Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
34352/15.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
NULIDADE
CONVOCATÓRIA
ASSEMBLEIA GERAL
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ABUSO DO DIREITO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
MEIOS DE PROVA
ACTAS
ATAS
DOCUMENTO AUTÊNTICO
CONFISSÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
OMISSÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apenso:
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO À REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / CUSTAS, MULTAS E INDEMNIZAÇÃO / RESPONSABILIDADE NO CASO DE MÁ-FÉ, NOÇÃO DE MÁ-FÉ – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO DAS SOCIEDADES – DELIBERAÇÕES DOS SÓCIOS / DELIBERAÇÕES NULAS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, 5.ª edição, p. 287-288, 406-412, 431-432;
- António Menezes Cordeiro, in: António Menezes Cordeiro (coord.), Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coimbra, Almedina, 2011, 2.ª edição, p. 229 ; Da boa fé no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 1997, p. 742, 746-747, 759, 1258 ; Litigância de má fé, abuso do direito de ação e culpa “in agendo”, Coimbra, Almedina, 2014, 3.ª edição, p. 45;
- João Baptista Machado, Tutela da confiança e 'venire contra factum proprium, in: João Baptista Machado, Obra dispersa, vol. I, Braga, Scientia Ivridica, 1991, p. 376;
- Jorge Coutinho de Abreu, in: Jorge Coutinho de Abreu (coord.) Código das Sociedades Comerciais em Comentário, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, 2.ª edição, p. 690-692;
- Jorge Pinto Furtado, Deliberações dos sócios – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Coimbra, Almedina, 1993, p. 285, 287;
- Klaus Wilhelm Canaris, Die Vertrauenshaftung im Deutschen Privatrecht, München, C.H. Beck, 1971, p. 513-514;
- Manuel Carneiro da Frada, Teoria da confiança e responsabilidade civil, Coimbra, Almedina, 2004, p. 411 e 420;
- Paulo Mota Pinto, Sobre a proibição do comportamento contraditório, Volume Comemorativo do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra, Universidade de Coimbra, 2003, p. 302-305.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 542.º, N.º 2, ALÍNEA B) E 662.º, N.º 1.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 56.º, N.º 1, ALÍNEA A).
Sumário :

I. Na reapreciação da prova, o Tribunal da Relação não está limitado aos meios de prova indicados pelo apelante, nas alegações, ou pelo apelado, nas contra-alegações, podendo e devendo, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, reapreciar não só os meios de prova indicados como aqueles que se mostrem acessíveis.


II. Se a “assembleia geral não convocada” a que se refere a norma artigo 56.º, n.º 1, al. a), do CSC é, antes de mais, a assembleia geral não precedida de qualquer convocatória, deve ainda ser considerada não convocada a assembleia realizada sem a presença de um ou mais sócios que não foram convocados, sendo, consequentemente, nulas, por força da mesma norma, as deliberações aí tomadas.

III. A aplicabilidade do venire contra factum proprium depende sempre de uma ponderação global dos elementos presentes (número e intensidade) e de um controlo da adequação material da solução no caso concreto, com vista a averiguar se a solução é realmente necessária e adequada no plano ético-jurídico.

IV. A litigância de má fé depende de uma conduta qualificada, que, além de especialmente reprovável no plano subjectivo (exigindo o dolo e a negligência grave por parte do agente), pressupõe uma conduta especialmente censurável no plano objectivo, concretizando a alínea b) do artigo 542.º, n.º 2, do CPC este requisito quando obriga a que a omissão dos factos seja uma omissão de factos relevantes para a decisão da causa.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Recorrentes: AA. Lda., e BB

Recorrida: CC

CC, residente na Avenida ...n.º …, …º esquerdo, ...Lisboa, intentou a presente acção, com processo comum, contra AA Limitada, com sede na Avenida ... n.º …, ..., ... Lisboa, e BB, residente na Avenida ...n.º …, …º direito, ...Lisboa, pedindo a final que:

- Seja declarada a nulidade das deliberações sociais relativas à aprovação dos instrumentos de prestação de contas do ano de exercício de 2012, com o consequente cancelamento do registo do depósito lavrado na Conservatória do Registo Comercial com a menção “DEP ...UTC – Prestação de contas individual”;

- Seja declarada a nulidade das deliberações sociais de aprovação de instrumentos de prestação de contas do ano de exercício 2013, com o consequente cancelamento do registo do depósito lavrado na Conservatória de Registo Comercial com a menção “Dep …UTC – Prestação de contas individual”;

- Seja declarada a nulidade das deliberações sociais tomadas em assembleia geral da 1.ª Ré, realizada em 16.11.2015, na qual foi deliberado: 1. Aprovar o relatório de gestão de contas do exercício de 2012; 2. Aprovar a proposta de aplicação de resultados. 3. Aprovar as contas relativas ao exercício findo em 31 de dezembro de 2012. 4. Aprovar o relatório de gestão e contas do exercício de 2013. 5. Aprovar a proposta de aplicação de resultados. 6. Aprovar as contas relativas ao exercício findo em 31 de dezembro de 2013. 7. Aprovar o relatório de gestão e contas do exercício de 2014. 8. Aprovar a proposta de aplicação de resultados. 9. Aprovar as contas relativas ao exercício findo em 31 de dezembro de 2014. 10. Aprovar a eleição de novos gerentes: DD e BB;

- Caso assim não se entenda, devem as identificadas deliberações ser anuladas;

- Anular-se, com fundamento no dolo provocado pela 2.ª R., a declaração de vontade expressa pela representante comum das quotas no ato de votação das deliberações tomadas em 16.11.2015, com a consequente anulação de tais deliberações;

- Determinar-se o cancelamento dos respetivos registos na Conservatória de registo comercial, designadamente o lavrado pela inscrição 3, apresentação n.º ..., de designação de membros dos órgãos sociais, gerência: DD e BB”.

Alegou para o efeito, em síntese, que é sócia da sociedade Ré e que não foi convocada para estar presente, nem esteve presente ou representada, em qualquer assembleia geral da sociedade realizada em 28.03.2013 e 31.03.2014. No que respeita à assembleia geral de 16.11.2015, não lhe foram facultadas as informações que solicitou e não lhe foram entregues os documentos pedidos antes da assembleia, tendo sido impedido o acesso da mesma às instalações da sede da sociedade Ré; que não sabe se a referida assembleia foi regularmente convocada; que a sede da sociedade, ao contrário do referido, tinha condições para realizar a assembleia; que não lhe foram prestadas as informações pretendidas na assembleia. Acrescenta que a gerente nomeada DD, não tem disponibilidade para exercer as funções de gerente da sociedade e que a eleita BB afastou os restantes sócios da sociedade e exerce uma gerência de facto em prejuízo dos sócios e para seu benefício exclusivo. Disse ainda que a referida eleita manipula a gerente estatutária da sociedade e representante comum e que não tem aptidões para gerir a sociedade.

As rés apresentaram contestação, alegando, em síntese, que a autora sempre acompanhou de perto a atividade societária e impugnando factos constantes da petição inicial. Disseram ainda que a autora litiga de má-fé ao interpor acção cuja falta de fundamento não desconhece, alterando e omitindo factos relevantes para a decisão da causa. Acrescentaram que a autora sempre aceitou e interiorizou os procedimentos sedimentados ao longo de quatro décadas de vida societária, pretendendo, em abuso de direito, obter uma declaração de nulidade.

A autora respondeu à matéria do pedido de condenação como litigante de má-fé, dizendo, em síntese, não se verificarem os pressupostos para tal condenação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida a sentença em 11.12.2017 (fls.106 e s.), em que se julgou improcedente a acção intentada pela autora contra as rés e, consequentemente:

- não se declarou a nulidade nem se anulou as deliberações sociais relativas à aprovação dos instrumentos de prestação de contas dos anos de exercícios de 2012 e 2013 da ré nem se determinou o cancelamento dos registos de depósito respectivos lavrados na Conservatória do Registo Comercial:

- não se declarou a nulidade nem se anulou as deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral da Ré de 16.11.2015:

- não se anulou com base no dolo provocado pela 2.ª ré a declaração de vontade expressa pelo representante comum das quotas no acto de votação das deliberações tomadas em 16.11.2015;

- não se determinou o cancelamento dos respetivos registos, nomeadamente o de designação de membros dos órgãos sociais (gerência de DD e BB); e

- se condenou a autora como litigante de má-fé a três Ucs de multa e no pagamento de uma indemnização às partes contrárias, a fixar após audição das partes.

Inconformada com esta sentença, dela apelou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 860 e s.), pugnando pela sua revogação e pela procedência da acção.

As rés apresentaram, em contrapartida, contra-alegações (fls. 879 e s.), sustentando que a sentença não merecia qualquer censura.

Na sequência disto, foi, em 4.10.2018, p....nado Acórdão pelo Douto Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 915 e s.), de cuja parte decisória consta o seguinte:

Tudo visto acordam os juízes na 2.ª secção desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e em conformidade com o exposto em II:

a) revogam a decisão recorrida no que concerne às deliberações sociais relativas à provação dos instrumentos de prestações de contas dos anos de exercício de 2012 e 2013, consequentemente, declaram a nulidade das deliberações sociais relativas à aprovação dos instrumentos de prestação de contas do ano de exercício de 2012, com o consequente cancelamento do registo do depósito lavrado na Conservatória do Registo Comercial com a menção “DEP ...UTC – Prestação de contas individual”; -a nulidade das deliberações sociais de aprovação de instrumentos de prestação de contas do ano de exercício 2013, com o consequente cancelamento do registo do depósito lavrado na Conservatória de Registo Comercial com a menção “Dep … UTC – Prestação de contas individual”

b) revogam a decisão recorrida que condenou a Autora como litigante de má-fé;

c) no mais mantêm a decisão de recorrida de 11/12/2017;

Regime da responsabilidade por custas: As custas são da responsabilidade da Autora e Rés na proporção de 50% para a Autora e 50% para as Rés, atento o decaimento acima referido e nos termos do art.º 527/1 e 2”.

Face a isto vêm as rés agora interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 961 e s.) concluindo as suas alegações do seguinte modo:

1ª. Nos termos do disposto nos art.ºs 635.º, n.º 2 e n.º4 e 639.º, n.º 1 e 2 do CPC, o conhecimento do Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objeto do recurso de Apelação que foi interposto pela Autora (e ora Recorrida), é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente;

2ª. Conforme disposto no art.º 608.º n.º 2 do CPC, o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões);

3ª. Dispõe a alínea b) do nº 1 do artigo 640º do CPC que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnado diversa da recorrida;

4ª. Nas suas conclusões de recurso de Apelação a Autora (ora Recorrida) não suscitou a questão relativa a saber se a acta da Assembleia Geral de 16/11/2015 constitui uma confissão da 1ª Ré de que o livro de actas da sociedade não lhe foi entregue;

5ª. Nem, nas suas alegações de recurso, indicou o meio probatório de confissão extra judicial da 1ª Ré vertida na acta da Assembleia Geral de 16/11/2015;

6ª. No caso dos presentes autos, a Autora, para colocar em causa a decisão da matéria de facto do ponto 2) em que o Mmo Juiz do Tribunal de 1ª Instância deu como não provado que «2 – Não foram fornecidas à A. as atas referentes às aprovações das contas dos exercícios de 2012 e 2013 respeitantes à sociedade R.», fundou o seu pedido de impugnação da matéria de facto:

(i)        na alegada não credibilidade do depoimento prestado pela testemunha EE, o qual, no entender da Autora (ora Recorrida), depôs sem qualquer isenção e imparcialidade [cfr. gravação 07m57s da sessão de 27/11/2017 pelas 14h];

(ii)       no facto de o depoimento de FF ter por fonte um conhecimento indirecto e por interposta pessoa da factualidade em causa [cfr. gravação entre 01h00m19s e a 01h00m30s e 01h01m06s]; e

(iii)      na circunstância de que o facto de a acta da Assembleia Geral de 16/11/2015 ter sido lavrada em acta notarial avulsa (e não no livro de actas) demonstrar que o livro de actas da 1ª Ré não foi levado para o Cartório Notarial onde teve lugar a realização da Assembleia Geral de 16/11/2015, pelo que, conclui que a A. não teve acesso às actas anteriores.

Desta forma,

7ª. O Tribunal de 2ª Instância conheceu de facto e de questão não alegada pelas Partes (a confissão da 1ª Ré) e sobre o qual as Partes não tiveram possibilidade de se pronunciar (não tendo sido exercido qualquer contraditório quanto a uma eventual confissão extrajudicial);

8ª. O que viola o Principio do contraditório (plasmado no artigo 3º e artigo 415º do CPC) que é um dos principio basilares do processo civil;

9ª. E viola o Principio do Dispositivo consagrado no nº 2 do artigo 608º do CPC, bem como violou o disposto no artigo 5º do CPC segundo o qual “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções”;

10ª. No acórdão recorrido o Tribunal de 2ª Instância conhece de um facto não alegado por nenhuma das partes (que a 1ª Ré confessou extrajudicialmente que o livro de actas não foi entregue à Autora) e muito menos dado como assente pelo Tribunal de 1ª Instância, extravasando a matéria assente dos autos e, até, a matéria controvertida, pelo que, o acórdão proferido pelo Tribunal de 2ª Instância objeto do presente recurso padece de nulidade – cfr. art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC;

11ª. A questão da confissão da 1ª Ré é uma questão nova, que não foi suscitada no processo e que se afasta do “thema decidendum” e, nessa media uma questão cujo conhecimento estava vedado ao Douto Tribunal de 2ªa Instância;

12ª. O Tribunal de 2ª Instancia conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento e, nessa medida, o Douto acórdão recorrido é nulo conforme disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC aplicável ex vi artigos 674 nº 1 alínea c) 679º do CPC;

13ª. Ao contrário do que é invocado pelo Tribunal de 2ª Instância, a menção feita na acta da Assembleia Geral de 16/11/2015, não constitui, como que, uma confissão extrajudicial da 1ªa Ré de que as actas referentes às aprovações as contas dos exercícios de 2012 e 2013 respeitantes à sociedade ré não foram fornecidas à Autora;

14ª. Na medida em que, as declarações referentes à não apresentação de actas à Autora (ora Recorrida) a que o tribunal de 2ª Instância refere, não foram proferidas pela 1ª Ré, mas sim pelos Drs. GG e HH, advogados, presentes da assembleia geral e que tomaram da palavra a pedido da presidente da mesa da assembleia;

15ª. Os referidos advogados são terceiros e não têm poderes para dispor do direito em causa, não podendo por isso a intervenção dos mesmos ser valorada como uma confissão da 1ª Ré – cfr. parte final do nº 1 do art. 353º do Código Civil;

16ª. Tanto mais que, conforme se encontra amplamente referido ao longo do processo e vem mencionado no próprio acórdão recorrido, a Assembleia Geral em apreço decorreu em grande tensão e durou seis horas seguidas, apenas com um intervalo de 20 minutos (de decorreu entre as 12h18m e as 12h38m), pelo que, é manifesto que a referida acta contêm apenas um resumo/ pequena súmula de tudo o que foi discutido e que ocorreu na referida assembleia geral da sociedade 1ª Ré;

17ª. Razão pela qual, as declarações dos advogados constantes da acta em causa tem que ser contextualizadas;

18ª. Isto porque, quando os advogados em causa se referiram à não entrega das actas à Autora e ao seu irmão II, estavam a reportar-se ao período temporal especifico compreendido entre 2012 e 2013, uma vez que, como consta amplamente documentado nos autos e foi declarado em tribunal pelo contabilista da 1ª Ré (que foi quem redigiu as actas no livro e as colocou a circular para recolha de asinaturas) e pela gerente 2ª Ré, as actas com as deliberações de aprovação das contas dos exercícios de 2012 e 2013 só foram circuladas pelos sócios da 1ª Ré (onde se inclui a Autora) para assinar em 2014 e, a primeira reunião formal de assembleia geral que ocorreu na 1ª Ré, foi precisamente a Assembleia Geral de 16/11/2015 (data em que foi lavrada a acta em análise);

19ª. Esta contextualização é verdadeira e corresponde ao que realmente aconteceu na assembleia geral em causa;

20ª. A demonstra-lo, está o facto de a própria Autora (ora Recorrida) não ter entendido as menções em causa inscritas da acta como constituindo uma confissão da 1ª Ré, não tendo em parte alguma do processo invocado tal meio de prova;

21ª. A Autora (ora Recorrida), nunca alegou que a referida acta contivesse em si mesma uma confissão extra judicial da 1ª Ré de que as actas referentes à aprovação das contas dos exercícios de 2012 e 2013 nunca foram entregues à Autora;

22ª. A Autora (ora Recorrida) apenas se referiu nas suas alegações de recurso à referida acta para pretender provar que os livros de actas que a Autora tinha solicitado na sua carta de 12-11-2015 [ver ponto 33) da matéria de facto dada como assente nos autos], não se encontravam disponíveis para consulta na assembleia geral de 16-11-2015;

23ª. Termos em que sempre estaríamos perante uma situação de “simples interpretação do contexto do documento”, como refere o n.º3 do artigo 393.º, matéria esta que se encontra subtraída às limitações quanto a produção de prova;

Por outro lado,

24ª. A intervenção da referida DD foi efetuada na qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia Geral e não na qualidade de sócia gerente da 1ª Ré [ver pontos 37) e 40) da matéria de facto dada como assente nos autos];

25ª. A Presidente da mesa da assembleia geral, nessa qualidade, carece de poderes para confessar o facto em causa, não podendo por isso entender-se existir uma confissão extrajudicial da 1ª Ré – cfr. nº 1 do art. 353º do Código Civil,

26ª. A acta em causa não contêm uma declaração explicita e inequívoca de que a 1ª Ré afirmou que os livros de actas nunca foram apresentados à Autora (ora Recorrida);

27ª. Não podendo por isso ser valorada como uma confissão da 1ª Ré por não reunir os requisitos para ser considerada uma confissão extrajudicial no termos do disposto no nº 1 do artigo 357º do Código Civil;

28ª. Perante o atrás exposto, o Tribunal de 2ª Instância, ao alterar a decisão do Tribunal de 1ª Instância sobre a matéria de facto com base numa alegada prova por confissão extra judicial violou as disposições de direito substantivo relativa a provas, concretamente o disposto no nº 1 do artigo 353º, nº 1 do artigo 357º e nº 3 do artigo 393°, todos do Código Civil;

29ª. Termos em que o Supremo Tribunal de Justiça deverá revogar o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorrido, com fundamento na nulidade do acórdão com base nos artº 615º nº 1 alínea d) segunda parte, art°674 n°l al a) c) e nº 3 e art.º 682 nº 2 e mandar baixar os autos à Relação, para voltar a ser reposta a matéria de facto dada como assente e dada como não assente pelo Tribunal de 1ª Instância, nos termos do disposto no artigo 684º do CPC;

30ª. O valor probatório pleno de um documento autêntico - no caso dos autos a acta avulsa da Assembleia Geral de 16/11/2015 lavrada no cartório notarial - só faz prova plena em relação aos factos praticados pela entidade documentadora - autoridade ou oficial público - ou por ela presenciados, sendo o mais, de livre apreciação do Tribunal nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 371, n. 1 do Código Civil;

31ª. No caso em discussão nos presentes autos, estamos perante um facto que não foi praticado pelo notário, mas sim por terceiros e confirmado de forma genérica, descontextualizada e não inequívoca pela presidente da mesa (, pelo que, tal facto não pode ser valorado como confissão e pode ser livremente impugnado por qualquer das partes por não estar coberto pela força probatória plena do documento;

32ª. Termos em que, nenhuma censura merece o julgamento pelo Tribunal de 1ª Instância do ponto 2) da matéria de facto dada como não assente nos autos;

33ª. O próprio Tribunal de 2ª Instancia, conforme expresso a páginas 22 a 24 do acórdão recorrido, atestou da validade e convicção dos depoimentos prestados sobre esta matéria pelas testemunhas EE e FF (contabilista que redigiu as actas e que informou que as mesmas foram disponibilizadas à Autora juntamente com a demais documentação);

34ª. A Autora (ora Recorrida) não logrou fazer prova nos autos (como lhe competia) do facto que alegou no seu artigo 58º da pi, ou seja, que as actas em causa não lhe foram disponibilizadas;

35ª. A não disponibilização das actas à Autora (ora Recorrida) não foi objecto de percepção pela autoridade ou oficial público respectivo, e, como tal, através da referida acta não se alcança a prova plena, que prevaleceria sobre a prova produzida nos autos através dos depoimentos das testemunhas EE e FF (contabilista que redigiu as actas e que informou que as mesmas foram disponibilizadas à Autora juntamente com a demais documentação);

Razão pela qual,

36ª. A decisão de 1ª Instância não merece qualquer censura;

37ª. Devendo o Supremo Tribunal de Justiça ordenar que os autos baixem ao Tribunal da Relação de forma a ser reposta a anterior decisão sobre a matéria de facto, nos termos indicados pelo Supremo Tribunal de Justiça;

Acresce que,

38ª. Conforme disposto no artigo 341º do Código Civil, «As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos»;

39ª. Dispondo o Código Civil no nº 1 do seu artigo 342º que: «Àquele que invocar um direito deve fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado»;

40ª. No caso dos presentes autos, a Autora e ora Recorrida foi quem invocou no artigo 58º da sua pi que «Não foram fornecidas à A. as atas referentes às aprovações das contas dos exercícios de 2012 e 2013 respeitantes à sociedade R.» (facto constitutivo do direito alegado);

41ª. Termos em que, era à Autora (ora Recorrida) que competia ter feito prova no processo de que as referidas actas não lhe foram entregues.;

42ª. O que não aconteceu;

43ª. Sendo que, nos termos do disposto no art. 414º do CPC, em caso de dúvida sobre a realidade de um facto (…), a mesma resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita;

44ª. Em face do exposto, o Acórdão recorrido merece censura, por violar os artigos 342º do Código Civil e artigo 414º do CPC, devendo o acórdão recorrido ser alterado no sentido de manter-se intocada a douta sentença da 1ª Instância que julgou totalmente improcedente a ação, com a consequente absolvição das Rés do pedido contra estas formulado;

45ª. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 674º nº 3 parte final do CPC, o Supremo Tribunal pode conhecer do juízo de prova fixado pela Relação quando tenha sido dado por provado um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou tiverem sido violadas as normas reguladoras da força de alguns meios de prova;

46ª. Isto porque essa averiguação prende-se com a aplicação de normas jurídicas, sendo, então, matéria de direito.

Acresce ainda que,

47ª. O facto da matéria de facto ter sido alterada pelo Tribunal de 2ª Instância, no sentido de ter sido dado como assente nos autos que:
50 – Após a morte do sócio JJ foi decidido manter pela sócia DD todos os procedimentos adotados até aquela data.
51 – Esta decisão mereceu a concordância de todos os sócios da sociedade, incluindo, até 2013, a A.; e que

2 – Não foram fornecidas à A. as atas referentes às aprovações das contas dos exercícios de 2012 e 2013 respeitantes à sociedade R.

Não conduz a erro de interpretação, nem a erro de aplicação das disposições legais dos artigos 56.º nº 1 alínea a) do CSC e artigo 286º do Código Civil e, nessa medida, não constitui fundamento para alterar a sentença do Tribunal de 1ª Instância, devendo a mesma ser mantida na integra.

48ª. A não concordância da Autora (ora Recorrida) em manter, após 2013 (ou seja de 2014, inclusive, em diante), os procedimentos de elaboração das actas de aprovação das contas da 1ª Ré pelo contabilista e sua assinatura sem realização formal de assembleia geral que sempre vigoraram e se mantiveram na sociedade há mais de 40 anos, não afasta o facto de a Autora (ora Recorrida) ter feito um uso manifestamente reprovável do processo quando omitiu que existia essa pratica e que tudo era feito informalmente;

49a. O “direito à informação preparatória das assembleias gerais” previsto no art.° 289.° do CSC não se confunde com o “direito à informação nas assembleias gerais” previsto no artigo 290.° do mesmo diploma legal;

50a. As informações a que se refere o n.° 1 do artigo 290.° do CSC, não se reportam à entrega de quaisquer documentos preparatórios da assembleia, mas sim ao esclarecimento e resposta a todas as dúvidas e questões pertinentes formuladas pelo sócio durante a assembleia;

Desta forma,

51a. A não apresentação do livro de actas da 1a Ré não constitui fundamento de nulidade ou anulabilidade, na medida em que a mesma é acessória, já que as contas, relatórios e demais informação obrigatória nos termos do artigo 289° do CSC e que era apta a permitir à Autora tomar uma decisão esclarecida, foram disponibilizada à mesma conforme consta provado no ponto 29) da matéria dada como assente nos autos;

52a. Violando o Douto acórdão recorrido o disposto no an° 3 do artigo 290° e no n° 4 do artigo 58° , ambos do CSC;

53a. Como preceitua o n.° 1 do art. 214.° do CSC, o local da prestação da informação é na sede social, não podendo o sócio exigir a consulta noutro local que não aquele;

54a. Termos em que, era a Autora quem se deveria ter deslocado à sede da Ia Ré para consultar a referida documentação (livros de actas);

55a. Não tendo ficado provado nos autos que as Rés tivessem impedido esse acesso [cfr. pontos 3), 4) 14), 15) e 16) da matéria dada como não provadas nos autos;

56a. Pelo que existiu violação do disposto no artigo 214° n° 1 do CSC;

57ª. A alteração da decisão de facto negativa do ponto 2) e a alteração do ponto 51) da matéria de facto dada como assente nos autos não conduz a que exista erro de interpretação e aplicação das disposições legais dos artigos 56º nº 1 alínea a) do CSC e artigo 286º do Código Civil;

58ª. A Autora (ora Recorrida), agiu em abuso de direito quando requereu a nulidade das deliberações de aprovação das contas do exercício de 2012 e 2013 tomadas e registadas em 2014;

59ª. Essa atuação da Autora (ora Recorrida) em abuso de direito não é afastada pelos factos agora dados como assentes pelo Tribunal de 2ª Instância;

60ª. Conforme ficou demonstrado nos presentes autos, ao longo de mais de 30 anos de vida societária da 1º Ré, não existiu convocação dos sócios da 1ªRé e não foram realizadas assembleias gerais formais[cfr. ponto 46), 47), 48), 49), 50) e 51)] da matéria dada como assente nos autos], o que atenta a natureza e estrutura familiar da sociedade 1ª Ré, implicou a sedimentação de procedimentos que sempre foram aceites por todos os sócios [cfr. ponto 50) e 51) da matéria de facto dada como assente nos autos];

61ª. No caso dos autos, na linguagem própria do abuso do direito, estamos perante uma inalegabilidade formal ou, simplesmente, inalegabilidade; «à partida teríamos, aqui, apenas uma concretização do venire contra factum proprium: num primeiro tempo o agente daria azo a uma nulidade formal, prevalecendo-se do negócio (nulo) assim mantido enquanto lhe conviesse; na melhor (ou pior) altura, invocaria a nulidade, recuperando a sua liberdade. Haveria uma grosseira violação da confiança com a qual o sistema não poderia pactuar.»;

62ª. A Autora (ora Recorrida) incorre em abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium porque ocorreu a existência de um comportamento anterior da mesma susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou»;

63ª. No presente caso, falamos, a propósito de um decurso tão dilatado de tempo, de 30 anos de prática societária, do perfeito conhecimento da Autora (ora Recorrida) – cfr. ponto 46) a 51) da matéria de facto dada como assente nos autos];

64ª. Por seu turno, também no que diz respeito às apontadas deliberações ditas nulas / anuláveis ficou demonstrado nos autos que as mesmas não padecem de falta de elementos mínimos de informação necessários à tomada da deliberação [os quais foram enviados à Autora (ora Recorrida) conforme consta dos pontos 29) e 43) da matéria de facto dada como assente nos autos], e que não existiu preterição das normas relativas à elaboração do relatório de gestão e dos documentos de prestação de contas e irregularidade nas contas;

65ª. Ao pretender, fazer-se valer das supostas nulidades formais apontadas, a Autora (ora Recorrida), litiga contra facto próprio, atentando contra a confiança nela depositada pelas Rés e pelos respetivos sócios da 1ª Ré ao longo dos referidos quarenta anos de vida societária;

66ª. O que a Autora (ora Recorrida) pretende, é invocar nulidade formal (a que igualmente deu azo), mantendo a sua prática enquanto isso lhe conveio (nomeadamente enquanto foi a administradora do Centro Comercial ...., em Lisboa), e, agora, quer dela prevalecer-se, «recuperando a sua liberdade»…

67ª. É dessa forma inadmissível, por abusivo, o exercício de direito pretendido pela Autora (ora Recorrida);

68ª. Perante estes factos será de concluir que a Autora (ora Recorrida) actuou com abuso do direito;

69ª. Razão pela qual o acórdão recorrido incorre em violação do disposto no artigo 334º do Código Civil;

70ª. Termos em que deve ser revogada a decisão do Tribunal da 2ª Instância e substituída por outra em que se considere que a Autora (ora Recorrida) agiu em abuso de direito e que nessa medida não devem ser anuladas as deliberações de aprovação das contas dos exercícios de 2012 e de 2013 tomadas e registadas em 2014;

Acresce que,

71ª. A alteração pelo Tribunal de 2ª Instância do ponto 2) e ponto 51) da matéria de facto dada como assente e dada como não assente nos autos, não faz com que não se verifique a situação das alíneas a), b), d) do nº 2 do artigo 542º do CPC e, nessa medida, não afasta a má-fé com que a Autora (ora Recorrida) litigou nos presentes autos;

72ª. Litiga de má-fé quem, pelo menos com negligência grave, deduza, designadamente, pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa e tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal e impedir a descoberta da verdade (cf. o disposto no artigo 542.º, n.º 1, als. a) e b) e d), do CPC);

73ª. No caso dos autos, a Autora (ora Recorrida):

(i) deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar;

(ii) alterou a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a decisão da causa; e

(iii) fez do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão;

74ª. Encontrando-se preenchidos todos os requisitos do nº 2 do artigo 542º do CPC para condenar a Autora (ora Recorrida) como litigante de má-fé;

75ª. Termos em que, o Tribunal da Relação, ao absolver a Autora (ora Recorrida) do pedido de condenação de má fé, fez uma incorreta aplicação do direito aos factos provados, violando o disposto no artigo 542º do CPC;

76ª. Ao decidir como decidiu, o Douto acórdão recorrido, incorreu em erro de julgamento de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das normas legais atrás citadas;

77ª. Todos os factos e considerações constantes da sentença da 1ª Instância mantêm-se válidos e continuam a verificar-se (mesmo com a alteração efetuada pelo Tribunal de 2ª Instância da matéria de facto dada como assente nos autos), razão pela qual, deve o Supremo Tribunal julgar procedente o presente recurso de Revista e, em consequência, revogar o acórdão do Tribunal de 2ª Instância, proferindo decisão em que julgue que a Autora (ora Recorrida) agiu em abuso de direito.

A autora apresentou, por sua vez, contra-alegações (fls. 1019 e s), formulando as seguintes conclusões:

A) A presente revista é única e exclusivamente motivada por questões fúteis de ajuste de contas e de “revanche” de determinados membros familiares sócios da “AA, S.A.” contra a Recorrida, por forma a denegri-la e a humilhá-la, impondo-lhe simultaneamente sanções pecuniárias que a dissuadam de continuar a desafiar e a colocar em causa a dominância do actual equilíbrio de forças sociais, pelo que lhe deve ser negado qualquer provimento.

B) Pelos motivos e fundamentos alegados nos nº 8 a 18 destas alegações, o aresto recorrido não enferma do vício de nulidade por excesso de pronúncia, não tendo violado o disposto no art. 608º nº 2 do Cód. Proc. Civil.

C) O acórdão jurisdicionalmente impugnado não violou o disposto nos arts. 352º, 353º e 357º do Cód. Civil, porque a acta notarial da assembleia geral de 16/11/2015 contem uma autêntica confissão extra-judicial, dotada de força probatória plena contra a confitente, nos termos que melhor resultam invocados nos nºs 19 a 31 destas contra-alegações.

D) Igualmente o aresto recorrido não errou quanto à graduação do valor das provas, porque a força probatória da dita acta é plena e total, prevalecendo contra quaisquer depoimentos testemunhais que, “in casu”, são inadmissíveis como meio de prova, nos termos alegados nos antecedentes nºs 32 a 39 desta peça forense.

E) A Recorrida cumpriu com o ónus da prova que lhe é imposto pelo art. 342º do Cód. Civil, ao ter demonstrado que lhe não foram facultadas cópias das actas das assembleias gerais da 1ª Recorrente por via das quais foram aprovadas as contas respeitantes aos exercícios de 2012 e 2013, pelo que não tem campo de aplicação no caso “sub-judice” o disposto no art. 414º do Cód. Proc. Civil, de onde se conclui que o aresto recorrido não violou os invocados preceitos legais, devendo, nesse conspecto, ser mantido, conforme desenvolvido nos nºs 40 a 43 destas contra-alegações.

F) A decisão sindicada radica-se nos arts. 56º nº 1 a) e 62º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, conforme melhor resulta do exposto nos nºs 44 a 48 destas contra- alegações, pelo que na mesma não foi feita uma errada interpretação e aplicação do Direito à matéria de facto provada.

G) Pelos motivos e fundamentos alinhados aos nºs 49 a 60 destas contra-alegações, a Recorrida manifestamente não abusou do direito quando invocou a nulidade das referidas deliberações sociais da 1ª Recorrente, pelo que e nesse conspecto nenhuma censura pode ser assacada à decisão recorrida.

H) Também pelos motivos e fundamentos invocados nos nºs 61 a 72 destas contra-alegações, a Recorrida não litigou com qualquer má-fé substantiva ou processual, pelo que bem se andou no acórdão sindicado por via do recurso de revista em absolver aquela da obrigação de pagamento de multa e de indemnização ao apontado título, não tendo sido, assim, violado o disposto no art. 542º nº 1 e 2 do Cód. Proc. Civil.

I) Em face das supra alinhadas alegações e conclusões deve manter-se, na íntegra, o recorrido acórdão da Relação de Lisboa, denegando-se a revista, a qual deve, assim, improceder”.

Tendo as rés / recorrentes arguido a nulidade do Acórdão, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, reunidos em Conferência, proferiram decisão em 24.01.2019 (fls. 1045 e s.), em que julgaram inexistirem nulidades que careçam de ser supridas.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:
1.ª) saber se existe nulidade do Acórdão recorrido por excesso de pronúncia;
2.ª) saber se, na reapreciação da decisão da matéria de facto, o Tribunal a quo desrespeitou alguma regra de Direito probatório, designadamente os artigos 352.º, 353.º, 357.º e 371.º, n.º 1, do CC e os artigos 342.º do CC e 414.º do CPC;
3.ª) saber se deve declarar-se a nulidade das deliberações sociais respeitantes às prestações de contas dos exercícios de 2012 e 2013, nos termos dos artigos 56.º, n.º 1, al. a), do CSC e 286.º do CC, e, consequentemente, determinar-se o cancelamento do respectivo registo;
4.ª) saber se existe litigância de má fé por parte da autora / ora recorrida.

                                                           *

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que foram dados como provados no Acórdão recorrido:

1 - A Ré sociedade é uma sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (3.ª Secção), com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ....-

2 - A R. sociedade tem o capital social de 49.879,79 Euros.-

3 - A Autora é sócia da Ré, na qual possui uma quota no valor nominal de 2.493,99 Euros.-

4 - A Autora é ainda sócia da Ré, enquanto contitular de duas quotas no valor nominal de 18.704,92 Euros, cada uma, em comum e sem determinação de parte ou direito, da qual são também contitulares DD, II, KK, BB, MM, LL, NN, por óbito e dissolução da comunhão conjugal de JJ e MM.-

5 - O capital social da Ré, no valor de 49.879,79 Euros, encontra-se representado pelas seguintes sete quotas:

1) Uma quota no valor nominal de 18.704,92 Euros cada uma, em comum e sem determinação de parte ou direito da qual são titulares:

1. MM;

2. II;

3. CC.

4. KK;

5. BB;

6. DD;

7. LL;

8. NN;

todos por óbito de JJ e dissolução da comunhão conjugal com MM.

2) Uma quota no valor nominal de 18.704,92 Euros cada uma, em comum e sem determinação de parte ou direito com MM, II, KK, BB, DD, LL, NN, por óbito e dissolução da comunhão conjugal de JJ e MM.

3) Uma quota no valor nominal de 2.493,99 Euros, de que é titular DD.

4) Uma quota no valor nominal de 2.493,99 Euros, de que é titular BB

5) Uma quota no valor nominal de 2.493,99 Euros, de que é titular KK.

6) Uma quota no valor nominal de 2.493,99 Euros, de que é titular a Autora CC.

7) Uma quota no valor nominal de 2.493,99 Euros, de que é titular II. –

6 - A Ré tem sede na Avenida de ...., n.º …, ..., ... Lisboa, freguesia de ..., concelho de Lisboa.-

7 - A Ré tem o objeto social de construção de casas para venda e a aquisição de prédios para revenda.-

8 - A Ré obriga-se com a assinatura de qualquer um dos gerentes.-

9 - O Pacto Social atualizado da Ré é o que consta do documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.-

10 - Do artigo nono pacto Social da Ré consta que:

“A gerência fica a cargo dos sócios JJ e MM, já nomeados, dispensados de caução e com ou sem remuneração conforme deliberação da assembleia geral, bastando a intervenção e assinatura de qualquer deles para obrigar a sociedade em todos os seus actos e contratos.

Parágrafo primeiro – A atribuição da gerência aos sócios JJ e MM, constituem direitos especiais nos termos e para os efeitos do artigo duzentos e cinquenta e sete número três do Código das Sociedades Comerciais.”.-

11 - A gerência que vinha sendo exercida pelo falecido sócio JJ cessou, por óbito do mesmo, em 18/07/2012.-

12 - A sócia MM é gerente da sociedade nomeada no Pacto Social.-

13 - A Ré é uma sociedade por quotas de cariz familiar, fundada no ano de 1978, que teve como sócios fundadores MM e seu marido JJ, casados um com o outro sob o regime da comunhão geral de bens e em únicas núpcias de ambos.–

14 - A sócia gerente MM é mãe da Autora e dos sócios II, KK, da 2.ª Ré BB e de DD, todos seus filhos e irmãos entre si, e avó de LL e NN, seus netos, filhos do seu pré falecido filho OO e ambos sobrinhos dos restantes sócios, sendo todos herdeiros legitimário do pré-falecido sócio-gerente fundador JJ.-

15 - No registo comercial mostra-se inscrita a seguinte menção:

“DEP ...UTC - PRESTAÇÃO DE CONTAS INDIVIDUAL.

Ano da Prestação de Contas: 2012 (2012-01-01 a 2012-12-31) Autora e Responsável pelo Registo: AA SOC IMOBILIARIA DE CONSTRUCÕES LDA”.-

16 - A Ré apresentou, em 08/07/2014, as Contas do Ano de Exercício de 2012.-

17 - O que foi feito com a informação, a pág. 26, de terem sido aprovadas por deliberação social tomada em 28/03/2013, por maioria representativa de 85,31% dos votos emitidos em assembleia geral regularmente convocada.-

18 - E ainda de que a deliberação de aprovação está devidamente titulada, nos termos do disposto no art. 63.º do Código das Sociedades Comerciais.-

19 - A Autora não foi convocada para qualquer assembleia geral ordinária ou extraordinária da Ré, a realizar no identificado dia 28/03/2013, nem em qualquer outro dia, tendo em vista deliberar quanto às contas relativas ao ano de exercício de 2012.-

20 - E também, não esteve presente, nem se fez representar, em assembleia geral realizada em 28.03.2013.-

21 - No registo comercial da sociedade R, mostra-se inscrita a seguinte menção:

“DEP … UTC - PRESTAÇÃO DE CONTAS INDIVIDUAL.

Ano da Prestação de Contas: 2013 (2013-01-01 a 2013-12-31) Autora e Responsável pelo Registo: AA … LDA.”.-

22 - As contas do ano de 2013 da Ré foram apresentadas em 12/07/2014.-

23 - O que foi feito com a informação, a pág. 28, de terem sido aprovadas por deliberação social tomada em 31/03/2014, por maioria representativa de 85,31% dos votos emitidos em assembleia geral regularmente convocada.-

24 - E ainda de que a deliberação de aprovação está devidamente titulada, nos termos do disposto no art. 63.º do Código das Sociedades Comerciais.-

25 - A Autora não foi convocada para qualquer assembleia geral ordinária ou extraordinária da Ré, a realizar no identificado dia 31/03/2014, nem em qualquer outro dia, tendo em vista a deliberar quanto às contas relativas ao ano de exercício de 2013.-

26 - A A. não esteve presente, nem se fez representar, em assembleia geral realizada em 31.03.2014.-

27 - Em 03/11/2015, a ora Autora recebeu sob registo postal uma convocatória para uma Assembleia Geral Extraordinária da Ré, a realizar no dia 16 de Novembro de 2015, pelas 9 horas, no Cartório Notarial da Dr.ª PP, Largo ..., n.º …, ..., com a seguinte ordem de trabalhos:

“1. Relatório de gestão e contas do exercício de 2012;

2. Proposta de aplicação de resultados;

3. Discussão e aprovação das contas relativas ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2012.

4. Relatório de gestão e contas do exercício de 2013;

5. Proposta de aplicação de resultados;

6. Discussão e aprovação das contas relativas ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2013.

7. Relatório de gestão e contas do exercício de 2014;

8. Proposta de aplicação de resultados;

9. Discussão e aprovação das contas relativas ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2014.

10. Eleição de novos gerentes: MM, DD e BB.

11. Deliberar sobre quaisquer outros assuntos de interesse para a Sociedade.”.-

28 - A referida convocatória foi assinada pela sócia gerente da Ré.-

29 - Posteriormente, a Autora recebeu cópias dos Relatórios e Contas dos anos de 2012, 2013 e 2014, juntos como documentos nºs 9, 10 e 11, com a petição inicial.-

30 - Por carta registada (RD7...PT) datada de 10/11/2015, identificando por “Assunto: Elementos informativos para compreensão das contas de 2012 a 2014”, a Autora solicitou à Ré que em momento prévio à data da Assembleia Geral lhe fossem prestadas as seguintes informações:

“1 – Detalhe dos valores correspondentes aos serviços prestados nos anos de 2012 a 2014, nomeadamente: - relação dos apartamentos arrendados e não arrendados; - renda mensal dos apartamentos e período de aluguer em cada ano em que foi cobrada renda.

2 – Detalhe das obras de conservação de valor relevante que expliquem o significado crescimento entre 2012 – 63.300 euros – e 2014 – 174.100 euros – destes gastos, que triplicaram nesse período;

3 – Razões para a variação entre 2012 e 2014 dos trabalhos especializados;

4 – Razões para a variação de 2013 para 2014 dos serviços de limpeza;

5 – Qual a parcela dos gastos com pessoal que eventualmente respeite a remuneração de sócios da AA;

6 – Razões para a oscilação anual no período de 2012 a 2014 do valor de IMI cobrado à empresa;

7 – Principais parcelas que explicam o montante de 18.000 euros registado como correcção de exercícios anteriores no ano de 2012.”.-

31 - A referida carta (RD … PT) foi recebida pela Ré no dia 11/11/2015.-

32 - Na página 10 do anexo às demonstrações financeiras em 31/12/2014, relativo aos instrumentos de prestação de contas de 2014 da R. sociedade; faz-se menção quanto à “Aplicação de resultados”, de que:

«Conforme deliberado em Assembleia Geral, o resultado líquido do exercício findo em 31 de Dezembro de 2012, foi transferido para a rubrica “Resultados transitados”.» e de que «Conforme deliberado em Assembleia Geral, o resultado líquido do exercício findo em 31 de Dezembro de 2013, foi transferido para a rubrica “Resultados transitados”.».-

33 - Por carta registada (RD 7366 6070 7 PT) datada de 12/11/2015, identificando por “Assunto: Livro de Actas da sociedade AA, …, Ld.ª”, a Autora informou e solicitou à Ré o seguinte:

“Na qualidade de sócia dessa sociedade, na sequência dos meus diversos e, desde há alguns anos, sucessivamente reiterados pedidos de acesso ao mais elementares documentos e informações relativos à sociedade AA, …, Ld.ª, tendo V. Exa.s recebido a minha carta datada de 10 de Novembro de 2015, bem como todas as restantes que a antecederam, em face da convocatória para a Assembleia Geral convocada para o próximo dia 16 de Novembro de 2015, a realizar no Cartório Notarial da Dr.ª PP, venho por este meio solicitar a V. Exas. que, além dos demais elementos já solicitados, no referido dia e hora, o Livro de Actas da sociedade esteja disponível para consulta, caso, até lá, não me sejam facultadas fotocópias certificadas de todas as Actas relativas aos últimos 5 anos.”.-

34 - A Ré recebeu a referida carta no dia 13/11/2015.-

35 - No dia 16 de Novembro de 2015, à hora marcada, a Autora compareceu no Cartório.-

36 - A Assembleia Geral Extraordinária da Ré teve o seu início às 10 horas, foi feito um intervalo entre as 12 horas e 18 minutos e a 12 horas e 38 minutos e terminou às 16 horas e 2 minutos.-

37 - Da referida assembleia foi lavrada ata com o teor constante do documento n.º 16 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido, outorgada e arquivada na mesma data no Cartório Notarial a cargo da Notária Lic. PP, sito no Largo ..., n.º …, em ..., concelho de ..., no maço de documentos do ano de 2015, sob o n.º 8-A, a fls. 37, registado a folhas 16 do Livro Um-R, sob o n.º 31, referente ao ano de 2015.-

38 - Além da Autora CC, compareceram as sócias:

− MM,

− KK e

− BB.-

39 - Além das identificadas sócias, estavam, ainda, presentes:

− O Dr. HH e o Dr. GG, advogados, a pedido da sócia MM.

− O Dr. QQ, advogado, a pedido da sócia BB.

− O Dr. RR, enquanto Contabilista Certificado, a pedido da sócia CC.

− O Dr. EE, marido da sócia BB.

− O Dr. FF, Contabilista Certificado da sociedade.-

40 - A presidência da Assembleia Geral foi assumida pela Sócia Gerente MM, enquanto representante das duas quotas contituladas e de maior valor nominal.-

41 - Todos os pontos 1. a 11. da identificada ordem de trabalhos da Assembleia Geral foram sujeitos a deliberação pelos sócios presentes, tendo sido aprovados por maioria de 79,999%, com os votos favoráveis das sócias MM e BB e os votos contra das sócias CC e KK.-

42 - Estava presente um segurança no local da assembleia.-

43 - No dia 11 de novembro de 2015, a R, remeteu a A. carta com o seguinte teor:

“Na qualidade de Presidente da Assembleia Geral da Sociedade AA Lda (de ora em diante, “Sociedade”), a realizar no próximo 16 de novembro, sou, nos termos do disposto nos artigos 289º e 290º, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) – aplicáveis por força do disposto no artigo 248º n.º 1 do CSC – a responder à sua missiva com data de ontem, nos seguintes termos:

1 – Toda a documentação referida nos 7 (sete) pontos referidos na sua missiva estão disponíveis para consulta na sede da sociedade, conforme determina o disposto no artigo 289º do CSC. Acresce que toda esta documentação, não obstante a sua disponibilidade para consulta, lhe foi pronta e pessoalmente enviada – situação que aliás, permitiu, o seu elenco na missiva a que ora respondo;

2 – Assim, as informações que solicita serão prestadas em assembleia geral, conforme determina o disposto no artigo 290º números 1 e 2 do CSC. Nessa altura – que contará, inclusivamente, com a presença do Contabilista da Sociedade – será disponibilizada toda a informação destinada a formar, como é, aliás, solicitado na sua missiva, opinião fundamentada sobre os sujeitos a deliberação.

Com os melhores cumprimentos”.-

44 - A A. procedeu ao levantamento da referida carta.-

45 - Foram dirigidas convocatórias com respeito à assembleia geral da sociedade R. realizada em 16.11.2015, com exceção de LL e NN, nos termos constantes dos documentos nºs 3 a 9 juntos com a contestação.-

46 – Não foram realizadas assembleias gerais da sociedade R. durante 30 anos, com convocatórias ou reuniões com a presença de sócios.-

47 – No final de cada exercício JJ transcrevia a ata de aprovação de contas para o respetivo livro;

48 - … após recolhia a assinatura de todos os filhos;

49 – Este procedimento era do conhecimento de todos os sócios e nunca foi colocado em causa, designadamente pela A.-

50 – Após a morte do sócio JJ foi decidido manter pela sócia DD todos os procedimentos adotados até aquela data.-

51 - Esta decisão mereceu a concordância de todos os sócios da sociedade, incluindo, até 2013 a Autora[1].-

52 – LL emitiu com data de 29.11.205, uma declaração com o seguinte teor:

“LL, contribuinte fiscal n.º 203810040, declaro que tive conhecimento da Assembleia Geral da AA, … Lda., que terá lugar no dia 16 de Novembro de 2015, no Cartório Notarial PP, no Largo ..., …, … em ..., pelas 9 horas, e que me vou fazer representar por MM e Cabeça de Casal da Herança JJ, uma vez que por Lei não teria que estar presente, porque a quota do falecido ainda não foi partilhada”.-

53 - NN emitiu com data de 29.11.205, uma declaração com o seguinte teor:

“NN, contribuinte fiscal n.º ..., declaro que tive conhecimento da Assembleia Geral da AA, ...Lda., que terá lugar no dia 16 de Novembro de 2015, no Cartório Notarial PP, no Largo ..., …, … em ..., pelas 9 horas, e que me vou fazer representar por MM e Cabeça de Casal da Herança JJ, uma vez que por Lei não teria que estar presente, porque a quota do falecido ainda não foi partilhada”.-

53a – Não foram fornecidas à A. as actas referentes às aprovações das contas dos exercício de 2012 e 2013 respeitantes à sociedade R. [2]-

E são os seguintes os factos que foram dados como não provados no Acórdão recorrido[3]:

1 – A A. não tinha conhecimento, antes de 03.11.2015, de que as contas da sociedade relativas aos anos de exercício de 2012 e 2013 se encontravam depositadas na Conservatória de Registo Comercial.-

2 – Foi recusada pela sociedade R. prestar informações e fornecer documentos à A., antes da assembleia geral da R. realizada em 16.11.2015, pedidos nos dias que antecederam a assembleia.-

3 – A A. não teve permissão de aceder às instalações da R. nos dias 11 a 13 de novembro.-

4 – A sede da R. tinha condições para realizar a assembleia geral de 16.11.2015.-

5 – A eleita DD não tem disponibilidade para exercer as funções de gerente da sociedade R.-

6 – A 2ª R. tem exercido uma gerência determinativa da existência dos prejuízos evidenciados nas contas da sociedade, durante o ano do óbito do sócio JJ e nos anos posteriores.-

7 – A 2ª R., desde o falecimento do sócio JJ que manipula a gerente mãe DD, prevalecendo-se da influência que tem sobre a mesma na qualidade de filha mais nova.-

8 – A 2ª R. oculta da referida sócia as decisões que toma.-

9 – A 2ª R. explora a situação de dependência emocional em que a mãe se encontra.-

10 – Assumindo como única gerente da sociedade, tomando decisões;

11 - … e ocultando as mesmas da referida sócia DD (mãe).-

12 - A 2ª R. não tem qualificações pessoais, conhecimentos ou aptidões para gerir a R. sociedade.-

13 – A 2ª R. desde o falecimento do sócio JJ que tem afastado os demais irmãos e sócios da sociedade dos assuntos sociais;

14 – … privando-os do acesso às instalações;

15 - e de informações relativamente à sociedade.-

16 - No final de cada exercício MM transcrevia a ata de aprovação de contas para o respetivo livro;

17 - … e após recolhia a assinatura de todos os filhos.-

18 – A A. levantou a carta remetida pela R. em 11.11.2015 na véspera da assembleia geral da sociedade realizada em 16.11.2015.-

19 - A A. recusou-se a assinalar o livro de atas, com respeito às atas respeitantes as deliberações consignadas como tomadas nas datas de 28.03.2013 e 31.03.2014.-

O DIREITO

Inicie-se a análise do Direito com o tratamento da 1.ª questão, respeitante à eventual incursão do Tribunal recorrido em excesso de pronúncia, com a consequente nulidade do Acórdão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável ex vi dos artigos 674.º, nº 1, al. c), e 679.º do CPC.

Alegam, como se viu, as rés / ora recorrentes que, “[n]as suas conclusões de recurso de apelação, a Autora (ora Recorrida) não suscitou a questão relativa a saber se a acta da Assembleia Geral de 16/11/2015 constitui uma confissão da 1ª Ré de que o livro de actas da sociedade não lhe foi entregue” e “[n]em, nas suas alegações de recurso, indicou o meio probatório de confissão extra judicial da 1ª Ré vertida na acta da Assembleia Geral de 16/11/2015” (conclusões 4.ª e 5.ª das alegações de revista), pelo que “[o] Tribunal de 2ª Instância conheceu de facto e de questão não alegada pelas Partes (a confissão da 1ª Ré) e sobre o qual as Partes não tiveram possibilidade de se pronunciar (não tendo sido exercido qualquer contraditório quanto a uma eventual confissão extrajudicial)” (conclusão 7.ª das alegações de revista).

Em resposta, concluiu, como também se disse, o Tribunal recorrido, por Acórdão de 24.01.2019 (fls. 1045 e s.), que não se verificava qualquer nulidade e, designadamente, que o Tribunal da Relação não está limitado, na reapreciação da prova aos meios de prova indicados pelo apelante, nas alegações, ou pelo apelado, nas contra-alegações, podendo e devendo, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, reapreciar não só os meios de prova indicados como aqueles que são juntos.

Dispõe, com efeito, o artigo 662.º do CPC, com a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, o seguinte:

“1 – A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Comentando esta norma, afirma Abrantes Geraldes que “[c]om a nova redação do art. 662.º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo da correção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afetem a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previsto no art. 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência. (…) O atual art. 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia[4].

Com especial interesse para a matéria encontra-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de 24.09.2013, Proc. 1965/04.9TBSTB.E1.S1, onde se conclui que “[a]o afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, o legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise”.

Esclarecido isto, facilmente se vê que não pode ser apontada uma falta ao Tribunal recorrido que se consubstancie em excesso de pronúncia.

O Tribunal a quo justifica o aditamento aos factos provados do ponto 2 (“Não foram fornecidas à Autora as actas referentes às aprovações das contas dos exercícios de 2012 e 2013 respeitantes à sociedade ré”) [5], dizendo, designadamente, que “[c]omo que em confissão extrajudicial da gerente da 1.ª ré, presidente da mesa, resulta assim de documento autêntico que as actas referentes às aprovações das contas dos exercícios de 2012 e 2013 respeitantes à sociedade Ré não foram efectivamente fornecidas à Autora”.

Está aqui o Tribunal a quo a agira no (dentro do) exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo disposto no referido artigo 662.º do CPC, ou seja, nos poderes de apreciar as provas disponíveis nos autos e formar a sua própria convicção, com autonomia decisória relativamente ao Tribunal de 1.ª instância.

O Acórdão recorrido não enferma, pois, da nulidade alegada.

Questão diversa da acabada de esclarecer é a de saber se, ao reapreciar a decisão da matéria de facto, o Tribunal a quo desrespeitou alguma regra de Direito probatório. Mas com isto já se entra na análise da 2.ª questão.

Alegam as rés / recorrentes, precisamente, que:

a) ao considerar que a menção feita na acta da Assembleia Geral de 16.11.2015 (“A presidente da mesa concordou com tudo acima referido”) constitui como que uma confissão extrajudicial da 1.ª ré de que as actas referentes às aprovações as contas dos exercícios de 2012 e 2013 respeitantes à 1.ª ré não foram fornecidas à autora / ora recorrida, o Tribunal a quo incorreu em violação dos artigos 352.º, 353.º, 357.º e 371.º, n.º 1, do CC;

b) a não considerar que era à autora / ora recorrida que competia ter feito prova de que as referidas actas não lhe foram entregues, o Tribunal a quo incorreu em violação dos artigos 342.º do CC e 414.º do CPC.

Antes de mais, não deve haver dúvidas quanto a que este Supremo Tribunal tem competência para apreciar este tipo de questões [cfr. artigos 674.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, e 682.º, n.º 3, do CPC]. A verificar-se, trata-se de “verdadeiros erros de direito que, nesta perspetiva, se integram também na esfera de competências do Supremo[6]. Esta competência é, porém, residual, destinando-se exclusivamente a garantir a observância das regras de direito probatório aplicáveis – em suma: tendo por objectivo avaliar se o Tribunal da Relação, no desempenho da função de reapreciação da decisão da matéria de facto, respeitou aquelas normas.

A passagem do Acórdão recorrido em causa nesta questão é a seguinte:

“(…) o que realmente é decisivo é o teor da acta da assembleia geral de 2015. Dela entre os diversos pedidos de intervenção da Autora consta um em que a Autora refere entre o mais que “...uma vez que foi pedido o livro de actas e o mesmo lhe foi recusado e não está presente neste local e que do relatório de contas enviado pelo correio com a convocatória quer dos registos da conservatória do registo comercial a propósito dos registo das contas dos anos de 2012 e 2013 se encontra referido expressamente que as contas desses exercícios estão aprovada por deliberação de 28/3/2013 e 31/3/2014...daí a necessidade da análise do livro de actas para verificar a conformidade das ditas declarações de cuja cópia vai ficar junta à presente acta...o senhor Dr. GG e Dr HH tomaram a palavra responderam que...depois da morte daquele a sócia CC...e o sócio II não assinaram actas seguintes por não serem apresentadas. A presidente da mesa concordou com tudo o acima referido...”. Como que em confissão extrajudicial da gerente da 1.ª ré, presidente da mesa, resulta assim de documento autêntico que as actas referentes às aprovações das contas dos exercícios de 2012 e 2013 respeitantes à sociedade Ré não foram efectivamente fornecidas à Autora pelo que alterando-se a decisão de facto negativa sob 2 se dá como provado queNão foram fornecidas à Autora as actas referentes às aprovações das contas dos exercícios de 2012 e 2013 respeitantes à sociedade ré[7].

Com este raciocínio violou, afinal, o Tribunal recorrido o disposto nos artigos 352.º, 353.º, 357.º e 371.º, n.º 1, do CC ou não?

As primeiras três normas indicadas fazem parte do regime da confissão e a última faz parte do regime da prova documental.

Ora, tanto quanto é perceptível, o meio de prova que foi aqui decisivo, aquele que conduziu a que Tribunal recorrido chegasse à ilacção em causa, não é a confissão por parte da 1.ª Ré, mas sim a prova que reside no documento autêntico constituído pela acta da assembleia geral (cujo teor consta do documento n.º 16, junto com a petição inicial). Repare-se, aliás, na fórmula usada: “como que em confissão extrajudicial (…) resulta assim de documento autêntico”[8]. Quer dizer: o meio de prova determinante não foi, em rigor, a confissão (regulada nos artigos 352.º e s, do CC), mas sim a prova documental (regulada nos artigos 362.º e s. do CC).

A invocação das três primeiras normas é, pois, irrelevante e não permite fundar a procedência das alegações das rés / recorrentes, restando apreciar a conformidade do raciocínio apenas à luz da última norma, ou seja, do artigo 371.º do CC.

Determina esta norma, no n.º 1, que “[o]s documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.

Tendo a acta, conforme resulta do facto provado 37, sido outorgada e arquivada em Cartório Notarial, não deve haver dúvidas de que ela se qualifica como um documento autêntico, no sentido do n.º 2 do artigo 363.º do CC (documento exarado, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública).

Tão-pouco deve haver dúvidas de que se configura a hipótese prevista na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 371.º do CC, fazendo a acta prova plena do facto em causa (a concordância da presidente da mesa da assembleia geral da sociedade com as afirmações sobre a não apresentação à autora / recorrida das actas respeitantes à aprovação das contas dos exercícios de 2012 e 2013). Se é certo que o facto em causa não representa um acto praticado pela entidade documentadora, não deixa de ser um (f)acto atestado pela entidade documentadora, com base na sua percepção, o que é suficiente para que se aplique o artigo 371.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC.

Com isto fica praticamente resolvida a sub-questão seguinte, ou seja, a questão de saber se, ao dispensar a autora / recorrida do ónus da prova de que as actas não lhe haviam sido entregues o Tribunal recorrido incorreu em violação dos artigos 342.º do CC e 414.º do CPC. Tanto uma como outra normas pressupõem a existência de uma situação de dúvida sobre a realidade de um facto. É visível que, neste caso, não existia tal situação, tendo o Tribunal recorrido considerado os elementos carreados para os autos suficientes para formar a sua convicção sobre o facto em causa. Tão-pouco aqui, portanto, se verifica violação das regras de Direito probatório, pelo que tão-pouco existe fundamento que faça as alegações das rés / recorrentes procederem.


Aborde-se agora a 3.ª questão: se as deliberações sociais respeitantes às prestações de contas dos exercícios de 2012 e 2103 devem ser declaradas nulas, nos termos dos artigos 56.º, n.º 1, al. a), do CSC e 286.º do CC, e, consequentemente, determinar-se o cancelamento do respectivo registo;
Quanto a esta questão divergiram o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal a quo.
O Tribunal de 1.ª instância entendeu que, tendo ficado provado que as assembleias gerais da sociedade datadas de 28.03.2012 e 31.03.2013 não tiveram lugar e que as contas foram aprovadas através de procedimento ilegal, tais deliberações seriam, em princípio, nulas. No entanto, uma vez que, tal como também ficou provado, por um lado, durante trinta anos e até ao falecimento do sócio JJ, a aprovação de contas era sempre feita dessa forma e, por outro lado, que a decisão da sócia, mãe da autora / recorrida, DD, de manter os procedimentos adoptados até à morte do sócio JJ, mereceu a concordância de todos os sócios, incluindo a autora, o comportamento da autora consubstanciava um abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium. Além disso, as contas dos exercícios de 2012 e 2013 e 2014 foram objecto de aprovação na assembleia geral de 2015. Pela análise dos documentos juntos aos autos, esta assembleia havia sido regularmente convocada, nunca tendo a autora / recorrida invocado que não foi convocada ou que foi irregularmente convocada. Ficava, em suma, afastada a sua legitimidade para arguir o vício de falta de convocatória em relação aos outros sócios e não se verificava a causa de nulidade das deliberações prevista no artigo 56.º, n.º 1, al. 1, a), do CSC.
Diverso foi o percurso trilhado pelo Tribunal a quo. Partindo dos mesmos dados, começou o Tribunal por se questionar sobre se a assembleia geral de 2015, que incluía a discussão e aprovação das contas relativas aos exercícios de 2012 e 2013, podia ser vista como importando uma renovação das deliberações, nos termos do artigo 62.º do CSC. Analisada a acta da assembleia geral de 2015, concluiu o Tribunal que não. Então, tendo em conta especialmente os factos provados 51 e 53a (ou seja, que a concordância da autora com o procedimento ilegal de aprovação das contas havia durado apenas até 2013 e que as actas referentes às aprovações das contas dos exercícios de 2012 e 2013 nem sequer haviam sido apresentadas à autora), entendeu o Tribunal que não existia exercício ilegítimo do direito de requerer a nulidade das deliberações que estão na base dos registos de aprovação de contas de 2012 e 2013.
Cabe agora a este Supremo Tribunal superar esta divergência das instâncias e encontrar o caminho para dirimir o conflito aberto entre a autora / recorrida, que contesta a validade das deliberações respeitantes à aprovação das contas da sociedade, e as rés / recorrentes, que alegam, ao invés, não existir fundamento para a invalidade das deliberações.
Olhando para a factualidade provada, destaca-se sinteticamente o seguinte:
1.º) O procedimento habitual para a elaboração das actas de aprovação das contas da sociedade assentou, durante um período de tempo considerável e com a “conivência” de todos os sócios, na circulação, para assinatura pelos sócios, das actas previamente redigidas (factos provados 46 a 51).
2.º) A sócia CC, autora / recorrida, deixou de tomar parte nestes procedimentos a partir de 2013, não tendo, designadamente, participado no procedimento de elaboração das actas de aprovação das contas dos exercícios de 2012 e 2013 (factos provados 19 e 20, 25 e 26 e 51, in fine).
3.º) Consta do registo que as contas do exercício de 2012 foram aprovadas por deliberação tomada em 28.03.2013 em assembleia geral regularmente convocada e que as contas do exercício de 2013 foram aprovadas por deliberação tomada em 31.03.2014 em assembleia geral regularmente convocada (factos provados 15 a 18 e factos provados 21 a 24).
4.º) A verdade é que a autora / recorrida não foi convocada ou participou em qualquer assembleia geral ordinária ou extraordinária da ré, a realizar no identificado dia 28.03.2013, nem em qualquer outro dia, tendo em vista deliberar quanto às contas relativas ao ano de exercício de 2012, nem tão-pouco foi convocada ou participou em qualquer assembleia geral ordinária ou extraordinária da ré, a realizar no identificado dia 31.03.2014, nem em qualquer outro dia, tendo em vista a deliberar quanto às contas relativas ao ano de exercício de 2013 (factos provados 19 e 20, 25 e 26).
5.º) Em 2015, a autora / recorrida foi, sim, convocada para uma assembleia extraordinária com vista, designadamente, à aprovação das contas dos exercícios de 2012, 2013 e 2014 (factos provados 27 a 29).
6.º) Nesta assembleia, realizada em 16.11.2015, foi, entre outras coisas, deliberada a aprovação das contas dos exercícios de 2012, 2013 e 2014 (facto provado 41).
7.º) Antes desta assembleia, a autora / recorrida enviou uma carta à sociedade solicitando elementos informativos para a compreensão das contas de 2012 a 2014 e, dias depois, uma segunda carta solicitando a disponibilização, para consulta, de tais elementos na assembleia, bem como do livro de actas da sociedade (factos provados 30 a 34).
8.º) A presidente da assembleia geral da sociedade enviou carta à autora / recorrida respondendo que a documentação solicitada estava disponível para consulta na sede da sociedade e que outras informações seriam prestadas na assembleia (factos provados 43 e 44).
Aprecie-se.
De acordo com o disposto nos artigos 65.º e s. do CSC, constitui um dever especial dos administradores das sociedades apresentar o relatório da gestão e as contas de cada exercício anual aos órgãos competentes da sociedade. Estando em causa uma sociedade por quotas, deve atentar-se, em particular, no disposto no artigo 246.º, n.º 1, al. e), do CSC, do qual resulta que “[a] aprovação do relatório de gestão e das contas do exercício, a atribuição de lucros e o tratamento dos prejuízos” depende de deliberação dos sócios.
As deliberações dos sócios são tomadas pelas formas legalmente previstas para cada tipo de sociedade (cfr. artigo 53.º, n.º 1, do CSC), sendo admissíveis, nas sociedades por quotas plurais, as seguintes formas: deliberações unânimes por escrito e assembleias universais (assembleias gerais que dispensam formalidades prévias desde que todos os sócios estejam presentes e manifestem vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto) (cfr. artigo 54.º, n.º 1, ex vi do artigo 247.º, n.º 1, do CSC), deliberações por voto escrito e deliberações em assembleia geral convocada (cfr. artigo 247.º, n.º 1, do CSC).
Quando as deliberações sejam tomadas em assembleia geral, esta deve ser, em regra, (regularmente) convocada, sob pena de, nos casos mais graves e excepcionalmente como vício de procedimento, nulidade das deliberações, nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1, al. a), do CSC.
Diz-se nesta norma que “[s]ão nulas as deliberações dos sócios:
a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados”.
Ora, como resulta dos factos provados, a autora / recorrida não foi convocada nem participou em qualquer das assembleias gerais que constam do registo como tendo sido aquelas em que teve lugar a tomada das deliberações respeitantes às contas do exercício de 2012 e de 2013 (assembleias gerais datadas de 28.03.2013 e 31.03.2014).
Sendo a “assembleia geral não convocada” a que se refere a norma artigo 56.º, n.º 1, al. a), do CSC, antes de mais, a assembleia geral não precedida de qualquer convocatória (ninguém foi convocado mas, ainda assim, alguns sócios adoptaram deliberações), deve igualmente ser considerada assembleia não convocada a realizada sem a presença de um ou mais sócios que não foram convocados[9]. São, consequentemente, nulas, por força da mesma norma, aquelas deliberações.
À mesma conclusão chegaram antes, como se viu, o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal recorrido. Equacionou ainda este último a possibilidade de a assembleia geral de 16.11.2015 – essa, sim, convocada – importar a renovação daquelas deliberações, ao abrigo do artigo 62.º do CSC mas, analisando a convocatória, considerou que não. Acompanha-se o Tribunal recorrido, uma vez que tal renovação não consta de ponto algum da ordem de trabalhos.
Em regra, os vícios como este, ou seja, de procedimento (por oposição a vício de conteúdo)[10], geram somente a anulabilidade das deliberações. No entanto, o vício previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 56.º do CPC gera nulidade[11].
Como explica Coutinho de Abreu, trata-se de uma nulidade atípica, derivada de um vício respeitante ao modo ou processo pelo qual se formou a deliberação ou ao “como” se decidiu[12]. Apesar de ser um vício de procedimento, “[c]ompreende-se – continua o autor – que estas deliberações sejam nulas: apesar de a falta de convocação ser vício de procedimento, é vício muito grave, na medida em que afasta sócios do exercício dos direitos fundamentais da socialidade – designadamente o direito de participar (plena ou limitadamente) nas deliberações e o direito de obter informações sobre a vida da sociedade (especialmente em assembleia): art. 21.º, 1, b) e c) [13].
A nulidade não é típica porquanto o seu regime participa de características que são próprias da nulidade (oura) e da anulabilidade.
Participa de características da nulidade (pura), porque, incontestavelmente, pode ser invocada a todo o tempo e por qualquer interessado (cfr. artigo 59.º, n.ºs 1 e 2, a contrario, do CSC), entendendo mesmo alguns que é de conhecimento oficioso. Neste sentido se pronunciaram eminentes autores Menezes Cordeiro[14], dizendo este autor que “[o] regime da nulidade consta, em parte, do 57.º, devendo, no resto, aproximar-se do 286.º do CC”, e de forma ainda mais expressa, Pinto Furtado[15].
Participa de características da anulabilidade porque existe a possibilidade de o vicio da falta de convocação ser sanado posteriormente por vontade de todos os sócios que não participaram nas deliberações, convalidando-se, então, tais deliberações, como se pode conformar pela leitura do artigo 56.º, n.º 3, do CSC, onde se diz que “[a] nulidade de uma deliberação nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 não pode ser invocada quando os sócios ausentes e não representados ou não participantes na deliberação por escrito tiverem posteriormente dado por escrito o seu assentimento à deliberação”. Trata-se, em suma, de uma “nulidade de protecção”, sendo o objectivo da cominação – e simultaneamente o objectivo da norma que exige a convocatória – o da protecção dos sócios não participantes.
Estando em presença de um vício formal ou de procedimento que assume tal gravidade, poderá ele ser considerado inalegável pela autora / recorrida e, logo, “escapar” ao controlo do tribunal?
Pretendem, precisamente, as rés / recorrentes que a autora / recorrida age em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por se ter “conformado”, durante longo tempo, com o procedimento acima descrito para a elaboração das actas de aprovação das contas da sociedade, sendo agora inadmissível, face á confiança gerada pela sua conduta, que ela venha arguir a invalidade das deliberações. Por outras palavras e mais sucintamente: existiria, segundo as rés / recorrentes, inalegabilidade do vício de procedimento que afecta as deliberações por parte da autora / recorrida.
É do conhecimento geral que, enquanto expressão da confiança, o venire contra factum proprium concretiza a boa fé.
Recorda Menezes Cordeiro que “a locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente[16]. De acordo com este autor, existe venire contra factum proprium numa de duas situações: “quando uma pessoa, em termos que, especificamente, não a vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado acto e, depois, o pratique e quando uma pessoa, de modo, também, a não ficar especificamente adstrita, declare pretender avançar com certa actuação e, depois se negue [17].
Não obstante não ser possível falar, rigorosamente, em “pressupostos” do venire contra factum proprium, os casos abrangidos são susceptíveis de ser identificados por referência a determinados elementos. A presença e a intensidade destes varia de caso para caso, funcionando eles num “sistema móvel”, em que a falta de um é susceptível de ser suprida pela intensidade especial que assumam os / alguns dos restantes[18].
Seguindo Paulo Mota Pinto, deve, em primeiro lugar, existir um “comportamento anterior do agente – o factum proprium a que se refere a expressão –, que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança [19]. Este será um pressuposto cuja presença é essencial para a configuração do venire contra factum proprium, não obstante o grau de intensidade ser variável.
Em segundo lugar, deve existir “a imputação ao agente, quer desse comportamento, quer do actual comportamento [20], o que, em regra, envolve um juízo de censura culposa sobre o agente.
Em terceiro lugar, deve verificar-se “a necessidade e o merecimento da protecção do atingido com a conduta contraditória [21], o que significa que o atingido deve estar de boa-fé, tendo confiado na situação criada pelo acto anterior e não esperando nem podendo esperar um comportamento contrário por parte do agente.
Em quarto lugar, deve apurar-se o “investimento de confiança”. Como diz Carneiro da Frada, “como princípio, a ordem jurídica apenas reclama dos sujeitos que respeitem os próprios compromissos e não lesem os bens dos demais. Observados estes limites, há liberdade de comportamento. A cada um assiste evidentemente a faculdade de modificar a sua conduta, quando e como lhe aprouver. Deste modo, aquilo que verdadeiramente se visa no venire é tão-só a protecção da confiança criada, melhor, a tutela do investimento do sujeito feito na convicção de um comportamento alheio"[22].
Relativamente a este “investimento de confiança”, deve notar-se que alguns autores exigem “[a] sua “irreversibilidade ou a eventual 'afectação da situação existencial' daquele que confiou por virtude da frustração desse 'investimento' [23]. Conta-se entre eles Canaris[24].
Por fim, é preciso que possa afirmar-se “a contrariedade directa entre o anterior e o actual comportamento [25], sob pena de não se distinguir o venire contra factum proprium de outras formas de tutela da confiança e de ser duvidosa a sua autonomia dogmática.
Todos estes elementos – repita-se – funcionam num sistema móvel, podendo variar em número e em força consoante o caso concreto. Isto obriga a que, em cada caso a decidir, se proceda sempre a uma valoração global de todos os elementos e a um controlo da adequação material da solução.
Veja-se se estes elementos se verificam no caso em apreço.
Que a autora / recorrida manteve, até 2013, uma atitude de conformismo e até de concordância com o procedimento de aprovação das deliberações é uma realidade. Os dois primeiros elementos estão, assim, presentes no caso dos autos. Dos factos provados não decorre – é certo – que a autora / recorrida alguma vez tenha declarado ou manifestado a intenção de não exercer, no futuro, o direito de invocar o vício de procedimento de aprovação das deliberações. Existe, porem, um comportamento anterior, reiterado, susceptível de fundar alguma expectativa de que a autora / recorrida não reagiria contra aquele procedimento, sendo tanto o comportamento anterior como o presente imputáveis à autora / recorrida.
Já quanto ao terceiro, quarto e quinto elementos, é legítimo expressar dúvidas.
Sobretudo quanto ao terceiro elemento, pode questionar-se: será que se justifica a protecção das rés naquele sentido da “necessidade” e do “merecimento”? Desde logo, no plano das expectativas, será que, a partir de 2013, elas poderiam, genuinamente, (man)ter a expectativa de que a autora/ recorrida não alteraria o seu comportamento? Não terá sido, aliás, a convocação da assembleia de 16.11.2015 uma tentativa de “apaziguamento” da autora / recorrida, o que significaria que as rés estavam a contar, já há algum tempo, com este desfecho? Depois, e mais importante, no plano das expectativas legítimas: será que as rés merecem, de facto, protecção? Diz Baptista Machado que “quem não confiou ao direito a tutela das suas expectativas através de um negócio válido não pode reclamar a protecção da sua confiança com base no negócio nulo. [Só] pode reclamá-la fundando-se no princípio da confiança legítima[26].
Quanto ao “investimento de confiança”, é difícil considerar que ele é irreversível, existindo, como se viu, formas de evitar ou minimizar o dano consubstanciado na nulidade das deliberações por sanação do vício de procedimento ou renovação das deliberações.
Relativamente ao último elemento, cabe também duvidar que ele se verifique. O comportamento actual da ré contraria directamente o seu comportamento anterior? Existirá contradição directa ou “relação de incompatibilidade de dois modos de agir”[27] sendo certo que a alteração do comportamento não foi rigorosamente unilateral, tendo ocorrido outras alterações da realidade (desde logo a morte do pai da autora / recorrida e sócio da sociedade, JJ) e dos comportamentos das rés, designadamente tendo a autora / recorrida ficado “afastada”, por circunstâncias indeterminadas, da participação nos procedimentos habituais da sociedade?
Independentemente destas reservas à verificação de alguns dos elementos do venire contra factum proprium – que, assentando assentar este num sistema móvel, nunca comprometeriam decisivamente a sua configuração em concreto –, existe um motivo para que a resposta para o caso se distancie em definitivo desta solução.
Como se disse, a aplicabilidade do instituto depende sempre de uma ponderação global dos elementos presentes (número e intensidade) e de um controlo da adequação material da solução no caso concreto. O objectivo é, mais precisamente, o de averiguar se a solução da proibição do comportamento contraditório é realmente necessária e adequada no plano ético-jurídico, “designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação conflituar com as exigências de uma contraparte leal, correcta e honesta – com os ditames da boa fé em sentido objectivo” [28].
Ora, é notório que, globalmente considerada, a proibição do comportamento contraditório e a tutela, por essa via, das pretensões das rés não seria, no caso concreto, ético-juridicamente adequada. Seria, de facto, um paradoxo difícil de explicar que uma situação antijurídica deste tipo pudesse perpetuar-se, condenada a permanecer subtraída ao controlo do Direito, pelo facto de a sua superação, não obstante ser possível e fácil, estar na dependência da iniciativa dos participantes e de nenhum dos participantes estar autorizado pelo Direito a exercer o poder de inflectir eficazmente a sua posição. Representaria isso um “aprisionamento” dos sujeitos, pelo Direito, na sua infracção anterior (uma vez infractor sempre infractor).
Atendendo ao exposto, deve concluir-se que, apesar do seu comportamento anterior, a autora / recorrida não está inibida do exercício do direito de requerer a declaração de nulidade das deliberações, devendo entender-se que procedeu bem o Tribunal a quo ao declarar a nulidade das deliberações sociais respeitantes às prestações de contas dos exercícios de 2012 e 2013 e ao determinar o cancelamento do respectivo registo.

Ultrapassado este problema, veja-se, por fim, a 4.ª e última questão – da litigância de má fé da autora / ora recorrida.

Alegam as rés / recorrentes que se verifica a situação previstas nas alíneas a), b) e d) do n.º 2 do artigo 542º do CPC e, nessa medida, deve reconhecer-se a má-fé com que a autora / recorrida litigou nos presentes autos (conclusões 71.ª a 74.º das alegações). Assiste-lhes razão?

Também quanto à questão da litigância de má fé da autora divergiram as instâncias. Enquanto o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, destacando o facto de a autora ter vindo invocar que não tinha sido anteriormente convocada para as assembleias gerais e que não tinha estado presente nas mesmas, no que toca às deliberações tomadas para aprovação das contas de 2012 e 2013, quando era do seu conhecimento a inexistência de tais assembleias na continuação do procedimento seguido até então e, sobretudo, o facto de a autora ter omitido na petição inicial que a sociedade lhe havia dado uma resposta por escrito ao seu pedido de informação, concluiu pela litigância de má fé, o Tribunal da Relação de Lisboa, reconhecendo embora aqueles factos, considerou que eles não eram suficientes para justificar tal condenação.

Concluiu o Tribunal recorrido a resposta a esta questão dizendo:

No que às “deliberações” de aprovação as contas de 2012 e 2013 tal como foram registadas concerne, sendo verdade que nunca houve, nem antes da morte do pai da Autora nem após a morte do mesmo, e que após a morte a Autora concordou com a prática- manifestamente ilegal- até aí seguida de falsificar actas de deliberações sociais não convocada, tal concordância apenas durou até 2013 – facto 51- Esta decisão mereceu a concordância de todos os sócios da sociedade, incluindo, até 2013 a Autora. Tanto assim que não assinou quaisquer actas dessas “deliberações”, actas essas que nem sequer lhe foram presente como se decidiu acima (muito provavelmente porque a Autora repensando a situação se opôs à continuação dessa prática). Não existe, por aí qualquer exercício ilegítimo de não assinar um documento forjado nem, por conseguinte qualquer exercício ilegítimo de requerer a nulidade dessa deliberação. Realmente, a Autora, não refere na sua p.i. a carta que a Ré enviou à Autora e em resposta à carta de 10/11/2015 relativa aos elementos informativos peticionados por escrito (petição essa que é o facto g por acordo das partes), carta essa que vem referida sob 43 e resulta do documento 1 junto com a contestação, e da alegação do art.º 51 da contestação que na Réplica a Autora aceita ter sido expedida naquela data, mas nega ter chegado ao seu conhecimento antes da realização da AG de 16/11/2015, sustentando que apenas chegou ao seu conhecimento a 17/11/2015 (art.ºs 36 38). Ou seja, deveria ter-se considerado admitido por acordo, logo no saneador, os factos 43 e 44 porquanto não ficou assente a data da recepção da carta pela Autora, do mesmo modo que se não demonstrou que a Autora apenas a recebeu depois da AG. De todo o modo nenhum desses factos por si só justifica a condenação da Autora como litigante de má-fé assim como a não demonstração pela Autora de lhe ter sido vedado o acesso à sede e à informação, previamente à realização da AG, atenta a proximidade das datas da recepção da convocatória e da realização da AG, a circunstância de se tratar de uma empresa familiar sem funcionários permanentes permite formular um juízo de litigância de má-fé da Autora”.

Antes de mais, recorde-se que a litigância de má fé é um instituto que visa sancionar e, portanto, combater a “má conduta processual”[29]. A conduta sancionada consubstancia-se na dedução de pretensão ou oposição cuja falta ou fundamento não podia ser ignorado, na alteração ou omissão da verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, na omissão grave do dever de cooperação ou no uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Mais precisamente, dispõe-se no artigo 542.º, n.º 2, do CPC:

Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

Atendendo à resposta dada à questão anteriormente em apreciação nestes autos, não pode dar-se relevância do facto de a autora / recorrida ter invocado que não foi convocada nem participou nas assembleias de 28.03.2013 e 31.03.2014, pois nele reside o fundamento (legítimo) do pedido na presente acção.

Sendo assim, o único facto susceptível de adquirir relevância, neste contexto, será a omissão, por parte da autora / recorrida, na petição inicial, de que lhe foi dada uma resposta, por escrito, relativamente ao seu pedido de informação, em momento imediatamente anterior ao da realização da assembleia geral de 16.11.2015. Reconduzir-se-á este facto a alguma das hipóteses previstas na norma?

As rés / recorrentes referem-se expressamente às als. a), b) e d) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC. Não se vendo possibilidade de relacionar a conduta em causa com as hipóteses previstas nas als. a) e d), concentra-se a atenção na hipótese prevista na al. b), relativa à omissão de factos.

Ainda assim, não podem considerar-se procedentes as alegações das rés / recorrentes.

A verdade é que a litigância de má fé depende de uma conduta qualificada, que, além de especialmente reprovável no plano subjectivo, exigindo o dolo e a negligência grave por parte do agente, pressupõe ou implica que a conduta em causa seja também, especialmente censurável no plano objectivo. O disposto na alínea referida concretiza este requisito, obrigando a que a omissão dos factos seja uma omissão de factos relevantes para a decisão da causa.

Chegados aqui, ou seja, tendo-se respondido às anteriores questões, não pode afirmar-se que a omissão, pela autora / recorrida, da resposta ao pedido de informação por si endereçado à sociedade seja, em rigor, um facto absolutamente relevante ou crucial para a decisão da causa, pelo que, tal como, antes, o Tribunal a quo, terá de se concluir que os elementos disponíveis não são suficientes para condenar a autora / recorrida em litigância de má fé.


*


III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.

                                                           *

Custas pelo recorrente.

                                                           *

                                                           LISBOA, 4 de Julho de 2019

                                                            

Catarina Serra (Relatora)

Raimundo Queirós

Ricardo Costa

_______________________
[1] A formulação final deste facto resulta apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal recorrido.
[2] Este facto foi aditado aos factos provados na sequência da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal recorrido.
[3] A numeração foi alterada em função do aditamento, pelo Tribunal recorrido, de um dos factos dados inicialmente constante desta lista aos factos provados.
[4] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), pp. 287-288 (itálicos do autor).
[5] O facto em causa consta do elenco dos factos provados do presente Relatório sob a referência 53a.

[6] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pp. 406-412 (esp. p. 406, sublinhado do autor) e pp. 431-432.
[7] Sublinhados originais.
[8] Sublinhados nossos.
[9] Cfr. Jorge Coutinho de Abreu, in: Jorge Coutinho de Abreu (coord.) Código das Sociedades Comerciais em Comentário, volume I, Coimbra, Almedina, 2017 (2.ª edição), p. 691.
[10] Jorge Pinto Furtado (Deliberações dos sócios – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Coimbra, Almedina, 1993, p. 285) designa-o, por sua vez, “vício de formação”.
[11] A outra excepção é a da al. b) do n.º 1 do artigo 56.º do CPC.
[12] Cfr. Jorge Coutinho de Abreu, in: Jorge Coutinho de Abreu (coord.) Código das Sociedades Comerciais em Comentário, volume I, cit., pp. 690 e 692.
[13] Cfr. Jorge Coutinho de Abreu, in: Jorge Coutinho de Abreu (coord.) Código das Sociedades Comerciais em Comentário, cit., p. 691 (sublinhados do autor).
[14] Cfr. António Menezes Cordeiro, in: António Menezes Cordeiro (coord.), Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coimbra, Almedina, 2011 (2.ª edição), p. 229.
[15] Cfr. Jorge Pinto Furtado, Deliberações dos sócios – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, cit., p. 287.
[16] Cfr. António Menezes Cordeiro, Da boa fé no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 1997, p. 742 (sublinhados do autor).
[17] Cfr. António Menezes Cordeiro, Da boa fé no Direito Civil, cit., pp. 746-747.
[18] Cfr., entre outros, António Menezes Cordeiro, Da boa fé no Direito Civil, cit., p. 759 e pp. 1258 e s., e Paulo Mota Pinto, “Sobre a proibição do comportamento contraditório”, in: Volume Comemorativo do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra, Universidade de Coimbra, 2003, p. 302.
[19] Cfr. Paulo Mota Pinto, “Sobre a proibição do comportamento contraditório”, cit., pp. 302-303 (sublinhados do autor).
[20] Cfr. Paulo Mota Pinto, “Sobre a proibição do comportamento contraditório”, cit., p. 303. (sublinhados do autor).
[21] Cfr. Paulo Mota Pinto, “Sobre a proibição do comportamento contraditório”, cit., p. 303. (sublinhados do autor).
[22] Cfr. Manuel Carneiro da Frada, Teoria da confiança e responsabilidade civil, Coimbra, Almedina, 2004, p. 420.
[23] Cfr. Paulo Mota Pinto, “Sobre a proibição do comportamento contraditório”, cit., p. 304. (sublinhados do autor).
[24] Cfr. Klaus Wilhelm Canaris, Die Vertrauenshaftung im Deutschen Privatrecht, München, C.H. Beck, 1971, pp. 513-514.
[25] Cfr. Paulo Mota Pinto, “Sobre a proibição do comportamento contraditório”, cit., p. 304. (sublinhados do autor).
[26] Cfr. João Baptista Machado, “Tutela da confiança e 'venire contra factum proprium'”, in: João Baptista Machado, Obra dispersa, vol. I, Braga, Scientia Ivridica, 1991, p. 376.
[27] Cfr. Manuel Carneiro da Frada, Teoria da confiança e responsabilidade civil, Coimbra, Almedina, 2004, p. 411.
[28] Cfr. Paulo Mota Pinto, “Sobre a proibição do comportamento contraditório”, cit., pp. 304-305 (sublinhados do autor).
[29] Cfr. António Menezes Cordeiro, Litigância de má fé, abuso do direito de ação e culpa “in agendo”, Coimbra, Almedina, 2014 (3.ª edição), p. 45.