Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
797/16.6YRLSB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
PENA DE PRISÃO PERPÉTUA
PRESTAÇÃO DE GARANTIAS PELO ESTADO REQUERENTE
Data do Acordão: 07/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITO E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS / EXPULSÃO, EXTRADIÇÃO E DIREITO DE ASILO.
Doutrina:
- Anabela Miranda Rodrigues, O Mandado de Detenção Europeu, na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto?, RPCC l, Ano 13, n.º 1, p. 23 e ss.;
- Euclides Dâmaso Simões, O controlo da dupla incriminação e o mandado de detenção europeu, RPCC, Ano 16, n.º 3, p. 423 a 473;
- Figueiredo Dias, Extradição e Non Bis in Idem, Parecer, Direito e Justiça, IX, 1995, p. 216;
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, p. 533;
- Gomes Canotilho, a propósito da extradição, RLJ nº 3857, p. 249 e segs
- Mário Elias Soltoski Júnior, RPCC, Ano 16, n.º 3, p. 475 a 494;
- Marques Vidal - Os Tratados Comunitários e o Acordo e Convenção de Schengen - génese e correlação, Documentação e Direito Comparado - Boletim do Ministério da Justiça n.º 69/70, p.20;
- Ricardo Jorge Bragança de Matos, A importância da cooperação judiciária internacional no combate ao branqueamento de capitais, RPCC, Ano 14, n.º 3, p. 325 a 367.
Legislação Nacional:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 33.º, N.º 5.
MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU (MDE), APROVADO PELA LEI N.º 65/2003, DE 23-08: - ARTIGOS 12.º, N.º 1, ALÍNEA G) E 13.º, ALÍNEA B).
Legislação Comunitária:
DECISÃO-QUADRO DO CONSELHO N.º 2002/584/JAI, DO CONSELHO, DE 13-06-2002.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 16-12-2010, PROCESSO N.º 176/10.9YREVR.S1.
Sumário :
I - Não se verifica a causa de recusa facultativa de execução de MDE prevista no art. 12.º, n.º 1, al. g), da Lei 65/2003, de 23/08, se o recorrente não apresenta prova de ter residência em Portugal e se o Estado Português não se comprometeu, por qualquer forma, a executar as penas em causa, em conformidade com o disposto no n.º 3 do citado preceito legal.
II - Para efeitos do disposto na al. b) do art. 13.º da Lei 65/2013, de 23/08, o que está em causa é a garantia de que a pena perpétua não seja executada, não um exercício de impedimento a que o limite máximo de 25 anos previsto nas disposições do direito penal interno português não sejam ultrapassados, o que é questão diversa.
III - O procurado é cidadão italiano, cometeu crimes em Itália, é aplicável a lei italiana e por isso mesmo foi condenado em prisão perpétua, sendo que aquilo que está em causa avaliar para efeitos de execução do MDE é a permissão pela ordem jurídica portuguesa a que seja executada tal pena, de forma condicionada sujeita à garantia dada, relativamente a um cidadão estrangeiro comunitário, que foi detido em Portugal e cuja entrega é pedida pelo Estado da emissão, Estado onde foi proferida a condenação com os contornos conhecidos.
IV - Para efeitos do disposto na al. b) do art. 13.º da Lei 65/2013, de 23-08, é suficiente para cumprimento do MDE, a garantia prestada de que o sistema jurídico italiano prevê uma revisão da pena com possibilidade de incluir o condenado a prisão perpétua no regime de semi-liberdade após este ter cumprido pelo menos 20 anos de pena e também a aplicação de medidas de clemência, com vista a que a pena não seja executada.
Decisão Texto Integral:

      O Exmo. Procurador-Geral Distrital Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa promoveu em 20 de Maio de 2016, ao abrigo do disposto do artigo 16.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, a execução do mandado de detenção europeu emitido em 9 de Novembro de 2015, pela Procuradoria da República no Tribunal de Milão, Itália, inserido no Sistema de Informação Schengen com o nº 0008.02RMACPNCDZFQVV00000001.01, para entrega de AA, de nacionalidade italiana, nascido em ..., natural de ..., Itália, para efeitos de cumprimento de uma pena de prisão perpétua que lhe foi aplicada pelo Tribunal de Ancona, o qual foi detido pela Polícia Judiciária, em Portela de Sintra, no dia 19 de Maio de 2016, pelas 13,20 horas, pela prática de um crime de homicídio, um crime de destruição, supressão ou subtracção de cadáver e um crime de roubo, p. p. nos termos dos artigos 81, 575, 411 e 628.3 do Código Penal Italiano, e de uma pena de 9 meses de prisão que lhe foi aplicada pelo Tribunal de Milão, pela prática de um crime de evasão, p. p. pelo artigo 385 do mesmo Código.

       Mais alega que o crime de homicídio foi incluído pela autoridade judiciária de emissão na lista de infracções constante da parte I do campo e) do formulário do MDE, pelo que, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, não se torna necessária a verificação da dupla incriminação dos factos que justificam a emissão do MDE, tendo os demais crimes correspondência nos artigos 254.º, 210.º e 352.º do Código Penal Português. 

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       O requerido foi detido em 19 de Maio de 2016, tendo sido ouvido no dia 20 de Maio de 2016, no Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do artigo 18.º, n.º 3, da Lei n.º 65/2003, tendo então declarado não consentir na sua entrega e não renunciar ao princípio da especialidade e ainda que cumpriu à ordem do processo do MDE cerca de 33 anos de prisão.

       O Ministério Público para além do mais promoveu se solicitasse à autoridade de emissão do MDE a prestação da garantia a que se refere o artigo 5.º, n.º 2, da Decisão Quadro 2002/584/JAI, no sentido de esta esclarecer que o sistema jurídico italiano prevê a revisão da pena de prisão perpétua aplicada ou a aplicação de medidas de clemência com vista a que tal pena não será executada, nos termos referidos neste preceito, a que corresponde o artigo 13.º, n.º 1, alínea a), da Lei 65/2003, de 23-08.

        Finda a audição do procurado, foi julgada válida a detenção efectuada, sendo imposta ao arguido, como medida coactiva, a prisão preventiva, sendo fixado o prazo de 5 dias para dedução de oposição, determinando-se a solicitação com urgência de resposta às Autoridades italianas, como promovido, tudo conforme acta de fls. 32 a 34.

                                                                           

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     O requerido apresentou a oposição, de fls. 45 a 52, e em original, de fls. 56 a 59 verso, alegando, a final, não haver motivos legais e circunstanciais que determinem a execução do mandado em apreço.

           
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     O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa respondeu à oposição, conforme fls. 69 a 74, concluindo que tendo as autoridades italianas prestado a garantia a que alude o art. 13.º - b) da Lei 65/2003, a qual deve considerar-se suficiente, e não tendo o requerido a qualidade de “residente” em Portugal para efeitos do disposto no art. 12.º n.º 1, - g) da citada lei, inexistem causas de recusa obrigatória ou facultativa de execução do presente MDE, o qual deverá ser executado, com a subsequente entrega do requerido às autoridades italianas.

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       Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Junho de 2016, constante de fls. 79 a 83, ora decisão recorrida, na improcedência dos fundamentos da oposição deduzida pelo requerido, foi deliberado deferir o pedido de entrega do cidadão AA às autoridades judiciais italianas.

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       Não se conformando com o decidido, o requerido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 88 a 96 verso, que remata com as seguintes conclusões:

A)        Não obstante o mandado de detenção europeu se basear no princípio do reconhecimento mútuo há que haver sempre uma preocupação de equilíbrio entre a salvaguarda das liberdades fundamentais e as exigências da eficácia da administração da justiça penal europeia.

B)        Certo é que a salvaguarda da justiça penal europeia, no caso em apreço, já se encontra satisfeita em função do cumprimento de pena efectiva de 26 anos de prisão

C)        E á luz do nosso ordenamento jurídico a percepção só poderá ser a mesma tendo em conta os princípios norteadores das penas criminais, o seu objectivo de ressocialização e reintegração social.

D)        E a proibição constitucional de penas indefinidas ou de carácter perpétuo.

E)        De salientar ainda que as causas de recusa facultativa não podem, de facto, serem concebidas como um acto gratuito ou arbitrário do Tribunal e que devem assentar em argumentos e elementos apresentados (neste caso pelo Recorrente) de forma a que, após a sua ponderação, se justifique a aplicação do direito nacional sobre o direito do Estado emitente.

F)         A prova que incumbiria ao Recorrente (de permanência em Portugal há dois anos) não foi feita pelas circunstâncias explicadas, sendo feita agora,(apesar de o documento principal - atestado de residência - se encontrar na posse da PJ), mas até já resulta feita em função do processo de investigação e detenção.

G)        Acresce ainda que se sabe, com certeza e segurança, dado o tempo em que o Recorrente se encontrava a ser investigado, que o mesmo residia em Portugal.

H) Chegando até a ser divulgado publicamente (da mesma forma que foi divulgado o resultado do Acórdão sem que o Recorrente dele tivesse ainda conhecimento) que o Recorrente quando se evadiu em 2014 passou poucos meses em França a trabalhar como estivador e depois tomou rumo a Portugal onde morou, primeiro em Lisboa, e depois passou a residir em Sintra.

I) Independentemente de tais circunstancias entende se que opera a causa de recusa facultativa e que o fundamento invocado pelo Tribunal da Relação não é suficiente para afastar a aliena g), devendo o Estado Português ter proposto aplicação, em território nacional, da pena em que o Recorrente foi condenado, com as consequências legais que dai adviriam, em função das circunstancias concretas de cumprimento de pena do Recorrente no Estado Italiano.

 J) No que diz respeito ás garantias prestadas pelo Estado Italiano - repete-se o que foi dito em sede de oposição - a única garantia viável seria a de amnistia ou de atribuição imediata de liberdade condicional, atento o disposto no artigo 176.º do Código Penal Italiano.

 K) A garantia de que a pena de prisão perpétua não será aplicada ( e que não foi dada) não garante absolutamente nada - muito pelo contrário - continua a deixar em aberto o cariz de uma pena indeterminada.

L) Havendo a possibilidade de, no sistema penal italiano, ocorrer revisão da pena sempre teremos nós, como Pais que repugna penas de natureza perpétua e de carácter indeterminado, indagar se tal garantia é suficiente quando alguém já cumpriu 26 anos de prisão efectiva?

M) Sempre teríamos nós que pugnar pela aplicação da referida pena em Portugal   a  fim   de   sermos   nós   a   garantir   que   tal   pena   de   natureza indeterminada não seria aplicada.

N) Ou em alternativa exigirmos uma garantia concreta em vez de nos bastarmos com uma mera possibilidade, que pode ou não, vir a ocorrer, de que a pena de prisão perpétua não será, efectivamente cumprida.

O) É o que nos impõe a Lei Fundamental que define a política fundamental, os princípios políticos e estabelece a estrutura, procedimentos, poderes e direitos, de um governo, garantindo certos direitos, liberdades e garantias que têm que ser cumpridos e salvaguardados.

       Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser aceite, sendo declarado procedente e, consequentemente:

a)         Ser considerada como existente a prova de que o Recorrente reside em Portugal em função dos documentos ora juntos, dos documentos apreendidos, e até do processo investigatório e do próprio MDE, sendo, na sequência de tal consideração ser determinada a existência de causa de recusa facultativa do MDE, nos termos previstos pela aliena g) do artigo 12.º da Lei 65/2013, revogando se o douto Acórdão no que a esta parte diz respeito.

b)         Mesmo que assim não se entenda, ser considerada a residência do Recorrente em Portugal em função da oposição apresentada e da, valoração desigual feita pelo Tribunal da Relação dos argumentos vertidos na oposição, revogando se o douto Acórdão no que a esta parte diz respeito.

c)         Na sequência da revogação efectuada deverá o Estado Português comprometer se a executar a pena aplicada ao Recorrente, em território português e de acordo com o ordenamento jurídico português, aceitando a pena aplicável mas comutando a de forma a permitir a libertação imediata do Recorrente.

 d) Ser o Acórdão revogado na medida em que se entende que as garantias prestadas pelo Estado Italiano são suficientes para que se aceite a entrega do Recorrente, dado que tal entendimento (por meramente conclusivo) viola nitidamente os direitos, liberdades e garantias do Recorrente, substituindo se a decisão por outra que não consubstancie tão flagrante violação, fazendo-se assim a costumada Justiça.

                                                            *****

       O recurso foi admitido por despacho de fls. 104.

                                                            *****

       A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa respondeu, conforme fls. 108 a 115, concluindo:

       Pelo exposto, tendo as autoridades italianas prestado a garantia a que alude o art. 13.º n.º 1 -a) da Lei 65/2003, a qual deve ser considerada suficiente, e não tendo o requerido a qualidade de “residente” em Portugal para efeitos do disposto no art. 12.º n.º 1-g) da citada lei, inexistindo causas de recusa obrigatória ou facultativa de execução do presente MDE, pronunciamo-nos pela improcedência do recurso interposto pelo requerido AA.

                                                              ****

       Colhidos os vistos, foi realizada a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

                                                              ****

       Consta do MDE – fls. 22 verso a 23 verso (em tradução para português):

Data da decisão: 1991/01/29

Pena imposta: Prisão perpétua

Classificação legal: Artigos 110, 575, 576, n.º 1, 61, n.º 2, 5, 577, n.º 2, 3, 4, 411, 628, alínea 3, n.º 1, do Código Penal Italiano.

Data da comissão dos crimes: 1) 10.06.1988; 2) 07.07.2007

43.       Locais dos crimes: 1) MAR ADRIÁTICO DE SENIGALLIA (PROVÍNCIA DE ANCONA), 2) MILÃO.

44.       Descrição das Circunstâncias: 1) AA EMBARCOU NUM CATAMARA PARA UMA VIAGEM NO OCEANO JUNTAMENTE COM O DONO DO CATAMARA DE NOME BB E UMA JOVEM RAPARIGA. ELE CAUSOU A MORTE DE BB DANDO-LHE DROGAS PSICOTRÓPICAS E ESFAQUEOU-A ATE A MORTE DESTA. O CORPO FOI ENROLADO NUM COBERTOR E ATIRADO AO MAR COM LASTRO. ELE COMETEU O HOMICÍDIO EM CUMPLICIDADE COM A JOVEM RAPARIGA, A QUAL FOI INDUZIDA A DAR-LHE CUMPLICIDADE, COM O OBJECTIVO DE TOMAR POSSE DO CATAMARA.

Descr.: 2) ENQUANTO ESTAVA A CUMPRIR A PENA PELO CRIME ACIMA MENCIONADO, DE AA NÃO RETORNOU A PRISÃO APÓS UMA PERMISSAO DE SAÍDA.

045.     Grau de Participação: CUMPLICE

Free Text: O SUJEITO COMETEU O CRIME EM CUMPLICIDADE COM UMA JOVEM RAPARIGA. (…)

31.       File Reference: 2843/2012 SIEP

32.       Date Warrant Was Issued: 2015/06/08 UTC

037. Decisão: SENTENÇA Nº 1/1991 EMITIDA PELO TRIBUNAL DE RECURSO ASSISTIDO DE ANCONA EM 29.1.1991, DEFINITIVA EM 5.6.1991. SENTENÇA NUMERO 3556/2009 EMITIDO PELO TRIBUNAL DE MILAO EM 19.3.2009, DEFINITIVA EM 7.5.2013.

041. Legal Description: HOMICÍDIO EM CIRCUNSTANCIAS AGRAVANTES, DESTRUIÇÃO DE CADÁVER COM O OBJECTIVO DE OCULTAR RESPONSABILIDADES DO HOMICÍDIO. ROUBO AGRAVADO PELO USO DE ARMA DE ACO. FUGA.

241. Enforceable judgement: ORDEM DE PRISAO NUMERO 4697/2014 SIEP EMITIDA PELOS SERVIÇOS DO MINISTÉRIO PUBLICO DO TRIBUNAL DE MILAO EM 08.06.2015.

245. Total number of offences: 4

247. EAW Offences: HOMICÍDIO, OFENSAS CORPORAIS GRAVES//ROUBO ORGANIZADO OU A MAO ARMADA

251.     Official Name of issuing authority: SERVIÇOS DO MINISTÉRIO PUBLICO DO TRIBUNAL DE MILÃO.

                                                                 ****

      Questões a decidir

      Como se retira das conclusões apresentadas pelo recorrente no final da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

 

     Questão I – Verificação da causa de recusa facultativa prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003 Residência em território nacional – Conclusões E) a I);            

     Questão II – Garantia de não execução – Artigo 13.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 65/2003 Conclusões J) a O).

    

     Apreciando.

     Antes de avançarmos, dar-se-á ligeira nota da evolução do MDE, que servirá para ancorar algumas das considerações feitas infra.

 

     Do Mandado de Detenção Europeu

      Vejamos a génese e evolução deste novo meio de cooperação internacional em matéria penal, que, contornando os obstáculos do tradicional processo de extradição, veio possibilitar a entrega de cidadãos, incluindo nacionais do Estado de execução, a autoridades judiciárias de Estados Membros da União, traduzindo-se num instrumento simplificado de entrega de pessoas, com o objectivo de combater, de forma célere e eficaz, a criminalidade internacional.

      Como é sabido, com o advento do Mandado de Detenção Europeu, criado pela Decisão-Quadro do Conselho n.º 2002/584/JAI, de 13 de Junho de 2002, introduzido no direito interno pela Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, alterou-se por completo o panorama da extradição, em vigor no País, desde 1975, enquanto instrumento de cooperação entre os Estados Membros da União.

      O mandado de detenção europeu corresponde a uma forma de entrega de cidadãos sujeitos a procedimento criminal, ou condenados, mais eficaz, mais rápida e flexível, com um processo simplificado, na tentativa, por um lado, de responder à nova realidade criminológica, internacionalizada e globalizada, e por outro, como projecção no plano da cooperação judiciária dos avanços no processo de integração europeia, procurando implementar-se um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, com o reconhecimento de que uma decisão tomada por uma autoridade judiciária competente de um Estado Membro deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União.

     Esta nova forma de cooperação internacional e de entrega entre Estados da Comunidade entronca na Convenção Europeia de Extradição, feita em Paris, em 13 de Dezembro de 1957, a que se seguiu o Primeiro Protocolo Adicional, feito em Estrasburgo em 15 de Outubro de 1975 e o Segundo Protocolo Adicional, feito em Estrasburgo em 17 de Março de 1978, os quais vieram a ser aprovados, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, sendo a Convenção assinada em 27 de Abril de 1977 e os dois Protocolos assinados, igualmente em Estrasburgo, em 27 de Abril de 1977 e em 27 de Abril de 1978, tendo sido ratificada a Convenção pelo Decreto do Presidente da República n.º 57/89, ambos publicados no Diário da República - I Série, de 21 de Agosto de 1989.

      O procedimento extradicional veio a ter outros desenvolvimentos ao nível do direito convencional comunitário.

     Assim acontece, desde logo, com um instrumento relevante para este novo processo - cfr. artigo 4.º da Lei n.º 65/2003 - o Acordo Relativo à Supressão Gradual dos Controlos nas Fronteiras Comuns, assinado em Schengen, a 14 de Junho de 1985 e a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, assinada em Schengen, em 19 de Junho de 1990, cujos Protocolo e Acordo de Adesão foram aprovados em 2 de Abril de 2002 pela Resolução da Assembleia da República, publicada sob o n.º 53/93, no Diário da República, n.º 276, Série I-A, de 25-11-1993 e ratificados pelo Decreto do Presidente da República n.º 55/93, publicado no mesmo Diário da República - cfr. Capítulo IV - artigos 55.º a 66.º.

      Os Estados-Membros da Comunidade com o Tratado da União Europeia (TUE), assinado em 07-02-1992 e entrado em vigor em 01-11-1993 (Tratado de Maastricht), afirmaram a existência de um domínio de cooperação comum relacionados com a justiça e assuntos internos, impulsionando a cooperação judicial em matéria penal, como expressamente foi inscrito no Título VI - “Disposições relativas à cooperação policial e judiciária em matéria penal”, criando-se então o terceiro pilar da União Europeia.

      Na sequência, são firmadas e estabelecidas, com base no então artigo K.3 do referido TUE, a Convenção relativa ao Processo Simplificado de Extradição entre os Estados Membros da União Europeia, assinada em Bruxelas, em 10-03-1995, aprovada em 27-02-1997 para ratificação por Resolução da Assembleia da República e ratificada por Decreto do Presidente da República, de 22-05-1997, ambos publicados sob o n.º 41/97, no Diário da República, I Série - A, n.º 138, de 18-06-1997, e a Convenção relativa à Extradição entre os Estados – Membros da União Europeia, assinada em Dublin, em 27-09-1996, aprovada em 28-05-1998, para ratificação por Resolução da Assembleia da República e ratificada em 18-08-1998 por Decreto do Presidente da República, ambos publicados sob o n.º 40/98, in Diário da República, I Série - A, n.º 205, de 05-09-1998, modificando esta Convenção o regime da Convenção de 1957, sendo que tais convenções não chegaram a entrar em vigor na totalidade  dos Estados-Membros, uma vez que não foram ratificadas por todos eles.

     A construção de um espaço judiciário comum e a cooperação judiciária em matéria penal ganha nova dimensão a partir do Tratado de Amesterdão, assinado em 02-10-1997, que entrou em vigor em 01-05-1999, ratificado por Decreto do Presidente da República n.º 65/99, in Diário da República, I Série – A, de 19-02-1999, que teve por ambição suprimir os entraves jurídicos à circulação das decisões judiciais, com a introdução de novos instrumentos normativos, passando os Estados Membros a dispor em matéria penal de “decisões” e “decisões-quadro”, com natureza vinculativa para os Estados Membros, quanto aos fins a alcançar.

     Com o Plano de Acção de Viena, aprovado em 03-12-1998, estabeleceu-se a adopção de medidas tendentes a facilitar os procedimentos de extradição entre os Estados-Membros, assegurando que as duas convenções de extradição existentes adoptadas ao abrigo do TUE fossem efectivamente implementadas na prática. 

     Com o Conselho Europeu de Tampere, realizado em 15 e 16 de Outubro de 1999, operou-se avanço significativo.

     Concluiu-se então que o procedimento formal de extradição deveria ser abolido entre os Estados-Membros no que dizia respeito às pessoas julgadas à revelia cuja sentença já tivesse transitado em julgado e substituído por uma simples transferência de pessoas.

     No sentido da construção do tal espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça propugnado em Amesterdão, concluiu-se deverem as sentenças e decisões serem respeitadas e aplicadas em toda a União, para o que se mostrava necessário alcançar um mais elevado grau de compatibilidade e de convergência entre os diferentes sistemas jurídicos.

     Lançam-se as bases do princípio da confiança mútua, com a verificação de que os Estados-Membros “atingiram um tal grau de integração económica e de solidariedade política que não é insensato partir do postulado de que devem confiar uns nos outros no domínio judiciário”, devendo os Estados prescindir de uma parcela da sua soberania penal para reconhecer, também, as pretensões punitivas estrangeiras, abrindo as fronteiras nacionais às decisões judiciais estrangeiras, consagrando-se, como pedra angular da cooperação judiciária, o princípio do reconhecimento mútuo.

     O objectivo geral deste princípio é conferir à decisão judicial eficácia total e directa, em todo o território da União Europeia, criando operacionalidade ao exercício das acções por parte de cada um dos seus Estados Membros.

     O Conselho, em Novembro de 2000, adoptou um programa de medidas destinado a dar execução ao princípio, afirmando-se que “o reconhecimento mútuo assume (…) formas diversas, devendo ser procurado em todas as fases do processo penal, antes e depois da sentença”.

     Entretanto, outro sinal é ainda avançado a partir do Tratado de Nice, que altera o Tratado da União Europeia, os Tratados que Instituem as Comunidades Europeias e Alguns Actos Relativos a Esses Tratados, assinado em Nice, em 26 de Fevereiro de 2001, ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 61/2001, e aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 79/2001, como o antecedente publicado no Diário da República, I-A Série, n.º 291, de 18 de Dezembro de 2001.

     No artigo 1.º altera, i. a., o artigo 31.º do Tratado da União Europeia, colocando – n.º 1, alínea b) - como um dos objectivos da acção em comum no domínio da cooperação judiciária em matéria penal, facilitar a extradição entre os Estados membros.

     Os acontecimentos verificados nos Estados Unidos da América, em 11 de Setembro de 2001, precipitaram esta evolução, sendo o impulso dado no Conselho Europeu extraordinário, que se realizou dez dias depois, assinalando-se o acordo obtido quanto à introdução do mandado de detenção europeu, que permite a entrega de pessoas procuradas directamente entre autoridades judiciárias, conferindo-se carácter prioritário à sua implementação. 

     O Conselho da União Europeia adoptou então a Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre Estados-Membros.

     Este regime inovador substituiu as Convenções até então vigentes sobre extradição nas relações entre os Estados Membros da União.

      Portugal adaptou o seu direito interno à Decisão Quadro através da publicação da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (diploma interno de transposição).

     Previamente, através de revisão constitucional - a 5.ª - que aditou o n.º 5 ao artigo 33.º da Constituição da República Portuguesa, que passou a estabelecer que “O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia” e alterou o n.º 6  do mesmo preceito, que passou a dispor “Não é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer título, por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física”, foi viabilizada a extradição ou a entrega de cidadãos nacionais, o que aconteceu em consequência dos compromissos assumidos no domínio da cooperação judiciária penal no âmbito da União Europeia - Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de Dezembro.

     O MDE constitui a primeira concretização do princípio do reconhecimento mútuo e por força da sua aplicação, a Decisão Quadro – considerando 11 – acaba com o processo de extradição entre os Estados Membros da União.

     Como refere Anabela Miranda Rodrigues, O Mandado de Detenção Europeu - na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto? na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 13, n.º 1, págs. 23 e ss.,  a decisão quadro “substitui as convenções aplicáveis  em matéria de extradição nas relações entre os Estados-Membros, sem prejuízo da sua aplicação nas relações entre Estados–Membros e Estados  terceiros (art. 31.º, n.º 1) …”.

     Nas relações entre os Estados da Comunidade, por força do MDE, o elemento chave do processo de “entrega” passou a ser o próprio “mandado” de detenção emitido pela autoridade judiciária competente, diversamente do que ocorre nas relações com o exterior do «território único», em que o elemento chave continua a ser o “pedido”, o que se justificará por nesses casos não se estar perante os pressupostos (confiança recíproca entre os Estados Membros, o reconhecimento mútuo e o postulado do respeito efectivo pelos direitos fundamentais em toda a União Europeia) que justificam a judiciarização do processo de detenção e de entrega.

     A propósito desta evolução vejam-se, para além do trabalho referido, “O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu”, por Ricardo Jorge Bragança de Matos, na mesma Revista, ano 14, n. º 3, págs. 325 a 367, “A importância da cooperação judiciária internacional no combate ao branqueamento de capitais”, por Euclides Dâmaso Simões, na Revista citada, ano 16, n.º 3, págs. 423 a 473, e “O controlo da dupla incriminação e o mandado de detenção europeu”, por Mário Elias Soltoski Júnior, no mesmo número da citada Revista, págs. 475 a 494.

               ****

    Apreciando. Fundamentação de Direito

    

     Questão I – Verificação da causa de recusa facultativa prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003 Residência em território nacional

 

    

       Aduziu o recorrente nas conclusões E) a I) dever ser aplicável a lei portuguesa por ter residência em Portugal.

      As causas de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu estão previstas no artigo 12.º, o qual estabelece:

1 - A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando:

a) O facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu não constituir infracção punível de acordo com a lei portuguesa, desde que se trate de infracção não incluída no n.º 2 do artigo 2.º;

b) Estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu;

c) Sendo os factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu do conhecimento do Ministério Público, não tiver sido instaurado ou tiver sido decidido por termo ao respectivo processo por arquivamento; [redacção de 2015]

d) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado membro em condições que obstem ao ulterior exercício da acção penal, fora dos casos previstos na alínea b) do artigo 11.º;

e) Tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, de acordo com a lei portuguesa, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu;

f) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado terceiro desde que, em caso de condenação, a pena tenha sido integralmente cumprida, esteja a ser executada ou já não possa ser cumprida segundo a lei do Estado da condenação; [redacção de 2015]

g) A pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa;

h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que:

    i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses; ou

     ii) Tenha sido praticada fora do território do Estado membro de emissão desde que a lei penal portuguesa não seja aplicável aos mesmos factos quando praticados fora do território nacional.

    (Realces obviamente nossos).

       Em Maio de 2015, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio, foram aditados os n.ºs 3 e 4.

       3 – A recusa de execução nos termos da alínea g) do n.º 1 depende de decisão do tribunal da relação, no processo de execução do mandado de detenção europeu, a requerimento do Ministério Público, que declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena aplicada

       4 – A decisão a que se refere o número anterior é incluída na decisão de recusa de execução, sendo-lhe aplicável, com as devidas adaptações, o regime relativo à revisão e confirmação de sentenças condenatórias estrangeiras.

       Vejamos então se tem aplicação a causa de recusa prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003.

      

       Incidindo sobre a antiga versão, pronunciaram-se os acórdãos do STJ de 23-11-2006, processo 4352/06-5.ª e de 26-11-2009, processo n.º 325/09.0JDLSB.L1.S1-5.ª, afirmando: Nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º da lei n.º 65/2003, é motivo de recusa facultativa da execução do MDE quando «a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa», sabido que a lei não prevê nenhum processo de revisão de sentença estrangeira.

       Na oposição deduzida em 25-05-2016 já o recorrente referira a residência em Portugal no artigo 13 e depois concretizou este ponto nos artigos 33 a 35, alegando residir em Portugal há dois anos, pretendendo fazer vida cá, encontrando-se a residir em Sintra, onde arrenda um pequeno apartamento, andando em busca de um espaço comercial, pois pretende abrir um estabelecimento comercial para exercer negócio de geladaria, fazendo entretanto pequenos biscates que permitem a sua sobrevivência em conjunto com alguns rendimentos que trouxe de Holanda, onde habitualmente residia antes de ser preso.

       O acórdão recorrido afastou a integração deste conceito de residência, por não ter sido apresentada prova, sufragando o que salientara o Ministério Público na resposta. 

       Na conclusão F) diz o recorrente apresentar a prova de que reside em Portugal, juntando os sete documentos de fls. 97 a 103.

       Os documentos de fls. 97, 98 e 99 correspondem a facturas de serviços de comunicações emitidos pela MEO em nome de CC, R ..., relativos a débitos de Janeiro, Março e Abril de 2016.

       A fls. 100 encontra-se factura da PT, de 19 de Maio de 2016, relativa a aquisição de equipamento a prestações em nome de CC.

       A fls. 101 encontra-se contrato de adesão ao MEO, sem data, com o mesmo titular.  

       A fls. 102 encontra-se uma carta do Santander Totta de 7-07-2015, dirigida a CC, endereçada à Rua ..., a enviar o cartão Novo Classic.

       A fls. 103 – documento 7 – encontra-se um anexo ao contrato de adesão do cliente CC, com data de 15-04-2016.

       Estes elementos de prova são agora apresentados, não tendo o tribunal recorrido sido confrontado com os mesmos.

       Como se alcança da narrativa precedente estes papéis são de todo imprestáveis para os fins em vista.

       Por outro lado, como bem afirma o acórdão recorrido, o Estado Português não se comprometeu, por qualquer forma, a executar as penas aqui em causa, havendo que ter em conta o disposto no n.º 3 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003.

       Concluindo: Não se verifica a causa de recusa facultativa prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 65/2003.

 

       Questão II – Garantia de não execução – Artigo 13.º alínea a) da Lei n.º 65/2003

      Esta questão é abordada pelo recorrente nas conclusões J) a O).

      Antes de avançarmos abordar-se-á questão aludida na conclusão D).

      Prisão perpétua - Enquadramento

      Sobre os limites das penas e das medidas de segurança estabelece o artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa:

      1 – Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.

      O artigo 33.º da Constituição da República Portuguesa, versando sobre Expulsão, extradição e direito de asilo, estabelece:

      3 - A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo.

      Por sua vez, o n.º 4 determina que:

      4 - Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, se nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado e oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada.

       O n.º 5 do mesmo preceito, aditado na 5.ª revisão constitucional, estabelece:

       5 - O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia.

       Em termos de proibição absoluta de extradição ou de entrega de pessoas procuradas, estabelece o n.º 6 (alterado na referida 5.ª revisão constitucional) do mesmo artigo 33.º da Constituição da República Portuguesa:

       6 - Não é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer título, por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física.

       Tal proibição encontra-se igualmente estabelecida no ponto 13 do preâmbulo da referida Decisão-Quadro, a qual respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.º do Tratado da União Europeia e consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente o seu capítulo VI.

       Consta do ponto 13 do preâmbulo:

       Ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes.

       Do mesmo modo na alínea d) do artigo 11.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, que estabelece:

                                                             Artigo 11.º

  Causas de recusa de execução do mandado de detenção europeu

       

       A execução do mandado de detenção europeu será recusada quando:

       d) A infracção for punível com pena de morte ou com outra pena de que resulta lesão irreversível da integridade física.

       E ainda no âmbito da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, que regula a Cooperação judiciária internacional, estabelece o

                                              Artigo 6.º

              Requisitos gerais negativos da cooperação internacional

        1.O pedido de cooperação é recusado quando:

       e) O facto a que respeita for punível com pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa;

       f) Respeitar a infracção a que corresponda pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida.

       2. O disposto nas alíneas e) e f) do número anterior não obsta à cooperação:

       b) Se, com respeito a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requerente, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, o Estado requerente oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada;

      c) Se o Estado que formula o pedido aceitar a conversão da mesmas penas ou medidas por um tribunal português segundo as disposições da lei portuguesa aplicáveis ao crime que motivou a condenação.

       3. Para efeitos de apreciação da suficiência das garantias a que se refere a alínea b) do número anterior, ter-se-á em conta, nomeadamente, nos termos da legislação e da prática do Estado requerente, a possibilidade de não aplicação da pena, de reapreciação da situação da pessoa reclamada e de concessão da liberdade condicional, bem como a possibilidade de indulto, perdão. Comutação de pena ou medida análoga, previstos na legislação do estado requerente. 

       Por revestirem interesse para o caso extraem-se as seguintes passagens do acórdão de 18-06-2009, proferido no processo n.º 428/09.0IFLSB, em que interviemos como adjunto e presentes igualmente no acórdão do mesmo relator, de 9-08-2013, processo n.º 750/13.1YRLSB.S1:

       «Quanto à pena de prisão perpétua,       tendo sido abolida em Portugal há mais de 125 anos, pela Lei de 4 de Junho de 1884, encontra-se a mesma proscrita pela nossa Constituição da República em virtude de a sua aplicação repugnar à consciência jurídica que enforma o nosso ordenamento, tendo em conta a prevalência da dignidade da pessoa humana e do seu reflexo na ponderação dos fins das penas, onde necessariamente avulta a recuperação e a reintegração social do delinquente

       Mas como já anotava Gomes Canotilho, a propósito da extradição - in Revista de Legislação e Jurisprudência nº 3857, p. 249 e segs -, só em  casos de proibição absoluta de extraditar “a ordem jurídico-constitucional portuguesa se autoconstitui em reduto inexpugnável de protecção dos bens da vida e da liberdade. Nos outros casos devem ser tomadas em conta as exigências do direito internacional (...) Só em casos de violação da ordem pública jurídico-constitucional e da inexistência de standards mínimos de justiça procedimental na ordem jurídica do Estado requisitante se exige um comportamento mais vigilantemente amigo dos direitos fundamentais”.

       E, mais adiante: “é razoável admitir uma solução menos drástica quando esteja em causa a extradição por crime a que corresponda pena de prisão perpétua. Aqui o critério da punibilidade em concreto é o que melhor se adapta às necessidades de cooperação judiciária internacional em matéria penal, sem que com isso se possa acusar o legislador ou os tribunais de estarem a violar normas constitucionais.”

       Também Figueiredo Dias, Extradição e Non Bis in Idem, Parecer, in Direito e Justiça, IX, 1995, p. 216, defendia que “não basta ser presumível a não aplicação da pena de prisão perpétua. Pelo contrário, tem que existir uma garantia efectiva da não aplicação dessa pena, por via do instituto da comutação “em face do disposto no artigo 6º do diploma sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal,”,

       Em idêntico sentido sintetizava Marques Vidal - Os Tratados Comunitários e o Acordo e Convenção de Schengen - génese e correlação -in Documentação e Direito Comparado - Boletim do Ministério da Justiça nº 69/70, p.20: -“Deste modo, a cooperação judiciária não será recusada se o Estado parte que a solicita, nos casos puníveis com pena perpétua, der garantias de aplicação concreta de sanções alternativas. Se essas garantias não forem fornecidas pelo Estado parte que solicita a cooperação, esta deve ser-lhe recusada.”

       Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, p. 533. em anotação ao artº 33º da Constituição:

       “Diferentemente do que se previa na lei (DL n 43/91), em que se equiparava a extradição por crime a que correspondesse pena de morte, o texto constitucional estabelece aqui garantias menos enérgicas das que impõe para o caso da pena de morte. A proibição de extradição cede, nestes casos, perante garantias oferecidas pelo Estado requisitante de que tal pena não será aplicada ou executada – porque o Estado requerente decidiu converter a pena ou medida de segurança de duração indefinida ou porque aceitou a conversão dessas penas ou medidas por um tribunal português segundo a lei portuguesa -, o que aponta para a consagração do critério de punibilidade em concreto.”

       A alínea c) do artº 13º da Lei nº 65/2003 delimita o modo de cooperação internacional, ao conceder potestas ao Estado nacional, salvaguardando a sua soberania como Estado membro da execução, na protecção dos seus nacionais ou residentes, para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativas de liberdade a que foi condenada a pessoa procurada no estado membro de emissão.

       Este entendimento enraizava-se já nos valores humanistas da ordem pública nacional, testemunhados pelo ordenamento jurídico, de que a abolição da pena de morte o constituiu pioneiro, e tem-se mantido ao longo do tempo, de que os actuais artsº 1º, 2º 9º b), 13º e 30º da Constituição da República são paradigma.

       Aliás, nessa óptica, a título de exemplo, Portugal formulou - como Parte Contratante na Convenção Europeia de Extradição, estabelecida com base no artigo k.3 do Tratado da União Europeia, Relativa à Extradição entre os Estados membros da União Europeia, a seguinte Declaração:

       “Tendo formulado uma reserva à Convenção Europeia de Extradição de 1957, segundo a qual não concederá a extradição de pessoas reclamadas por um crime a que corresponda uma pena ou uma medida de segurança com carácter perpétuo, Portugal declara que, nos casos em que o pedido de extradição se baseie numa infracção a que corresponda tal pena ou medida de segurança, apenas concederá a extradição, respeitadas as disposições pertinentes da sua Constituição, conforme interpretadas pelo seu Tribunal Constitucional, se considerar suficientes as garantias prestadas pelo Estado-membro requerente de que aplicará, de acordo com a sua legislação e a sua prática em matéria de execução de penas, as medidas de alteração de que a pessoa reclamada possa beneficiar”».

      Das garantias a fornecer pelo Estado-Membro de emissão em casos especiais

      Começando pela Decisão – Quadro do Conselho da União Europeia de 13 de Junho de 2002, 2002/584/JAI, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros (acto adoptado em aplicação do título VI do Tratado da União Europeia), in JOC L190/1, de 18-07-2002.

                                                           Artigo 5.º

           (Garantias a fornecer pelo Estado-Membro de emissão em casos especiais)

 

       A execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária de execução pode estar sujeita pelo direito do Estado-Membro de execução a uma das seguintes condições:
1. (Inaplicável no caso, pois regula o caso de mandados para efeitos de cumprimento de pena ou medida de segurança imposta em decisão proferida em julgamento in absentia)
2. Quando a infracção que determina o mandado de detenção europeu for punível com pena ou medida de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, a execução do mandado de detenção europeu pode ficar sujeita à condição de que o Estado-Membro de emissão preveja no seu sistema jurídico uma revisão da pena proferida - a pedido ou, o mais tardar, no prazo de 20 anos - ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado-Membro de emissão, com vista a que tal pena ou medida não seja executada
3. (Versa sobre mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento criminal, relativo a nacional ou residente do Estado-Membro de execução, com reporte ao artigo 13.º, c), ora b), da Lei n.º 65/2003).

Correspondendo a este artigo 5.º da Decisão Quadro, temos na ordem interna o artigo 13.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 194, de 23-08-3003), que na versão originária estabelecia o seguinte:

                                            Artigo 13.º

Garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em casos especiais

“A execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das seguintes garantias:

a) Quando o mandado de detenção europeu tiver sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança imposta por uma decisão proferida na ausência do arguido e se a pessoa em causa não tiver sido notificada pessoalmente ou de outro modo informada da data e local da audiência que determinou a decisão proferida na sua ausência, só será proferida decisão de entrega se a autoridade judiciária de emissão fornecer garantias consideradas suficientes de que é assegurada à pessoa procurada a possibilidade de interpor recurso ou de requerer novo julgamento no Estado membro de emissão e de estar presente no julgamento;

b) Quando a infracção que motiva a emissão do mandado de detenção europeu for punível com pena ou medida de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, só será proferida decisão de entrega se estiver prevista no sistema jurídico do Estado membro de emissão uma revisão da pena aplicada, a pedido ou o mais tardar no prazo de 20 anos, ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa procurada tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado membro de emissão, com vista a que tal pena ou medida não seja executada;

c) Quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão”.

       Com a Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 85, de 4-05-2015), é operada a primeira alteração à Lei 65/2003, em cumprimento da Decisão-Quadro 2009/299/JAI, do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, que reforça os direitos processuais das pessoas e promove a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo no que se refere às decisões proferidas na ausência do arguido, tendo sido alterados onze artigos, entre os quais o artigo 13.º, passando o corpo do n.º 1 a ter o texto do anterior corpo do artigo, a alínea a) passou a albergar o texto da anterior alínea b) do corpo do artigo e a alínea b), a conter o texto da anterior alínea c) do corpo do artigo, sendo aditado o n.º 2.

                                                        Artigo 13.º

Garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em casos especiais

1 - A execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das seguintes garantias:

a) Quando a infracção que motiva a emissão do mandado de detenção europeu for punível com pena ou medida de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, só será proferida decisão de entrega se estiver prevista no sistema jurídico do Estado membro de emissão uma revisão da pena aplicada, a pedido ou o mais tardar no prazo de 20 anos, ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa procurada tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado membro de emissão, com vista a que tal pena ou medida não seja executada;

b) Quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão.

2 - À situação prevista na alínea b) do número anterior é aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 12.º

       Revertendo ao caso concreto

      A solicitação do Tribunal da Relação de Lisboa, foi enviada a garantia de que se retira, na versão traduzida, a fls. 63 verso e 64, o seguinte:

      “Com referência à garantia prevista no artigo 5.º, ponto 2, da Decisão-Quadro do Conselho da União Europeia n.º 2002/584/JAI, de 13.6.2002, faz-se notar que na organização jurídica italiana não está em vigor o princípio de inderrogabilidade da actuação integral da pena; portanto também os condenados a prisão perpétua, uma vez passado um período de tempo não muito superior ao previsto para os que estejam cumprindo penas temporárias cuja duração é mais longa, têm direito a que – ocorrendo as condições fixadas pelas normas relativas à organização penitenciária – avalie-se se a quantidade de pena já cumprida tenha satisfeito seu objectivo de reeducação, com a renúncia condicionada ou definitiva, da parte do Estado, à sua ulterior pretensão punitiva (Supremo, 1 de Março de 1991, Martino, C.E.D. Cassazione, n.º 186929).
O Legislador italiano, ao actuar concretamente o princípio constitucional do fim de reeducação da pena, previu que ao condenado a prisão perpétua seja possível aplicar a disciplina da libertação condicional, quando este último tiver efectivamente cumprido 26 anos de pena (artigo 176.º do Código Penal); e na lei n.º 354 de 1975 sobre a organização penitenciária previu a possibilidade de incluir o condenado a prisão perpétua no regime de semi-liberdade após este ter cumprido pelo menos vinte anos de pena, bem como previu a possibilidade de referir ao condenado a prisão perpétua, quando este demonstrar ter participado na tarefa de readaptação social, a dedução de pena por cada semestre de pena de detenção já expiada, em particular com vista à antecipação da libertação condicional com relação ao prazo mínimo estabelecido no artigo 176 do Código Penal”.

       Tendo em vista a redacção originária do artigo 13.º o acórdão do STJ de 4-12-2008, proferido no processo n.º 3861/08, da 5.ª Secção, referiu:

       O art. 13.º da Lei 65/2003 trata das garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em determinados casos especiais e esclarece no seu corpo que a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias a que se referem as suas alíneas, que retratam procedimentos comuns para as duas primeiras e diverso para a última.

       No que se refere às als. a) e b) não só a  execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias (corpo do artigo) a que se referem as suas alíneas, como a própria decisão de entrega só poderá ser proferida depois de prestada tal garantia [als. a) e b)], sendo essas alíneas explícitas quanto à prestação de tais garantias, de natureza e proveniência diferentes.

       Mas o regime aplicável ao caso da al. c) é diverso (…)”

    Extrai-se do acórdão de 25-02-2010, processo n.º 42/10.8YFLSB-5.ª: “A decisão de entrega do recorrente ao Estado de emissão, para aí ser sujeito a procedimento criminal pelo crime de fuga de custódia legal (correspondente ao crime de evasão à luz da lei portuguesa), punível com pena de prisão que pode ser perpétua, nos termos da al. b) do art. 13.º da Lei 65/2003, depende da verificação de uma de duas situações: a) a previsão no sistema jurídico do Estado membro de emissão de uma revisão da pena aplicada, a pedido ou o mais tardar no prazo de 20 anos; b) ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa procurada tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado membro de emissão, com vista a que a pena ou medida de segurança não seja executada.

       Não há fundamento para proferir decisão de não entrega à luz da al. b) do citado art. 13.º quando a segunda destas condições é afirmada no MDE. Este mandado de detenção baseia-se num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros, pelo que tem de se considerar prestada essa garantia”.

       No acórdão de 16-12-2010, processo n.º 176/10.9YREVR.S1-5.ª pode ler-se:

       Mesmo o carácter perpétuo da pena ou da medida de segurança não é causa de recusa dea execução, só existindo causa de recusa obrigatória, nos termos do al. d) do art. 11.º da Lei 65/2003, se a infracção for punível com pena de morte ou com outra pena de que resulte lesão irreversível da integridade física.

       O recorrente, no que ora interessa, foi condenado por factos praticados em 10 de Junho de 1988 (homicídio, roubo e profanação de cadáver), por sentença de 29-01-1991, transitada em julgado em 05-06-1991, em prisão perpétua.

      Esteve preso de 19 de Julho de 1988 a 6 de Julho de 2007, beneficiando então de saída, tendo cumprido cerca de 19 anos de prisão.

       Depois esteve preso de 4 de Agosto de 2007 a 21 de Abril de 2014, cumprindo, não exactamente 7 anos de prisão, mas 6 anos e 8 meses, pelo que terá cumprido não 26 anos, mas 25 anos e 8 meses de prisão, o que ultrapassa o limite máximo de 25 anos da lei portuguesa, mas não está em causa a observância das disposições do direito penal interno; o que está em causa é a garantia de que a pena perpétua não seja executada, não um exercício de impedimento a que os limites da lei portuguesa não sejam ultrapassados, o que é questão diversa. Das conclusões 18.ª e 24.ª fica a ideia de que o recorrente entende que não pode ser ultrapassado o limite máximo de 25 anos, mas não é esse o caso.

       O procurado é cidadão italiano, cometeu crimes em Itália, é aplicável a lei italiana e por isso mesmo foi condenado em prisão perpétua. O que está em causa é a permissão pela ordem jurídica portuguesa a que seja executada tal pena, de forma condicionada sujeita à garantia dada, relativamente a um cidadão estrangeiro comunitário, que foi detido em Portugal e cuja entrega é pedida pelo Estado da emissão, Estado onde foi proferida a condenação com os contornos conhecidos.  

       O sistema jurídico italiano prevê uma revisão que atento o tempo cumprido ultrapassa os 20 anos referidos, mas também prevê a aplicação de medidas de clemência, com vista a que a pena não seja executada.

       Por tudo o que exposto foi considera-se suficiente a garantia prestada.  

              

       DECISÃO

       Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo requerido AA, man tendo-se a deliberação recorrida, devendo proceder-se à entrega do cidadão procurado, nos exactos termos descritos na decisão recorrida e informando que o mesmo não renunciou ao princípio da especialidade.

       Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, do CPP, aplicáveis ex vi do artigo 34.º da Lei n.º 65/2003, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC - artigo 8.º, n.º 5,  e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais. 

       Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
  Lisboa, 13 de Julho de 2016

Raul Borges

Pires da Graça