de 18 de junho de 2020.

11 - 0 Recorrente veio então apresentar o presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

12 - 0 Recorrente pretende que o convite a completar ou esclarecer as conclusões apresentadas se aplica também aos casos em que, não tendo apresentado as conclusões do recurso, beneficiou então de convite para as apresentar, e nessa sequência as apresentou tão pouco claras e tão prolixas que, para poderem ser eficazes, careciam de ser esclarecidas. Ou seja, o Recorrente pretende que, para além do direito a beneficiar de um prazo de 10 dias para apresentar as conclusões que deveria ter apresentado com a motivação mas que não apresentara, lhe assistia ainda o direito a beneficiar de um novo prazo de 10 dias para aperfeiçoar as que apresentara sob convite do tribunal. E mais, pretende que o convite para esclarecer as conclusões apresentadas teria de ser efectuado por decisão sumária.

O que manifestamente não corresponde à previsão legal, pelo que não lhe assiste razão.

13 -a) A lei - art. 417° n.° 3 do CPP - é clara ao separar a situação de não apresentação de conclusões da motivação de recurso da situação de apresentação de conclusões incompletas ou pouco claras com a motivação de recurso.

Na primeira parte do n.° 3 do art. 417° do CPP, prevê-se a situação de as conclusões da motivação carecerem de aperfeiçoamento, e na segunda parte do n.° 3 do mesmo artigo 417° do CPP prevê-se a situação de a motivação de recurso não ter conclusões.

Em caso algum se determina que o convite do tribunal poderá ser repetidamente efectuado, primeiro para apresentar conclusões e depois para completar ou esclarecer as conclusões que então, na sequência daquele convite, sejam apresentadas.

Aliás, sendo como é dever do recorrente de ao recorrer apresentar conclusões da motivação, e conclusões que resumam as razões do pedido - cfr, o art. 412° n.° 1 do CPP -, tal constituiria beneficiar o incumpridor, com grave violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, e poderia até implicar, através de sucessivos convites para esclarecimento, que nunca transitassem as decisões.

Não tem, pois, razão o Recorrente, ao pretender que deveria ter sido notificado, primeiro para apresentar conclusões - concisas - e depois novamente notificado - e quiçá sucessivamente - para ir corrigindo e aperfeiçoando as peças que a esse título fosse apresentando.

b) Pretende o Recorrente que o convite para novamente vir apresentar conclusões, e mais sucintas - que já se viu que não está previsto na lei e que beneficiaria o incumpridor, com grave violação do princípio da igualdade - deveria ter sido efectuado e por decisão sumária, nos termos do art. 417° n.° 6 al. b), do CPP. Não tendo esta ocorrido, invoca nulidade, considerando ter sido ilegitimamente impedido de reclamar para a Conferência.

Ora, desde logo, não foi violada qualquer norma jurídica, pois que não existe norma que preveja a pretendida notificação para aperfeiçoamento das conclusões depois de as mesmas terem sido apresentadas só após notificação para o efeito.

Também não se vislumbra qualquer nulidade processual com a rejeição do recurso por decisão colegial, para a qual o Relator remeteu, por economia processual, tanto mais que as decisões do TR... são, por regra, colegiais.

Acresce que o facto de a rejeição do recurso do Recorrente ter sido decidida pelo douto acórdão proferido em 18/06/2020 e não por decisão sumária nunca poderia constituir nulidade por não vir cominada tal sanção (cfr. o art. 118° do CPP), nem se encontrar elencada nem no art. 119° nem no art. 120°, do CPP.

Também não se mostra preterido o direito do Recorrente de reclamar da decisão de rejeição do recurso, pois que o fez, tendo apresentado reclamação e tendo a mesma sido apreciada pelo TR... - e indeferida - no acórdão proferido em 17 de Dezembro de 2020.

14 - Pelo que inexistem as invocadas violações da lei processual penal, bem como não se verificam quaisquer das invocadas nulidades, pois que o TR... se pronunciou - e fundadamente - sobre todas as questões suscitadas.

15 - A apresentação de conclusões prolixas e que não resumem as razões do pedido, transcrevendo a motivação retirando-lhe citações doutrinais e jurisprudenciais, com supressão de alguns parágrafos, mais não sendo do que os fundamentos da motivação, não respeita o convite efectuado pelo Tribunal para apresentação de conclusões concisas e é cominada com rejeição do recurso.

16 - 0 Tribunal pronunciou-se fundadamente sobre todas as questões que deveria apreciar.

Não ocorreu qualquer violação dos artigos 417° n.° 3, 417° n.° 6 al. b) e 420° n.° 1 al. c), todos do CPP, nem de qualquer outra norma ou princípio geral, nem qualquer nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379° n.° 1 al. c), ou qualquer vício, ou inconstitucionalidade.

17- Os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de ... mostram-se bem fundamentados, tendo feito correcta interpretação e apreciação da Lei e não tendo sido violada qualquer norma jurídica ou princípio geral ou preterido qualquer direito do Arguido/Recorrente.

18 - No âmbito das competências do Ministério Público, acompanhamos na totalidade a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de ... em 18 de Junho de 2020, bem como a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de ... em 17 de Dezembro de 2020.

19-0 Ministério Público revê-se no recurso do Exm.° Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância e na decisão do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ..., que:

- não admitiu o recurso do arguido BB, nos termos dos arts. 417.° n.° 3 e 420.° n.° 1, al. c), ambos do C.P.P.;

- julgou improcedentes os recursos dos arguidos AA e CC;

- concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, declarando perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos dos lesados, os bens adquiridos com proventos obtidos através da actividade criminosa pela qual os Arguidos AA, CC e BB foram condenados, bem como os valores do património incongruente dos Arguidos AA, CC e BB (respectivamente, 4.273.281,29 Euros + 4.749.943,60 USD; 311.086,99 Euros e 131.536,64 Euros); e

- manteve, no mais, a decisão recorrida.

E revê-se também no douto acórdão proferido em 17 de Dezembro de 2020 pelo Tribunal da Relação de ..., que indeferiu as nulidades arguidas pelo Recorrente e confirmou na íntegra o douto acórdão proferido em 18 de Junho de 2020.

20 - A nosso ver, o Tribunal da Relação de ... pronunciou-se sobre todas as questões que lhe foram submetidas, efectuando correcta interpretação e aplicação do direito, não tendo violado qualquer norma jurídica nem qualquer princípio geral de Direito, não se verificando as ilegalidades que lhe são imputadas pelo Recorrente, não merecendo qualquer censura.

21- Deve, pois, improceder o recurso do Recorrente».


   II. Neste Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pugnando pela rejeição do recurso dos arguidos AA e CC e pelo provimento do recurso do arguido BB, nos seguintes termos (transcritos):

- No que respeita ao recurso do arguido BB:

«1. O arguido BB foi julgado, conjuntamente com mais dois arguidos, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, no âmbito do Proc. nº 125/13...., do Juízo central criminal de ..., Juiz ..., da Comarca de ..., tendo sido condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368º-A do Cod. Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. O arguido BB não se conformou com esta decisão e interpôs recurso para o Tribunal da Relação de ..., impugnando, designadamente, a matéria de facto dada como provada, e pugnando pela sua absolvição.

3. O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.

4. O Sr. Juiz Desembargador Relator, junto da 9ª Secção do Tribunal da Relação de ..., aquando do exame preliminar do recurso, proferiu despacho, no qual convidou o recorrente a apresentar conclusões (concisas), no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de rejeição do recurso, nos termos dos arts. 417º n° 3, e 420° n° 1, al. c), ambos do Cod. Proc. Penal – cfr. despacho de 09/10/2019.

5. O recorrente BB apresentou as respectivas conclusões, através de requerimento, que deu entrada em 24/10/2019.

6. A 9ª Secção do Tribunal da Relação de ... proferiu acórdão, no qual rejeitou o recurso interposto pelo recorrente BB, por este não ter dado cumprimento ao disposto no art. 417°, n° 3, 1ª parte, do Cod. Proc. Penal, apesar de ter sido notificado para esse efeito, com a cominação que, caso não apresentasse conclusões concisas, o recurso seria rejeitado, nos termos do art. 420°, n° 1, al. c), do Cod. Proc. Penal.

7. O recorrente BB arguiu a nulidade do acórdão, nos termos do artº 379º, nº 1, al. c), do Cod. Proc. Penal, porquanto o Sr. Juiz Desembargador Relator, após ter recebido as conclusões de recurso, deveria tê-lo convidado “a completar ou esclarecer as conclusões formuladas”, sob pena de o recurso ser rejeitado, e não o tendo feito, preteriu pronunciar-se sobre uma questão que deveria conhecer e decidir, (pois ao entender que as conclusões eram assim tão extensas que afectavam total ou parcialmente as indicações previstas, no nº 2 a nº 5, do artº 412º, deveria ter actuado nos termos do nº 6, al. b), do artº 416º, ambos do Cod. Proc. Penal).

8. A 9ª Secção do Tribunal da Relação de ... proferiu decisão, que não atendeu à arguição de nulidade suscitada pelo recorrente, do acórdão de 18/06/2020, mantendo-o na sua íntegra, por considerar não se verificar nenhuma nulidade processual – cfr. decisão de 17/12/2020.

9. O recorrente BB não se conformou com esta decisão e interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, alegando que o acórdão recorrido padece dos vícios de violação da 2ª parte, do n° 3, e de violação da al. b), do n° 6, do art.° 417º do Cod. Proc. penal, uma vez que o Sr. Juiz Desembargador Relator, sabendo que o recurso ia ser rejeitado não o convidou para aperfeiçoar as conclusões apresentadas, como se lhe impunha, sendo que estes vícios afectam a totalidade do recurso, e ferem a validade das decisões tomadas no acórdão recorrido, que deverá ser revogado.

10. O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo – cfr. decisão de 19/02/2021.

11. Os assistentes DD e EE, responderam ao recurso considerando que o mesmo deveria improceder, mantendo-se a decisão recorrida.

12. A Ilustre Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ... também respondeu ao recurso considerando que o mesmo deveria improceder.

III – Parecer

O recorrente BB alega e conclui em síntese que:

- Após ter sido convidado a apresentar conclusões (sucintas), nos termos do n° 3, do art. 417°, e do art. 420°, ambos do Cod. Proc. Penal, deu cumprimento a este despacho, e apresentou as conclusões do recurso, da forma que consta da 1ª parte, do n° 3, do citado art° 417°;

- No caso, a norma do n° 3, do art. 417° do Cod. Proc. Penal, impõe uma interpretação muito atenta, sendo inquestionável que deve ser cindida em duas partes: uma primeira, em que se estipula que "se a motivação do recurso não contiver conclusões ..., o relator convida o recorrente a apresentar ... as conclusões ..., no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ...", convite a que acedeu ao apresentar as suas conclusões tempestivamente; uma segunda, em que se estipula que, após a apresentação das conclusões, se "destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.°s 2 a 5 do art.° 412.°, o relator convida o recorrente a ... completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada".

- O Sr. Juiz Desembargador Relator, caso tivesse considerado que as conclusões apresentadas eram demasiado extensas ou não concisas, deveria tê-lo convidado a aperfeiçoar, esclarecer, ou completar as mesmas conclusões, nos termos da 2ª parte, do n° 3, do citado art.° 417° do Cod. Proc. Penal;

- O Tribunal Constitucional, através do Ac. n ° 337/2000, decidiu com força obrigatória geral no sentido de que "a falta de concisão das conclusões não é motivo de imediata rejeição do recurso, mas apenas de convite a "esclarecer" (ou melhor) a aperfeiçoar as conclusões apresentadas";

- Foi violada a 2ª parte, do n° 3, do art° 417° do Cod. Proc. Penal, uma vez que o Sr. Juiz Desembargador Relator procedeu a uma deficiente interpretação deste nº 3, conjugado com o nº 6, al. b), deste art. 417º, ao afirmar "não ter decidido a rejeição do recurso em decisão sumária nos termos do disposto na alínea b) do n° 6 do art." 417° do C. P. Penal ..., após exame preliminar, porque "teve em vista, desde logo, e por economia processual, remetê-la para uma decisão colegial", o que não lhe é permitido, face a este n° 6, impedindo-o ilegitimamente de reclamar para a conferência dos despachos proferidos pelo relator, nos termos do n° 6 e do nº 7, conforme o prescreve a noma do n° 8 deste artigo;

- O acórdão padece dos vícios de violação da 2ª parte, do n° 3, do art.° 417°, e de violação das normas ínsitas na al. b), do seu n° 6, uma vez que, sabendo que o recurso ia ser rejeitado não o convidou para aperfeiçoar as conclusões apresentadas, como se lhe impunha, o que é reforçado pela al. c), do n° 1, do art. 420°, ambos do Cod. Proc. Penal, vícios estes que afectam a totalidade do recurso, e ferem a validade das decisões tomadas no acórdão recorrido, que deverá ser revogado.

Consideramos que poderá assistir razão ao recorrente BB quando pugna pela revogação do acórdão, mas com base em fundamentos distintos daqueles que o mesmo invoca no recurso ora apresentado.

São duas as questões que o recorrente BB invoca no recurso e que cumpre apreciar:

A - Se após o convite formulado ao recorrente pelo Sr. Juiz Desembargador Relator para a apresentação de conclusões, poderia o mesmo ser novamente convidado a reformular as conclusões que apresentou;

B - Se o Sr. Juiz Desembargador Relator, ao não proferir decisão sumária de rejeição do recurso, face às conclusões apresentadas, e ao remeter o recurso para apreciação por decisão colegial, impediu o recorrente de reclamar para a conferência dos despachos proferidos, nos termos dos n° 6 al. b), e nº 7, e conforme o prescreve n° 8, do art. 417º do Cod. Proc. Penal.

Elementos com interesse para a apreciação do recurso:

- O recorrente BB foi julgado, conjuntamente com mais dois arguidos, no Proc. Comum Colectivo nº 125/13...., do Juízo central criminal de ..., Juiz ..., da Comarca de ..., tendo sido condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime de branqueamento de capitais p. p. pelo art. 368.º-A do Cod. Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- O recorrente BB não se conformou com esta decisão e interpôs recurso para o Tribunal da Relação de ..., impugnando, designadamente, a matéria de facto dada como provada, e pugnando pela sua absolvição;

- O Sr. Juiz Desembargador Relator, junto da 9ª Secção do Tribunal da Relação de ..., aquando do exame preliminar do recurso, proferiu despacho, no qual convidou o recorrente a

apresentar conclusões (concisas), no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de rejeição do recurso, nos termos dos arts. 417º, n° 3, e 420°, n° 1, al. c), ambos do Cod. Proc. Penal;

- O recorrente BB apresentou as respectivas conclusões, compostas por 339 artigos; tendo sido proferido acórdão, que rejeitou o recurso por si interposto, por não ter sido dado cumprimento ao disposto no art. 417°, n° 3, 1ª parte, do Cod. Proc. Penal, uma vez que o mesmo foi notificado para esse efeito, com a cominação que, caso não apresentasse conclusões concisas, o recurso seria rejeitado, nos termos do art. 420°, n° 1, al. c), do Cod. Proc. Penal;

- O recorrente BB arguiu a nulidade do acórdão, nos termos do artº 379º, nº 1, al. c) do Cod. Proc. Penal, porquanto o Sr. Juiz Desembargador Relator, após ter recebido as conclusões de recurso, deveria tê-lo convidado “a completar ou esclarecer as conclusões formuladas”, sob pena de o recurso ser rejeitado, e não o tendo feito, preteriu pronunciar-se sobre uma questão que deveria conhecer e decidir, (pois ao entender que as conclusões eram assim tão extensas que afectavam total ou parcialmente as indicações previstas, no nº 2 a nº 5, do artº 412º, deveria ter actuado nos termos do nº 6, al. b), do artº 417º, ambos do Cod. Proc. Penal);

- A 9ª Secção do Tribunal da Relação de ... proferiu decisão, que não atendeu à arguição de nulidade suscitada pelo recorrente, do acórdão de 18/06/2020, mantendo-o na sua íntegra, por considerar não se verificar nenhuma nulidade processual;

- O recorrente BB não se conformou com esta decisão e interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

Decisão do acórdão recorrido relativamente à arguição de nulidade apresentada pelo recorrente BB [1]:

“(…) IV – No despacho preliminar, o arguido BB foi notificado para, no prazo de 10 dias, vir aos autos apresentar conclusões, concisas, sendo certo que não constavam quaisquer conclusões do recurso interposto, conforme consta do despacho do relator de 9 de outubro de 2019, a fls. 593 e 594. No acórdão de 18 de Junho de 2020, decidiu-se, nomeadamente: O arguido veio apresentar extensas conclusões - 339 conclusões -, sendo certo que em conferência, no acórdão reclamado, se decidiu por não apreciar o recurso como tinha sido advertido o arguido, a saber, de que não apresentando conclusões (e concisas), no prazo fixado, o recurso seria rejeitado nos termos dos art.º 417.º n.º 3 e 420.º n.º1 alínea a) do C.P.Penal.

V - Veio agora o arguido BB reclamar do nosso acórdão invocando nulidades, e em suma, dizer (…)

VIII – Apreciando e Decidindo

3. Da rejeição do recurso do arguido BB. Face à inexistência de conclusões no recurso do arguido foi proferido o seguinte despacho (fls. 5930 e 5931), que se reproduz: “Nas suas alegações de recurso que o arguido/recorrente BB apresentou existe uma ausência total de "conclusões" pelo que não deu cumprimento às exigências formais e substanciais reclamadas pelo disposto no art° 412°, n.°1 do CPP, resumindo as razões do seu pedido. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451°-279 e 453°- 38, e na CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP). De acordo com orientação pacífica da doutrina e da jurisprudência, as conclusões da motivação do recurso são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado. Devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que serão objecto de decisão (vd. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág.350, Alberto dos Reis, C. P. Civil anot. V, pág.359 e Ac. do S.T.J. de 4Fev.93, na C.J. Acs. do STJ ano I, tomo 1, pág.140. Na C.J. Acs. do STJ ano I, tomo I, pág.140). O carácter sintético das conclusões é expressamente salientado pelo art.° 639.°, n° 1, do Código de Processo Civil, bem como pelo art.° 412.° n.° 1 do C.P.Penal. Como refere o Ac. do S.T.J. de 4.Fev.03, "a razão de ser da lei é, por um lado, apelar para o dever de colaboração das partes e dos seus representantes (art.° 266, do C. P. C.) a fim de tornar mais fácil, mais pronta e mais segura a tarefa de administrar a justiça, e por outro lado, fixar a delimitação objectiva do recurso, indicando concreta e precisamente as questões a decidir (art. ° 684. ° do C.P.C.)". Cabe ao recorrente cabe delimitar o objecto do recurso, delimitação que, como referimos, é feita pelas respectivas conclusões que, tal como a lei as define, deverão ser concisas (art.° 412.° n.° 1 do C.P.P.). O convite no sentido de haver lugar ao aperfeiçoamento de recurso, no caso a formulação das conclusões de recurso, é hoje uma consagração expressa na lei, após as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal (Lei n° 48/2007, de 29 de Agosto), onde se passou a prever (art° 417°, n.° 3) Assim, convida-se o recorrente a apresentar conclusões (concisas), no prazo de 10 (dez) dias nos termos acima enunciados, sob pena de rejeição do recurso nos termos dos arts. 417.° n.° 3 e 420.° n.° 1, al. c), ambos do C.P.P.” Ora, como muito bem apontaram os assistentes:

I. As conclusões que o arguido BB, vem ora apresentar, consubstanciam-se numa repetição ou aglutinação, dos extensos parágrafos da motivação por si apresentada, o que contraria o disposto nos artigos art. 412° n.º1 do CPP, implicando a inexistência de verdadeiras conclusões.

II. O arguido BB exportou repetidamente para a Conclusão, os fundamentos da motivação, não cumprindo os requisitos de fixação com precisão das questões a decidir, determinando uma utilização dilatória do Recurso.

III. O Recurso do arguido BB contem 1108 páginas e uma Conclusão com 339 artigos, ao longo de mais 57 páginas, para analisar, em síntese, duas questões que no essencial se concretizam, atento o seu Recurso, na perseguição do MP e do Tribunal ao arguido por via de uma errada investigação (que não logrou demonstrar ao longo da motivação e conclusões de Recurso) e na equivocada decisão de dar como provado o crime de branqueamento relativo a capitais no montante de 10.000.000,00 (dez milhões de dólares) pertencentes aos lesados (titularidade que o arguido nunca contesta e deu como certo ao longo dos seus requerimentos e Recurso), com a consequente utilização indevida dos fundos por parte do arguido sem qualquer conhecimento dos seus proprietários (que o arguido também nunca contrariou).

IV. Cabe à motivação enunciar os fundamentos do Recurso e às conclusões resumir as razões do pedido, sintetizando aquilo que foi enumerado, com vista à fixação das questões a decidir, realidade que não se colhe nas Conclusões apresentadas pelo arguido BB.

V. O conteúdo das Conclusões, mais não são que os fundamentos da motivação, desprovidos das citações doutrinais e jurisprudenciais, com supressão de alguns parágrafos.

VI. Em grande parte, as Conclusões apresentadas são, assim, repetições ou mera aglutinação da motivação, existindo, ainda ausência de correspondência entre a Motivação e as Conclusões, conforme a seguir se identifica e se exemplifica nos seus primeiros 200 pontos: 1. Ponto 1 e 2 das Conclusões são a decomposição do § último da página 304 da motivação. 3. Pontos 3 e 4 das Conclusões são cópia fiel do §último da página 4 da motivação. 4. Pontos 5 a 11 das Conclusões são a decomposição da página 6 da motivação. 5. Pontos 12 a 14 das Conclusões são a decomposição do §último da página 6 da motivação. 6. Pontos 15 a 18 das Conclusões são meras transcrições da página 7 e 8 da motivação. 7. Pontos 19 das Conclusões são meras transcrições da página 8 da motivação. 8. Pontos 20 a 22 das Conclusões são meras transcrições da página 8 da motivação. 9. Pontos 23 a 25 das Conclusões são meras transcrições da página 10 da motivação. 10. Pontos 15 a 18 das Conclusões são meras transcrições da página 7 e 8 da motivação. 11. Pontos 26 das Conclusões, inclui nas Conclusões factos não invocados na Motivação. 12. Ponto 27 das Conclusões transcreve o alegado na página 10 da Motivação. 13. Ponto 28 das Conclusões transcreve o alegado na página 10 da Motivação. 14. Ponto 29 e 30 das Conclusões transcrevem o alegado na página 11 da Motivação. 15.Ponto 31 das Conclusões transcreve o alegado na página 11 da Motivação. 16. Ponto 32 das Conclusões transcreve o alegado na página 12 da Motivação. 17. Ponto 33 das Conclusões transcreve o alegado na página 12 da Motivação. 18. Pontos 35 a 38 das Conclusões transcrevem o alegado na página 12 da Motivação. 19. Pontos 39 a 41 das Conclusões transcrevem o alegado na página 13 da Motivação. 20. Ponto 42 das Conclusões transcreve o alegado na página 13 da Motivação e amplia matéria não contida na motivação. 21. Pontos 43 e 44 das Conclusões transcrevem o alegado no § último da página 13 da Motivação. 22. Ponto 46 das Conclusões transcreve o alegado na página 15 da Motivação. 23. Ponto 47 das Conclusões transcreve o alegado na página 16 da Motivação. 24. Ponto 48 das Conclusões sem correspondência na Motivação, tratando-se de mera especulação em detrimento do MP. 25. Ponto 49 das Conclusões ampliação do §último de página 16 da Motivação. 26. Ponto 50 das Conclusões transcreve o alegado no 1§ da página 17 da Motivação. 27. Ponto 53 das Conclusões transcreve o alegado no 2§ da página 17 da Motivação. 28. Ponto 54 das Conclusões transcreve o alegado no §último da página 17 da Motivação. 29. Pontos 54 a 57 das Conclusões transcrevem o alegado no §último da página 17 da Motivação. 30. Ponto 58 e 59 das Conclusões transcrevem o alegado no 2§ da página 18 da Motivação. 31. Ponto 60 das Conclusões transcreve o alegado no 2§ da página 19 da Motivação. 32. Pontos 61 a 64 das Conclusões transcrevem o alegado no 2§ da página 20 da Motivação. 33. Ponto 65 das Conclusões transcreve o alegado no §último da página 18 da Motivação. 34. Ponto 66 das Conclusões transcreve o alegado no 2§ da página 20 da Motivação. 35. Pontos 67 e 68 das Conclusões transcrevem o alegado no §último da página 21 da Motivação. 36. Ponto 69 das Conclusões transcreve o alegado no §último da página 18 da Motivação. 37. Ponto 95 e 96 das Conclusões transcrevem o alegado no 1§ da página 28 da Motivação. 38. Ponto 97 e 98 das Conclusões transcrevem o alegado no 1§ da página 29 da Motivação. 39. Ponto 99 das Conclusões transcreve o alegado no 2§ da página 29 da Motivação. 40. Ponto 101 e 102 das Conclusões transcrevem o alegado no §último da página 29 da Motivação. 41. Ponto 104 das Conclusões transcreve o alegado no 21 da página 30 da Motivação. 42. Ponto 105 das Conclusões transcreve o alegado no 3§ da página 30 da Motivação. 43. Ponto 106 e 107 das Conclusões transcrevem o alegado no §último da página 30 da Motivação. 44. Ponto 108 das Conclusões transcreve o alegado no 1§ da página 31 da Motivação. 45. Ponto 109 das Conclusões transcreve o alegado no 2§ da página 31 da Motivação. 46. Pontos 110 a 112 das Conclusões transcrevem o alegado no §último da página 31 da Motivação. 47. Ponto 113 das Conclusões transcreve o alegado no 1§ da página 32 da Motivação. 48. Ponto 114 das Conclusões transcreve o alegado no 2§ da página 32 da Motivação. 49. Ponto 115 das Conclusões transcreve o alegado no 1§ da página 32 e 33 da Motivação. 50. Ponto 119 das Conclusões sem correspondência na Motivação. 51. Ponto 120 das Conclusões transcreve o alegado no 4§ da página 33 da Motivação. 52. Ponto 121 das Conclusões transcreve o alegado no 1§ da página 34 da Motivação. 53. Ponto 122 das Conclusões transcreve o alegado no 4§ da página 33 da Motivação. 54. Ponto 123 das Conclusões transcreve o alegado no 2§ da página 34 da Motivação. 55. Ponto 124 das Conclusões transcreve o alegado no §último da página 34 da Motivação. 56. Pontos 125 e 126 das Conclusões transcrevem o alegado no §último da página 34 da Motivação. 57. Pontos 127 a 129 das Conclusões transcrevem o alegado no 1° e 2°§ da página 35 da Motivação. 58. Ponto 130 das Conclusões transcreve o alegado no §último da página 35 da Motivação. 59. Ponto 131 das Conclusões transcreve o alegado no 1§ da página 36 da Motivação. 60. Pontos 132 e 133 das Conclusões transcrevem o alegado no 2§ da página 36 da Motivação. 61. Ponto 134 das Conclusões transcreve o alegado no 3§ da página 36 da Motivação. 62. Pontos 135 e 136 das Conclusões transcrevem o alegado no 4§ da página 36 da Motivação. 63. Pontos 137 e 138 das Conclusões transcrevem o alegado no §último da página 36 da Motivação. 64. Ponto 139 das Conclusões transcreve o alegado no 1§ da página 37 da Motivação. 65. Ponto 140 a 143 das Conclusões transcreve o alegado no 2§ da página 37 da Motivação. 66. Ponto 144 das Conclusões transcreve o alegado no 1§ da página 38 da Motivação. 67. Ponto 145 das Conclusões sem correspondência nas motivações. 68. Pontos 146 e 147 das Conclusões transcrevem o alegado no 3§ da página 38 da Motivação. 69. Pontos 149 a 153 das Conclusões transcrevem o alegado no 1§ da página 38 da Motivação. 70. Pontos 154 a 156 das Conclusões transcrevem o alegado no 2§ da página 40 da Motivação. 71. Ponto 157 das Conclusões transcreve o alegado no §último da página 40 da Motivação. 72. Ponto 158 das Conclusões transcreve o alegado no 1§ da página 41 da Motivação. 73. Ponto 159 das Conclusões transcreve o alegado no 2§ da página 41 da Motivação. 74. Ponto 160 das Conclusões transcreve o alegado no 3°§ da página 41 da Motivação. 75. Ponto 161 das Conclusões transcreve o alegado no 1§ da página 42 da Motivação. 76. Ponto 162 das Conclusões transcreve o alegado no § último da página 42 da Motivação 77. Ponto 164 a 166 das Conclusões transcreve o alegado no 1§ da página 43 da Motivação. 78. Pontos 167 e 168 das Conclusões transcrevem o alegado no 2§ da página 43 da Motivação. 79. Pontos 169 e 170 das Conclusões transcrevem o alegado no 3§ da página 43 da Motivação. 80. Ponto 171 das Conclusões transcreve o alegado no 3§ da página 44 da Motivação     81. Ponto 172 das Conclusões transcreve o alegado no ponto XXIX da página 44 da Motivação. 82. Ponto 173 das Conclusões transcreve o alegado no 1§ da página 44 da Motivação. 83. Pontos 174 e 177 das Conclusões transcrevem o alegado no 11 da página 45 da Motivação. 84. Ponto 178 das Conclusões transcreve o alegado no 2§ da página 45 da Motivação. 85. P onto 179 das Conclusões transcreve o alegado no §último da página 45 da Motivação. 86. Ponto 180 das Conclusões transcreve o alegado no §último da página 45 in fine da Motivação. 87. Ponto 181 das Conclusões transcreve o alegado no §último da página 46 da Motivação.     88. Ponto 189 das Conclusões transcreve o alegado no 2§ da página 48 da Motivação. 89. Ponto 190 das Conclusões transcreve o alegado no 1§ da página 48 da Motivação 90. Ponto 191 das Conclusões transcreve o alegado no 2§ da página 48 da Motivação 91. Ponto 192 das Conclusões transcreve o alegado no ponto 3 da página 48 da Motivação. 92. Ponto 193 das Conclusões transcreve o alegado no ponto 4 da página 48 da Motivação. 93. Ponto 194 das Conclusões transcreve o alegado no §último da página 48 da Motivação 94. Ponto 196 das Conclusões transcreve o alegado no 2§ da página 49 da Motivação 95. Dos pontos 197 ao 329 as Conclusões seguem o mesmo critério de transcrição da Motivações” (da resposta ao recurso do arguido BB).

Decidindo: As conclusões, em número de 339 em 57 páginas, estão longe de ser sucintas, pelo que o recorrente não deu cumprimento ao convite formulado na notificação oportunamente efectuada.

O arguido BB, apesar de notificado com essa cominação não apresentou conclusões concisas pelo que se rejeita o respectivo recurso nos termos dos arts. 417.° n.° 3 e 420.° n.° 1, al. c), ambos do C.P.P. Não se alcança que tenha sido cometida qualquer nulidade, maxime as normas dos artigos 417.º n.º 3 e a norma do n.º 6 da alínea b) do mesmo artigo, e ainda o art.º 379.º n.º 1 alínea c), nem ainda o art.º 420.º n.º 1, todos do C.P.Penal. O arguido foi notificado com essa cominação, não fazendo qualquer sentido a ponderação de uma segunda notificação para o aperfeiçoamento das conclusões. O relator, ao não ter decidido a rejeição do recurso em decisão sumária nos termos do disposto na alínea b) do n.º 6 do art.º 417.º do C.P.Penal, teve em vista, desde logo, e por economia processual, remetê-la para uma decisão colegial. Não se vislumbra qualquer nulidade processual. Não ocorreram quaisquer nulidades e/ou irregularidades (“É este o princípio da tipicidade, também designado por princípio da legalidade e da taxatividade das nulidades que o art.º 118.º n.º 1 consagra na seguinte fórmula: a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. A norma do art.º 118.º n.º 1 não permite a sua extensa analógica”, Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Verbo, 2.ª Ed, 1999, Vol. II, pag 74).

IX - Termos em que, se indefere a existência de quaisquer nulidades e/ou inconstitucionalidades, mantendo-se na íntegra a decisão desta Relação de 18 de junho de 2020 (…)”

Análise das questões suscitadas com a transcrição das normas legais aplicáveis

O art. 414º do Cod. Proc. Penal, sob a epígrafe “Admissão do recurso”, refere que:

1 - Interposto o recurso e junta a motivação ou expirado o prazo para o efeito, o juiz profere despacho e, em caso de admissão, fixa o seu efeito e regime de subida.

2 - O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não reunir as condições necessárias para recorrer, quando faltar a motivação ou, faltando as conclusões, quando o recorrente não as apresente em 10 dias após ser convidado a fazê-lo.

3 - A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior (…).

E, o art. 417º do Cod. Proc. Penal, sob a epígrafe “Exame preliminar”, refere que:

1 - Colhido o visto do Ministério Público o processo é concluso ao relator para exame preliminar.

2 - Se, na vista a que se refere o artigo anterior, o Ministério Público não se limitar a apor o seu visto, o arguido e os demais sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso são notificados para, querendo, responder no prazo de 10 dias.

3 - Se das conclusões do recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada. Se a motivação do recurso não contiver as conclusões e não tiver sido formulado o convite a que se refere o n.º 2 do artigo 414.º, o relator convida o recorrente a apresentá-las em 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado.

4 - O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação.

5 - No caso previsto no n.º 3, os sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso são notificados da apresentação de aditamento ou esclarecimento pelo recorrente, podendo responder-lhe no prazo de 10 dias.

6 - Após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que:

a) Alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso;

b) O recurso dever ser rejeitado;

c) Existir causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso; ou

d) A questão a decidir já tiver sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado.

7 - Quando o recurso não puder ser julgado por decisão sumária, o relator decide no exame preliminar:

a) Se deve manter-se o efeito que foi atribuído ao recurso;

b) Se há provas a renovar e pessoas que devam ser convocadas.

8 - Cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos n.os 6 e 7. (sublinhado nosso).

E, o art. 420º do Cod. Proc. Penal, sob a epígrafe “Rejeição do recurso”, refere que:

1 - O recurso é rejeitado sempre que:

b) Se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º; ou

c) O recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 417.º

Da análise das normas legais indicadas verifica-se estarmos perante a prolação de duas decisões, a ter lugar em fases processuais distintas, aquando da apresentação de um recurso:

- A primeira respeita à admissão do recurso, por parte do Juiz que proferiu a decisão, no caso, o Juiz de 1ª Instância;

- A segunda respeita ao exame preliminar do recurso, por parte do Sr. Juiz Desembargador Relator, a quem o recurso foi distribuído, no caso, o Sr. Juiz Desembargador junto da 9ª Secção do Tribunal da Relação de ....

Passando a apreciar a primeira questão, a mesma consiste no facto de apurar:

A - Se após o convite formulado ao recorrente pelo Sr. Juiz Desembargador Relator, para a apresentação de conclusões, poderia o mesmo ser novamente convidado a reformular as conclusões que apresentou;

O art. 414º do Cod. Proc. Penal regula a admissão de recurso por parte do Juiz que proferiu a decisão sobre a qual incide o recurso, no caso o Juiz de 1ª Instância que, caso verifique que faltam as conclusões no recurso apresentado, pode desde logo convidar o recorrente para, em 10 dias, as apresentar – cfr. a parte final do nº 2 deste preceito legal.

No caso, o Juiz da 1ª Instância admitiu o recurso [2] não obstante não constar do mesmo as respectivas conclusões, situação que foi desde logo invocada pela Ilustre Magistrada do Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de ....

E, aquando do exame preliminar do recurso, a que alude o art. 417º do Cod. Proc. Penal, o Sr.

Juiz Desembargador Relator convidou o recorrente a apresentar conclusões (concisas), no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de rejeição do recurso, nos termos dos arts. 417º, n° 3, e 420° n° 1, al. c), ambos do Cod. Proc. Penal.

Assim, entende-se que, no caso em apreço, não havia lugar a um novo convite dirigido ao recorrente BB no sentido de formular novas conclusões, tendo em conta nomeadamente que o mesmo foi alertado, na notificação que lhe foi dirigida, para apresentar conclusões concisas, sob pena de o recurso ser rejeitado.

Passando a apreciar a segunda questão a mesma consiste no facto de apurar:

B - Se o Sr. Juiz Desembargador Relator, ao não proferir decisão sumária de rejeição do recurso, face às conclusões apresentadas, e ao remeter o recurso para apreciação por decisão colegial, impediu o recorrente de reclamar para a conferência dos despachos proferidos, nos termos dos n° 6 al. b), e nº 7, e conforme o prescreve n° 8, do art. 417º do Cod. Proc. Penal.

No caso, após terem sido apresentadas as conclusões, o Sr. Juiz Desembargador, ao invés de proferir decisão sumária de rejeição do recurso, nos termos da al. b), do nº 6 do art. 417º do Cod. Proc. Penal, por questões de economia processual, remeteu para uma decisão colegial, sendo que tal decisão não impediu o recorrente de arguir a nulidade do acórdão, não se vislumbrando que tenha ocorrido qualquer nulidade e/ou irregularidade, face ao princípio da tipicidade, também designado por princípio da legalidade e da taxatividade das nulidades, consagrado no art. 118º, nº 1, do Cod. Proc. Penal.

Neste sentido, citamos parte do sumário do Ac. STJ de 05/11/2008, in Proc. nº 08P2963, acessível em www.dgsi.pt., onde se lê que [3]:

I- A regra estabelecida na al. b) do n.º 6 do art. 417.º do CPP [segundo a qual a rejeição do recurso é decidida em decisão sumária pelo relator do processado, da mesma cabendo reclamação para a conferência, nos termos do n.º 8 do mesmo artigo] mais não visa do que simplificar e agilizar o processamento do recurso, “poupando” a intervenção do colectivo de juízes.

II - Mas nada impede que a rejeição seja decidida, em primeira mão, em conferência, daí não redundando qualquer dano para a defesa, uma vez que é precisamente a reclamação para a conferência o direito que é conferido ao recorrente para impugnar a decisão sumária (…)” (sublinhado nosso).

Desta forma, entende-se que a invocada nulidade do acórdão, nos termos do art. 379º, nº 1, al. c), do Cod. Proc. Penal, não tem fundamento legal, face ao disposto nos arts. 118º e 119º, ambos do Cod. Proc. Penal, uma vez que, como já se disse, a decisão colegial não impediu que o recorrente BB arguisse a sua nulidade.

C - Caberá agora apreciar se o recorrente BB ao apresentar conclusões extensas, e não sucintas, tal como lhe foi pedido pelo Sr. Juiz Desembargador Relator, aquando do exame preliminar do recurso, poderá, por si só, ser motivo de rejeição do recurso.

Começaremos por referir que as conclusões apresentadas pelo recorrente cumpriram as exigências do art. 412º, nº 3, do Cod. Proc. Penal, especificado os pontos de facto que o recorrente considerou incorrectamente julgados, as provas que, do seu ponto de vista, imporiam decisão diversa da recorrida, as disposições legais violadas, e a medida da pena aplicada, sendo que o fez, não de uma forma resumida, mas sim de uma forma algo extensa, transcrevendo, nos artigos de conclusão, parágrafos ou parte de parágrafos do alegado na motivação, tendo o Tribunal da Relação decidido não tomar conhecimento do recurso, por considerar não ter sido cumprido o disposto na parte final, do nº 1, do citado art. 412º.

Ora, relativamente a esta questão invocamos o sumário do Ac. STJ de 15/01/2004, in Proc. nº 03P3472, acessível em www.dgsi.pt., onde se lê que “(…) A falta de concisão das conclusões (no caso, o recorrente foi convidado a sintetizá-las, mas apesar de ter correspondido ao convite, aquelas continuaram a ser consideradas prolixas) não pode fundamentar uma rejeição do recurso interposto pelo arguido da sentença condenatória. (…)” (sublinhado nosso).

No caso, não estamos perante uma situação de falta de conclusões, mas sim perante uma situação de falta de concisão de conclusões, como se infere inequivocamente do nº 1, do art. 412º, do Cod. Proc. Penal.

Como vimos, o tribunal recorrido acabou por rejeitar o recurso apresentado pelo recorrente BB relativamente à decisão proferida pela 1ª Instância, fundamentando esta rejeição no facto de este, após ter sido convidado para apresentar conclusões sucintas, apresentou conclusões extensas, e prolixas.

Coloca-se a questão de saber se uma situação de falta de concisão de conclusões deverá ou não constituir motivo de rejeição do recurso.

Vejamos:

O art. 412º, nº 1, do Cod. Proc. Penal estabelece que: “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

O recorrente BB apresentou a sua motivação de recurso e foi convidado a apresentar as respectivas conclusões, de uma forma concisa.

No caso, as alegações de recurso do recorrente BB apresentam 1108 páginas, e as conclusões apresentam 57 páginas, tendo o Tribunal da Relação de ... entendido verificar-se uma situação de falta de concisão de conclusões, e que não foi observada a injunção de concisão que tinha lhe sido dirigida, tendo rejeitado o recurso, em consequência de tal julgamento.

Ora, entende-se que o recorrente BB não se terá mostrado totalmente indiferente ao convite que lhe foi dirigido, para ser conciso nas conclusões, tendo em conta, designadamente, o número de páginas das conclusões, num total de 57, e a complexidade da matéria espelhada no número de páginas das alegações que apresentou, num total de 1108 de páginas.

E, uma vez que não existe nenhum padrão objectivo de concisão, nem nenhum padrão normativo que possa medir a concisão, designadamente pelo número de páginas, e sendo a concisão um conceito intrínseco à própria natureza das conclusões, e sendo estas uma súmula das alegações apresentadas, torna-se necessário aferir das especificidades de cada caso

Com efeito, face à ausência de critérios objectivos a adoptar para definir e para avaliar a concisão, e atendendo a que o que é conciso para uns será redutor para outros, e o que é excessivo para uns tantos poderá não o ser para outros, deverá apurar-se as concretas circunstâncias do caso, correndo-se sempre o risco de se assumir uma certa margem de subjectivismo nessa definição e avaliação.

Na verdade, na ausência de um padrão objectivo sobre os critérios a adoptar para se saber se determinadas conclusões estão dentro do que se considera como conciso, poder-se-á sempre descambar num certo arbítrio de apreciação, impedindo que um arguido condenado possa ver reapreciado o mérito da sua decisão condenatória.

No caso, é o próprio recorrente, na pessoa da sua Ilustre Mandatária, que admite ter tido alguma dificuldade em ser conciso, apesar de tal ser algo que se aprende e que se exercita, mas que terá sempre que admitir uma certa margem de tolerância no julgamento do que é conciso ou do que o não é.

Ora, o recorrente BB foi condenado pela prática de um crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368.º-A do Cod. Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, e pretende ver reapreciados os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, enunciando as provas que, do seu ponto de vista, imporiam uma decisão diversa da recorrida, questionando a medida da pena que lhe foi aplicada, e pugnando pela sua absolvição.

A decisão de rejeição do recurso, com base na inobservância da concisão das respectivas conclusões, foi resumida da seguinte forma:”(…) Decidindo: As conclusões, em número de 339 em 57 páginas, estão longe de ser sucintas, pelo que o recorrente não deu cumprimento ao convite formulado na notificação oportunamente efectuada (…)”.

Estamos perante um juízo, que necessariamente apresenta uma certa margem de subjectivismo, do qual advêm consequências que contendem com uma garantia de direito criminal, ou seja, o exercício do direito ao recurso. No caso, esta garantia foi afastada por critérios que enfermam dessa dose de subjectivismo, e que colidem com imperativos constitucionais consignados no art. 32º, nº 1, da CRP, o que justificará a adopção de um critério ad amplianda e não ad restringenda, ou seja, no caso, um critério que perspective o direito ao recurso.

Entende-se que o não conhecimento do recurso, deverá ser usado com parcimónia e moderação, utilizando-se tão-somente quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior, ou ainda, quando a síntese ordenada se não faça de todo, situação que não se verificou.

No caso, o juízo de falta de concisão determinou a rejeição de um recurso, de uma decisão condenatória, em pena de prisão de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, obstando-se à efectivação de um direito fundamental em matéria criminal, que é o direito de defesa, na sua dimensão de direito ao recurso.

Caberá também referir que o Código de Processo Penal não comina com a sanção de rejeição a falta de concisão das conclusões, uma vez que o seu art. 412º submete ao regime de rejeição as situações previstas no nº 2, cuja disciplina se tem interpretado no sentido de abranger os n.º 3 e o nº4, relativamente às conclusões da matéria de facto.

Refira-se, também, que a jurisprudência do Tribunal Constitucional, relativamente à falta ou deficiência das conclusões do recurso, e às suas consequências jurídicas, vai no sentido de não ser de rejeitar o recurso, por falta de concisão das conclusões, que não se pode equiparar à falta de conclusões, quando o arguido é o recorrente.

Aliás, no Acórdão do Tribunal Constitucional de 26/01/2000, Proc. n.º 13/97 da 2ª Secção, que, não versa matéria processual penal, escreveu-se textualmente o seguinte:

“O Tribunal Constitucional considerou já no seu Acórdão n.º 193/97 (ainda inédito) que seriam inconstitucionais os artigos 412.º n.º 1 e 420.º n.º 1 do CPP, quando interpretados no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição do recurso interposto pelo arguido. Considerou então o Tribunal que esta interpretação das normas referidas «afectava desproporcionadamente uma das dimensões do direito de defesa (o direito ao recurso) garantido pelo art. 32.º da Lei Fundamental” [4].

Ora, dada a complexidade das questões suscitadas nas alegações do recurso apresentado pelo recorrente BB entende-se que o mesmo tenha tido uma preocupação excessiva em introduzir nas conclusões o máximo de questões, dando azo à sua extensão.

Como já se disse, as conclusões apresentadas pelo recorrente BB, em 57 páginas, e com 339 artigos, poderão considerar-se algo extensas, contudo há que atender à complexidade da respectiva motivação (cujas alegações apresentam 1108 páginas), na qual o mesmo desenvolve toda uma argumentação, com referência factual, para tentar rebater as considerações feitas no acórdão recorrido, e que levaram à sua condenação em pena de prisão, sendo que tais conclusões permitem ao tribunal de recurso apreender toda a dimensão das razões invocadas para a pretendida alteração da decisão recorrida.

Assim, entende-se que as conclusões apresentadas condensam a matéria tratada no texto da motivação – cfr. Ac. STJ de 15/07/2020, in Proc. nº 415/19.0JAVRL.S1, acessível em www.dgsi.pt., onde também são invocados os Acs. STJ de 15/07/2009, in Proc. nº 103/09, de 5/12/2012, in Proc. nº 250/10.1JALR.E1.S1, de 24/01/2018, in Proc. nº 5007/14.8TDLSB.L1.S1, de 21/03/2018, in Proc. nº 49/16.1T9FNC.L1.S1, e de 08/07/2020, in Proc. nº 142/15.8PKSNT.L1.S1, e o Ac. STJ de 21/03/2018, in Proc. nº 49/16.1T9FNC.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt., sendo que o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que, só em casos extremos, é que se deverá recusar o conhecimento do objecto do recurso, quando as mesmas se revelem demasiado extensas e mui prolixas.

Face ao exposto, entende-se que a falta de concisão das conclusões relativamente ao recurso apresentado pelo recorrente BB não pode fundamentar a sua rejeição, nos termos dos arts. 417°, n° 3, e 420°, n° 1, al. c), ambos do Cod. Proc. Penal».


  - No que respeita ao recurso dos arguidos AA e CC:

«1. Os arguidos AA e CC foram julgados, conjuntamente com o arguido BB, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, no âmbito do Proc. nº 125/13...., do Juízo central criminal de ..., Juiz ..., da Comarca de ..., tendo:

- O arguido AA sido condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime de branqueamento de capitais p. p. pelo art. 368.º-A do Cod. Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

- O arguido CC sido condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime de branqueamento de capitais p. p. pelo art. 368.º-A do Cod. Penal, na pena de na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- A acção cível enxertada foi julgada parcialmente procedente, por provada, tendo:

- Os arguidos/demandados AA, BB e CC sido condenados a pagar:

- Aos demandantes cíveis DD e EE a quantia de USD 9 869 510,93 (nove milhões, oitocentos e sessenta e nove mil, quinhentos e dez dólares e noventa e três cêntimos), na proporção das importâncias monetárias aplicadas por cada um deles, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde o dia 04-04-2016 até integral e efectivo pagamento;

- Ao demandante cível DD a quantia de € 10.000 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a presente data até integral e efectivo pagamento;

- Ao demandante cível EE a quantia de € 2.000 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a presente data até integral e efectivo pagamento;

2. Os arguidos AA e CC não se conformaram com esta decisão e interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de ..., impugnando a matéria de facto dada como provada, e questionando a medida da pena que lhes foi aplicada, que consideram excessiva, entendendo não ter sido cometido nenhum crime, e não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização aos assistentes.

3. O Ministério Público junto da 1ª Instância também interpôs recurso para o Tribunal da Relação de ..., pugnando para que fossem declarados perdidos a favor do Estado os bens adquiridos com proventos obtidos através da atividade criminosa, pela qual os arguidos foram condenados, em obediência ao disposto no art. 110°, n° 1, al. a), e al. b), do Cod. Penal, pugnando também para que fosse declarado perdido a favor do Estado o valor do património incongruente dos arguidos AA, CC e BB (respetivamente: 4.273.281,296 + 4.749.943,60USD; 511.086,996 e 131.536,646), face ao disposto no art. 12°, n° 1, da Lei 5/2002, de 11/01.

4. Os recursos foram admitidos, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.

5. A Ilustre Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ... respondeu aos recursos, considerando que os recursos interpostos pelos arguidos não mereciam provimento, e o recurso interposto pelo Ministério Público deveria proceder nos seus precisos temos.

6. Os assistentes DD e EE também responderam aos recursos interpostos pelos arguidos, e pelo Ministério Público, pronunciando-se no sentido da manutenção da decisão proferida em 1ª Instância, devendo ambos os recursos ser julgados improcedentes.

7. A 9ª Secção do Tribunal da Relação de ... proferiu acórdão, no qual rejeitou os recursos interpostos pelos recorrentes AA e CC, pronunciando-se sobre o mérito da decisão proferida em 1ª Instância, quanto à parte penal, e à parte cível, tendo-a confirmado na íntegra, e concedido total provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, alterando a decisão da “perda alargada” de bens, proferida em 1ª Instância.

8. Os recorrentes AA e CC não se conformaram com esta decisão e interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, respeitante à parte cível, alegando que a questão dos contratos designados "Memorandum of Agreement” celebrados entre a Índia Energy e os assistentes, deveria ter sido discutida nos tribunais cíveis, pretendendo também reaver determinados os bens, que foram indevidamente apreendidos e arrestados, os quais não foram obtidos através de atividade criminosa, não podendo ser considerados património incongruente.

9. O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo – cfr. despacho de 20/01/2021.

10. Os assistentes DD e EE, responderam ao recurso considerando que o mesmo deveria improceder, por improcedência do pedido aí formulado, uma vez que o acórdão recorrido confirmou a decisão do Tribunal de 1ª Instância, verificando-se uma situação de dupla conformidade das decisões arbitradas pelas instâncias, nos termos do art. 671º, nº 3, do Cod. Proc. Civil, e do art. 400, nº 1, al f), do Cod. Proc. Penal.

11. A Ilustre Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ... também respondeu ao recurso considerando que o mesmo deveria improceder.

III – Parecer

Os recorrentes AA e CC alegam e concluem em síntese que:

- Os contratos celebrados entre a Índia Energy os assistentes, designados "Memorandum of Agreement", quer em Janeiro de 2014, quer em Julho de 2013, são contratos fiduciários, como tal atípicos, que se baseiam na confiança depositada pelo fiduciante no fiduciário;

- Foi dado como provado que os assistentes assinaram e aceitaram todo o teor do "Memorandum of Agreement", datado de Janeiro de 2014, contudo, o mesmo não foi analisado em 1ª Instância, o que deveria ter acontecido, uma vez que o mesmo faz referência expressa aos "Memorandum of Agreement", o que levaria a que esta matéria fosse discutida nos tribunais cíveis, por ser da sua competência exclusiva, e não dos tribunais criminais;

- O acórdão recorrido não quis reapreciar a prova, no que respeita à matéria de facto dada por provada e não provada, e decidiu revogar a decisão da Iª Instância em matéria civil, pretendendo-se com o presente recurso reaver os bens que foram indevidamente apreendidos e arrestados;

- O ouro apreendido é pertença da D. FF, que lhe foi oferecido pela sua mãe e pela sua avó há mais de 20 anos;

- Os artigos gemológicos foram adquiridos, a pouco e pouco, pelo recorrente AA, com recurso a rendimentos próprios, cuja proveniência nem sequer mereceu competente investigação, por parte de quem coordenou a investigação criminal, de forma a poder concluir pela incongruência ou congruência do seu património, e do património do recorrente CC;

- Os avós maternos do arguido recorrente CC doaram-lhe um prédio em 31/10/2011, não constituindo este uma vantagem de actividade criminosa;

- A não apresentação de IRS nos Serviços de Finanças competentes por parte dos recorrentes não é suficiente para concluir que todo e qualquer rendimento que os mesmos detenham seja de proveniência ilícita, uma vez que tal conclusão não é compaginável, nem com doações, nem com gratificações por participação em negócio lícito, e nem sempre todos os rendimentos são participados à Autoridade Tributária;

- Os veículos com as matrículas XX-QN-XX, XX-PM-XX, e XX-QX-XX, foram adquiridas de boa-fé, com os recursos provenientes de negócios lícitos, que não foram devidamente investigados, daí até terem sido absolvidos da prática dos crimes de burla;

- Estes bens devem ser separados dos restantes bens arrestados, sendo estes mais do que suficientes para pagar qualquer indemnização aos assistentes — que não é devida —, e quanto à aplicação dos recursos financeiros feita pelo recorrente AA esta teve a orientação de bancários do Millennium-BCP, valendo hoje o dobro ou o triplo daquilo que foi investido.

A- Questão Prévia – Da Admissibilidade do Recurso

Elementos com interesse para a apreciação:

- Os recorrentes AA e CC foram condenados conjuntamente com o arguido BB, no âmbito do Proc. Comum Colectivo nº 125/13...., do Juízo central criminal de ..., Juiz ..., da Comarca de ..., pela prática, em co-autoria material, de um crime de branqueamento de capitais p. p. pelo art. 368.º-A do Cod. Penal, e em sede de acção cível enxertada no processo crime, foram condenados a pagar:

- Aos demandantes cíveis DD e EE a quantia de USD 9 869 510,93 (nove milhões, oitocentos e sessenta e nove mil, quinhentos e dez dólares e noventa e três cêntimos), na proporção das importâncias monetárias aplicadas por cada um deles, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde 04/04/2016 até integral e efectivo pagamento;

- Ao demandante cível DD a quantia de € 10.000 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a presente data até integral e efectivo pagamento;

- Ao demandante cível EE a quantia de € 2.000 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a presente

data até integral e efectivo pagamento;

- Os recorrentes AA e CC interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de ..., relativamente à sua condenação pela prática, em co-autoria material, de um crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368.º-A do Cod. Penal, e relativamente à indemnização civil em que também foram condenados, impugnando a matéria de facto dada como provada, e pugnando pela sua absolvição, no tocante à parte criminal, e à parte civil;

- O Ministério Público junto da 1ª Instância também interpôs recurso para o Tribunal da Relação de ..., pugnando para que fossem declarados perdidos a favor do Estado, os bens adquiridos com proventos obtidos através da atividade criminosa, pela qual os arguidos foram condenados, em obediência ao disposto no art. 110°, n° 1, al. a) e al. b), do Cod. Penal, pugnando também para que fosse declarado perdido o valor do património incongruente dos arguidos AA, CC e BB (respetivamente: 4.273.281,296 + 4.749.943,60USD; 511.086,996 e 131.536,646), face ao disposto no art. 12°, n° 1, da Lei 5/2002, de 11/01.

- A 9ª Secção do Tribunal da Relação de ... proferiu acórdão, no qual rejeitou os recursos interpostos pelos recorrentes AA e CC tendo confirmado a decisão do Tribunal de 1ª Instância, quanto à sua condenação pela prática de um crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368.º-A do Cod. Penal, e quanto ao montante arbitrado a título de indemnização cível, devida aos assistentes, por danos patrimoniais e não patrimoniais, e concedido total provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.

- Os recorrentes AA e CC não se conformaram com esta decisão e interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça alegando que os contratos celebrados entre a Índia Energy e os assistentes, designados "Memorandum of Agreement” deveriam ter sido discutidos nos tribunais cíveis, pretendendo reaver os bens que foram indevidamente apreendidos e arrestados, os quais não foram obtidos através de atividade criminosa, não podendo ser considerados património incongruente, uma vez que os mesmos foram adquiridos através de doação, com recurso a rendimentos próprios, com recursos provenientes de negócios lícitos, e através de aplicações financeiras com a orientação de bancários do Millennium-BCP.

São duas as questões que os recorrentes AA e CC invocam no recurso:

A - A incompetência material respeitante à parte cível, uma vez que os contratos celebrados entre a Índia Energy e os assistentes, designados "Memorandum of Agreement”, deveriam ter sido discutidos e apreciados nos tribunais cíveis;

B - O ouro apreendido foi doado, os artigos gemológicos foram adquiridos com recursos próprios, os veículos com as matrículas XX-QN-XX, XX-PM-XX, e XX-QX-XX, foram adquiridos com os recursos provenientes de negócios lícitos, e a aplicação dos recursos financeiros foi feita pelo recorrente AA, na sequência de orientação de bancários do Millennium-BCP, valendo hoje o dobro ou o triplo daquilo que foi investido, sendo que todos estes bens não constituem património incongruente.

Relativamente à primeira questão cumpre referir que os factos investigados relativamente aos contratos celebrados entre a Índia Energy e os assistentes, designados "Memorandum of Agreement”, foram-no por indícios da prática de crimes de burla qualificado, sendo que o princípio da adesão enunciado no art. 71º, do Cod. Proc. Penal, não tem outro alcance que não seja a obrigatoriedade de o pedido de indemnização civil, fundado na prática de um crime, ser deduzido no processo penal respectivo, com excepção dos casos previstos no nº 1, do art. 72º do Cod. Proc. Penal.

No caso, a ação civil aderiu ao processo penal, ficando nele enxertada, e teve por objeto a indemnização de perdas e danos emergentes dos factos praticados pelos recorrentes AA e CC, e pelos quais vieram a ser condenados pela prática de um crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368.º-A do Cod. Penal.

Assim, a responsabilidade civil conhecida no âmbito do presente processo-crime não tem a ver com a responsabilidade contratual decorrente de um simples incumprimento dos vínculos contratuais, mas sim com a responsabilidade extracontratual com base em factos ilícitos, que consubstanciaram a prática de um crime, o qual foi causa de danos indemnizáveis, daí que a origem do dever de indemnizar que se conhece em processo penal é o facto ilícito e não a relação contratual, ou outra similar.

Desta forma, a responsabilidade civil imputada recorrentes AA e CC, não reveste uma natureza contratual, daí que não possa ser conhecida nem apreciada nos tribunais cíveis, mas sim nos tribunais criminais, como o foi.

Quanto à segunda questão começaremos por referir que o acórdão recorrido manteve na íntegra a decisão proferida em 1ª Instância, quanto à parte penal, e quanto à parte cível, tendo somente alterado esta decisão, na parte em que determinou declarar perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos dos lesados, os bens adquiridos com proventos obtidos através da atividade criminosa, bem como os valores do património incongruente dos arguidos AA, CC e BB (respetivamente: 4.273.281,29€+ 4.749.943,60USD; 311.086,99€ e 131.536,64€).

Estamos perante um recurso, de uma decisão proferida em processo penal, que declarou a perda alargada de bens, em consequência de uma condenação penal, por aplicação da Lei n.º 5/2002, de 11/01, na qual são estabelecidas medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, entre as quais se estabelece um “regime especial de recolha de perda de bens a favor do Estado”, quando se verifique uma situação de condenação, por um dos crimes integrantes do catálogo constante do seu art. 1º, e se aprecia a congruência entre o património do arguido e os seus rendimentos lícitos – cfr. arts. 1º e 7º.

E, relativamente a esta matéria, invoca-se o sumário do Ac. STJ de 14/03/2018, in Proc. nº 22/08.3JALRA.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt., onde se lê que “(…)

9. A doutrina e a jurisprudência têm sublinhado que a “perda alargada” não constitui uma sanção penal, pois que “a sua causa não é um facto típico, ilícito e culposo punível, mas sim um património incongruente acoplado a indícios da prática de certos crimes (a “actividade criminosa”)”; configura-se, assim, como uma medida “de natureza materialmente administrativa aplicada por ocasião de um processo penal”, que pressupõe uma condenação penal que lhe é anterior.

10. Sendo esta “perda alargada” uma sanção não penal, a sua determinação não obedece a factores relacionados com o crime que constitui o objecto do processo, designadamente a gravidade do ilícito, a gravidade da pena e o grau de participação do condenado; o respectivo procedimento inicia-se por um acto autónomo (a liquidação), com regras próprias relativas à prova. No processo criminal é enxertado um outro processo de natureza distinta – ao procedimento criminal junta-se a questão incidental relativa à aplicação de sanção administrativa.

11. A decisão que ordena a perda alargada não é uma decisão condenatória, uma decisão que aplica uma pena ou uma medida de segurança. E, não o sendo, não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, seja de recurso directo, por não se incluir na previsão das alíneas do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, seja de recurso de acórdão proferido, em recurso, pelo tribunal da Relação, que é o tribunal competente para dele conhecer (artigo 427.º), por se incluir na previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, segundo o qual não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo (…)” (sublinhado nosso).

Assim, a aplicação de uma medida sancionatória de “perda de bens a favor de Estado” assenta numa lógica de perda de vantagens, deduzidas por presunção ”com efeito não são vantagens comprovadamente obtidas pelo crime, mas sim presumidas como obtidas por actividade presumida” – cfr. José M. Damião da Cunha, “Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-financeira - A Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro de 2002”, 2017, Universidade Católica, Biblioteca de Investigação p. 40.

E, invocando novamente o Ac. STJ de 14/03/2018, in Proc. nº 22/08.3JALRA.E1.S1, aí se lê também que: “(…) A doutrina e a jurisprudência têm sublinhado que a “perda alargada” não constitui uma sanção penal, pois que “a sua causa não é um facto típico, ilícito e culposo punível, mas sim um património incongruente acoplado a indícios da prática de certos crimes (a “actividade criminosa”)”. Configura-se, assim, como uma medida “de natureza materialmente administrativa aplicada por ocasião de um processo penal”, que pressupõe uma condenação penal que lhe é anterior, como defende Pedro Caeiro (apud acórdão 392/2015 do Tribunal Constitucional, com exaustiva informação de doutrina, direito internacional e europeu e direito comparado). No mesmo sentido se pode ler no acórdão de 25.2.2015, no Proc. 1653/12.2JAPRT.P1.S1 (rel. Cons. Oliveira Mendes): “O instituto da perda de bens a favor do Estado e liquidação previstas no arts. 7.º e 8.º, da Lei 5/02, de 11-01, como sanção não penal que é, escapa, na sua determinação, a factores relacionados com o crime, designadamente a gravidade do ilícito, a gravidade da pena e o grau de participação do condenado, o respectivo procedimento é autónomo, iniciando-se por um acto autónomo (a liquidação), possuindo uma estrutura própria, pelo menos probatória, de índole radicalmente diversa da do processo principal. Do ponto de vista procedimental, estamos perante dois processo distintos, autónomos, embora umbilicalmente ligados, desencadeados pelo mesmo facto, o indício da prática de um crime de catálogo, juntos numa mesma audiência. No processo criminal, ou seja, no processo principal enxerta-se um outro processo de natureza distinta; no primeiro debate-se questão penal, no segundo questão administrativa, ou seja, ao procedimento criminal junta-se questão incidental relativa à aplicação de sanção administrativa (…)”.

Os recorrentes AA e CC interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça alegando que os contratos celebrados entre a Índia Energy e os assistentes, designados "Memorandum of Agreement” deveriam ter sido discutidos nos tribunais cíveis, e pretendem reaver os bens que foram indevidamente apreendidos e arrestados, que alegam não terem sido obtidos através de atividade criminosa, daí não poderem ser considerados património incongruente, uma vez que uns foram adquiridos através de doação, outros com recurso a rendimentos próprios, e outros com recursos provenientes de negócios lícitos, e através de aplicações financeiras com a orientação de bancários do Millennium-BCP.

Ora, para além de se considerar que o pedido cível foi decidido por tribunal com competência para esse efeito (pedido cível enxertado em processo crime), e para além de também se considerar não ser admissível recurso para este Supremo Tribunal de uma decisão de perda alargada de bens, em consequência de uma condenação penal, por aplicação da Lei n.º 5/2002, de 11/01, estamos perante um ACÓRDÃO DO TR... que confirmou na totalidade a decisão proferida na acção cível enxertada, tendo condenado os aí arguidos/demandados e ora recorrentes AA, e CC conjuntamente com o arguido BB, a pagar aos demandantes cíveis DD e EE os montantes fixados em 1ª Instância, tendo também mantido o arresto de bens.

No caso, o acórdão recorrido manteve toda a matéria de facto dada como provada, em total conformidade com a decisão proferida em 1ª Instância, manteve toda a fundamentação que a suportou, e manteve a medida da pena aplicada aos recorrentes AA, e CC, e manteve também os montantes indemnizatórios arbitrados quanto aos danos patrimoniais e morais devidos aos assistentes.

E, apesar do acórdão recorrido ter declarado a perda alargada de bens, em consequência de uma condenação penal, por aplicação da Lei nº 5/2002, de 11/01, no que à indemnização cível diz respeito, a distribuição interna da responsabilidade de cada um dos recorrentes AA, e CC manteve-se, não tendo sido comprometida a posição dos assistentes, já que a garantia patrimonial dos seus créditos não foi afectada, dando-se primazia ao seu ressarcimento, podendo executar-se qualquer um deles, ou todos eles, pela totalidade da indemnização arbitrada.

Também, a perda alargada a favor do Estado, arbitrada pelo acórdão recorrido, não alterou o conteúdo e os efeitos da decisão quanto aos recorrentes AA, e CC, tendo-lhes sido fixada, em termos quantitativos, a mesma condenação indemnizatória.

Assim, a decisão proferida pelo acórdão recorrido não apresenta qualquer “desconformidade” que possa justificar a admissão do recurso, não existindo qualquer divergência no conteúdo decisório das decisões de ambas as Instâncias, verificando-se uma situação de “dupla conforme”, sendo que o recurso “(…) não se restringe, conforme exigência do art. 400, nº2 do CPP, à apreciação da Indemnização Cível, antes se detém na qualificação de documentos, já duplamente analisados e qualificados pelo Tribunal de 1ª Instância e pelo Tribunal da Relação de ..., os quais, em directa conexão com as demais provas, convergiram para a condenação dos arguidos, quer penal quer civilmente (…), conforme bem referem os assistentes na resposta apresentada ao recurso.

Estamos perante uma situação de dupla conformidade, uma vez que o acórdão recorrido confirmou sem voto de vencido o decidido pelo Tribunal em 1ª Instância, sendo que a fundamentação é essencialmente coincidente, fundamentando a não admissibilidade de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, conforme enunciado no art. 671º, nº 3, do Cod. Proc. Civil.

Com efeito, dispõe o art. 671º, nº 3, do Cod. Proc. Civil, que : ”Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

E, para sustentar esta nossa posição, citamos o sumário do Ac. STJ de 15/12/2011, in Proc. nº 53/04.2IDAVR.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt., aí se diz que:

“I - A norma do n.º 3 do art. 721.º do CPC [5] (“Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”) é subsidiariamente aplicável aos pedidos de indemnização civil julgados em processo penal, por força do disposto no art. 4.º do CPP. No mesmo sentido decidiu o STJ nos Acs. de 22-06-2011, Proc. n.º 444/06.4TASEI, e de 29-09-2010, Proc. n.º 343/05.7TAVFN. E, mesmo que fosse de admitir o recurso, o disposto no nº 3, do art. 400º do Cod. Proc. Penal ao admitir que as decisões cíveis proferidas em processo penal são recorríveis, também vai no sentido de que destas decisões sigam o regime previsto na lei processual civil quanto ao recurso das decisões relativas à indemnização civil (CPP anotado Maia Gonçalves, 17ª ed., anotação ao nº 3 do art. 400º) (…)”.

Também, neste sentido, vide CPP Comentado de 2014, do art. 400º. 10 in fine, 1255, António Henriques Gaspar, José António Henriques dos Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António Jorge de Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires Henriques da Graça, aí se diz que: “A pretendida igualação com o regime de recursos de acção civil importa, com efeito, que os casos de inadmissibilidade previstos no artigo 721º do Código de Processo Civil na redacção do DL nº 303/2007. de 24 de Agosto, nomeadamente o de “dupla conforme”, previsto no nº 3, sejam aqui aplicáveis”.

Concluindo, tendo havido um duplo grau de jurisdição, o recurso apresentado pelos recorrentes AA, e CC do ACÓRDÃO DO TR..., relativamente à parte cível, apenas poderia ser eventualmente interposto se tivesse sido alterado o montante indemnizatório ou se tivesse havido um voto de vencido, o que não se verificou.

Face ao exposto, parece-nos que o ACÓRDÃO DO TR... é irrecorrível devendo o recurso interposto pelos recorrentes AA, e CC ser rejeitado, por ser inadmissível (arts. 432º nº 1, al. b) e 400º nº 1, al. c) e al. f), do Cod. Proc. Penal, e art. 672º, nº 3 do Cod. Proc. Civil)».


    Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, apenas os assistentes II e EE apresentaram resposta, reafirmando a posição que assumiram nas respostas que haviam oferecido aos recursos interpostos pelos três arguidos:

«QUANTO AO PARECER APRESENTADO PELO M.P. SOBRE O RECURSO DOS ARGUIDOS AA e CC

1. No que concerne ao Recurso apresentado pelos arguidos AA e CC, os assistentes subscrevem toda a fundamentação apresentada pelo Ministério Público.

2. De resto, é o que se retira da Resposta apresentada pelos assistentes DD e EE ao Recurso dos arguidos AA e CC, que aqui se dá como reproduzida para todos os efeitos legais.

3. As exposições sobre esta matéria, tanto por parte dos assistentes como por parte do Ministério Público, pugnam pela irrecorribilidade do ACÓRDÃO DO TR..., devendo o Recurso ser rejeitado pela sua inadmissibilidade, nos termos dos artigos 432º, nº 1, al. b) e 400º, nº 1, al. c) e al. f), todos do Código Processo Penal e, artigo 672º, nº 3 do Código do Processo Civil.

QUANTO AO PARECER APRESENTADO PELO M.P. SOBRE O RECURSO DO ARGUIDO BB

1. No que diz respeito ao Recurso apresentado pelo arguido BB vem o Ministério Público no seu Douto Parecer, identificar três questões a serem apreciadas:

“A – Se após convite formulado ao recorrente pelo Sr. Juiz Desembargador Relator, para a apresentação de conclusões, poderia o mesmo ser novamente convidado a reformular as conclusões que apresentou;

B – Se o Sr. Juiz Desembargador Relator, ao não proferir decisão sumária de rejeição do recurso, face às conclusões apresentadas, e ao remeter o recurso para apreciação por decisão colegial, impediu o recorrente de reclamar para a conferência dos despachos proferidos, nos termos dos nºs 6, al. b) e nº 7, e conforme o prescreve nº 8, do art. 417 do Cód. Proc. Penal;

C – Caberá agora apreciar se o recorrente BB ao apresentar conclusões extensas, e não sucintas, tal como lhe foi pedido pelo Sr. Juiz Desembargador Relator, aquando do exame preliminar do recurso, poderá, por si só, ser motivo de rejeição do recurso.”

2. Ora, conforme é reconhecido no Parecer do MP são duas, e apenas duas, as questões que o arguido BB invoca no Recurso ora em apreço e que o MP identifica como questão A e questão B.

3. A questão C trata-se de um ponto adicional que o MP analisa e integra no seu douto Parecer e sobre a qual daremos, mais à frente, a nossa opinião.

4. Cingindo-nos, de momento, às questões trazidas a discussão pelo arguido BB, temos, por um lado que o arguido requer a revogação do Acórdão da Relação de ... com fundamento na ausência de um segundo convite por parte do Sr. Juiz Desembargador Relator para reformular as conclusões que havia apresentado e, por outro, pelo facto de não ter sido proferida decisão sumária de rejeição do Recurso, face às conclusões apresentadas e ter, o Sr. Juiz Desembargador Relator, remetido o Recurso para apreciação por decisão colegial, impedindo o arguido de reclamar para a conferência dos despachos proferidos (conforme artigo 417º, nº 6, al. b), nº 7 e nº 8 do CPP.

5. Ambas estas questões foram apreciadas no Parecer do Ministério Público a que os assistentes ora respondem e cujo entendimento secundam conforme, de resto, já indicaram na sua resposta ao recurso do arguido, que aqui dão por reproduzido na sua totalidade.

6. Conclui o Ministério Público, na sua apreciação ao ponto A, supra mencionado, que:

“Assim, entende-se que, no caso em apreço, não havia lugar a um novo convite dirigido ao recorrente BB no sentido de formular novas conclusões, tendo em conta nomeadamente que o mesmo foi alertado, na notificação que lhe foi dirigida, para apresentar conclusões concisas, sob pena de o recurso ser rejeitado”

7. Este é, mutatis mutandis, o entendimento dos assistentes, já sobejamente escrutinado na Resposta que apresentaram ao Recurso interposto pelo arguido BB, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

8. Na apreciação efetuada pelo Ministério Público ao supra mencionado ponto B, resulta que: “Desta forma, entende-se que a invocada nulidade do acórdão, nos termos do art. 379º, nº 1, al. c), do Cod. Proc. Penal, não tem fundamento legal, face ao disposto nos arts. 118º e 119º, ambos do Cod. Proc. Penal, uma vez que, como já se disse, a decisão colegial não impediu que o recorrente BB arguisse a sua nulidade.”

9. Sobre esta matéria, os assistentes secundam a fundamentação do Ministério Público, nada tendo a contrapor.

10. E são estas, as identificadas questões A e B e apenas estas que constituem as matérias contidas no recurso do arguido BB, considerando os assistentes inexistir fundamento para apreciação de quaisquer outras questões não contidas no recurso a que responde.

11. Salvo melhor opinião, não caberá ao Tribunal apreciar matéria ausente da motivação e das conclusões do recurso apresentado pelo arguido BB, pois que ao Tribunal apenas está reservada a apreciação de matéria controvertida no respeito pelo Princípio do Contraditório.

12. Com o devido respeito, que é muito, não deverá haver lugar à apreciação de uma terceira questão, ausente do recurso, mas que o Ministério Público vem introduzir autonomamente, que é a de determinar se conclusões extensas e não sucintas caberão nos motivos de rejeição do recurso.

13. Ora, esta questão não consta do recurso apresentado pelo arguido BB e, por tal razão, não objeto de análise por parte de assistentes e do próprio Ministério Público, em primeira e segunda instância.

14. É convicção dos assistentes, DD e EE, que determinar uma eventual revogação do Acórdão do TR... com base numa questão lateral àquelas apresentadas pelo arguido BB, e totalmente ausentes de toda a fundamentação, viola os princípios do contraditório, do equilíbrio e, certamente, não cumprirá os requisitos da Justiça.

15. Ainda assim e, à cautela, quanto ao ponto C trazido e apreciado exclusivamente pelo Ministério Público, vêm os assistentes DD e EE, tecer os seguintes comentários.

16. Considera o MP que:

“Face ao exposto, entende-se que a falta de concisão das conclusões relativamente ao recurso apresentado pelo recorrente BB não pode fundamentar a sua rejeição, nos termos dos arts. 417, nº 3, e 420º, nº 1, al. c), ambos do Cod. Proc. Penal”.

4. Sobre este ponto os assistentes DD e EE, não perfilham, com o devido respeito, a posição do Ministério Público, conforme a seguir se expõe.

5. A tarefa de permitir uma análise célere e segura da matéria objecto do Recurso por parte dos recorrentes, é essencial para a administração da Justiça.

6. E consubstancia-se numa exigência dirigida aos recorrentes que a Lei consagrou como fundamental com a revisão do C.P.P. de 2007.

7. Com a nova previsão (prevista na Lei n. 48/2007 de 29 de Agosto) o legislador veio clarificar a velha e difícil questão em torno da dimensão e objetividade do Recurso, admitindo que aos recorrentes seja concedida uma segunda oportunidade para cumprirem os requisitos de celeridade, perspicuidade e precisão, facultando-lhes o aperfeiçoamento do recurso, nomeadamente a apresentação de conclusões concisas e claras, num prazo adicional de 10 dias para além do prazo ordinário.


8. Assim, cabe ao recorrente utilizar o benefício da extensão do prazo de recurso, para cumprir, em 10 dias, as exigências de clareza e precisão sob pena de rejeição do recurso conforme claramente determina o art. 417º, n.3 C.P.P. e art. 420º, n.1, al.c C.P.P..

9. O prazo adicional de 10 dias para formulação de conclusões claras e concisas não se destina a conceder novo prazo de recurso nem, tao pouco, a permitir aos recorrentes uma nova oportunidade de repetirem, ainda que sob a aparência de Conclusões, tudo quanto constou na letra do Recurso já apresentado, qual artifício dilatório dirigido a protelar a decisão da causa.

10. O prazo de 10 dias é tão só uma última oportunidade de melhorar, aperfeiçoar, em suma, sanar as imperfeições que inquinavam o Recurso, como são a ausência de Conclusões ou a sua extensa formulação.

11. Uma e outra, destas causas, são fundamento de rejeição do Recurso por manifesta violação dos supra referidos requisitos de clareza e síntese, por não cumprirem a pretendida celeridade e segurança na administração da Justiça.

12. A não ser de tal modo, a alteração legislativa de 2007 perderia total sentido ou conduziria a um efeito perverso de discriminação, permitindo alargar o prazo de Recurso de acordo com o interesse de cada recorrente.

13. As Conclusões do arguido BB mais não foram que uma mera repetição ou junção de extensos parágrafos da sua motivação que verdadeiramente não configuram Conclusões.

14. Conforme já exposto pelos assistentes DD e EE na Resposta ao Recurso interposto pelo arguido BB junto do TR... que dão por reproduzidas nos seus precisos termos, o Recurso estende-se exageradamente ao longo de 1108 páginas e as Conclusões contêm 339 pontos em 57 páginas com o singelo objectivo de analisar essencialmente duas questões que o arguido enumera: a perseguição do Tribunal e do MP aos arguidos por via de uma errada investigação e a equivocada decisão que deu como provado o crime de branqueamento de capitais relativo a 10 milhões de dólares pertencentes aos assistentes (titularidade admitida pelo arguido ao longo de todo o processo), com a consequente utilização indevida dos fundos por parte dos arguidos sem conhecimento ou autorização dos seus proprietários (facto que o arguido nunca contestou).

15. Com o devido respeito, é demasiado verbo para tão pouca substância.

16. Os assistentes elencaram, no ponto VI da sua Resposta ao Recurso do arguido BB, as sucessivas repetições ou ausência de correspondência entre a Motivação e as Conclusões dos primeiros 200 pontos do Recurso deste arguido, determinando a inexistência de verdadeiras conclusões que ora dão por integralmente reproduzidas.

17. O arguido BB exportou reiteradamente para as Conclusões, os fundamentos da motivação e não cumpriu as exigências de fixação com precisão, das questões a decidir, implicando uma utilização dilatória do Recurso.

18. A extensão e repetição exageradas dos fundamentos e Conclusões do Recurso apresentado pelo arguido BB, não encontram acolhimento no espírito e na letra da lei.

19. O que conduz a uma total ausência de correspondência aos princípios e fins que o legislador perfilhou expressamente no art. 412º, n.1 do C.P.P., quando determina que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas Conclusões, as quais deverão ser concisas.

20. O argumento da subjetividade na apreciação da extensão do texto do Recurso e respectivas Conclusões é, no entendimento dos assistentes, alheio ao espirito e fins perfilhados pelo legislador, no que ao Recurso e respectivas Conclusões diz respeito.

21. Pois que o carácter sintético das conclusões determinado no art. 412º, n.1 do C.P.P., tem em vista contribuir para a celeridade e segurança da justiça, proporcionando ao julgador conhecer com rigor a delimitação do Recurso que lhe permita decidir com maior precisão dentro dos limites da lei e de forma mais rápida.

22. A arte de julgar de forma célere contribui decisivamente para o exercício de justiça.

23. Naturalmente que a circunscrição das Conclusões de um Recurso, tal como a própria Motivação, não se encontram quantificadas, nem poderiam sê-lo face à individualidade de cada processo.

24. Contudo, certamente que os critérios da razoabilidade deverão estar presentes no momento em que o recorrente, na procura da apreciação do julgador, redige as suas razões e, fundamentalmente, elabora as suas Conclusões.

25. À razoabilidade a que os assistentes se referem não será alheio o contexto processual, nomeadamente a dimensão dos demais recursos e pronúncias apresentadas pelos restantes arguidos, assistentes e Ministério Público no mesmo processo.

26. Do confronto entre todos eles, retirar-se-á, sem dificuldade, que o arguido BB excedeu largamente a dimensão razoável e expectável de um Recurso de igual natureza.

27. Por outro lado, a subjetividade contida na apreciação do julgador quanto à dimensão do Recurso não é, no entendimento dos assistentes, matéria que cause perplexidade, porquanto a subjetividade é patente em todas as fases processuais em que o julgador é chamado a decidir.

28. A decisão contém, necessariamente, uma carga de subjetividade que a própria lei promove, quando requer que o juiz construa a sua convicção, nos limites da lei, de forma isenta, apreciada à luz dos valores do homem médio, equilibrada, equitativa e razoável. Enfim, justa.

29. Contudo, a lei não define esse nobre baluarte da “Justiça”. Mas exige que o julgador seja justo.

30. Ora, o juiz é justo segundo os seus critérios e dentro do seu poder discricionário.

31. Será esse poder autónomo mas equilibrado, resultante de uma análise idealmente isenta mas inevitavelmente pessoal que estimula a sua convicção e permite ao juiz decidir de forma justa.

32. Para o Tribunal da Relação de ... não foi razoável um Recurso de 1108 páginas com 339 Conclusões em 57 páginas atenta a matéria em causa e, na convicção do juiz, o dito Recurso não foi sucinto ao ponto de caber nos limites do art. 412º, n.1 do C.P.P..

I. Deste modo, o Tribunal da Relação de ... apreciou e fundamentou todas as questões que lhe foram apresentadas, efetuou uma correta aplicação da lei, sem omissões ou violações de quaisquer normas ou princípios jurídicos, inexistindo nulidades ou ilegalidades na apreciação da matéria em causa.

Nesta conformidade, no entendimento dos Assistentes, o recurso dos arguidos/recorrentes BB, AA e CC devem improceder, todavia, V. Exas. melhor decidirão fazendo a costumada Justiça».


   III. Em 22/11/2021, a Exmª Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ordenou a redistribuição destes autos, tendo os mesmos sido distribuídos ao actual relator.

  Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


   1. Recurso interposto pelos arguidos AA e CC:

  Reconhecendo a irrecorribilidade do ACÓRDÃO DO TR..., no que à parte criminal diz respeito, os arguidos, entendendo ter sido revogada por este tribunal a decisão proferida em 1ª instância em matéria cível, interpuseram este recurso “para reaverem os bens que foram indevidamente apreendidos e arrestados”.

   Porém:

   No acórdão proferido em 1ª instância foi decidido, entre o mais:

« - julgar a acção cível enxertada parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenar os arguidos/demandados AA, BB e CC a pagar:

- aos demandantes cíveis II e EE a quantia de USD 9 869 510,93 (nove milhões, oitocentos e sessenta e nove mil, quinhentos e dez dólares e noventa e três cêntimos), na proporção das importâncias monetárias aplicadas por cada um deles, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde o dia 04-04-2016 até integral e efectivo pagamento;

- ao demandante cível II a quantia de € 10 000 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a presente data até integral e efectivo pagamento;

- ao demandante cível EE a quantia de € 2 000 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a presente data até integral e efectivo pagamento».

   No mencionado acórdão foi, ainda, decidida a improcedência da pretensão formulada pelo MºPº, no sentido de serem declarados “perdidos a favor do Estado até ao montante total de USD 9.869.510,94, sem prejuízo dos direitos dos ofendidos” os bens móveis e imóveis arrestados nos autos.

    Na sequência dos recursos interpostos pelos arguidos mas, também, pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação de ... julgou improcedentes os recursos dos arguidos AA e CC, confirmando o acórdão da 1ª instância não só quanto à parte criminal como, na parte que aqui releva, quanto à parte cível (cfr. parte final do ponto X – 11, pag. 172 do acórdão); bem assim, deu provimento ao recurso do Ministério Público e declarou “perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos dos lesados, os bens adquiridos com proventos obtidos através da atividade criminosa pela qual os arguidos AA, CC e BB foram condenados, bem como os valores do património incongruente dos arguidos AA, CC e BB (respetivamente: 4.273.281,29€+ 4.749.943,60USD; 311.086,99€ e 131.536,64€)”.

   Assim sendo, a primeira conclusão a retirar é que, contrariamente àquilo que afirmam os recorrentes, o Tribunal da Relação não revogou a decisão proferida na 1ª instância, no que à parte cível diz respeito; pelo contrário, confirmou-a nos seus precisos termos.

      De outro lado, sendo embora verdade que os recorrentes suscitam a incompetência em razão da matéria do tribunal criminal para o conhecimento das questões cíveis em apreciação nestes autos, certo é igualmente que a sua pretensão última se dirige à declaração de perdimento a favor do Estado dos bens apreendidos e arrestados, determinada na parte final do acórdão recorrido, na sequência do provimento dado ao recurso que havia sido interposto pelo Ministério Público.

     Aqui chegados:

   Estatui-se no artº 400º do CPP:

«(…)

2 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

3. Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”.

Ora, como já se decidiu no Ac. STJ de 7/9/2016, Proc. 256/10.0GARMR.E1.S1, relatado pelo Exmº Conselheiro Pires da Graça, «II - O legislador ao aditar a norma do n.º 3 do art. 400.º do CPP, no sentido de que “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”, não exclui os pressupostos processuais de admissibilidade do recurso relativa à indemnização civil, que vêm condicionados por regras processuais de natureza cível, como é o caso do n.º 2 do art. 400.º do CPP, que faz depender essa admissibilidade de recurso, da interligação entre o valor da alçada e o valor da sucumbência. III - A dupla conforme do regime processual civil surge como complemento do n.º 2 do art. 400.º do CPP, como que o reverso em termos cíveis, da al. f) do n.º 1 deste artigo em termos penais».

   Com efeito – e como bem refere o Cons. Pereira Madeira, “Código de Processo Penal comentado”, 3ª ed. Revista, de Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, 1232, «Por força do disposto no artigo 4º do CPP, e uma vez que a acção civil se autonomiza dos destinos da causa penal, importa ter em conta que a admissibilidade de recurso não está condicionada apenas pelas circunstâncias do nº 2 do artigo 400º. A pretendida igualação com o regime de recursos da acção civil importa, com efeito, que os casos de inadmissibilidade previstos no artigo 721º (actual artigo 671º) do Código de Processo Civil na redacção do DL 303/2007, de 24 de Agosto, nomeadamente o de “dupla conformidade”, previsto no nº 3, sejam aqui aplicáveis».

    Estatui-se no artº 671º do CPC:

«(…)

3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte».

  Ora, como resulta claro da leitura do acórdão recorrido, o tribunal a quo confirmou, sem voto de vencido e com a mesma fundamentação (que subscreveu), a decisão proferida em matéria cível pelo tribunal de 1ª instância.

   Estamos, pois, perante uma situação clara de “dupla conforme” a determinar, em princípio, a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação, também no que concerne à matéria cível.

     Porém, o nº 3 do artº 671º do CPP exclui da inadmissibilidade de recurso aí prevista “os casos em que o recurso é sempre admissível”.

      E estes são, desde logo, os previstos no nº 2 do artº 629º do CPC:

«Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;

b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;

c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme».

E, portanto, o recurso interposto de um acórdão proferido num processo de natureza criminal, restrito ao pedido de indemnização civil, com fundamento na violação das regras de competência em razão da matéria, é sempre admissível. Neste sentido aponta Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª ed., 1049: «A ratio do nº 3 resolve também o problema da aplicabilidade do artigo 678º, nº 2 (actual artº 629º, nº 2), do CPC ao processo penal. Atenta essa ratio, assente no tratamento igualitário dos recorrentes em matéria civil dentro e fora do processo penal, o recurso interposto em processo criminal com fundamento em violação das regras da competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia ou do caso julgado, é sempre admissível em relação à decisão sobre matéria civil». Também neste sentido (e restringindo, bem, a cedência da “dupla conforme” apenas à parte cível da decisão recorrida) vai o Ac. deste STJ de 6/5/2020, Proc. n.º 4/12.0IFLSB.G2.S1, relatado pelo Exmº Conselheiro Raúl Borges: «Os casos previstos no art. 629.º, n.º 2, do CPC – nomeadamente, a questão de violação de regras de competência em razão da matéria e de caso julgado – são susceptíveis de recurso de revista (dita normal), mesmo que estejamos perante uma situação de dupla conforme. Mas a cedência da dupla conforme é privativa do processo civil, com extensão permitida e justificada ao enxerto cível. As regras enunciadas valem apenas para os processos cíveis e para os pedidos de indemnização civil incorporados no processo penal».

  Ora, como vimos, os recorrentes entendem que o conhecimento do pedido cível formulado nestes autos pelo Juízo central criminal de ... e por uma secção criminal do Tribunal da Relação de ..., importou em violação das regras da competência em razão da matéria, afirmando que o conhecimento do mesmo era da competência dos tribunais cíveis, dado que a apreciação do conteúdo dos contratos que invoca nas conclusões 1ª e 2ª seriam da “competência exclusiva destes tribunais e não dos tribunais criminais”.

            Daí a admissibilidade do recurso por eles interposto para este Supremo Tribunal de Justiça.

            Porém, como bem refere a Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, no seu – aliás douto – parecer,

«os factos investigados relativamente aos contratos celebrados entre a Índia Energy e os assistentes, designados "Memorandum of Agreement”, foram-no por indícios da prática de crimes de burla qualificado, sendo que o princípio da adesão enunciado no art. 71º, do Cod. Proc. Penal, não tem outro alcance que não seja a obrigatoriedade de o pedido de indemnização civil, fundado na prática de um crime, ser deduzido no processo penal respectivo, com excepção dos casos previstos no nº 1, do art. 72º do Cod. Proc. Penal.

No caso, a ação civil aderiu ao processo penal, ficando nele enxertada, e teve por objeto a indemnização de perdas e danos emergentes dos factos praticados pelos recorrentes AA e CC, e pelos quais vieram a ser condenados pela prática de um crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368.º-A do Cod. Penal.

Assim, a responsabilidade civil conhecida no âmbito do presente processo-crime não tem a ver com a responsabilidade contratual decorrente de um simples incumprimento dos vínculos contratuais, mas sim com a responsabilidade extracontratual com base em factos ilícitos, que consubstanciaram a prática de um crime, o qual foi causa de danos indemnizáveis, daí que a origem do dever de indemnizar que se conhece em processo penal é o facto ilícito e não a relação contratual, ou outra similar.

Desta forma, a responsabilidade civil imputada recorrentes AA e CC, não reveste uma natureza contratual, daí que não possa ser conhecida nem apreciada nos tribunais cíveis, mas sim nos tribunais criminais, como o foi».

            Na verdade, dispõe-se no artº 71º do CPP que “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”.

            Consagra-se em tal preceito o princípio da adesão obrigatória, cujos fundamentos – como se explica no AUJ nº 5/2018, de 26/9/2018, publicado no DR I Série, nº 209, de 30/10/2018 – são «o interesse de economia e celeridade processual, onde assume destaque a não prolação de decisões contraditórias (finalidade que se pretendeu assegurar através do disposto no art. 84.º, do CPP). Ou nas palavras do Tribunal Constitucional (acórdão n.º 320/2001, in www.tribunalconstitucional.pt) “é a existência de uma profunda conexão entre os dois ilícitos resultante da unidade do facto gerador, tanto da responsabilidade civil como da criminal, que justifica a apreciação no mesmo processo da questão criminal e da questão civil. Assim, o julgamento em processo penal do pedido de indemnização civil tem de implicar que se apliquem a este pedido as regras do processo penal”».

            O artº 72º do CPP estabelece os casos em que o pedido civil pode ser deduzido em separado e em nenhum deles se integra a situação dos autos, sendo certo que os recorrentes não fazem qualquer esforço argumentativo no sentido de demonstrarem o contrário, limitando-se a afirmar que a sua eventual responsabilidade é de natureza meramente contratual.

            Mas não é assim.

            O pedido cível formulado nos autos em 17/10/2017, na sequência da acusação deduzida pelo MºPº em 15/9/2017, é fundado na prática de 2 (dois) crimes de burla qualificada p. e p. pelos arts. 26.º, 109.º, 110.º, 217.º e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a), todos do CP e, também, de um crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368.º-A do CP (por cuja autoria, aliás, os arguidos viriam a ser condenados).

            Por outras palavras: a causa de pedir da acção cível enxertada neste processo penal não reside numa responsabilidade contratual dos demandados, antes na sua responsabilidade civil extracontratual emergente de facto ilícito, mais propriamente, da prática de crime.

            Porque assim é, o pedido cível devia ter sido – como foi – deduzido neste processo penal, sendo o tribunal criminal o competente para a sua apreciação, não tendo sido infringida qualquer norma de competência em razão da matéria.


            Mas, a coberto de um recurso interposto da decisão proferida em matéria cível, os recorrentes pretendem ver apreciada questão que com aquela se não confunde, qual seja, a decisão de perdimento a favor do Estado de bens que lhes foram apreendidos e arrestados, proferida pelo tribunal a quo, na sequência e em consequência do recurso interposto pelo Ministério Público do acórdão proferido em 1ª instância.

            No tribunal recorrido considerou-se fixada a seguinte matéria de facto:


«1. A firma “India Energy Acquisition Corp”, com o NIPC 711 …65, com sede em Genesis …., …, PO Box 3…, Grand Cayman, é uma sociedade off-shore, constituída nas Ilhas Caimão, sem qualquer actividade, instalações ou trabalhadores conhecidos, seja em Portugal ou seja no estrangeiro.

2. Até ao dia 10-08-2014 foi representante da sociedade “India Energy Acquisition Corp” o cidadão de nacionalidade ... HH, com o NIF português ..., sem qualquer obrigação fiscal em Portugal.

3. O cidadão de nacionalidade ... HH fez-se representar em Portugal por II.

4. Em Setembro de 2010 foram abertas duas contas bancárias - a conta n.º …….10 (em euros) e a conta n.º …….20 (em dólares norte-americanos) - no “Banif”, agência das ..., tituladas pela “India Energy Acquisition Corp”, a qual era representada pelo cidadão espanhol HH.

5. A partir de 11-08-2014, a sociedade “India Energy Acquisition Corp” passou a ser representada pelo cidadão de nacionalidade ... JJ.

6. No dia 26-11-2014, JJ, na qualidade de director e de representante da “India Energy Acquisition Corp”, constituiu seu procurador o arguido BB, a quem conferiu os poderes de representar esta sociedade, incluindo movimentar as respectivas contas bancárias, designadamente a conta n.º ......10 (em dólares norte-americanos), aberta em seu nome no “Banif – Banco Internacional do Funchal SA”, balcão das ..., ....

7. A designação “Miami International Bank Limited” refere-se a uma pretensa entidade bancária, com sede em …., …, Sation Square, Coventry, CV1 2FL, ou …. Street, Londres, W1U 6TY, Reino Unido, figurando como seus directores, designadamente, LL, KK, MM e NN.

8. No dia 16-08-2012, a FSA (FINANCIAL SERVICES AUTHORITY), congénere inglesa da CMVM, emitiu um alerta, advertindo os investidores que o “Miami International Bank Limited” não está autorizado a exercer qualquer actividade bancária ou de intermediação financeira no Reino Unido e que poderia estar a tentar captar investidores nesse país.

9. Apesar de apresentar uma página na internet como se tratando de uma instituição de crédito, não possui presença física no Reino Unido com administração e não está integrada em grupo financeiro regulamentado, tratando-se de um mero “banco de fachada”.

10. Em data anterior a 11-07-2013, em circunstâncias e locais que não foi possível apurar, um grupo de indivíduos de diversas nacionalidades, entre os quais, HH, KK (cidadão ...), GG (cidadã ... de ascendência ...) e NN (cidadão com dupla nacionalidade ... e ...), conceberam um plano fraudulento com o intuito de obter indevidamente quantias monetárias pertencentes a terceiros.

11. O mencionado plano passava pela colaboração destes indivíduos, com residências, ligações e contactos em diversos pontos do mundo, com grande capacidade de deslocação e com o recurso a instituições de crédito e financeiras localizadas em diferentes países, de molde a facilitar a ocultação das suas condutas, dificultando a acção das autoridades policiais e financeiras na sua identificação.

12. A execução deste plano assentava, fundamentalmente, na apresentação de propostas de aplicações financeiras com a promessa de elevados retornos em curto prazo, junto de empresários com reconhecido poder económico-financeiro.

13. Para isso decidiram encontrar vítimas a quem pudessem ludibriar, fazendo-os crer, como sendo genuínas e credíveis, a sociedade “India Energy Acquisition Corp” e o denominado “Miami International Bank Ltd.”.

14. Deste modo, em data anterior a 11-07-2013, na prossecução dos mencionados objectivos, GG, através de correio electrónico e por intermédio de uma pessoa conhecida em comum, contactou o assistente EE, empresário de nacionalidade ... com negócios de compra e venda de cobre, residente em ....

15. GG deu a conhecer KK ao assistente EE, apresentando-o como proprietário do denominado “Miami International Bank Ltd.” e afirmando ser titular de investimentos com elevado retorno.

16. Nesta sequência, KK, através de email, contactou o assistente EE, propondo-lhe um contrato de investimento de USD 500 000 (quinhentos mil dólares norte-americanos), numa aplicação em plataformas financeiras de investimento, com um retorno de USD 10 000 000 (dez milhões de dólares) no prazo de 15 dias, cuja operação garantida pelo denominado “Miami International Bank Ltd.”.

17. O assistente EE foi advertido pela GG que deveria guardar sigilo sobre o negócio proposto e que o investimento financeiro em fundos bancários estaria coberto por garantia bancária do “Miami International Bank Ltd.”.

18. A GG indicou ao assistente EE que o dinheiro teria de ser transferido para uma conta aberta no “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA”, titulada pela sociedade “India Energy Aquisition Corp”, uma vez que o “Miami International Bank Ltd.” não detinha conta bancária aberta nessa instituição.

19. Assegurou-lhe que a quantia seria posteriormente transferida do “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA” para uma conta do “Miami International Bank, Ltd.”.

20. O assistente EE deu a conhecer esta proposta de investimento ao seu amigo DD, empresário de nacionalidade ..., residente em ....

21. O assistente DD fundou a sociedade anónima “...” em 1989, a qual se dedica ao fabrico e à comercialização de componentes informáticos, que opera com 150 funcionários e que tem com filiais na ..., na ... e nos ....

22. É o presidente do conselho de administração desta empresa.

23. O assistente DD, através de email proveniente de KK e de GG recebeu a proposta de um investimento financeiro no montante de USD 9 500 000 (nove milhões e quinhentos mil dólares norte-americanos), em fundos do denominado “Miami International Bank, Ltd.”, mediante a promessa de um retorno de USD 200 000 (duzentos milhões de dólares norte-americanos), no prazo de 15 dias.

24. Os assistentes DD e EE não dominam a língua inglesa. 25. As comunicações de KK e GG para DD e EE e as comunicações destes para aqueles eram feitas na língua inglesa, recorrendo os assistentes à sua tradução para mandarim através do “Google translator”.

26. KK solicitou ao assistente DD que não falasse com terceiros sobre o negócio proposto, que se tratava de um investimento financeiro em fundos bancários relacionados com a reserva financeira americana e que estava coberto por uma garantia bancária concedida pelo denominado “Miami International Bank Ltd.”.

27. Não obstante o investimento não se destinar a Portugal, KK informou o assistente DD que o dinheiro teria de ser transferido para uma conta bancária aberta no “Banif”, titulada pela sociedade “India Energy Aquisition Corp”.

28. Mais indicou que posteriormente dessa conta o dinheiro seria transferido para as contas do denominado “Miami International Bank, Ltd”, com a justificação desta entidade não ter ainda conta bancária aberta no “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA”.

29. Perante as propostas que lhes foram apresentadas, os assistentes DD e EE decidiram investir os montantes de USD 9 500 000 e de USD 500 000 respectivamente, no denominado “Miami International Bank Ltd.”.

30. Através de correio electrónico, KK remeteu para o assistente DD os contratos de fls. 44 a 52 e 53 a 61 do Apenso B1, datados de 11-07-2013, em que figuram como partes “Miami International Bank Ltd.” e DD, destinados a aplicações em plataformas financeiras de investimento, nos montantes de USD 7 500 000 (sete milhões e quinhentos mil dólares) e USD 2 000 000 (dois milhões de dólares), a remeter para conta n.º ….....02/10USD, aberta no “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA” e titulada pela sociedade “India Energy Acquisition Corp.”, com o retorno prometido de USD 200 000 (duzentos milhões de dólares), correspondendo USD 150 000 (cento e cinquenta milhões de dólares) e USD 50 000 (cinquenta milhões de dólares) ao primeiro e ao segundo contratos, respectivamente.

31. O assistente DD imprimiu, assinou, digitalizou e devolveu a KK os mencionados contratos de investimento.

32. Nesta sequência, o assistente DD ordenou a transferência das quantias de USD 7 500 000 e de USD 2 000 00 da conta n.º ….....74, aberta no “HSBC” de ..., por si titulada, para a conta n.º …....02/10USD, aberta no “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA” e titulada pela “India Energy Acquisition Corp.”.

33. De igual modo através de correio electrónico, KK remeteu para o assistente EE o contrato de fls. 62 a 69 do Apenso B1, datado de 11-07-2013, em que figuram como partes “Miami International Bank Ltd.” e EE, destinado a aplicações em plataformas financeiras de investimento, no montante de USD 500 000 (quinhentos mil dólares), a remeter para conta n.º ……...02/10USD, aberta no “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA” e titulada pela sociedade “India Energy Acquisition Corp.”, com o retorno prometido de USD 10 000 (dez milhões de dólares).

34. O assistente EE imprimiu, assinou, digitalizou e devolveu a KK o mencionado contrato de investimento.

35. Nesta sequência, o assistente EE ordenou a transferência da quantia de USD 500 000 (quinhentos mil dólares) da conta n.º ........72 do “Standard Chartered Bank” de ..., por si titulada, para a conta n.º ….....02/10USD, aberta no “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA” e titulada pela “India Energy Acquisition Corp.”.

36. Deste        modo, nos       dias 11-07-2013 e 12-07-2013 a conta n.º …........77/10USD, aberta no “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA” e titulada pela “India Energy Acquisition Corp.”, recebeu transferências com origem no “Hong Kong & Shanghai Banking Corp.” (HSBC) e no “Standard Chartered Bank Hk Ltd”, no montante total de USD 10 000 000 (dez milhões de dólares norte-americanos).

37. Deste modo, os mencionados cidadãos de diversas nacionalidades, através do comportamento que adoptaram, obtiveram um benefício económico ilegítimo de USD 10 000 000, ao mesmo tempo em que causaram um prejuízo patrimonial de USD 9 500 000 ao assistente DD e um prejuízo de USD 500 000 ao assistente EE.

38. Estas operações foram acompanhadas por declarações emitidas pelo denominado “Miami International Bank Ltd.”, nas quais se indicava que seria utilizada a mencionada conta do “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA”, por indicação do director de clientes, para receber fundos no interesse daquele banco.

39. Estas declarações mostram-se assinadas por NN e por MM em nome do denominado “Miami International Bank Ltd.”, é indicado como director de clientes KK e como presidente LL.

40. Com data de 11-07-2013 foram elaborados os denominados “Engagement Agreement Investors - Authorized Trustee”, nos quais KK surge na qualidade de “trustee” e declara que o dinheiro se destinava a investimentos e a aquisições, entre os quais a aquisição do “Miami International Bank Ltd.” e que estas operações eram intermediadas pela “India Energy Acquisition Corp.”, enquanto “facilitator”.

41. Contrariamente ao acordado com os assistentes DD e EE, o representante da sociedade “India Energy Acquisition Corp.”, junto do “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA”, apresentou como justificativo para as mencionadas transferências a “intermediação para a aquisição do Miami International Bank Ltd.” .

42. Com data de 12-07-2013, sem qualquer logótipo, foi elaborado o denominado Contrato Internacional”, no qual se refere que KK e LL declaram comprar o capital do denominado “Miami International Bank Ltd.”, pelo preço de € 1 500 000 (um milhão e quinhentos mil euros).

43. NN, apesar de figurar como accionista vendedor da participação no “Miami International Bank Ltd.”, veio a receber apenas um pagamento de € 100 059,10€, para uma conta na …., com a referência “comissões de intermediação financeira”.

44. Por despacho judicial proferido nestes autos no dia de 25-07-2013, foi determinada “(…) a suspensão de todas as operações a débito pretendidas realizar sobre as contas domiciliadas junto do BANIF em nome da INDIA ENERGY ACQUISITION CORP e onde figure como autorizado o cidadão espanhol HH, com os n.ºs ….....10 e n.º ….....20, bem como qualquer conta naquele Banco onde figure o mesmo autorizado, medida a vigorar até 23.10.2013 (…)”.

45. Decorrido o prazo de 30 (trinta) dias previsto nos acordos de depósito em plataformas de investimentos, os ofendidos DD e EE não receberem o retorno financeiro das quantias monetárias que tinham supostamente investido.

46. De seguida, o assistente EE contactou com GG, via “Skype” e ficou agendada uma reunião para o dia 19-08-2013 em ... (…..).

47. Nessa reunião, o assistente KKKK Li solicitou a GG e a KK a devolução do dinheiro supostamente investido.

48. No dia 18-12-2013, HH remeteu um e-mail a GG, que o reencaminhou para o assistente DD, no qual aquele transmitiu o seguinte: “(…) o Banco Central de Portugal já solicitou a documentação necessária para desbloquear os fundos (…)”, “(…) bloquearam-me todas as contas no Banif desde que chegaram as transferências que enviaram, uma tendo a ... e NN como beneficiários e a outra que chegou sem as necessárias autorizações (…)” e “(…) vejo-me na obrigação de solicitar ajudar económica ao Sr. DD e Sr. EE, esta ajuda é para poder finalizar o quanto antes o problema que nos preocupa, com 15 000 dólares será suficiente (…)”, indicando, de seguida, que a transferência bancária deve ser efectuada para uma conta titulada pela “Termolisi Tractaments SL” na “Banca Privada D’Andorra”.

49. Perante esta solicitação, com o intuito de obter o desbloqueio dos fundos supostamente investidos, o assistente DD efectuou a transferência da quantia pedida de USD 15 000 dólares, a qual foi recepcionada por HH.

50. Posteriormente, através de correio electrónico, HH remeteu aos assistentes DD e EE o denominado “memorando de acordo” de fls. 1266 a 1271 deste processo, datado de 13-01-2014.

51. Nesse documento figuram como partes o assistente DD e a sociedade “India Energy Acquisition Corp”, representada HH, tendo ficado acordado que as partes aceitam “(…) cooperar de todas as formas possíveis para libertar os fundos, com vista a investir em vários projectos para claro benefício mútuo (…)” e que “(…) uma vez liberados os fundos, serão transferidos para a conta comercial da Nordic Financial Trust Kb, sendo celebrado um acordo anexo ao presente memorando de acordo entre as seguintes partes: WMY, Trading Desk e Nordic Financial Trust Kb, representado pelo Sr. OO, especificando os termos e condições do negócio (…)”.

51. O assistente DD imprimiu, assinou, digitalizou e devolveu o referido “memorando de acordo”, também através de correio electrónico.

52. Mais uma vez, os emails foram trocados em língua inglesa, recorrendo os assistentes DD e EE à aplicação informática “google translator” para proceder à respectiva tradução de inglês para mandarim.

53. Por duas vezes, no decurso dos meses de Outubro de 2013 e de Junho de 2014, o assistente EE acompanhou a cidadã de ascendência chinesa GG ao do “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA”, agência das ..., nesta cidade de ..., com o intuito de apurar o estado da conta da “India Energy Acquisition Corp.”.

54. A medida judicial de suspensão de todas as operações a débito sobre as contas domiciliadas junto do “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA”, em nome da “India Energy Acquisition Corp.” e onde figure como autorizado o cidadão espanhol HH, com os n.ºs .......10 e n.º ........20, foi renovada nos dias 22-10-2013, 17-01-2014, 23-04-2014, 18-07-2014, 22-10-2014, 18-12-2014, 23-01-2015, 22-04-2015 e 20-07-2015 conforme despachos judiciais de fls. 134 a 136, 174 a176, 305 a 306, 335 a 337, 507 a 508, 554 a 556, 583 a 584, 824 a 825 e 856, respectivamente.

55. Por despacho judicial de fls. 908 a 910, proferido no dia 21-10-2015, foi decidido não autorizar a prorrogação da suspensão de operações nas contas n.ºs .......10 e …....20 e determinou a sua caducidade a partir de 23-10-2015.

56. No dia ...-11-2015, o arguido BB dirigiu-se ao “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA”, agência das ..., nesta cidade de ..., onde se apresentou como procurador do cidadão espanhol JJ e exibiu a procuração que lhe fora outorgada de fls. 967 a 972.

57. Por seu turno, no dia 1...11-2015, o arguido BB solicitou, por escrito, ao “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA”, a conversão do valor existente na conta em dólares para o respectivo contravalor em euros.

58. No dia ...-03-2016, transitou em julgado o ACÓRDÃO DO TR... de fls. 1291 a 1307, proferido no dia 16-02-2016, que julgou improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público e que, por consequência, confirmou o despacho datado de 21-10-2015 que decidiu não autorizar a prorrogação da suspensão de operações bancárias a débito nas contas n.ºs ......10 e .......20

59. No dia ...-03-2016, o arguido BB dirigiu-se à agência das ... do banco “Santander Totta” (ex-Banif) e, munido da certidão de trânsito em julgado da referida decisão judicial, deu instruções para transferir os USD 9 869 510,93 para a conta titulada pelo arguido AA com o .........40 no “Montepio Geral”, com a finalidade de “investimento”.

60. Isto não obstante HH ter acordado com o assistente DD em depositar esse dinheiro na conta do “Nordic Financial Trust KB”, a partir do momento em que fossem desbloqueados os fundos existentes na conta do “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA”, aberta em nome da “India Energy Acquisition Corp.”.

61. Esta transferência acabou por ser recusada pelo “Montepio Geral” por entender tratar-se de “movimentação desadequada”, considerando a “natureza e finalidade da relação do negócio subjacente à transferência”.

62. No dia ...-03-2016, o arguido BB dirigiu-se de novo à agência das ... do “Santander Totta” (ex-Banif) e munido da certidão de trânsito em julgado da mencionada decisão judicial, deu instruções para transferir os USD 9 869 510,93 da conta n.º ........21 do “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA”, aberta em nome da “India Energy Acquisition Corp.”, para a conta n.º …......42 (conta em USD) do “Deutsche Bank”, titulada pelo arguido AA, com o justificativo de se destinar a “investimento”.

63. No dia ...-04-2016, a quantia de USD 9 869 510,93 (nove milhões oitocentos e sessenta e nove mil, quinhentos e dez dólares e noventa e três cêntimos) ficou disponível na conta n.º ….......42 (conta em USD) do “Deutsche Bank”, aberta no dia 29-03-2016 e titulada pelo arguido AA.

64. A partir do momento em que passaram a dispor desta quantia monetária, os arguidos AA, CC e BB decidiram dispersá-la através de diversos depósitos, através de movimentações entre diversas contas bancárias de que eram titulares e através da aquisição de bens imóveis e veículos automóveis, com o intuito de ocultarem a sua proveniência ilícita e de disfrutarem das inerentes vantagens económicas.

65. Para o efeito, decidiram proceder à abertura de contas bancárias em nome dos arguidos AA e CC em diversas instituições financeiras, por forma a melhor conseguirem os seus intentos de camuflar a origem ilícita desta verba, que sabiam ter sido obtida de forma fraudulenta, pela viciação da vontade dos assistentes DD e EE e à custa do seu património.

66. Assim, no dia ...-06-2015, o arguido AA abriu na agência de ..... do “Deutsche Bank” a conta singular com o NIB ..........57, com o depósito de € 250, indicando com actividade profissional director de operações financeiras e como entidade patronal a empresa “Prime Trading Int. Group”.

67. No dia ...-11-2015, o arguido AA abriu na agência de ..... do “Montepio Geral” a conta singular com o NIB .........40, indicando com actividade profissional director financeiro e como entidade patronal a empresa “Prime International Trading Group Ltd”, sedeada em Hong Kong.

68. No dia ...-03-2016, o arguido AA abriu na agência de ... do “Deutsche Bank” a conta em dólares americanos n.º ...........42.

69. Por seu turno, no dia 1... 4-2016, o arguido AA abriu na agência de ... do banco “Millennium BCP”, a conta singular com o n.º .......34, indicando com actividade profissional director financeiro e como entidade patronal a sociedade “Prime International Trading Group Ltd”.

70. Por último, no dia 0...07-2016, o arguido AA abriu na agência de ..... do “Banco Popular” a conta singular com o NIB .......73, indicando com actividade profissional director geral e como entidade patronal a sociedade “Prime International Trading Group Ltd”.

71. No dia ...-04-2016, o arguido AA ordenou a transferência da quantia de USD 2 829 998 de dólares da conta do “Deutsche Bank” com o n.º …......42, por si titulada, para a conta também do “Deutsche Bank” com o n.º …....57, equivalente a € 2 463 061,02, também titulada por si.

72. Esta conta com n.º …....57 do “Deutsche Bank”, titulada pelo arguido AA, tinha como único movimento o mencionado depósito de € 250 (duzentos e cinquenta euros), realizado no dia 30-06-2015.

73. A partir do dia ...-04-2016, foram efectuados na conta bancária com o n.º .......57 da referida instituição, titulada pelo arguido AA e por determinação deste, os seguintes movimentos:

- no dia ...-04-2016, crédito da quantia de € 2 463 061,02 proveniente da conta em dólares acima identificada;

- no dia ...-04-2016, transferência no valor de € 250 000 para a conta n.º .......40 do “Montepio Geral” titulada pelo arguido AA, com a justificação de “pagamento de impostos”;

- no dia ...-04-2016, débito de € 1 000 000, através da emissão do cheque bancário n.º ….....60 a favor da empresa “O…… & B…., Lda.”, destinado ao pagamento do preço de duas moradias, conforme abaixo explanado;

- no dia ...-04-2016, transferência do montante de € 200 000 entre contas tituladas pelo mesmo arguido AA;

- no dia ...-04-2016, débito de € 500 000, através de transferência bancária para conta com o n.º .........05 do “BCP Millennium”, também titulada pelo arguido AA;

- no dia ...-05-2016, débito de € 500 000, através de transferência para a conta com o n.º …......43 do “Deutsche Bank”, titulada pelo arguido CC;

- no dia ...-05-2016, débito de € 1 709 720,27, através de transferência para conta titulada pelo arguido AA;

- no dia ...-05-2016, débito de € 250 000, através de transferência para a conta com o n.º ….....05 da instituição bancária “Millennium BCP”, titulada pelo arguido AA;

- no dia ...-06-2016, débito de € 250 000, através de pagamento de cheque;

- no dia ...-06-2016, débito de € 10 000,00, através de pagamento de cheque;

- no dia ...-06-2016, débito de € 35 000,00, através de transferência a favor do arguido CC;

- no dia ...-06-2016, débito de € 150 000, através de pagamento de cheque;

- no dia ...-07-2016, débitos de € 7 770,75 (pagamento de cheque), de € 25 300 (pagamento de cheque à massa insolvente da firma “... – Sociedade de Construções”) e de € 200 000 (pagamento de cheque);

- no dia ...-07-2016, débito de € 100 000, pagamento de cheque;

- no dia ....-07-2016, débito de € 76 417,35, pagamento de cheque à “.....”;

- no dia ...-08-2016, débito de € 250 000,00, pagamento de cheque;

- no dia ...-08-2016, crédito de € 500 000, através de transferência bancária do arguido CC;

- no dia ... .09.2016, débito de € 95 000, pagamento de cheque.

74. Por sua vez, na conta aberta em dólares norte-americanos com o n.º .........42, do “Deutsche Bank”, também titulada pelo arguido AA, desde a sua abertura, foram realizados os seguintes movimentos:

- no dia ... .04.2016, crédito de USD 9 830 000, transferência proveniente da conta com o n.º ….……10 do “Banif” (actual banco “Santander Totta”), titulada pela sociedade “India Energy Acquisition Corp. “;

- no dia ...-04-2016, débito de USD 2 829 998, transferência para a conta titulada pelo arguido AA;

- no dia ...-05-2016, débito de USD 2 000 000,00, transferência para a conta titulada pelo arguido AA;

- no dia ...-07-2016, débito de USD 250 000, transferência entre contas tituladas pelo arguido AA.

75. Na conta com o n.º .......93 do “Banco Popular”, titulada pelo arguido AA, desde a sua abertura, foram registados os seguintes movimentos:

- no dia ...-07-2016, depósito de € 100 000, através de cheque da conta n.º ………56 do “Deustche Bank”, titulada pelo arguido AA;

- no dia ...-07-2016, depósito de € 200 000, através de cheque da conta n.º …….56 do “Deustche Bank”, titulada pelo arguido AA;

- no dia ...-09-2016, levantamento da quantia de € 95 000;

- no dia ...-10-2016, depósito da quantia de € 50 000, através de cheque da conta com o n.º ......88 da instituição bancária “Millennium BCP”, titulada pelo arguido AA;

- no dia ...-10-2016, levantamento da quantia de € 150 000, através do cheque com o n.º ......95;

- no dia ...-10-2016, levantamento da quantia de € 50 000, através do cheque com o n.º ......92

76. No dia ....-09-2016 foi depositado o cheque com o n.º ........19, no montante de € 95 000, da conta com n.º ......56 do “Deutsche Bank”, titulada pelo arguido AA, na conta do “Millennium BCP” com o n.º ........65, titulada por PP, técnico ……. da firma “A..., Lda.”.

77. No dia ...-08-2016 foi depositado o cheque com o n.º ......18, no montante de € 250 000, da conta com o n.º ......56 do “Deutsche Bank”, titulada pelo arguido AA, na conta com o n.º ......34 do “Millennium BCP”, titulada pelo mesmo arguido AA.

78. No dia ...-07-2016 foi efectuado o depósito do cheque com o n.º .......17, no montante de € 100 000, na conta com o n.º .......22 da instituição bancária “Millennium BCP”, titulada pelo arguido CC;

79. A partir do dia ...-03-2016, data em que entrou na disponibilidade da quantia de USD 9 869 510,93, depositada na mencionada conta do “Deutsche Bank”, o arguido AA, sempre de acordo com os arguidos CC e BB, utilizou parte deste dinheiro para a aquisição dos bens imóveis e móveis que abaixo se vão deixar mencionados.

80. No dia ...-04-2016, o arguido AA celebrou com a assistente “Oliveira & Brás, Lda.” dois contratos-promessa de compra e venda de duas moradias (lotes n.ºs 5 e 11), localizadas na Rua ..., ..., pagando por cada uma € 500 000 (quinhentos mil euros), através de cheque datado de 12-04-2016, sacado sobre a conta por si titulada no “Deutsche Bank”, correspondendo o montante global de € 1 000 000 (um milhão de euros) ao preço das duas moradias.

81. Estes prédios urbanos encontram-se inscritos na matriz sob os n.ºs ......52 e ......46 e descritos na ... Conservatória do Registo Predial de ... sob os n.ºs ......38 e .......32.

82. A moradia construída no lote n.º 5 destinava-se a ser a residência do arguido AA e a moradia implantada no lote n.º 11, ainda em fase de construção, destinava-se a ser habitada pelo arguido BB.

83. No dia ...-09-2016, o arguido AA, com o acordo dos arguidos CC e BB, adquiriu a moradia composta de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, com o valor patrimonial de € 189 360, localizada na Avenida..., ..., ..., ....

84. Por escritura de compra e venda celebrada no dia ...-11-2016, o arguido AA adquiriu ao “Millennium BCP” pelo valor de € 290 000 os seguintes imóveis:

- prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o n.º ......43, registado e descrito no art. ......29 da ... Conservatória do Registo Predial de ..., ..., ... ou da ..., ...;

- prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o n.º .....42, registado e descrito no art. ......28 da ... Conservatória do Registo Predial de ..., ..., ... ou da ..., ...;

- prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o n.º .....54, registado e descrito no art. .....42 da ... Conservatória do Registo Predial de ..., ..., ... ou da ..., ...;

- prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o n.º .....53, registado e descrito no art. ......39 da ... Conservatória do Registo Predial de ..., ..., ... ou da ..., ...;

85. No dia ...-01-2015, o arguido CC adquiriu o veículo com a matrícula XX-PM-XX, com a marca ...”, modelo “...”.

86. No dia ...-12-2015, o arguido CC, quando se encontrava acompanhado pelos arguidos AA e BB, adquiriu o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula XX-QN-XX, com a marca ...”, modelo “C ...”, pelo valor de € 57 900.

87. Por último, no dia ...-02-2016, o arguido CC adquiriu o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula XX-QX-XX, com a marca ..., modelo ... D ...”, pelo valor de € 50 606,42.

88. Por seu turno, no dia ...-04-2016, o arguido AA, de acordo com os arguidos BB e CC, adquiriu o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula XX-RE-XX, da marca ...”, modelo “E ... ...”, por preço não apurado, mas na ordem dos € 70 000.

89. No dia ...-07-2016, o arguido AA, de acordo com os arguidos BB e CC adquiriu o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula XX-RQ-XX, da marca ..., modelo ... 1.6”, pelo preço de € 31 780.

90. No dia ...-07-2016, ainda o arguido AA adquiriu o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula XX-RZ-XX, da marca ...”, modelo “C ...”, pelo montante global de € 76 417,35, incluindo extras.

91. No dia ...-11-2016, o arguido AA adquiriu o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula XX-OT-XX, da marca ...”, ...”, pelo valor de € 44 990, tendo entregue como retoma o veículo automóvel com a matrícula XX-QI-XX, da marca ..., modelo ... 1.5”, com o valor de € 23 794,92, que tinha sido adquirido por ele no dia ...-08-2016, mas em nome de FF.

92. Por último, no dia ...-12-2016, o arguido AA, em nome do seu filho, o co-arguido CC, adquiriu o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula XX-SB-XX, da marca ..., ...”, pelo valor de € 14 700, tendo entregue como retoma o veículo automóvel com a matrícula XX-IO-XX, da marca ..., ...”, com o valor de € 5 000.

93. No âmbito destes autos foi decretado o arresto preventivo dos seguintes bens: - prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o n.º .....09 descrito sob o art. .....25 da Conservatória do Registo Predial de ..., correspondente a uma moradia composta de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, com o valor patrimonial de € 189 360,00, adquirida pelo arguido AA.

- prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o n.º ...46 (lote n.º 5) e descrito sob o art. ......32 na ... Conservatória do Registo Predial de ..., correspondendo a moradia em fase final de construção, adquirida pelo arguido AA, pelo preço de € 500 000;

- prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o n.º .....52 (lote 11) e descrito sob o art. ......38 na ... Conservatória do Registo Predial de ..., correspondendo a moradia em fase de construção, adquirida pelo arguido AA, pelo preço de € 500 000;

- prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o n.º .....43 e descrito sob o art. ......29 da ... Conservatória do Registo Predial de ... (lote 2), ... ou da ..., ..., adquirido pelo arguido AA;

- prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o n.º .....42 e descrito sob o art. .....28 da ... Conservatória do Registo Predial de ... (lote 2), ... ou da ..., ..., adquirido pelo arguido AA;

- prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o n.º .....54 e descrito sob o art. .....40 da ... Conservatória do Registo Predial de ... (lote 2), ... ou da ..., ..., adquirido pelo arguido AA;

- prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o n.º ......53 e descrito sob o art. .....39 da ... Conservatória do Registo Predial de ..., lote 2, ... ou da ..., ..., adquirido pelo arguido AA;

94. Por despacho judicial proferido no dia 08-03-2017 pela Juíza de Instrução Criminal (vide fls. 2259 a 2264), foi determinada a apreensão dos saldos bancários, até à quantia de USD 9 830 000 (ou quantia à mesma correspondente em euros), com impedimento de qualquer movimentação a débito, das seguintes contas bancárias:

- ..........57 (em euros), aberta no “Deutsche Bank”, titulada pelo arguido AA;

- ...........42 (em USD), aberta no “Deutsche Bank”, titulada pelo arguido AA;

- ...........93, aberta no “Banco Popular”, titulada pelo arguido AA;

- ...........05, aberta no “Millennium BCP”, titulada pelo arguido AA;

- …………81, aberta no “Montepio Geral”, titulada pelo arguido AA;

- ……….53, aberta no “Santander Totta” (ex-Banif) titulada pela sociedade “India Energy Acquisition Corp”;

- …………43, aberta no “Deutsche Bank”, titulada pelo CC;

- ............22, aberta no “Millennium BCP”, titulada pelo arguido CC.

95. Na data em que foi decretada esta apreensão, os saldos existentes nas contas bancárias tituladas pelos arguidos AA e CC eram os seguintes, segundo informações de fls. 2449, 2820, 2899 e 2958:

- conta n.º .......57 (em euros), aberta no “Deutsche Bank”, titulada pelo arguido AA: saldo disponível de € 100 405,98 (cem mil quatrocentos e cinco euros e noventa e oito cêntimos);

- conta n.º ..........42 (em USD), aberta no “Deutsche Bank”, titulada pelo arguido AA: saldo disponível de USD 4 749 943,60 (quatro milhões, setecentos e quarenta e nove mil, novecentos e quarenta e três dólares norte-americanos e sessenta cêntimos);

- conta n.º..........93, aberta no “Banco Popular”, titulada pelo arguido AA: saldo disponível de € 4 615,24 (quatro mil, seiscentos e quinze euros e vinte e quatro cêntimos);

- conta n.º ......05, aberta no “Millennium BCP”, titulada pelo arguido AA: saldo disponível de € 605 650,45 (seiscentos e cinco mil, seiscentos e cinquenta euros e quarenta e cinco cêntimos) e na conta de valores mobiliários relacionada com esta conta, acções do “BCP” no montante de € 148 052,48 (cento e quarenta e oito mil e cinquenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos).

- conta n.º ........81, aberta no “Montepio Geral”, titulada pelo arguido AA: saldo disponível de € 2 633,37 (dois mil, seiscentos e trinta e três euros e trinta e sete cêntimos).

- conta n.º .......43 aberta no “Deutsche Bank”, titulada pelo CC: saldo disponível de € 19 403,09 (dezanove mil, quatrocentos e três euros e nove cêntimos).

- conta n.º .......22, aberta no “Millennium BCP”, titulada pelo arguido CC: saldo disponível de € 266 012,25 (duzentos e sessenta e seis mil e doze euros e vinte e cinco cêntimos).

96. Nas fichas de abertura de conta no “Deutsche Bank” o arguido AA indicou como profissão director financeiro e como entidade patronal as empresas “Prime Trading Int. Graz” ou “Prime International Trading Group”, que não estão inscritas como contribuinte fiscal e que não constam da base de dados da Autoridade Tributária.

97. O arguido AA não entregou declarações de rendimentos desde 2009, segundo informação prestada pela Autoridade Tributária.

98. O arguido BB não entregou declarações de rendimentos desde 1999, segundo informação da Autoridade Tributária.

99. O arguido CC apresentou a última declaração de rendimentos em Fevereiro de 2016, com um rendimento declarado de € 3 925,27.

100. Apesar da conta aberta no “Banif”, titulada pela “India Energy Acquition Corp”, ter sido movimentada por um procurador, o arguido BB (vide procuração de 26-11-2014), os fundos não foram transferidos para uma conta titulada por este, mas para uma conta do arguido AA.

101. Por estarem cientes da sua proveniência ilícita, os arguidos AA, CC e BB, em conjunto com os demais indivíduos acima mencionados, decidiram que os fundos seriam movimentados com a intervenção de terceiros não relacionados com a “India Energy Acquisition Corp.”, nem com o denominado “Miami International Bank Ltd.”, com o propósito de ocultar a conexão entre estes e as quantias pecuniárias em causa.

102. Os assistentes DD e EE procederam à transferência de USD 9 500 000 (nove milhões e quinhentos mil dólares norte-americanos) e de USD 500 000 (quinhentos mil dólares norte-americanos), por estarem convencidos que estes fundos se destinavam a ser investidos em activos do denominado “Miami Internacional Bank Ltd”, com a promessa de obterem elevados retornos financeiros em curto prazo.

103. A utilização da designação “Miami International Bank Ltd” permitiu a angariação dos capitais dos assistentes DD e EE, que estavam erroneamente convencidos que tinham como parceiro uma verdadeira instituição financeira.

104. Somente realizaram as transferências monetárias acima mencionadas, por ter sido convencidos que supostamente estavam a realizar investimentos em activos financeiros, sob a égide de uma instituição bancária, como era o caso do denominado “Miami International Bank Lta”.

105. Os arguidos AA, CC e BB actuaram em articulação com os referidos indivíduos, de modo a fazer circular o dinheiro e de o integrar no circuito económico, como se de uma actividade lícita se tratasse, com a finalidade de ocultar e de dissimular a sua proveniência.

106. Os arguidos AA, CC e BB estavam perfeitamente cientes que a quantia monetária que passou a estar na sua disponibilidade pertencia aos assistentes DD e EE e que lhes devia ser devolvida, por ter sido obtida mediante o engano acima descrito.

107. Aliás, tinham em seu poder o mencionado “memorando de acordo”, celebrado entre o assistente DD e a sociedade “India Energy Acquisition Corp” para cooperação em investimentos, o qual acabou por ser apreendido na sequência de realização de busca à moradia do condomínio do ..., ..., ..., residência do arguido CC.

108. Com efeito, os arguidos AA, CC e BB sabiam que os 10 milhões dólares tinham sido obtidos junto dos ofendidos DD e EE, mediante a apresentação de um negócio fraudulento, proposto pelos supra mencionados cidadãos estrangeiros ligados à sociedade “India Energy Aquisition Corp”.

109. No dia 16-03-2017, na sequência do cumprimento de mandados de busca e de apreensão, na moradia I do condomínio do ..., ..., ..., ..., residência do arguido CC, foram apreendidos os seguintes objectos:

- documentação do “Deutsche Bank”, do “BCP”, do “Banif” e do “Santander”, nomeadamente extractos e comprovativos de aplicações financeiras;

- documentação referente à sociedade “India Energy Acquisition Corp”, nomeadamente, documentação bancária;

- cópia do documento de identificação de JJ e da sua caderneta de Identificação fiscal em Portugal;

- cópia do passaporte com o n.º ..., emitido pela ..., em nome do assistente EE;

- documento do “memorando de acordo” entre a “Indian Energy Acquisition Corp” e o assistente DD para cooperação em investimentos;

- documento timbrado pela sociedade “India Energy Acquisition Corp.” referente ao contrato n.º …………48, celebrado entre o arguido AA e o procurador da “India Energy Acquisition Corp”;

- factura emitida pela “Mercedes” referente à aquisição da viatura XX-QN-XX;

- documento com o timbre do Tribunal Central de Instrução Criminal referente a um despacho datado de 15-03-2016, a determinar o levantamento da suspensão de operações bancárias;

- documentos relativos à aquisição e guarda em cofre do “BCP”, balcão de ..., de peças em ouro com inscrição de valores de vários milhões de €;

- documentação avulsa referente a transferências em dólares;

- pasta de lombada de cor azul, contendo diversa documentação predial de imóvel, com o número matricial ..., localizado em ....

110. Foram apreendidos os veículos automóveis com as matrículas XX-PM-XX (“...”, modelo “...”), XX-QN-XX (“...”, modelo “... ...”) e XX-QX-XX (“...”, modelo ... D ...”), todos registados em nome do arguido CC.

111. Foram apreendidos os veículos automóveis com as matrículas XX-RE-XX (“...”, modelo “... ... D”), XX-RQ-XX (“...”, modelo ... 1.6”), XX-RZ-XX (“...”, modelo “... ...”) e XX-OT-XX (“...”, ...”), todos registados em nome do arguido AA, todos adquiridos e liquidados com as verbas libertadas da conta da sociedade “India Energy Acquisition Corp”.

112. Os arguidos AA, CC e BB pretenderam obter elevados proveitos económicos resultantes do engano de que foram vítimas os cidadãos ……. DD e EE, provocado pelos cidadãos de nacionalidade ... acima mencionados, proveitos quiseram dispersar e dissimular através de diversas transferências monetárias e através da aquisição dos bens móveis e imóveis acima mencionados.

113. Foi com os proventos desta actividade que arguidos AA, CC e BB suportaram as despesas com o seu modo de vida e que adquiriram os bens imóveis e móveis acima mencionados, tanto mais que não lhes é conhecida qualquer outra actividade profissional.

114. Ao longo das acima descritas condutas os arguidos actuaram sempre de forma deliberada, livre e voluntariamente, em conjugação de esforços e intentos, com plena consciência que tais condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.

115. Os assistentes DD e EE conheceram-se num congresso sobre gestão e economia e a partir desse momento vieram a criar uma relação de amizade.

116. Enquanto amigos, o assistente EE informou o assistente DD que ia realizar uma aplicação financeira no “Miami International Bank Ltd”, da qual tinha tido conhecimento através de uma pessoa sua conhecida de nome GG.

117. Por causa do presente processo, os assistentes DD e EE viram-se obrigados a realizar viagens, nomeadamente a ...... e a ......, muito em particular para a recolha de documento relacionados com estes factos.

118. O arguido AA é oriundo de um agregado familiar cujos progenitores trabalhavam na agricultura e cujos proveitos advinham desta actividade.

119. Após ter concluído a 4.ª classe, o arguido AA viajou para ….., passou a residir em casa de um irmão que se encontrava sedeado neste território ultramarino, começou a trabalhar na …… e com 20 anos ingressou no serviço militar obrigatório, onde permaneceu durante aproximadamente 3 anos.

120. Após a independência de ..., regressou a Portugal e esteve a trabalhar durante 5 a 6 anos numa empresa ….. da zona do ..., até que a firma encerrou.

121. Posteriormente, iniciou negócios por conta própria na ………. e na exportação ……. para ....

122. Mais tarde, abriu empresas na…….., quer com a sua companheira (“P....”), quer em nome individual (“AA”).

123. Em 2007 vendeu a empresa “P....” ao seu contabilista e no decurso de 2010 cessou a actividade da empresa que tinha em nome individual, altura em que é declarada a sua insolvência pessoal, por dívidas relacionadas com aquisição de material.

124. De seguida, o arguido AA passou a dedicar-se à realização de biscates na área ……. e a ajudar o filho mais novo em negócios de venda de automóveis e de imóveis, bem como na exportação de produtos …… para ....

125. Tem dois filhos, um resultante do casamento e outro da sua actual companheira.

126. Reside actualmente com a sua companheira, que trabalha na área….., em conjunto com o filho mais novo, o co-arguido CC.

127. O arguido BB é o mais novo de dois filhos de um casal que se separou quando contava um ano de idade e tem ainda mais dois irmãos consanguíneos, uma irmã mais velha e um irmão mais novo.

128. Possui o 11.º ano de escolaridade como habilitações literárias, registou uma reprovação no seu percurso escolar, iniciou actividade profissional numa firma de som e, com 26 anos de idade, montou a sua própria empresa (“...”), a qual veio a encerrar em 2000, na sequência do seu processo de divórcio e do falecimento do seu pai.

129. No ano de 2001 iniciou uma relação de namoro e no decurso de 2012 passou a viver em união de facto com a sua companheira, após o nascimento da filha do casal.

130. A companheira deste arguido é………..

131. O arguido CC abandonou a escola após ter concluído o 9.º ano de escolaridade e começou a trabalhar com o pai, o arguido AA, como………..

132. Após esse negócio ter encerrado, o arguido CC, em conjunto com o progenitor, dedicou-se ao ramo imobiliário, adquirindo imóveis pertencentes a instituições bancárias, ……. e promovendo a sua venda.

133. Entretanto, dedicou-se ao negócio do comércio ….. por conta própria e em 2013 iniciou uma união de facto com a sua actual companheira.

134. Vive com a sua companheira em conjunto com os seus progenitores.

136. Os arguidos não têm antecedentes averbados no certificado de registo criminal.


     E entendeu como não provados os seguintes factos:

- os arguidos AA, BB e CC tenham concebido um plano, em conjunto com os cidadãos de diversas nacionalidades HH, KK, GG e NN, com o intuito de obter indevidamente quantias monetárias pertencentes a terceiros.

- aquando da abertura da conta n.º ..........57 na agência de ..... do “Deutsche Bank”, o arguido AA tenha declarado que ia receber um montante elevado proveniente da venda de uma obra de arte da qual era proprietário.

- os arguidos AA, BB e CC tenham colaborado activamente com os cidadãos estrangeiros ligados à sociedade “India Energy Aquisition Corp” na execução de um plano com vista à obtenção dos 10 milhões de dólares norte-americanos.

- os veículos automóveis com as matrículas XX-PM-XX (“...”, modelo “...”), XX-QN-XX (“...”, modelo “C ...”) e XX-QX-XX (“...”, modelo ... D ...”) tenham sido adquiridos e liquidadas com o dinheiro libertado da conta sociedade “India Energy Aquisition Corp”.

- os arguidos AA, BB e CC tenham actuado de forma concertada com outros indivíduos no âmbito de uma organização complexa, internacional, orientada para a prática de delitos contra o património, com contactos privilegiados junto do sistema financeiro.

- o arguido BB tenha sempre actuado em conformidade com o que foi acordado entre a sociedade “India Energy Aquisition Corp” e os cidadãos de nacionalidade ... DD e EE.

- no dia 03-07-2013 e no dia 04-07-2013, a sociedade “India Energy Aquisition Corp” tenha celebrado com os assistentes DD e EE os denominados “memorando de entendimento” de fls. 4133 a 4136 e 4137 a 4140.

- o arguido BB nunca tenha agido como os fundos fossem seus ou que nunca se tenha apoderado do dinheiro dos assistentes.

- o arguido BB não tenha procedido à transferência dos fundos existentes na conta aberta em nome da firma “India Energy Aquisition Corp” para sociedade “Nordic Financial Trust Kb” por esta ter as suas contas numa situação de suspensão de operações bancárias a débito.

- os arguidos AA, BB e CC não tenham beneficiado dos fundos ou que tenha procedido ao investimento em activos que se encontravam a baixo custo.

- os assistentes DD e EE tenham apoiado instituições médicas, entidades de solidariedade social, as artes, o desporto ou a ciência.

- todos os funcionários da “B.......”, todos os familiares, muitos clientes e amigos dos assistentes DD e EE tenham tido conhecimento que eles perderam 10 milhões de dólares norte-americanos ou que essa situação tenha criado uma imagem de fraqueza e de erro na escolha dos parceiros de negócios».


   Com base na matéria de facto assim determinada, o tribunal a quo analisou a pretensão formulada pelo Magistrado do MºPº, no recurso que interpôs do acórdão proferido em 1ª instância e concluiu pelo seu provimento “declarando perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos dos lesados, os bens adquiridos com proventos obtidos através da atividade criminosa pela qual os arguidos AA, CC e BB foram condenados, bem como os valores do património incongruente dos arguidos AA, CC e BB (respetivamente: 4.273.281,29€+ 4.749.943,60USD; 311.086,99€ e 131.536,64€)”.

   Ora, como é bom de ver, a coberto de um recurso interposto de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, pretensamente na parte relativa à decisão sobre o pedido cível, os arguidos AA e CC recorrem, verdadeiramente, daquela decisão, mas na parte em que declarou a perda alargada de bens, em consequência da condenação penal.

   A natureza jurídica da perda alargada de bens está longe de ser questão pacífica na doutrina e na jurisprudência.

   Citando o Ac. do Tribunal Constitucional nº 392/2015, de 12/8/2015 [6]:

«Assim, Augusto Silva Dias (cfr., ob. cit., págs. 38-40) entende que o confisco de bens, assim concebido, isto é, um regime de confisco ampliado, assente estruturalmente numa presunção e numa inversão do ónus da prova, nos termos previstos pela Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro, cumpre finalidades político-criminais idênticas à da perda de bens e vantagens relacionadas com a prática do crime: reforçar na consciência coletiva o lema de que o crime não compensa e evitar que o património obtido de forma criminosa organizada seja utilizado para cometer novos crimes ou para ser “investido” na economia legal. Entende este autor que este confisco tem, assim, uma natureza eminentemente penal, constituindo um efeito patrimonial, não automático, da pena.

Damião da Cunha (ob. cit., pág. 134), por seu turno, entende que se trata de uma medida de caráter não penal (no sentido de que nada tem a ver com um crime), de caráter análogo a uma medida de segurança (uma sanção suspeita, condicionada à prova de um crime), tratando-se, no fundo, de uma sanção administrativa prejudicada por uma anterior condenação penal.

Neste mesmo sentido Pedro Caeiro (ob. cit., págs. 308 a 311) afasta as hipóteses de esta medida ser uma pena («porque não é limitada por considerações de culpa»), uma reação análoga a uma medida de segurança (porque lhe «falta a determinação de um pressuposto essencial das medidas de segurança, qual seja, o concreto perigo de as vantagens possuídas pelo condenado servirem para a prática de futuros crimes»), uma sanção penal sui generis, de natureza idêntica à da perda clássica ou um efeito da pena, e acaba por concluir que a mesma não «pode constituir reação penal alguma, por uma razão singela mas decisiva: a sua causa não é um facto (típico, ilícito e culposo) punível, mas sim um património incongruente acoplado a indícios da prática de certos crimes (a “atividade criminosa”)». Sustenta, por isso, este autor, acompanhando o entendimento de Damião da Cunha, que se trata de uma medida (mas não uma sanção) «de natureza materialmente administrativa aplicada por ocasião de um processo penal».

Também Conde Correia (ob. cit., pág. 116) afasta a hipótese desta medida ter uma natureza penal.

Jorge A. F. Godinho (cfr., ob. cit., pág. 1349), por sua vez, realçando que a natureza jurídica do confisco de bens previsto na Lei n.º 5/2002 não parece fácil de determinar, uma vez que, por um lado, pressupõe a culpa do agente em relação a um dos crimes do «catálogo», a verdade é que tal é apenas o facto de que o legislador faz depender a aplicabilidade do regime, afigurando-se, por isso, duvidosa a sua qualificação como uma pena, uma vez que na sua aplicação não relevam quaisquer considerações relativas à culpa. Assim, partindo do entendimento de Figueiredo Dias, que considera o confisco de vantagens do crime constante do Código Penal «como uma reação penal análoga a uma medida de segurança» (conceção que assenta no dado político-criminal de que o confisco deve ser decretado independentemente da culpa ou da imputabilidade do agente, dependendo apenas da verificação de um ilícito-típico que gera vantagens), este autor sustenta que a especificidade do confisco «alargado» reside no facto de que o ilícito-típico a que se dirige não carece de ser provado. A posse de bens de origem injustificada por parte de pessoas condenadas pela prática de certos crimes é uma conduta suscetível de desencadear a aplicação de uma reação penal, sendo o confisco do valor injustificado a reação aplicável; a reação incide apenas sobre o aspeto patrimonial, prescindindo-se da aplicação de uma pena privativa da liberdade.

(…)

É certo que a aplicação da medida de perda a favor do Estado, a par deste objetivo, tem uma finalidade de prevenção criminal, evitando que se crie a ideia que o crime compensa, assim como a sua aplicação tem como pressuposto necessário a condenação por um dos crimes do catálogo previsto no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro. Contudo, conforme já salientou este Tribunal no referido Acórdão n.º 101/2015, só com esta condenação pela prática de um dos aludidos crimes é que opera a presunção prevista no artigo 7.º, n.º 1, da mesma Lei, sendo que, no incidente de liquidação, a que se refere o artigo 8.º desta Lei, já não está em causa o apuramento de qualquer responsabilidade penal do arguido, mas tão só a determinação de uma eventual incongruência entre o valor do património do arguido e os seus rendimentos de proveniência lícita, incongruência essa que, uma vez demonstrada de acordo com determinados pressupostos, tem como consequência ser declarado perdido a favor do Estado o valor do património do arguido que se apure ser excessivo em relação aos aludidos rendimentos, caso o arguido não ilida aquela presunção de causalidade.

A imputação de um crime de catálogo funciona aqui apenas como pressuposto indiciador que poderão ter-se verificado ganhos patrimoniais de origem ilícita, o que justifica, na ótica do legislador, que, no mesmo processo em que se apure a prática desse crime e, eventualmente se conclua pela respetiva condenação, se averigue a existência desses ganhos, em procedimento enxertado no processo penal, de modo a poder determinar-se a sua perda (sobre as vantagens e desvantagens deste procedimento ocorrer enxertado no processo penal onde se apura a prática do crime que é pressuposto da aplicação da medida de perda de bens, vide Pedro Caeiro, ob. cit, pág. 311-313, Jorge Godinho, pág. 1360, e Damião da Cunha, pág. 159-160).

Embora enxertado naquele processo penal, o que está em causa neste procedimento, repete-se, não é já apurar qualquer responsabilidade penal do arguido, mas sim verificar a existência de ganhos patrimoniais resultantes de uma atividade criminosa. Daí que, quer a determinação do valor dessa incongruência, quer a eventual perda de bens daí decorrente, não se funde num concreto juízo de censura ou de culpabilidade em termos ético-jurídicos, nem num juízo de concreto perigo daqueles ganhos servirem para a prática de futuros crimes, mas numa constatação de uma situação em que o valor do património do condenado, em comparação com o valor dos rendimentos lícitos auferidos por este faz presumir a sua proveniência ilícita, importando impedir a manutenção e consolidação dos ganhos ilegítimos» (subl. nossos).

     Também no sentido de a perda alargada de bens ser tramitada num processo enxertado no processo penal, mas ainda assim dotado de alguma autonomia, aponta o Ac. deste STJ de 25/2/2015, Proc. 1653/12.2JAPRT.P1.S1, relatado pelo Exmº Conselheiro Oliveira Mendes [7]:

«Como sanção não penal, posto que escapa, na sua determinação, a factores relacionados com o crime, designadamente a gravidade do ilícito, a gravidade da pena e o grau de participação do condenado, o respectivo procedimento é autónomo, iniciando-se por um acto autónomo (a liquidação), possuindo uma estrutura própria, pelo menos probatória, de índole radicalmente diversa da do processo principal. Do ponto de vista procedimental, estamos pois perante dois processos distintos, autónomos, muito embora umbilicalmente ligados, desencadeados pelo mesmo facto, o indício da prática de um crime de catálogo, juntos numa mesma audiência. Dir-se-ia que no processo criminal, ou seja, no processo principal, se enxerta um outro processo de natureza distinta; no primeiro debate-se questão penal, no segundo questão administrativa, ou seja, ao procedimento criminal junta-se questão incidental relativa à aplicação de sanção administrativa».

      Ora, assim vistas as coisas, estamos em crer que a decisão de perda alargada de bens, proferida por um Tribunal da Relação, em recurso interposto de um acórdão penal proferido em 1ª instância, não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

    Recordemos, desde logo, que o Acórdão da Relação de ... proferido nestes autos é, no que aos arguidos AA e CC e relativamente à parte penal, irrecorrível, dado que a Relação confirmou, na íntegra, a condenação de ambos em penas não superiores a 8 anos de prisão (6 anos de prisão para o arguido AA, 5 anos e 6 meses de prisão para o arguido CC), deste modo se verificando uma dupla conforme, abrangida pela al. f) do nº 1 do artº 400º do CPP.

     E, também no que à parte cível diz respeito, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ... é irrecorrível porquanto, como acima referimos, também aqui se verifica uma situação de dupla conforme, abrangida pelo artº 671º, nº 3 do CPC, ex vi do artº 4º do CPP, com a excepção (no que ao caso importa) relativa ao recurso que tenha por fundamento a violação das regras da competência em razão da matéria, aqui suscitada pelos recorrentes, mas desatendida nos termos acima expostos.

      Mal se compreenderia, então, que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de ..., em matéria de perda alargada de bens, tomada em decisão de recurso interposto de acórdão proferido por tribunal de 1ª instância, tivesse recurso autónomo para o Supremo Tribunal de Justiça.

     Retomando o que decidido ficou no referido Ac. STJ de 25/2/2015, “começar-se-á por assinalar constituir princípio geral nesta matéria, segundo preceito do artigo 427º, do Código de Processo Penal, o de que exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação.

(…)

Estabelece o artigo 400º, n.º 1, alínea c), que não é admissível recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo.

Decisão que não conheça, a final, do objecto do processo, é toda a decisão interlocutória, bem com a não interlocutória que não conheça do mérito da causa.

(…)

Como refere Pereira Madeira [8], «conhecer do objecto do processo», que, em processo penal, é balizado pela acusação e ou pronúncia e a pertinente defesa, é afinal, conhecer do mérito ou fundo da causa, enfim da viabilidade da acusação, com o inevitável desfecho de condenação ou absolvição do arguido, conforme o caso. Assim, cairão no âmbito da irrecorribilidade, as decisões colegiais da relação, em recurso, que, pondo, ou não, fim ao processo, fiquem aquém do conhecimento final do objecto da acusação e ou pronúncia. A razão de ser do dispositivo prende-se, seguramente, com a necessidade de preservar o tribunal superior da intervenção em questões menores, como serão, em regra, as questões processuais interlocutórias que o legislador quer ver decididas definitivamente, quando forem objecto de recurso intercalar autónomo.

Certo é que a decisão do Tribunal da Relação do ... ora impugnada, a qual confirmou decisão da 1ª instância que declarou perdidos a favor do Estado os montantes de, respectivamente, € 275.803,22 e € 72.985,53, equivalentes ao património incongruente dos arguidos B... e D..., com a consequente condenação de cada um deles a pagar a quantia devida e manutenção do arresto de bens decretado, atenta a sua natureza, conteúdo e âmbito, bem como o seu enquadramento processual (questões já atrás abordadas), cai na previsão daquela alínea c) do n.º 1 do artigo 400º.

Com efeito, trata-se de uma decisão que não pôs termo à causa nem conheceu do seu mérito, decisão proferida, obviamente, em recurso.

Trata-se pois de decisão irrecorrível.

Irrecorribilidade que, ao contrário do alegado pela recorrente H... em nada belisca o seu direito ao recurso, constitucionalmente consagrado no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República, consabido que o direito ao recurso, como uma das garantias de defesa, apenas pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, não um duplo grau de recurso. Como o Tribunal Constitucional vem uniformemente decidindo, o julgamento por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mais precisamente o n.º 1 do artigo 2º do Protocolo 7, apenas estabelece o direito a um duplo grau de jurisdição, direito que, aliás, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo pode ser objecto de excepções».

    No mesmo sentido voltaria a pronunciar-se o STJ, no seu Ac. de 14/3/2018, Proc. nº 22/08.3JALRA.E1.S1, relatado pelo Exmº Conselheiro Lopes da Mota [9]:

«Questão que tem sido discutida diz respeito aos recursos de decisões proferidas em processo penal que declarem a perda alargada de bens em consequência de condenação penal, por aplicação da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, entre as quais um “regime especial de recolha de perda de bens a favor do Estado”, através do qual, em caso de condenação por um dos crimes integrantes do catálogo previsto no seu artigo 1.º, se aprecia a congruência entre o património do arguido e os seus rendimentos lícitos (artigos 1.º e 7.º).

Nos termos do artigo 7.º deste diploma, em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º (em que, como se disse, se incluem os crimes de associação criminosa e de branqueamento), e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. A promoção de perda dos bens é apresentada pelo Ministério Público, mediante liquidação do montante apurado como devido a favor do Estado deduzida na acusação ou até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento (artigo 8.º), devendo o tribunal considerar toda a prova produzida no processo e a apresentada pelo arguido para provar a origem lícita dos bens por qualquer meio de prova válido em processo penal (artigo 9.º), para, na sentença condenatória, poder declarar o valor que deve ser perdido a favor do Estado (artigo 12.º).

A doutrina e a jurisprudência têm sublinhado que a “perda alargada” não constitui uma sanção penal, pois que “a sua causa não é um facto típico, ilícito e culposo punível, mas sim um património incongruente acoplado a indícios da prática de certos crimes (a “actividade criminosa”)”. Configura-se, assim, como uma medida “de natureza materialmente administrativa aplicada por ocasião de um processo penal”, que pressupõe uma condenação penal que lhe é anterior, como defende Pedro Caeiro (apud acórdão 392/2015 do Tribunal Constitucional, com exaustiva informação de doutrina, direito internacional e europeu e direito comparado). No mesmo sentido se pode ler no acórdão de 25.2.2015, no Proc. 1653/12.2JAPRT.P1.S1 (rel. Cons. Oliveira Mendes): (…).

A decisão que ordena a perda alargada não é, pois, uma decisão condenatória, uma decisão que aplica uma pena ou uma medida de segurança. E, não o sendo, não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, seja de recurso directo, por não se incluir na previsão das alíneas do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, seja de recurso de acórdão proferido, em recurso, pelo tribunal da Relação, que é o tribunal competente para dele conhecer (artigo 427.º), por se incluir na previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, segundo o qual não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo».

      E é esse, também, o nosso entendimento.

     Com efeito, a decisão proferida pela Relação de ..., em apreciação de recurso interposto pelo MºPº de acórdão proferido na 1ª instância, sobre a perda alargada de bens não conheceu “do objecto do processo”.

  “Conhecer do processo” que, no entendimento do Cons. Pereira Madeira (Código de Processo Penal comentado”, 3ª ed. revista, 1228) “em processo penal é balizado pela acusação e ou pronúncia e a pertinente defesa, é afinal, conhecer do mérito ou fundo da causa, enfim da viabilidade da acusação, com o inevitável desfecho de condenação ou absolvição do arguido, conforme o caso. Assim, cairão no âmbito da irrecorribilidade, as decisões colegiais da relação, em recurso, que, pondo, ou não, fim ao processo, fiquem aquém do conhecimento final do objecto da acusação e ou pronúncia (…)» [10].

   Assim sendo, outra solução não resta que não seja, nesta parte, rejeitar o recurso interposto pelos arguidos AA e CC do acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal da Relação de ..., atenta a sua inadmissibilidade face ao estatuído no artº 400º, nº 1, al. c) do CPP.

           


    2. Recurso interposto pelo arguido BB:

   Entende o recorrente que respondeu correctamente ao convite que lhe foi feito para apresentar conclusões sucintas, sendo que a razoabilidade da extensão das conclusões se não pode fazer apenas em função do número de páginas utilizadas (concl. 2ª a 4ª); que, entendendo o Exmº Desembargador relator que as conclusões eram demasiado extensas, deveria ter formulado convite para o respectivo aperfeiçoamento (concl. 5ª a 9ª); e, por fim, que tal questão deveria ter sido objecto de decisão sumária e, não o tendo sido, ficou o mesmo privado de reclamar para a conferência (concl. 10ª e 11ª), vícios que “inelutavelmente afetam a totalidade do recurso”.

    No seu douto parecer, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça entende que não assiste razão ao recorrente no que concerne à obrigatoriedade de um convite ao aperfeiçoamento das conclusões apresentadas em cumprimento de convite já formulado pelo Exmº Desembargador relator, como não lhe assiste razão quanto à necessidade de tal questão ser objecto de decisão sumária, pondendo sê-lo em conferência; porém, considera que o recorrente “não se terá mostrado totalmente indiferente ao convite que lhe foi dirigido, para ser conciso nas conclusões, tendo em conta, designadamente, o número de páginas das conclusões, num total de 57, e a complexidade da matéria espelhada no número de páginas das alegações que apresentou, num total de 1108 de páginas”; que, face ao disposto no artº 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa se “justificará a adopção de um critério ad amplianda e não ad restringenda, ou seja, no caso, um critério que perspective o direito ao recurso”, na análise daquilo que é ou não conciso; que, face à “complexidade das questões suscitadas nas alegações do recurso apresentado pelo recorrente BB entende-se que o mesmo tenha tido uma preocupação excessiva em introduzir nas conclusões o máximo de questões, dando azo à sua extensão”; que, podendo considerar-se que as conclusões apresentadas são algo extensas, “há que atender à complexidade da respectiva motivação (cujas alegações apresentam 1108 páginas), na qual o mesmo desenvolve toda uma argumentação, com referência factual, para tentar rebater as considerações feitas no acórdão recorrido, e que levaram à sua condenação em pena de prisão, sendo que tais conclusões permitem ao tribunal de recurso apreender toda a dimensão das razões invocadas para a pretendida alteração da decisão recorrida”. E, concluindo, entende a Exmª Procuradora-Geral Adjunta que “a falta de concisão das conclusões relativamente ao recurso apresentado pelo recorrente BB não pode fundamentar a sua rejeição, nos termos dos arts. 417°, n° 3, e 420°, n° 1, al. c), ambos do Cod. Proc. Penal”.

    Na resposta apresentada, afirmam os assistentes que o recorrente apenas colocou duas questões à apreciação deste Supremo Tribunal, quais sejam a necessidade de um convite para aperfeiçoar as conclusões e, bem assim, eventual imposição legal no sentido de a questão da rejeição ser objecto de decisão sumária, permitindo reclamação da mesma para a conferência; que, assim, a (terceira) questão abordada no parecer da Exmª Procuradora-Geral Adjunta escapa ao âmbito do recurso, que é definido pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente.

É nosso entendimento que, nesta parte, não assiste razão aos assistentes.

   Como já referimos, nas conclusões 2ª a 4ª, o recorrente BB manifesta a sua convicção de que respondeu correctamente ao convite que lhe foi feito para apresentar conclusões sucintas, sendo que a razoabilidade da extensão das conclusões se não pode fazer apenas em função do número de páginas utilizadas. Não estamos, portanto, perante questão alheia ao recurso interposto por este recorrente, introduzida pela Exmª Procuradora-Geral Adjunta.

   E abordando as questões suscitadas neste recurso dir-se-á, desde logo, que não assiste qualquer razão ao recorrente quando afirma que o conhecimento da questão da rejeição do recurso em conferência, que não em decisão sumária, coloca em causa “a validade das decisões tomadas no acórdão recorrido”.


    Nos termos do disposto no artº 417º, nº 6 do CPP,

“Após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que:

(…)

b) O recurso dever ser rejeitado”.

  E acrescenta-se no nº 8 do mesmo artigo que

“Cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos nºs 6 e 7”.

    Como consta dos autos, o Exmº Juiz Desembargador relator relegou o conhecimento da rejeição do recurso interposto pelo arguido BB para a conferência. E, no acórdão proferido em 17/12/2020, onde foram desatendidas as nulidades do acórdão recorrido, suscitadas pelo arguido BB, consignou-se que “o relator, ao não ter decidido a rejeição do recurso em decisão sumária nos termos do disposto na alínea b) do n.º 6 do art.º 417.º do C.P.Penal, teve em vista, desde logo, e por economia processual, remetê-la para uma decisão colegial”.

  E, ao fazê-lo, não impediu o recorrente de arguir a nulidade do acórdão (como o fez), sendo certo que, nesta matéria, se não constata a existência de qualquer nulidade, pois, como bem recorda a Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, no nosso processo penal vigora o “princípio da tipicidade, também designado por princípio da legalidade e da taxatividade das nulidades, consagrado no art. 118º, nº 1, do Cod. Proc. Penal”.

    É este, também, o entendimento do Cons. Pereira Madeira, “Código de Processo Penal comentado”, 3ª ed. revista, 1333: “A redacção do artigo 419º, nº 3 a), parece sugerir que se impõe sempre prévia decisão sumária. Porém, por um lado, não antecipa consequência alguma para o caso de assim não ser. E, a ser assim, o caso só seria de nulidade insanável se a conferência carecesse de competência para a decisão, o que não sucede, face ao disposto nos nºs 8 e 10 do artigo ora em causa. E, a tratar-se de mera irregularidade, não parece que alguma vez afectasse o valor do acto praticado, afinal com mais garantia de acerto por ser tomada por um tribunal colectivo” (subl. nosso).

    E é este, também, o entendimento uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça.

A título meramente exemplificativo, decidiu-se no Ac. STJ de 18/1/2017, proc. 736/03.4TOPRT.P21S1:

«I. A regra estabelecida no artº 417º, nº 6, al. a) do CPP, mais não visa do que simplificar e agilizar o processamento do recurso, poupando a intervenção do colectivo de juízes. II. Todavia, não impede que a rejeição do recurso seja julgada, em primeira mão, pelo mesmo colectivo, pois que daí não advém qualquer diminuição das garantias de defesa do arguido/recorrente, justamente porque é a reclamação para a conferência o direito que lhe é conferido para impugnar a decisão sumária” [11].


     E é esse, também, o nosso entendimento: não obstante o disposto no artº 417º, nº 6, al. b) do CPP co CPP, não existe qualquer impedimento legal a que a rejeição de um recurso seja conhecida, em primeira linha, pela conferência, posto que da composição colectiva do tribunal resulta um acréscimo (e não uma diminuição) de garantias de defesa do recorrente; de outro lado, o não cumprimento do estatuído nessa norma nunca importaria numa nulidade da decisão recorrida, porquanto no nosso processo penal vigora o princípio da tipicidade em matéria de nulidades, sendo certo que nenhum preceito comina com a nulidade a rejeição de um recurso em conferência, que não (previamente) em decisão sumária.


      Entende ainda o recorrente que cumpriu o despacho proferido pelo Exmº Juiz Desembargador relator, que o convidou a apresentar conclusões concisas, sendo certo que a concisão terá sido a possível em função da extensão das próprias motivações; e que, entendendo o Exmº Juiz Desembargador relator que as conclusões, em função da sua extensão, não eram aptas a cumprir a sua função, deveria tê-lo convidado a aperfeiçoá-las, em conformidade.

     Ministério Público e assistente convergem no entendimento de que não é admissível um novo convite.


      Vejamos:

     Dispõe-se no artº 414º, nº 2 do CPP que o recurso não é admitido “quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não reunir as condições necessárias para recorrer, quando faltar a motivação ou, faltando as conclusões, quando o recorrente não as apresente em 10 dias após ter sido convidado a fazê-lo”.

   Resulta do teor deste dispositivo que o juiz do tribunal recorrido, interposto o recurso, deverá verificar, desde logo e entre o mais, se o recurso comporta as conclusões que o recorrente extrai das respectivas motivações. Inexistindo tais conclusões, é dever do juiz a quo mandar notificar o recorrente para, em 10 dias, as apresentar.

      De outro lado, estatui-se no artº 417º, nº 3 do CPP (agora, já em fase de tramitação do recurso no tribunal ad quem):

«Se das conclusões do recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do artigo 412º, o relator convida o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada. Se a motivação do recurso não contiver as conclusões, e não tiver sido formulado o convite a que se refere o nº 2 do artigo 414º, o relator convida o recorrente a apresentá-las em 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado».

     Salvo o devido e merecido respeito por diversa opinião, não vemos que exista qualquer impedimento legal a que, no tribunal ad quem, seja feito um primeiro convite ao recorrente, para apresentar conclusões (caso o recurso as não contenha e, no tribunal recorrido, não tiver sido feito o convite a que alude o artº 414º, nº 2 do CPP) e, depois, um segundo convite a aperfeiçoar as conclusões que forem apresentadas (em resposta ao primeiro convite), caso das mesmas não seja possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do artº 412º do CPP. Não estamos, aqui e nesta situação, perante uma concessão abusiva de dois prazos sucessivos de 10 dias para corrigir uma deficiência do recurso, antes perante a normalização de uma situação, tornada irregular por uma omissão do próprio tribunal.

   Por outras palavras: ninguém seguramente questiona que, caso o tribunal de 1ª instância tivesse feito – como se lhe impunha – o convite ao recorrente para apresentar conclusões (dado que o recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de ... as omitiu) e este as tivesse apresentado em resposta a tal convite, o tribunal ad quem, caso posteriormente se apercebesse de que das conclusões não era possível deduzir, total ou parcialmente, as indicações contidas nos nºs 2 a 5 do artº 412º do CPP, deveria convidar o recorrente a completá-las ou esclarecê-las.

     Mas se isso é assim, então, não tendo sido feito tal convite no tribunal a quo e, apenas por força dessa omissão, tal convite apenas foi feito no tribunal ad quem, a solução que se impõe é admitir novo convite, agora para completar ou esclarecer essas conclusões, caso as mesmas não respeitem as indicções contidas nos nºs 2 a 5 do artº 412º do CPP, sob pena de se tratar de forma diferente aquilo que é igual e, pior do que isso, sob pena de fazer recair sobre o recorrente as consequências de uma omissão que é da exclusiva responsabilidade do tribunal (a quo).

   E tal solução não importa em acréscimo de qualquer prazo não previsto na lei: os 10 dias para oferecer conclusões, seguidos de 10 dias para as completar ou esclarecer somariam, neste caso, os mesmos 20 dias que importariam num convite formulado ao abrigo do artº 414º, nº 2 do CPP pelo juiz do tribunal recorrido, acrescidos dos 10 dias para as completar ou esclarecer, previstos na 1ª parte do nº 3 do artº 417º do CPP.


    Mas a questão, salvo melhor opinião, nem se centra na interpretação a dar ao nº 3 do artº 417º do CPP.

    É que, bem vistas as coisas, o recurso foi rejeitado na Relação de ..., não porque das conclusões do recurso oferecido pelo recorrente BB não fosse possível deduzir, total ou parcialmente, as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do artº 412º do CPP, antes porque esse Tribunal entendeu que as conclusões apresentadas não eram concisas.


      A decisão do tribunal recorrido é, no segmento que ora importa, do seguinte teor:

«3. Da rejeição do recurso do arguido BB.

Face à inexistência de conclusões no recurso do arguido foi proferido o seguinte despacho (fls. 5930 e 5931), que se reproduz:

“Nas suas alegações de recurso que o arguido/recorrente BB apresentou existe uma ausência total de "conclusões" pelo que não deu cumprimento às exigências formais e substanciais reclamadas pelo disposto no art° 412°, n.°1 do CPP, resumindo as razões do seu pedido.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451°-279 e 453°- 38, e na CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).

De acordo com orientação pacífica da doutrina e da jurisprudência, as conclusões da motivação do recurso são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado. Devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que serão objecto de decisão (vd. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág.350, Alberto dos Reis, C. P. Civil anot. V, pág.359 e Ac. do S.T.J. de 4Fev.93, na C.J. Acs. do STJ ano I, tomo 1, pág.140. Na C.J. Acs. do STJ ano I, tomo I, pág.140).

O carácter sintético das conclusões é expressamente salientado pelo art.° 639.°, n° 1, do Código de Processo Civil, bem como pelo art.° 412.° n.° 1 do C.P.Penal.

Como refere o Ac. do S.T.J. de 4.Fev.03, "a razão de ser da lei é, por um lado, apelar para o dever de colaboração das partes e dos seus representantes (art.° 266, do C. P. C.) a fim de tornar mais fácil, mais pronta e mais segura a tarefa de administrar a justiça, e por outro lado, fixar a delimitação objectiva do recurso, indicando concreta e precisamente as questões a decidir (art. ° 684. ° do C.P.C.)".

Cabe ao recorrente cabe delimitar o objecto do recurso, delimitação que, como referimos, é feita pelas respectivas conclusões que, tal como a lei as define, deverão ser concisas (art.° 412.° n.° 1 do C.P.P.).

O convite no sentido de haver lugar ao aperfeiçoamento de recurso, no caso a formulação das conclusões de recurso, é hoje uma consagração expressa na lei, após as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal (Lei n° 48/2007, de 29 de Agosto), onde se passou a prever (art° 417°, n.° 3)

Assim, convida-se o recorrente a apresentar conclusões (concisas), no prazo de 10 (dez) dias nos termos acima enunciados, sob pena de rejeição do recurso nos termos dos arts. 417.° n.° 3 e 420.° n.° 1, al. c), ambos do C.P.P.”

Ora, como muito bem apontaram os assistentes:

I. As conclusões que o arguido BB, vem ora apresentar, consubstanciam-se numa repetição ou aglutinação, dos extensos parágrafos da motivação por si apresentada, o que contraria o disposto nos artigos art. 412° n.º1 do CPP, implicando a inexistência de verdadeiras conclusões.

II. O arguido BB exportou repetidamente para a Conclusão, os fundamentos da motivação, não cumprindo os requisitos de fixação com precisão das questões a decidir, determinando uma utilização dilatória do Recurso.

III. O Recurso do arguido BB contem 1108 páginas e uma Conclusão com 339 artigos, ao longo de mais 57 páginas, para analisar, em síntese, duas questões que no essencial se concretizam, atento o seu Recurso, na perseguição do MP e do Tribunal ao arguido por via de uma errada investigação (que não logrou demonstrar ao longo da motivação e conclusões de Recurso) e na equivocada decisão de dar como provado o crime de branqueamento relativo a capitais no montante de 10.000.000,00 (dez milhões de dólares) pertencentes aos lesados (titularidade que o arguido nunca contesta e deu como certo ao longo dos seus requerimentos e Recurso), com a consequente utilização indevida dos fundos por parte do arguido sem qualquer conhecimento dos seus proprietários (que o arguido também nunca contrariou).

IV. Cabe à motivação enunciar os fundamentos do Recurso e às conclusões resumir as razões do pedido, sintetizando aquilo que foi enumerado, com vista à fixação das questões a decidir, realidade que não se colhe nas Conclusões apresentadas pelo arguido BB.

V. O conteúdo das Conclusões, mais não são que os fundamentos da motivação, desprovidos das citações doutrinais e jurisprudenciais, com supressão de alguns parágrafos.

VI. Em grande parte, as Conclusões apresentadas são, assim, repetições ou mera aglutinação da motivação, existindo, ainda ausência de correspondência entre a Motivação e as Conclusões, conforme a seguir se identifica e se exemplifica nos seus primeiros 200 pontos:

(…) [12]

Decidindo:

As conclusões, em número de 339 em 57 páginas, estão longe de ser sucintas, pelo que o recorrente não deu cumprimento ao convite formulado na notificação oportunamente efectuada.

O arguido BB, apesar de notificado com essa cominação não apresentou conclusões concisas pelo que se rejeita o respectivo recurso nos termos dos arts. 417.° n.° 3 e 420.° n.° 1, al. c), ambos do C.P.P.».


   Ora, como se vê, a rejeição do recurso do recorrente BB é justificada apenas com o facto de estarem “longe de ser sucintas”, assim entendendo o tribunal recorrido que o recorrente não deu cumprimento ao convite que lhe foi formulado.

            Porém, não é inteiramente assim.

É verdade que as conclusões oferecidas pelo recorrente, em cumprimento do convite que lhe foi feito pelo Exmº Juiz Desembargador relator, estão longe de primar pela concisão.

    E a verdade é que, nos termos do disposto no artº 412º, nº 1 do CPP, a motivação “termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do arguido”.

   Ora, como ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 351, “as conclusões devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que hão-de ser objecto de decisão”.

   E, bem vistas as coisas, não se pode dizer – ainda que com algum esforço e boa vontade – que as conclusões oferecidas pelo recorrente sejam um exemplo de concisão ou de capacidade de síntese.

Mas também é verdade que, como bem afirma a Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, “o recorrente BB não se terá mostrado totalmente indiferente ao convite que lhe foi dirigido, para ser conciso nas conclusões, tendo em conta, designadamente, o número de páginas das conclusões, num total de 57, e a complexidade da matéria espelhada no número de páginas das alegações que apresentou, num total de 1108 páginas”.

    O recorrente BB, é bom recordá-lo, foi condenado pela prática de um crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368.º-A do Cod. Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. No recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de ..., pretende ver reapreciados os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, enunciando as provas que, do seu ponto de vista, imporiam uma decisão diversa da recorrida, questionando a medida da pena que lhe foi aplicada, e pugnando pela sua absolvição.

  E, como bem salienta a Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, “no caso, o juízo de falta de concisão determinou a rejeição de um recurso, de uma decisão condenatória, em pena de prisão de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, obstando-se à efectivação de um direito fundamental em matéria criminal, que é o direito de defesa, na sua dimensão de direito ao recurso”.

    A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, inicialmente mais rígida na determinação das consequências de falta de concisão nas conclusões oferecidas, tem evoluído – mercê de alguma intervenção do Tribunal Constitucional, há que o reconhecer – nesta matéria.

    E é assim que no Ac. STJ de 15/1/2004, Proc. nº 03P3472, relatado pelo Exmº Conselheiro Rodrigues da Costa [13], se pode ler:

«(…) é muito difícil a tradução para a prática do conceito de concisão, relevando de uma considerável margem de subjectividade. Por outro lado, a concisão enquanto objecto da praxis é muito relativa, dependendo das concretas circunstâncias do caso e dos objectivos que se pretende alcançar. A isto acresce o facto de a concisão ser tida, normalmente, como uma qualidade de determinada pessoa, o que põe em destaque aquele aspecto subjectivo que acentuámos. Há pessoas que são por natureza concisas e outras, prolixas, sem prejuízo de a concisão ser algo que se aprende e que se exercita. Isto significa também que é preciso ter uma certa margem de tolerância no julgamento do que é conciso ou do que o não é. Sobretudo quando desse julgamento possam derivar consequências que contendem com a esfera dos direitos da pessoa, nomeadamente dos direitos fundamentais.

É o caso dos autos. De um juízo de falta de concisão extraiu-se uma consequência drástica: a rejeição de um recurso de uma decisão condenatória, ou seja, a obstaculização de um direito fundamental em matéria criminal, como é o direito de defesa, na sua dimensão de direito ao recurso».

    E nesse aresto se conclui que “a falta de concisão das conclusões não pode ser equiparada pura e simplesmente à falta de conclusões e, muito menos, à total falta de motivação, conduzindo eventualmente à rejeição do recurso, ainda que o recorrente (arguido) tenha sido convidado a sintetizar as referidas conclusões”, algo que, aliás, nem sequer sucedeu no caso em apreço, porquanto o recurso foi rejeitado sem que, previamente, o recorrente tenha sido convidado a aperfeiçoar as suas conclusões, tidas pelo tribunal recorrido como não “concisas” e “sucintas”.


      E contra isto não vale dizer que o recorrente foi – perante a ausência de conclusões – convidado a apresentar conclusões concisas, sob pena de rejeição do recurso.

      Que as conclusões, em abstracto, devem ser concisas, resulta do disposto na parte final do nº 1 do artº 412º do CPP. De onde resulta que notificar o recorrente com a expressa advertência de que as conclusões devem ser concisas, é algo irrelevante, porque redundante. Que o tribunal tenha feito, em concreto, um juízo de falta de concisão das conclusões oferecidas é algo que nunca foi transmitido ao recorrente, com o inerente convite a aperfeiçoá-las.

   Ora, o Tribunal Constitucional declarou já, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante dos artigos 412.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), quando interpretados no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação implicar a imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência – Ac. TC nº 337/2000, de 27/6/2000, DR  n.º 167/2000, Série I-A de 21/7/2000.

    Consta de tal acórdão:

«O processo penal deve ser um processo eficaz, capaz de permitir ao Estado a punição dos criminosos. Mas deve ser também um processo justo, por forma a oferecer aos cidadãos garantias efectivas de defesa contra eventuais acusações injustas.

É, na verdade, preferível deixar de punir um criminoso do que correr o risco de punir um inocente.

Por isso, dispõe o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição que «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».

Pois bem, como prescreve o artigo 412.º, n.º 1, transcrito atrás, o recorrente, na motivação do recurso, deve expor os fundamentos do mesmo, e, a terminar, deve formular conclusões, nas quais resuma as razões do seu pedido. É dizer que, ao formular as conclusões, deve fazê-lo com concisão.

Simplesmente - sublinhou-se no Acórdão n.º 193/97 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 36.º, p. 395), observação que o citado Acórdão n.º 43/99 repetiu -, «a concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso, e não como um entrave burocrático à realização da justiça. Assim, há que compreender o entendimento das conclusões, seguindo a definição de Alberto dos Reis, como 'as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação' (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra, 1981, p. 359)».

Por isso - observou-se no citado Acórdão n.º 417/99 -, «uma interpretação normativa dos preceitos respeitantes à motivação do recurso em processo penal e às respectivas conclusões (artigos 412.º e 420.º do Código de Processo Penal) que faça derivar da prolixidade ou da falta de concisão das conclusões um efeito cominatório, irremediavelmente preclusivo do recurso, sem dar ao recorrente a oportunidade de suprir a deficiência detectada, constitui uma limitação desproporcionada das garantias de defesa do arguido em processo penal, restringindo o seu direito ao recurso e, nessa medida, o direito de acesso à justiça» (cf., identicamente, o mencionado Acórdão n.º 43/99).

Vale isto por dizer que tais normativos - ou seja: os normativos atinentes à motivação do recurso em processo penal e às respectivas conclusões (artigos 412.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, citados) -, quando interpretados em termos de a falta de concisão das conclusões da motivação de recurso implicar a rejeição deste, sem mais (isto é, sem que o recorrente seja, previamente, convidado a suprir a deficiência detectada), limitam intoleravelmente o direito ao recurso e, nessa medida, impõem um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido.

Esses normativos, com essa interpretação, são, pois, inconstitucionais, por violarem o princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

Ex adverso, objectar-se-á que o convite ao aperfeiçoamento implica um alongamento do processo, e que isso se não compadece com as exigências de celeridade processual.

Sem razão, porém.

É certo que a justiça deve ser célere, pois, quando tardia, pode equivaler a falta de justiça. Simplesmente, a celeridade não significa que o processo se deva desenrolar a um ritmo trepidante. Tal sucedendo, corre-se mesmo o risco de se perder a serenidade - e, com ela, a ponderação -, essenciais a uma boa administração da justiça.

No processo penal, até por exigência constitucional, a celeridade tem sempre de compatibilizar-se com as garantias de defesa, pois - dispõe o n.º 2 do citado artigo 32.º - o arguido deve «ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa».

Sendo isto assim, as exigências de celeridade processual não podem obstar a que o recorrente seja convidado a aperfeiçoar as conclusões da motivação de recurso que, acaso, sejam prolixas, padecendo de falta de concisão. Esse convite ao aperfeiçoamento impõem-no as exigências feitas pelo direito de defesa, com as quais - repete-se - a celeridade processual tem sempre de compatibilizar-se».

     E não há motivo algum para, face à actual redacção dos preceitos em causa, entender de forma diversa.

      Perante as conclusões oferecidas pelo recorrente BB, em resposta a convite que, para o efeito, lhe foi feito, o tribunal recorrido, uma de duas:

- ou entendia que, face à extensão e confusão das mesmas não lhe era possível identificar as questões a decidir, caso em que se impunha um convite ao recorrente, no sentido de as aperfeiçoar;

- ou considerava que, apesar da extensão das conclusões, se mostrava possível identificar as questões a decidir, as “razões do pedido”, na expressão utilizada no nº 1m do artº 412º do CPP e, nesse caso, restava-lhe apreciar o recurso interposto pelo mesmo arguido.

   A rejeição, pura e simples, do recurso, com o fundamento único de não serem sucintas as conclusões apresentadas, fere de um modo desproporcional o direito de defesa do arguido, eliminando o seu direito a um recurso – artº 32º, nº 1 da CRP.

    E, por essa razão, não pode manter-se o acórdão recorrido, que deve ser revogado.


IV. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes desta 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

  a) Rejeitar o recurso interposto pelos arguidos AA e CC, no segmento relativo à perda alargada de bens, atenta a sua inadmissibilidade face ao estatuído no artº 400º, nº 1, al. c) do CPP, julgando-o não provido no restante e condenando estes recorrentes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, bem como no pagamento de uma importância igual a 3 UC´s, nos termos do artº 420º, nº 3 do CPP;

b) Conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido BB, revogando o acórdão recorrido e determinando que seja substituído por outro que aprecie o recurso interposto por este arguido, se necessário com prévio convite ao mesmo para aperfeiçoar as suas conclusões.

    Nesta parte, sem tributação.


 Lisboa, 9 de Dezembro de 2021 (processado e revisto pelo relator)


Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)

Ana Brito (Juíza Conselheira adjunta)           

________

[1] Transcrição de parte da pag. 2, e final da pag. 5 a pag. 14 do acórdão recorrido.
[2] Cfr. o despacho de 04/04/2019 (Referência: ……29), no qual foi admitido o recurso de BB do acórdão condenatório, a subir nos próprios autos, imediatamente, e com efeito suspensivo.
[3] Neste sentido, cfr. também o Ac. STJ de 18/05/2011, in Proc. nº 191/08. 2JELSB.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido – cfr. também o Ac. TC de 11/03/1997, in Proc. nº 95-0028, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Art. 721º do Cod. Proc. Civil de 1961, a que corresponde o art. 671º do Cod. Proc. Civil, na redacção dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[6] Acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150392.html.
[7] Acessível em www.dgsi.pt.
[8] Código de Processo Penal Comentado (Almedina-2014), 1251.
[9] Também acessível em www.dgsi.pt.
[10] No mesmo sentido, Ac. STJ de 22/4/2015, Proc. nº 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1, relatado pelo Exmº Conselheiro Silva Miguel, acessível em www.dgsi.pt.: “Decisão que não conheça do objecto do processo, é toda a decisão interlocutória, bem com a não interlocutória que não conheça do mérito da causa”.
[11] Cfr., no mesmo sentido, os Acs. STJ de 5/11/2008 e 18/5/2011, citados pela Exmª Procuradora-Geral Adjunta, no douto parecer que ofereceu nestes autos.
[12] Estão transcritos no parecer da Exmª Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Supremo Tribunal, razão pela qual nos escusamos de os repetir.
[13] Acessível em www.dgsi.pt.