Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
420/21.7YHLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
PATENTE
MEDICAMENTOS GENÉRICOS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
ININTELIGIBILIDADE
Data do Acordão: 04/17/2024
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA A REVISTA PRINCIPAL. NÃO CONHECE A REVISTA SUBORDINADA
Sumário :
I. A nulidade do acórdão sustentada na contradição entre os fundamentos e a decisão, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, por encerrar um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adotada, ou seja, a nulidade do aresto ocorrerá sempre que a anunciada explicação que conduz ao resultado adotado, induz logicamente a um desfecho oposto ao reconhecido.

II. A nulidade do acórdão sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório quando o Tribunal não trata de questões de que deveria conhecer, está diretamente relacionado com o comando fixado na lei adjetiva civil, segundo o qual o Tribunal deve resolver todas as questões, e só estas, que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

III. O Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode alterar tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis. A decisão de facto é, pois, da competência das Instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta, pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respetiva intervenção, quando haja erro de direito.

IV. O direito de patente confere ao seu titular o direito de explorar, em exclusivo e por determinado período, a invenção protegida e o direito de impedir terceiros de explorar, por qualquer meio, a invenção objeto da patente, sendo que, em coerência, a violação do direito de patente por terceiro gera na esfera jurídica do titular lesado o direito a ser indemnizado por danos causados por força do referido ato ilícito.

V. O âmbito da proteção conferida pela patente é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar, daí que o conteúdo da patente, o objeto de proteção, deve ser aferido em função do teor das reivindicações, interpretado de acordo com a descrição e desenhos em caso de ambiguidade.

VI. As reivindicações são a medida da inovação e consequentemente a medida da proteção.

VII. A violação de um direito de propriedade industrial pode ocorrer por via de uma infração literal das reivindicações, ou seja, por se fabricar, vender ou comercializar um produto idêntico ao invento patenteado, com as mesmas características, seja de produto final, seja de processo, tal como descrito nas reivindicações, podendo verificar-se, igualmente, uma infração não literal da patente, o que ocorre quando não existe uma integral correspondência entre os elementos constantes da reivindicação e respetiva descrição e o produto apresentado pelo lesante. É o que se chama de infração por equivalência.

VIII. A abrangência da proteção aos meios equivalentes visa impedir que terceiros possam violar a patente de outrem introduzindo, para o efeito, pequenos e insignificantes desvios quer ao processo produtivo, quer ao próprio produto, sendo o momento determinante para a apreciação dos equivalentes, o do pedido de patente.

IX. O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art.º 671º do Código de Processo Civil, a isso não obstando o n.º 5 do art.º 633º do mesmo Código, conforme decorre do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, proferido em 27 de novembro de 2019.

Decisão Texto Integral:

Recorrente/Recorrida/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc e Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA.

Recorrente/Recorrida/Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA. e Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

I. GEDEON RICHTER Plc. uma sociedade constituída de acordo com a leis da Hungria, com sede em ..., na Hungria, NIPC n.º ...........44, TECNIMEDE SOCIEDADE TÉCNICO MEDICINAL, S.A., com sede na Rua da ...2, ..., Portugal, pessoa coletiva n.º .......13, LABORATÓRIO MEDINFAR - PRODUTOS FARMACÊUTICOS, S.A., com sede na Rua ..., ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número único de matrícula e de pessoa coletiva .......45, intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra ZENTIVA PORTUGAL, LDA., sociedade por quotas, com número único de matrícula e de pessoa coletiva .......51 e sede na Alameda ..., ..., ..., ... peticionando, a final, que, na procedência da ação, seja a Ré condenada a:

a) enquanto a Patente EP’342 estiver em vigor, abster-se de, por si ou por terceiro, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender e/ou oferecer os medicamentos que constituía o objeto do pedido de AIM identificados no artigo 60º da presente Petição Inicial;

b) condenar Ré no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais a serem equitativamente arbitrados pelo tribunal, atendendo aos critérios previstos no artigo 347.º do CPI, designadamente, ao valor anual pelas vendas exclusivas nos anteriores anos que se computa em €4.000.000,00 (quatro milhões de euros);

c) condenar a Ré no pagamento de uma compensação a título de enriquecimento sem causa, a liquidar futuramente;

d) ser determinado pelo douto tribunal ao abrigo do art.º 829º-A nº1 do Código Civil um valor a pagar a título de sanção pecuniária compulsória a fixar (não devendo nunca ser inferior ao valor de referência das vendas no território português, melhor descritas no Doc. n.º 10 junto), por cada dia que a Ré e ou terceiros seus parceiros se encontrem a violar tais direitos ora invocados, destinada a compelir a Ré à execução especifica da obrigação de respeito por direitos que não lhe pertencem e com tais atos descritos, inequivocamente viola, no valor de €12.500,00 (doze milhares e quinhentos euros) por dia.

Articularam, com utilidade, que Gedeon Richter Plc é titular da Patente Europeia EP n.º 1765342, que permanecerá em vigor até 9 de junho de 2025, que se encontra a ser infringida pela comercialização pela Ré de medicamentos genéricos, o que é causador de danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento peticiona.

2. Regularmente citada, a Ré, ZENTIVA PORTUGAL, LDA. deduziu contestação, na qual, em síntese, pugna pela improcedência da presente ação, porquanto, no seu entender, se verifica a caducidade do direito de ação, por incumprimento do prazo previsto no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro.

Ademais, alegou a Ré serem as segunda e terceira Autoras partes ilegítimas, na medida em que não são invocados factos que consubstanciem a sua posição de titulares do direito de propriedade intelectual invocado pela primeira Autora, outrossim, impugnando a factualidade aduzida pelas Autoras, a Ré alegou que a patente de que a Autora Gedeon Richter, Plc se arroga é nula, peticionando, também a final, a título reconvencional, a declaração da nulidade da Patente Europeia n.º 1765342, com fundamento em falta de novidade, de inventividade e insuficiência de descrição, devendo essa declaração ser circunscrita ao território português.

3. As Autoras deduziram réplica pronunciando-se quanto à invocada nulidade da patente, quanto à exceção perentória formulada e ao pedido reconvencional deduzido.

4. Foi calendarizada e realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador que, julgando procedente a exceção de ilegitimidade das segunda e terceira Autoras, absolveu-as da instância.

No mais, foi julgada improcedente, por não provada, a exceção de caducidade do direito de ação da Autora, bem como, foi fixado o valor da ação, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

5. Procedeu-se ao agendamento da audiência final, que se realizou, conjuntamente com a discussão da ação cautelar, com respeito pelo legal formalismo, tendo sido proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou:

“i. julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente ação intentada por GEDEON RICHTER Plc contra ZENTIVA PORTUGAL, LDA. e, consequentemente:

a. Condena-se a Ré ZENTIVA PORTUGAL, LDA. a abster-se de, por si ou por terceiro, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender e/ou oferecer os medicamentos que constitua o objeto do pedido de AIM identificados no artigo 65.º da Petição Inicial, enquanto a Patente EP’342 estiver em vigor;

b. Fixa-se uma sanção pecuniária compulsória, no valor diário de € 5 000 (cinco mil euros) por cada dia posterior ao trânsito em julgado da presente decisão, em que a Ré ZENTIVA PORTUGAL, LDA. não cumpra o decidido em a);

c. Condena-se a Ré ZENTIVA PORTUGAL, LDA. a pagar à Autora GEDEON RICHTER Plc a importância de € 210 138,11 (duzentos e dez mil cento e trinta e oito euros e onze cêntimos);

d. Absolve-se a Ré ZENTIVA PORTUGAL, LDA. do demais peticionado.

ii. Julga-se improcedente, por não provado, o pedido reconvencional deduzido por ZENTIVA PORTUGAL, LDA. contra GEDEON RICHTER Plc e, consequentemente, absolve-se a Autora GEDEON RICHTER Plc do pedido de declaração de nulidade da Patente Europeia n.º 1765342.

Fixo à ação o valor de € 30 000,01 – artigos 296.º, 297.º, 299.º, n.º 1, 303.º, n.º 1, 304.º, n.º 3, alínea d) e 306.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Custas pela Autora e Ré na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em ¼ para a Autora e ¾ para a Ré – artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.”

6. Inconformada com o decidido, apelou a Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA., tendo o Tribunal a quo conhecido do recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi enunciado:

“Pelo exposto, acordam as juízas deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso, revogando a decisão impugnada e substituindo-a por outra que julga improcedente a ação, consequentemente, absolve a apelante dos pedidos indemnizatórios formulados pela apelada.

No mais, mantém-se a decisão recorrida.

Custas por ambas as partes, sendo a apelante pelas custas do decaimento no pedido reconvencional e a apelada, no decaimento da ação.”

7. É contra este acórdão, proferido na Relação de Lisboa que a Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLC e Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA., se insurgem, esta a título subordinado, formulando as seguintes conclusões:

7.1. Da Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc

“1. Para efeitos de concretização das presentes conclusões, e por razões de economia processual, dá-se por reproduzido o teor da exposição supra, não concedendo, apresenta-se como se impõe, as alegações ao abrigo do artigo 639.º, n.º 2 do CPC.

2. A Recorrente não se conforma com o Acórdão proferido pelo tribunal a quo, nos termos do qual se veio a considerar que a Recorrida não infringe, seja ao abrigo de uma interpretação literal ou por recurso à doutrina dos meios equivalentes, a patente da Recorrente.

3. Pese embora todo o rigor jurídico empenhado na elaboração do Acórdão, as suas conclusões não se compadecem com toda a factualidade dada como provada, e mostram-se igualmente incompatíveis com aquela que foi a prova produzida em 1.ª Instância.

Vejamos:

4. Conforme resulta dos autos, a Recorrente é titular da Patente Europeia n.º 176342, cuja Reivindicação 1 dispõe: “Composição farmacêutica contendo 0,3-30% em peso (p/p) de besilato de amlodipina e 0,1-75% em peso (p/p) de di-hidrato de lisinopril como ingredientes activos, em mistura íntima com um ou mais excipientes correntemente utilizados na indústria farmacêutica, com a condição de que o referido excipiente é diferente de um sal de cálcio do ácido fosfórico”.

5. Por outro lado, o medicamento comercializado pela Recorrida contém Lisinopril/Amlodipina nas proporções de 10mg/5mg, 20mg/10mg e 20mg/5mg.

6. Pelo que as quantidades em causa inserem-se nos intervalos protegidos pela patente da Recorrente.

7. A base do presente litígio, salvo melhor opinião e em termos bastante simplificados, consiste em determinar se a Reivindicação 1 abrange a utilização de fosfato de cálcio na proporção de 2,5%, quer pelo seu teor literal, quer segundo o recurso à doutrina dos meios equivalentes.

8. O que importa determinar é, pois, se um medicamento em tudo idêntico às características descritas na Reivindicação 1 fica excluído do seu âmbito de proteção pela circunstância de ter, na sua composição, fosfato de cálcio na proporção de 2,5%.

9. A questão foi levada ao Tribunal da Propriedade Intelectual que concluiu: “À luz da matéria de facto dada como não provada constata-se que a comercialização de tais medicamentos [leia-se, da Recorrida] infringe a matéria reivindicada na EP’342, máxime na sua reivindicação 1 que estabelece que (…). Com efeito, os medicamentos genéricos da Ré ao compreenderem Lisinopril+Amlodipina infringem a matéria reivindicada na EP’342.”

10. No que tange à utilização de fosfato de cálcio na composição dos medicamentos, entendeu a 1.ª Instância que “No caso, a introdução do hidrogenofosfato de cálcio nos medicamentos genéricos da Ré produz o mesmo efeito técnico e desempenha a mesma função, considerando a sua diminuta percentagem que não põe em crise a composição química idêntica à patenteada, nem nada lhe acrescenta. É, em síntese, um elemento químico despiciendo na formulação química, que nada acrescenta à composição química dos medicamentos de referência”.

11. Como não podia deixar de ser, concluiu-se, enfim, pela condenação da Ré, aqui Recorrida, por infringir a patente da Recorrente, com todas as consequências que tal circunstância acarreta.

12. Veio o Tribunal a quo sufragar entendimento diametralmente oposto, nos termos do qual “(…) é inegável que a ré fabrica e comercializa um produto que utiliza o fosfato de cálcio, em moldes que se mostram expressamente excluídos pela proteção decorrente da patente da autora. Ao fazê-lo, não infringe de forma literal a patente da autora” (sublinhado e negrito nossos).

13. Quanto aos meios equivalentes, lê-se no mesmo Acórdão: “(…) porque a utilização de uma tal quantidade mais não é do que uma variação do estado da técnica, não pode a apelada, meramente alegando que 2,5% de fosfato de cálcio é o mesmo que nada, pretender beneficiar, por efeito dos meios equivalentes, de um alargamento do âmbito de proteção da sua EP’342 a um excipiente que expressamente excluiu e que nunca poderia ser protegido pela sua patente.” (sublinhado e negrito nossos).

Cumpre analisar:

14. Os supracitados artigos 98.º, n.º 1 do CPI e 69.º, n.º 1 da CPE definem o âmbito de proteção da patente, conferido pelo teor literal das respetivas reivindicações.

15. Como auxílio interpretativo do artigo 69.º, n.º 1 da CPE, chama-se ainda a atenção para o artigo 1.º do respetivo Protocolo Interpretativo.

16. De resto, sobre o artigo 98.º do CPI já se veio pronunciar a jurisprudência portuguesa, podendo ler-se em Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que “É o sentido que essas reivindicações assumem para um especialista na matéria, que as interprete, tendo em consideração o teor da descrição e dos desenhos, bem como os conhecimentos comuns do estado da técnica à sua disposição na data da apresentação do pedido, que delimitam o âmbito de protecção” (sublinhado nosso) - vide Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/01/2022, no proc. n.º 86/21.4YHLSB.L1-PICRS.

17. Aqui chegados, tendemos a acolher os ditos “critérios de interpretação da reivindicação”, compilados pelo Acórdão objeto de recurso (149).

18. Igualmente, entende-se ser de suma importância analisar o caso através da perspetiva de um especialista na matéria.

19. Muito se estranha que o tribunal a quo, munido destas fortes orientações doutrinais, tenha por fim, e ainda assim – perdoe-se-nos a expressão – “morrido na praia”.

20. Pois que, ao mesmo tempo que chama a atenção para a importância da perspetiva de um especialista, ignora por completo as conclusões retiradas em sede de peritagem na instrução da primeira instância.

21. De igual modo, apesar de mostrar conhecimento dos vários critérios mobilizáveis na tarefa de interpretação das reivindicações, o Acórdão falha na sua mobilização dos mesmos no caso concreto.

Quanto aos vários critérios interpretativos do teor literal da reivindicação:

22. Chamando-se a atenção para a perspetiva do especialista na matéria, já se sabe que a 1.ª Instância viu a sua tomada de decisão apoiada pela prova produzida, com a qual teve contacto direto, e incluiu, precisamente, a perspetiva de vários especialistas na matéria, a saber: testemunhas AA, BB e CC; peritagem de Assessora Técnica Independente, nomeada pelo tribunal de 1.ª Instância, Prof. Dra. DD.

23. Diga-se, pois, que a perspetiva proporcionada pelos intervenientes descritos serve em abono da verdade material, e configura um auxílio imprescindível para a difícil tarefa do julgador em casos com a complexidade técnica como aquela que reveste o presente litígio.

24. Mobilizando precisamente a importante perspetiva do especialista da matéria, constata-se que, pelo menos, dois especialistas na matéria afirmaram a irrelevância de uma quantidade pequena de determinado componente na composição do medicamento; mais, refere-se a testemunha BB precisamente à percentagem de 2.5%, para a considerar “demasiado pequena”.

25. Veja-se o que diz, a este respeito, o tribunal a quo: “(…) importa considerar os depoimentos das testemunhas BB e CC, que referiram que uma quantidade pequena de um componente é, por vezes, irrelevante. Tal consideração não foi, porém, acompanhada da concretização do que sejam quantidades pequenas. Quanto ao fosfato de cálcio em concreto, a testemunha BB considerou 2,5% uma percentagem demasiado pequena para funcionar como agente de enchimento.” (sublinhado e negrito nossos).

26. No que tange à interpretação literal da Reivindicação 1, a perspetiva do especialista da matéria é clara: a Reivindicação 1 deve ser interpretada no sentido de que a utilização de quantidade reduzida de fosfato de cálcio na composição do medicamento não é suficiente, per se, para afastar o seu âmbito de proteção.

27. Dito de outro modo, sempre se dirá que um especialista na matéria, confrontado com o texto da Reivindicação 1, entenderia (como de facto entendeu, em concreto), que a expressão “com a condição de que o referido excipiente é diferente de um sal de cálcio do ácido fosfórico” abarca as situações em que se verifique uma utilização de fosfato de cálcio em quantidades tão reduzidas que devam considerar-se, para todos os efeitos, irrelevantes.

28. Já no que respeita ao critério segundo o qual cada característica deve ser interpretada no contexto da patente/ a interpretação das palavras é contextual, recuperem-se as palavras do tribunal a quo, segundo o qual a patente ensina (155) “(…) quando se utiliza fosfato de cálcio como o único material de enchimento, mesmo na presença de um deslizante e/ou lubrificante, pode ocorrer friabilidade e/ou inclusão de ar nos comprimidos (…)” (sublinhado nosso);

29. E (157) “Ensina ainda que o fosfato de cálcio não pode se utilizado como o único material de enchimento, porque tal causa friabilidade e/ou inclusão de ar nos comprimidos”.

30. Não se compreende que o Acórdão chame a nossa atenção, por um lado, para o contexto da patente – que nos é fornecido pelos seus ensinamentos –, para depois ignorar, por outro lado, esse mesmo contexto.

31. Como facilmente se depreende do contexto fornecido pelos ensinamentos citados, o que a patente pretende tutelar é a combinação de Lisinopril e Amlodipina em determinadas proporções, que não utilize fosfato de cálcio em quantidade suficiente para se considerar o único, ou o principal, material de enchimento.

32. Significa isto, pois, que a Reivindicação 1 fornece contexto suficiente para contemplar a possibilidade de utilização de quantidades reduzidas de fosfato de cálcio, sem prejuízo para a estabilidade, ao contrário do concluído no Acórdão em recurso (159).

33. Por outro lado, entendendo-se que a interpretação das reivindicações deve ser realizada com o objetivo de compreender o sentido técnico, tal como seria percebido pelo especialista, diga-se apenas que problema técnico resolvido pela patente prende- se com a combinação, num único medicamento, das substâncias Lisinopril e Amlodipina, em determinadas proporções, em conjunto com excipientes conhecidos, com a condição de não ser utilizado fosfato de cálcio em proporções relevantes, já que esta última substância contribuiu para a criação de impurezas e confere instabilidade ao medicamento.

34. Ou seja, uma vez mais, o especialista na matéria entenderia o sentido técnico da exclusão do fosfato de cálcio como admitindo a hipótese de se verificarem no medicamento quantidades reduzidas desta substância.

35. Do mesmo modo, adere-se ao critério adotado pelo tribunal a quo, segundo o qual o significado das palavras é o normal, exceto se a patente providenciar, ela mesma, significado diverso ou se as palavras tiverem um significado diferente em termos técnicos, na área de especialização relevante, daquele que têm em termos normais.

36. No caso em análise, deve concluir-se que as palavras assumem um significado diferente, em termos técnicos, do que aquele que assumiriam na sua aceção puramente literal ou gramatical.

37. Ao dizer “o referido excipiente é diferente de um sal de cálcio do ácido fosfórico”, a expressão “é diferente” deve entender-se com o significado técnico que lhe é atribuído na área, ou seja, abrange não só as situações em que não é utilizado qualquer fosfato de cálcio, mas também aquelas em que essa utilização é feita em termos considerados irrelevantes para a composição química do medicamento.

38. Assim o entende o especialista da matéria, cuja perspetiva é fornecida, a título ilustrativo, pelos depoimentos das testemunhas BB e CC, já citados, de acordo com as quais uma quantidade reduzida de determinado componente, proporcionalmente considerada em face dos demais elementos que compõe o medicamento, não produz qualquer efeito de relevo.

39. Não podendo olvidar que a Ré no processo requereu a AIM de um medicamento genérico: “nn) “Medicamento considerado”, medicamento objeto de autorização de introdução no mercado válida em Portugal com a mesma composição quantitativa e qualitativa em substâncias ativas, a mesma forma farmacêutica e as mesmas indicações terapêuticas de um medicamento objeto de importação paralela.”

Em suma,

40. Ponderados os critérios de interpretação mobilizados pelo tribunal a quo, não pode aceitar-se a afirmação segundo a qual “Assim, verificaria o especialista que a patente é omissa nos seus ensinos, quanto a utilizar uma pequena percentagem de fosfato de cálcio, e a reivindicação 1 é expressa na sua exclusão absoluta do fosfato de cálcio, traduzida na expressão “com a condição de que” o excipiente não seja sal de cálcio de ácido fosfórico. À luz disto, o especialista entenderia que, de acordo com os ensinos da patente, não deve, nem pode, ser utilizado fosfato de cálcio.”.

41. Impõe-se, antes, questionar: como pode o tribunal a quo pronunciar-se tão decisivamente quanto àquilo que “o especialista na matéria entenderia”, quando na verdade, e em bom rigor, os especialistas na matéria ouvidos em sede de produção de prova entenderam precisamente o contrário?

42. Em face de tudo o exposto, é de rejeitar em absoluto a conclusão do tribunal a quo (164), nos termos da qual “(…) é inegável que a ré fabrica e comercializa um produto que utiliza o fosfato de cálcio, em moldes que se mostram expressamente excluídos pela proteção decorrente da patente da autora. Ao fazê-lo, não infringe de forma literal a patente da autora.”.

43. Tal conclusão configura uma violação da lei substantiva e um erro crasso de interpretação e aplicação dessa mesma lei, razão pela qual devem ser confirmadas as conclusões da 1.ª Instância, no sentido de que: um medicamento que combine Lisinopropil e Amlodipina em quantidades que se situem nos intervalos previstos na Reivindicação 1, em conjunto com excipientes conhecidos e utilizando, na sua composição, 2,5% de fosfato de cálcio, infringe literalmente o conteúdo da Reivindicação.

Ainda assim,

44. Por cautela de patrocínio, impõe-se postular a hipótese absurda segundo a qual uma qualquer quantidade de fosfato de cálcio presente em medicamento, em tudo o resto idêntico ao conteúdo da patente, seria suficiente para que esse medicamento não estivesse abrangido pela proteção da reivindicação.

45. Mesmo nessa hipótese – que não se admite – sempre seria de mobilizar a doutrina dos meios equivalentes.

46. Aliás, assim também entendeu o tribunal a quo, que foi colher à doutrina e jurisprudência vários ensinamentos a respeito dos sobreditos “meios equivalentes”;

47. Porém, uma vez mais, todas estas lições parecem cair por terra em face daquelas que são as conclusões do Acórdão.

48. Como ensina precisamente o aresto em recurso, a doutrina dos equivalentes (165) “(…) permite o reconhecimento de infração, ainda que cada elemento da reivindicação não esteja presente de forma completa ou idêntica na invenção. É propósito desta doutrina assegurar que o infrator não beneficia de alterações menores ou insubstanciais que escapem à infração literal” (sublinhado nosso).

49. O mesmo entendimento pode extrair-se do artigo 2.º do Protocolo Interpretativo do artigo 69.º da CPE, nos termos do qual “Para efeitos de determinação da extensão da protecção conferida por uma patente europeia, deve ter-se em conta todo o elemento equivalente a um elemento especificado nas reivindicações.”

50. De todo o modo, nem mesmo o citado protocolo dá resposta definitiva a uma questão que, parece-nos, assume a maior importância: o que é um elemento equivalente?

51. O Acórdão em análise cuida de chamar atenção para a seguinte circunstância (172): “Por outro lado, uma visão muito estrita fomenta a infração e desincentiva o investimento na invenção e na sua proteção, com prejuízo para o avanço científico e tecnológico que o sistema de patentes providencia”;

52. Ilação que esbarra de frente com as conclusões finais do tribunal a quo, que aplicam precisamente essa “visão muito estrita”.

53. Continua o mesmo Acórdão (175): “Uma análise sumária das jurisdições mais relevantes na matéria permite constatar que em todas é normalmente requerido que o produto infrator, com os meios modificados, alcance o mesmo resultado que a invenção patenteada (o teste da tripla identidade, nos EUA, e do mesmo resultado no Reino Unido). Isto é, que o produto infrator resolva o mesmo problema que levou à invenção patenteada”. (sublinhado nosso).

54. Para melhor concretizar esta fundamentação, citemos ainda jurisprudência portuguesa que versou sobre a matéria - Acórdão também citado pelo tribunal a quo - segundo a qual “Deve considerar-se verificada a infracção do direito de patente por equivalância [sic] sempre que: a) A invenção patentada e a invenção questionada se situarem no âmbito do mesmo problema técnico; b) Ambas apresentarem uma solução idêntica e os elementos modificados estiverem ao alcance de um perito na especialidade, a partir da interpretação lógica e objectivista do conteúdo das reivindicações da invenção protegida, de acordo com a orientação hermenêutica do artigo 1º do Protocolo interpretativo do artigo 69º da Convenção Europeia da Patente”. (sublinhado nosso) – vide Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17-09-2009, proc. n.º 893/1995.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.

55. Considere-se agora o primeiro pressuposto, segundo o qual a invenção patenteada e a invenção questionada situam-se no âmbito do mesmo problema técnico.

56. Em concreto, o problema técnico que o produto da Recorrente visa resolver é o de obter uma composição farmacêutica viável que associa amlodipina a um inibidor da enzima conversora da angiotensina (lisinopril), ambos enquanto ingredientes ativos, permitindo assim reunir os benefícios que resultariam da toma de dois medicamentos num único fármaco.

57. Resulta do facto dado como provado 35, não alterado pelo tribunal a quo, que “Tal como os medicamentos de referência (Lisonorm®), os medicamentos genéricos “Lisinopril + Amlodipina Zentiva” [comercializados pela Ré] apresentam-se sob a forma de comprimidos apresentando exatamente as mesmas indicações terapêuticas que os medicamentos de referência.” (sublinhado nosso).

58. Os medicamentos da Recorrida, conforme vem demonstrado, apresentam exatamente as mesmas indicações terapêuticas; diga-se, resolvem exatamente o mesmo problema técnico, combinando amlodipina com inibidor de eca (lisinopropil), em conjunto com excipientes diversos que não os tais “sais de cálcio de ácido fosfórico” – posto que a presença de fosfato de cálcio é negligenciável.

59. Deste modo, mesmo considerando, no limite do absurdo, que a presença de fosfato de cálcio em quaisquer quantidades é suficiente para afastar o âmbito de proteção literal da Reivindicação 1, constata-se, ainda assim, estarmos na presença de dois medicamentos que resolvem exatamente o mesmo problema técnico.

60. Já quanto ao pressuposto de que ambas apresentam uma solução idêntica para o mesmo problema técnico, importa esclarecer que, para resolução do descrito problema técnico, por parte da Recorrente, mostrou-se essencial, por um lado, combinar Lisinopril e Amlodipina em determinadas proporções e, por outro lado, reprimir a utilização, como excipientes, dos “sais de ácido fosfórico”, por se demonstrar que a sua presença em quantidades suficientes aumentava o teor de impurezas e conferia, em consequência, maior instabilidade ao medicamento.

61. Essa foi a solução técnica descoberta para o problema identificado.

62. Por sua vez, os medicamentos da Recorrida apresentam exatamente a mesma solução para o problema técnico identificado: recorrem à utilização de Lisinopril e Amlodipina em determinadas proporções e combinam estas substâncias com excipientes conhecidos diferentes de sais de ácido fosfórico.

63. Reitera-se: a presença de fosfato de cálcio nos medicamentos da Recorrida é negligenciável, pelo que constituiria absurdo considerar que, através da sua introdução naquelas proporções, a Ré estaria a apresentar uma solução diferente para o mesmo problema técnico, evitando as ditas impurezas.

64. Pelo contrário, a quantidade é mínima precisamente porque a Recorrida sabe – graças aos ensinamentos da patente da Recorrente – que a utilização de tais substâncias em quantidades consideráveis confere instabilidade ao medicamento.

65. Por último, impõe-se constatar se os elementos modificados estão ao alcance de um perito na especialidade.

66. Recuperando doutrina citada pelo tribunal de 1.ª Instância, o que se pretende neste particular é concluir se “O perito na especialidade percepciona facilmente esta variante (ou essa “relação de substituição”) como uma solução tecnicamente equivalente, uma variante técnica e suficientemente próxima da invenção anteriormente protegida, não obstante utilize meios diferentes, caso a equivalência não puder ser estabelecida senão através da interpretação das reivindicações” (sublinhado nosso) – Remédio Marques, Medicamentos versus patentes, pp 458 a 460.

67. No caso concreto, o exercício lógico que compete ao julgador fazer, salvo melhor opinião, é o seguinte: questionar se para um perito na especialidade, a utilização de fosfato de cálcio na proporção de 2.5%, na fórmula de resto idêntica à Reivindicada, constitui uma solução tecnicamente equivalente, suficientemente próxima da invenção anteriormente protegida;

68. Ou se, ao invés, essa introdução se traduz numa novidade, de maneira que um perito da especialidade não pudesse, expectavelmente, sem meios inventivos, alcançar a mesma conclusão.

69. Ou seja, pese embora já se ter cuidado de explanar as razões em face das quais, no nosso entender, a solução técnica do medicamento da Recorrida é idêntica à solução técnica do medicamento da Recorrente, importa ainda assim colocar a questão da perspetiva de um perito da especialidade.

70. Foi exatamente essa a lógica adotada por parte do tribunal de 1.ª Instância, que cuidou de considerar as conclusões da assessoria técnica prestada, precisamente, por perito da especialidade, para vir concluir que, in casu, a utilização de fosfato de cálcio na proporção de 2.5% constitui uma solução tecnicamente equivalente, por ser a presença desta substância de tal modo reduzida que nunca se repercutiria na solução final.

71. No mesmo sentido foi o entendimento das testemunhas, também elas especialistas na matéria, que sublinharam a quantidade manifestamente reduzida de fosfato de cálcio.

72. Analisada a doutrina dos meios equivalentes, reconhecida e mobilizada pelo tribunal a quo, evidencia-se estarem verificados, no caso, todos os respetivos pressupostos.

73. Ao concluir em sentido diverso, o Acórdão sob recurso procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação da doutrina dos meios equivalentes, ignorando por completo a perspetiva do perito especialista na matéria.

Em consequência:

74. Constatando as características dos medicamentos comercializados pela Recorrida (contém Lisinopril/amlodipina nas dosagens de 10mg/5mg, 20mg/10mg e 20mg/5mg, assim como diversos excipientes, nomeadamente Manitol, Amido de milho pré-gelatinizado, Glicolato de amido sódico tipo A, Hidrogenofosfato de cálcio e Estearato de magnésio), e em face de tudo o exposto, impõe-se concluir que a Recorrida violou (e viola) os direitos da Recorrente.

75. Ao decidir em sentido contrário, o Acórdão objeto de recurso violou manifestamente o direito substantivo aplicável, designadamente as citadas normas do Código da Propriedade Industrial e da CPE.

76. Na verdade, concluir que a introdução de uma qualquer quantidade de fosfato de cálcio é suficiente para fugir à proteção da patente é violar, de modo grosseiro e manifesto, todo o espírito subjacente à propriedade industrial e, em consequência, a respetiva legislação.

77. Imagine-se o extremo lógico: um medicamento com composição em tudo idêntica à reivindicada, que depois introduz 0.01% de fosfato de cálcio, não seria, segundo as conclusões do tribunal a quo, abrangido pela patente, e podia, por isso, ser livremente comercializado, ao arrepio dos direitos da titular da patente.

78. Por tudo, impõe-se a revogação do Acórdão do tribunal a quo, devendo da factualidade fixada retirar-se a conclusão jurídica nos termos da qual o medicamento comercializado pela Recorrida viola a patente titulada pela Recorrente, com as devidas consequências, tal e qual como extraídas pelo tribunal de 1.ª Instância.

Sem prescindir,

79. Da leitura do Acórdão proferido pelo tribunal a quo resultam um conjunto de críticas dirigidas à sentença da 1.ª Instância; nomeadamente, apelida as formulações deste como “conclusivas”, “genéricas”, “vagas” e, de resto, qualifica como “exígua” a decisão sobre a matéria de facto.

80. Resulta ainda que o tribunal a quo entendeu, perante determinados factos – factos estes, diga-se mesmo, essenciais – não ter sido produzida prova suficiente para que fosse possível concluir num ou noutro sentido.

81. Porém, apesar de se afastar do posicionamento adotado pelo tribunal em 1.ª Instância, o tribunal a quo nada acrescentou; pelo contrário, manteve-se inerte em relação à prova produzida, não aproveitando os ensinamentos dos peritos prestados no decurso da instrução em 1.ª instância e não ordenando, sequer, nova produção de prova.

82. É hoje assente na doutrina e jurisprudência processualistas que o princípio do inquisitório, plasmado no artigo 411.º do CPC, se assume como verdadeiro poder-dever.

83. Como já veio esclarecer a jurisprudência, “Este poder-dever cabe com particular acuidade ao juiz de 1ª instância, mas estende-se igualmente às Relações, tribunais que, como os de 1ª instância, conhecem da matéria de facto em recurso que para eles seja interposto contra a decisão proferida neste campo” (sublinhado nosso) – vide Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-10-2018, proc. n.º 1295/11.0TBMCN.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt.

84. Por não se tratar de um mero poder discricionário, mas antes de “um poder-dever que se lhe impõe com vista ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio” - diz expressivamente o mesmo acórdão - o Tribunal da Relação está obrigado, nos termos do artigo 662.º, n.º 2 do CPC, a:

“a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;”.

85. Importa regressar ao caso concreto, para se constatar que o tribunal a quo violou a lei do processo ao não ordenar a produção de novos meios de prova que, de acordo com a sua própria perspetiva, se mostravam essenciais à justa composição do litígio e ao alcance da verdade material.

86. Ao logo do Acórdão sub iudice é possível constatar, nos termos já demonstrados, várias alusões à figura – e à especial importância – do perito especialista na matéria.

87. A título ilustrativo, veja-se:

“(…) o que está em causa nos autos obriga a um exercício que extravasa o âmbito estritamente técnico-jurídico (…)”;

“as questões de facto que aqui se apreciam contêm uma componente fortemente técnica, para cuja compreensão são necessários conhecimentos na respetiva área. Sem esse conhecimento, não é possível apreender a verdadeira questão em litígio.”

“Tratam-se de conclusões que apenas um especialista na área em questão pode providenciar, por estarem pela sua natureza subtraídas ao conhecimento do tribunal.”

“A perspetiva de análise deve ser a dos olhos do especialista da matéria; (…)”

“A interpretação das reivindicações deve ser realizada com o objetivo de compreender o sentido técnico, tal como seria percebido pelo especialista”

“O especialista na matéria assume particular relevo. (…)”

“(…) deve ser considerada a perspetiva do especialista na matéria, que é quem irá aprender e beneficiar do invento.”.

88. Destas passagens facilmente se depreende que o tribunal a quo, tal como o Tribunal de 1ª instância, considerou que o tratamento das temáticas in casu carece de um elevado conhecimento técnico.

89. Muito se estranha então, e em primeiro lugar, que o Tribunal a quo tenha desconsiderado por completo toda a prova produzida a propósito da peritagem;

90. Ao mesmo tempo que, em segundo lugar, não tenha sentido a necessidade de ordenar a produção de prova pericial com vista ao apuramento da verdade e à resolução dos quesitos que configuram o cerne do litígio.

91. De outro modo, para a boa decisão da causa, ao tribunal a quo restavam duas hipóteses:

1) Socorrer-se da prova produzida na 1.ª Instância, designadamente da perspetiva dos peritos na matéria, e concluir, com estes peritos, pela existência de infração;

2) Entender serem insuficientes os esclarecimentos prestados pelos peritos em 1.ª Instância e ordenar nova produção de prova, com vista a demonstrar a relevância daquela quantidade de fosfato de cálcio presente nos medicamentos da Recorrida e, simultaneamente, a perspetiva do perito na matéria.

92. Evidentemente, o tribunal a quo não adotou a primeira hipótese, pois que o seu entendimento correu em sentido contrário ao da 1.ª Instância – este último alicerçado, diretamente, na assessoria prestada por perito especialista na matéria.

93. Nesse caso, não pode aceitar-se que o tribunal a quo se autocoloque na posição de especialista na matéria, ignorando toda a prova produzida e decidindo de acordo com a sua perspetiva, sem que, em momento algum, procure auxiliar a sua tomada de decisão dos ensinamentos que podem ser prestados por pessoas e/ou equipas com qualificação na área.

94. Conforme se depreende do texto do Acórdão, o tribunal a quo entendeu, incompreensivelmente, estar plenamente esclarecido sobre qual seria a perspetiva de um especialista na matéria, não cuidando de considerar a perspetiva efetivamente fornecida no âmbito da prova produzida em primeira instância e sem sequer ponderar a nova produção de prova com vista ao cabal esclarecimento desta perspetiva.

95. Por tudo, o Acórdão violou princípios estruturantes da lei de processo, nos termos e para os efeitos do artigo 674.º, n.º 1, alínea b), designadamente os artigos 411.º e 662.º, todos do CPC, pelo que, a entender-se não procederem os fundamentos de alteração da decisão quanto à matéria de direito, deve ser ordenada a remessa dos autos para o tribunal a quo para efeitos de ampliação da decisão de facto, nos termos do artigo 682.º, n.º 3 do CPC.

Sempre sem prescindir,

96. Caso se entenda que o Acórdão proferido pelo tribunal a quo não infringe a lei substantiva ou a lei de processo, então somos forçados a concluir, diante do conteúdo daquela decisão, que a mesma enferma de nulidades que impõem, nos termos legais, a sua reforma.

97. Sobre o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), esclarece a jurisprudência: “O vício a que se reporta o apontado segmento normativo implica, por um lado, que haja uma contradição lógica no aresto, o que significa, para a sua ocorrência, que a fundamentação siga um determinado caminho e a decisão opte por uma conclusão completamente diversa, e, por outro, que tal fundamentação inculque sentidos diversos e/ou seja pouco clara ou imperceptível.” – vide Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-01-2021, proc. n.º 2350/17.8T8PRT.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt.

98. Entendeu o tribunal a quo (157), que “Ensina ainda [a patente] que o fosfato de cálcio não pode ser utilizado como o único material de enchimento, porque tal causa friabilidade e/ou inclusão de ar nos comprimidos.”. Tal afirmação insere-se como fundamento no discurso lógico que visa apurar se o teor literal da reivindicação abrange, ou não, os medicamentos da Recorrida.

99. Porém, em prejuízo desse mesmo fundamento, vejam-se as conclusões extraídas pelo mesmo tribunal (159): “É seguro afirmar que a descrição da patente nunca contempla ou trata a possibilidade de ser admitida, sem prejuízo para a estabilidade, a presença de fosfato de cálcio em quantidade reduzida”.

100. Ora, se a patente ensina que o fosfato de cálcio não pode ser utilizado como único material de enchimento, então, a contrario, é forçoso concluir que não exclui a possibilidade da sua utilização em quantidades reduzidas.

101. Não se vislumbra, sequer, outra conclusão compatível com a fundamentação citada, acolhida pelo próprio tribunal a quo.

102. Com base nesta conclusão intercalar, o Acórdão vem concluir, a final, que o produto comercializado pela Recorrida se encontra “expressamente excluído” da proteção da patente;

103. Conclusão que, por não encontrar respaldo na fundamentação, não pode aceitar-se.

Mas não nos quedemos por aqui,

104. Conforme se teve já o cuidado de aludir, o tribunal a quo adota, como critério estruturante de toda a sua fundamentação jurídica, o pressuposto da essencialidade da perspetiva de um perito da especialidade, sem o qual se torna impossível concluir pela eventual infração da patente.

105. O tribunal a quo baseia a sua fundamentação numa primeira premissa: para decidir sobre o âmbito de proteção da Reivindicação 1, o ponto de partida deve ser sempre a perspetiva de um perito da especialidade.

106. Ao longo da presente exposição, resultou já claro que, quanto a esse aspeto, a Recorrente está em sintonia com o tribunal a quo!

107. Porém, essa sintonia termina onde começam as contradições no discurso lógico deste tribunal.

108. Sendo ponto assente que o critério escolhido como preferencial para a resolução da questão jurídica sub iudice é o da perspetiva do especialista na matéria, então seria expectável que as demais conclusões recorressem a essa mesma perspetiva;

109. Contudo, conforme demonstrado, tal não sucede.

110. Antes, o tribunal a quo não só é absolutamente omisso no que respeita à perspetiva do especialista na matéria, em concreto (proporcionada, nomeadamente, pela prova pericial produzida em 1.ª Instância), como vai mais longe e retira conclusões que correm em sentido oposto àquela perspetiva, contrariando os ensinamentos dos vários especialistas que tiveram oportunidade de se pronunciar nos autos.

111. Por tudo, evidenciam-se no Acórdão oposições entre os fundamentos e a decisão, oposições estas que incidem sobre aspetos decisivos e que tornam a decisão final, salvo melhor opinião, ininteligível.

112. Deve, pois, conhecer-se da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), ex vi artigo 674.º, n.º 1, alínea c), todos do Código de Processo Civil, que impõe a consequente reforma da sentença, em conformidade com o exposto.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência: a) Ser substituída a interpretação e aplicação do direito feita pelo tribunal a quo por aquela que julgue verificada a infração à patente titulada pela Recorrente e daí retiradas as devidas consequências jurídicas, tudo nos termos do decidido em 1.ª Instância; ou, caso assim não se entenda; b) Ser ordenada a remessa dos autos ao tribunal a quo com fundamento na violação da lei de processo, por preterição das necessárias diligências probatórias, à luz dos artigos 411.º e 662.º do CPC; ou, caso ainda assim não se entenda; c) Ser declarada a nulidade do Acórdão por oposição entre os fundamentos e a decisão que torna esta última ininteligível, com consequente reforma do Acórdão em conformidade; com as legais consequências.”

7.2. Da Recorrente/Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA.

“26. Entende a Recorrida que a EP´342 é flagrantemente nula, por preterição de qualquer atividade inventiva, por conexão ao problema técnico identificado pela mesma.

27. A avaliação da novidade da patente pressupõe uma novidade relacional, aferida em função do problema técnico que a própria patente identificou e que correspondeu à dificuldade de associar, na mesma forma farmacêutica, a substância ativa lisinopril e um sal de cálcio que atuasse como excipiente.

28. Ora, a EP´342 não apresenta qualquer solução que resolva o problema técnico da dificuldade de combinação entre o di-hidratode lisinoprile o fosfato ou sal de cálcio, limitando-se a eliminar a fonte do problema técnico (i. é., o sal de cálcio), ao invés de o resolver.

29. Acresce que essa falta de novidade e de inventividade também resultou do estado da técnica anterior à data da prioridade (conforme melhor demonstrado, supra, nas alegações) e, em especial, do facto de a Recorrida ter conhecimento da existência de um medicamento anterior, que foi autorizado pela autoridade do medicamento indiana, em 27 de março de 1993 e que dá pelo nome de CHALCEK L, que já combinava amlodipina, lisinopril e hidrogenofosfato de cálcio (conforme reconhecido na 3ª coluna da Tabela das pp. 12 e 13 da EP´342, correspondendo ao Doc. n.º 4, junto com a Petição Inicial), sendo o mesmo vendido na Índia, desde essa data.

30. Por conseguinte, a referida patente é nula, por falta de atividade inventiva, nos termos do artigo 138.º, n.º 1, alínea a), conjugado com os artigos 52.º, n.º 1, 54.º, n.ºs 1 e 2, e 56.º, n.º 1, todos da Convenção de Munique sobre a Patente Europeia, devendo o acórdão recorrido ser revogado e reformado, quanto a esta parte, declarando a respetiva nulidade, desde a data da sua prioridade.

Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se que: A) Seja negado provimento de revista interposto pela Recorrente, incluindo quanto à alegada nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão, assim se mantendo o teor do acórdão recorrido; B) Seja concedido provimento ao recurso subordinado interposto pela Recorrida, determinando a reforma do mesmo, no sentido de julgar procedente o pedido reconvencional, declarando-se a nulidade da patente (EP´342), com fundamento na sua falta de atividade inventiva, por aplicação dos artºs 138º n.º 1, al. a), conjugado com os artºs 52.º, n.º 1, 54.º, n.ºs 1 e 2, e 56.º, n.º 1, e 138.º, n.º 1, alínea b), conjugado com o artigo 83.º, todos da Convenção sobre a Patente Europeia;”

8. Foram cumpridos os vistos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver, recortadas das alegações apresentadas pela Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc e pela Recorrente/Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA. consistem em saber se:

Da Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc

(1) O acórdão recorrido é nulo, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão proferida, sendo ininteligível, porquanto, (i) como se invoca, com base numa conclusão intercalar, concretamente que “Ensina ainda [a patente] que o fosfato de cálcio não pode ser utilizado como o único material de enchimento, porque tal causa friabilidade e/ou inclusão de ar nos comprimidos.” que visa apurar se o teor literal da reivindicação abrange, ou não, os medicamentos da Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA., o aresto conclui, a final, que o produto comercializado por esta, encontra-se “expressamente excluído” da proteção da patente, enunciando que:, “É seguro afirmar que a descrição da patente nunca contempla ou trata a possibilidade de ser admitida, sem prejuízo para a estabilidade, a presença de fosfato de cálcio em quantidade reduzida”?; (ii) outrossim, reclama a recorrente que sendo ponto assente pelo Tribunal recorrido que o critério escolhido como preferencial para a resolução da questão jurídica sub iudice é o da perspetiva do especialista na matéria, o aresto em escrutínio é absolutamente omisso no que respeita à perspetiva do especialista na matéria, como retira conclusões que correm em sentido oposto àquela perspetiva?

(2) O Tribunal a quo violou a lei do processo ao não ordenar a produção de novos meios de prova que, de acordo com a sua própria perspetiva, se mostravam essenciais à justa composição do litígio e ao alcance da verdade material, devendo ser ordenada a remessa dos autos à Relação para efeitos de ampliação da decisão de facto?

(3) A facticidade demonstrada importa subsunção jurídica diversa da sentenciada, concretamente, impõe-se retirar a conclusão jurídica nos termos da qual o medicamento comercializado pela Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA. viola a Patente titulada pela Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc, com as devidas consequências, tal como decidido em 1.ª Instância?

Da Recorrente/Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA.

(1) A facticidade demonstrada importa subsunção jurídica diversa da sentenciada, concretamente, impõe-se reconhecer que a ajuizada patente é nula, por falta de atividade inventiva, devendo o acórdão recorrido ser revogado e reformado, declarando a respetiva nulidade, desde a data da sua prioridade?

II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados:

1. A Autora é titular da Patente Europeia n.° 1765342, cuja cópia certificada da certidão emitida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial se mostra junta aos autos e conteúdo se dá por integralmente reproduzido por razões de economia processual.

2. A Amlodipina, divulgada pela primeira vez em 1983 (EP 89167), é uma substância ativa da classe das dihidropiridinas pertencente ao grupo dos bloqueadores dos canais de cálcio (antagonistas do cálcio).

3. É usado como medicamento vasodilatador coronário e hipotensor desde 1987.

4. O Lisinopril, divulgado pela primeira vez em 1980 (EP 12401), é uma substância ativa da classe dos inibidores da enzima conversora da angiotensina usado como medicamento no tratamento da tensão arterial elevada, insuficiência cardíaca congestiva ou aumento de sobrevivência após ataque cardíaco desde 1987.

5. Desde 1993 que eram conhecidos os benefícios de associar o uso de amlodipina com inibidores da enzima conversora da angiotensina, de entre os quais o lisinopril, sendo igualmente conhecidas formulações farmacêuticas daqueles dois princípios ativos em separado.

6. Um número muito significativo de indivíduos que sofre de hipertensão necessita de tomar mais de um medicamento.

7. Para além disso são conhecidos os benefícios em termos de adesão ao tratamento quando dois ou mais fármacos, tomados em separado de forma continuada, são associados numa única forma farmacêutica.

8. A invenção da Autora, em causa nos presentes autos, consiste exatamente numa composição farmacêutica compreendendo amlodipina e lisinopril como ingredientes ativos.

9. Tal invenção encontra-se descrita e reivindicada na Patente Europeia EP’342, com a epígrafe na sua versão portuguesa “Composição Farmacêutica Compreendendo Besilato de Amlodipina e Di-Hidrato de Lisinopril e Processo para a sua Preparação”.

10. Até à invenção da Autora não existiam quaisquer composições viáveis que associassem numa única forma farmacêutica, amlodipina e lisinopril. (eliminada)

11. O inventor da EP'342 desenvolveu composições farmacêuticas compreendendo amlodipina, sob a forma do seu sal besilato e lisinopril sob a forma de di-hidrato, bem como processos para a sua obtenção, as quais apresentam estabilidade adequada tendo ultrapassado todos os obstáculos tecnológicos que até à data se colocavam e que colocavam em causa a sua adequabilidade e viabilidade como produto farmacêutico.

12. A EP’342 foi pedida ao Instituto Europeu de Patentes em 9 de junho de 2005, tendo sido concedida em 03 de novembro de 2010, tendo a respetiva menção de concessão sido publicada no Boletim Europeu de Patentes n° 2010/44 e posteriormente em fevereiro de 2011 no boletim 2011/08 por ocasião de correção por erro tipográfico.

13. A EP’342 reivindica prioridade à Patente húngara HU 0401170 de 10 de junho de 2004.

14. Em Portugal foi apresentada a tradução para língua portuguesa da EP’342 junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 13/12/2010, conforme publicação no Boletim de Propriedade Industrial n° 243/2010 de 20/12/2010.

15. A EP’342 permanecerá em vigor até 9 de junho de 2025.

16. A EP’342 apresenta um total de 5 (cinco) reivindicações, sendo 3 (três) de composição e 2 (duas) de processo.

17. A reivindicação 1 é uma reivindicação independente e reivindica: “Composição farmacêutica contendo 0,3-30% em peso (p/p) de besilato de amlodipina e 0,1 - 75% em peso (p/p) de di-hidrato de lisinopril como ingredientes activos, em mistura íntima com um ou mais excipientes correntemente utilizados na indústria farmacêutica, com a condição de que o referido excipiente é diferente de um sal de cálcio do ácido fosfórico”.

18. A reivindicação 2 é uma reivindicação dependente da reivindicação 1 e reivindica: “Composição de acordo com a reivindicação 1, em que a razão massa- massa de besilato de amlodipina e di-hidrato de lisinopril é de 1:2, de um modo preferido, estão presentes 0,00694 g de besilato de amlodipina e 0,01088 g de di-hidrato de lisinopril”.

19. A reivindicação 3 é uma reivindicação dependente da reivindicação 1 ou reivindicação 2 e reivindica: “Composição de acordo com a reivindicação 1 ou 2, que compreende 20-90% em peso (p/p) de celulose microcristalina, 2-8% em peso (p/p) de amidoglicolato de sódio e menos do que 5% em peso (p/p) de estearato de magnésio como excipientes”.

20. A reivindicação 4 é uma reivindicação independente e reivindica: “Processo para a preparação de uma composição farmacêutica de acordo com a reivindicação 1, que compreende a preparação de uma mistura de di-hidrato de lisinopril, carboximetil- amilopectina de sódio e celulose microcristalina, granulação da referida mistura com água, secagem da massa granulada húmida, em vácuo, e uma temperatura de produto inferior a 35°C-40°C, homogeneização da mistura seca obtida com besilato de amlodipina, carboxi-amilopectina de sódio e celulose microcristalina, depois mistura da mistura com estearato de magnésio e prensagem da mistura obtida em comprimidos ou o seu enchimento em cápsulas”.

21. A reivindicação 5 é uma reivindicação dependente da reivindicação 4 e reivindica: “Processo de acordo com a reivindicação 4, em que o passo de secagem é auxiliado com a utilização de energia dieléctrica.”

22. Consta na parte descritiva da EP’342 que esta patente veio resolver o problema de associar duas substâncias ativas - lisinopril e amlodipina - na mesma forma farmacêutica ultrapassando os desafios tecnológicos inerentes a tal e cujo resultado fosse um medicamento que compreendesse aqueles dois princípios ativos e apresentasse estabilidade e pureza adequadas por forma a poder cumprir com os requisitos regulamentares na União Europeia.

23. A invenção da EP’342 permitiu ultrapassar o obstáculo do controle de impurezas contaminantes que se formam durante a armazenagem.

24. Já eram conhecidas composições farmacêuticas quer de amlodipina, quer de lisinopril, composições essas incorporadas em medicamentos autorizados.

25. Naquelas composições farmacêuticas de lisinopril e nas de amlodipina era utilizado, para além de outros excipientes, um determinado tipo de excipientes designados como “sais de cálcio de ácido fosfórico”.

26. A Autora no decurso dos trabalhos de investigação e desenvolvimento de medicamento com combinação fixa de lisinopril e amlodipina constatou de modo surpreendente que a presença dos sais de cálcio de ácido fosfórico conferia instabilidade à composição.

27. Mais especificamente, aquela instabilidade provinha da formação de impurezas numa tal extensão que tornariam inviável o produto final, atenta a sua reduzida pureza.

28. A EP’342 protege composições farmacêuticas que compreendem besilato de amlodipina e di-hidrato de lisinopril dentro de uma determinada gama de pesos, em mistura com excipientes.

29. Em Portugal os medicamentos de referência contendo amlodipina e lisinopril em associação na mesma forma farmacêutica, são o Lisonorm®, cujo titular da Autorização de Introdução no Mercado (AIM) é o Laboratório Medinfar - Produtos Farmacêuticos, S.A. e o Saval®, cujo titular da AIM é a Tecnimede Sociedade Técnico-Medicinal S.A.

30. Tanto o Lisonorm®como o Saval® são comercializados pelos titulares das AIM’s sob licença da Autora.

31. O Lisonorm®e o Saval® são comercializados sob a forma de comprimidos nas dosagens de 20mg/10mg e 20mg/5mg (Lisinopril/Amlodipina)4, tendo como indicações terapêuticas:

i) Tratamento da hipertensão essencial em adultos.

ii) Terapêutica de substituição de doentes adultos com a tensão arterial adequadamente controlada com lisinopril e amlodipina administrados concomitantemente no mesmo nível de dose.

32. O Lisonorm® possui AIM para a dosagem de 10 mg/5mg (Lisinopril/Amlodipina) não sendo esta comercializada

33. Ambos os medicamentos resultam dos esforços de investigação e desenvolvimento da Autora e são uma das concretizações possíveis da invenção descrita e reivindicada na EP’342.

34. A Ré é titular de Autorizações de Introdução no Mercado (AIM’s) dos medicamentos genéricos “Lisinopril + Amlodipina Zentiva” nas dosagens (em mg) de 10/5, 20/10 e 20/5.

35. Tal como os medicamentos de referência (Lisonorm®), os medicamentos genéricos “Lisinopril + Amlodipina Zentiva” apresentam-se sob a forma de comprimidos apresentando exatamente as mesmas indicações terapêuticas que os medicamentos de referência.

36. No Folheto Informativo consta a empresa ALKALOID como fabricante, surgindo, por sua vez, como titular das AIMs correspondentes a Ré.

37. Os medicamentos genéricos “Lisinopril + Amlodipina Zentiva” nas dosagens 20/10 e 20/5 iniciaram a sua comercialização no início de novembro de 2021.

38. Da reivindicação 1 da EP’342 decorre que as características das composições aí reivindicadas são:

i) Composição farmacêutica contendo 0,3-30% em peso (p/p) de besilato de amlodipina e 0,1-75% em peso (p/p) de di-hidrato de lisinopril como ingredientes activos;

ii) em mistura íntima com um ou mais excipientes correntemente utilizados na indústria farmacêutica;

iii) com a condição de que o referido excipiente é diferente de um sal de cálcio do ácido fosfórico”

39. Os medicamentos da Ré contêm Lisinopril/Amlodipina nas dosagens de 10mg/5mg, 20mg/10mg e 20mg/5mg.

40. Os medicamentos genéricos da Ré contêm besilato de amlodipina entre 0,3% e 30% em peso e di-hidrato de lisinopril entre 0,1% e 75%, razão pela qual se conclui que:

41. Tal como consta no Resumo de Características do Medicamento (vulgo RCM) os medicamentos da Ré possuem na sua composição vários excipientes, a saber:

Manitol, Amido de milho pré-gelatinizado, Glicolato de amido sódico tipo A, Hidrogenofosfato de cálcio e Estearato de magnésio.

42. Da Tabela 1 da EP’342 consta que:


43. As composições do invento refletem que não era óbvio, não usar “fosfato de cálcio” (ou qualquer outro fosfato de cálcio, ou seja, qualquer sal de cálcio com ácido fosfórico) em composições de “Lisinopril + Amlodipina” (eliminado)

44. A composição do medicamento da ré contém 2,5% de fosfato de cálcio sem que se registe instabilidade.

45. Um agente de enchimento tem como função conferir massa e volume à forma farmacêutica.

46. Um agente de enchimento deverá encontrar-se nessa forma farmacêutica, neste caso comprimidos, na quantidade necessária a completar o volume exigido para o comprimido que não se mostra alcançado apenas pela quantidade de princípio ativo existente.

47. Uma percentagem de hidrogenofosfato de cálcio nos medicamentos “Lisinopril + Amlodipina Zentiva” de 2,5% vai necessariamente ser inferior à soma das percentagens dos dois princípios ativos, mas com a característica de evitar a degradação das substâncias ativas.

48. Existem diluentes que exercem funções distintas, tais como estabilizadoras.

49. A quantidade de hidrogenofosfato de cálcio utilizada pela ré que não cumpre apenas a função de agente de enchimento/diluente.

50. A Ré sabia do registo válido da Patente da Autora.

51. A Ré, sem prejuízo, decidiu avançar para o mercado comercializando os medicamentos genéricos acima referidos.

52. A Autora já havia divulgado publicamente a realização de um estudo clínico multicêntrico de fase IV na Hungria (o estudo “HAMLET”), cujos resultados foram divulgados num artigo publicado, em fevereiro de 2004, na revista húngara médica «Hypertonia És Nephrologia», n.° 8 (2), 2004, pp. 72-78, sob o título “Adv[a]ntages of lisinopril amlodipin fix combination therapy in hypertension”.

53. O medicamento LISONORM foi autorizado como medicamento na Hungria em 30 de abril de 2004.

54. Como parte do procedimento de autorização, o Resumo das Características do Medicamento (RCM) do produto LISONORM foi publicado no Boletim de Saúde (Hungria) n.° 19/2004 de 29 de setembro de 2004 e a publicitação do respetivo Resumo de Características do Medicamento foi publicada pela primeira vez no Compêndio de Medicamentos de 2005 (Hungria)

55. Na secção 1 do RCM Lisonorm, está descrito o nome do medicamento (LISONORM) e a sua forma farmacêutica (comprimidos).

56. Na secção 2 do RCM Lisonorm é divulgado que cada comprimido de LISONORM contém como ingredientes ativos 5 mg de amlodipina (sob a forma de 6,94 mg de besilato de amlodipina), e 10 mg de lisinopril (sob a forma de 10,88 mg de di- hidrato de lisinopril).

57. E, na secção 6 do RCM Lisonorm são identificados os excipientes da composição do medicamento LISONORM, sendo estes: estearato de magnésio, celulose microcristalina e amido de sódio glicolado (tipo A).

58. De acordo com os módulos 3.2.P.1 e 3.2.P.3, que integram o processo de aprovação dos medicamentos genéricos correspondentes aos pedidos de AIMs de que a Ré é titular, os medicamentos desta contêm hidrogenofostato anidro de cálcio e manitol.

59. A adição do hidrogenofostato anidro de cálcio ao medicamento genérico de cujas AIMs a Ré é titular é feita através da incorporação daquele com manitol e outros excipientes, numa fase intragranular, e através de uma secagem do granulado daquele medicamento em leito fluidizado com a temperatura do ar de entrada a 65° celsius.

60. O uso de manitol em quantidades elevadas pode aumentar os movimentos peristálticos gastrointestinais - isto é, as contrações musculares que permitem todo o processo digestivo — pois exerce uma pressão osmótica sobre as membradas do estômago e dos intestinos.

61. O aumento dos movimentos peristálticos gastrointestinais influencia a percentagem das quantidades das substâncias ativas efetivamente absorvidas pelo organismo humano.

62. A ALKALOID — INT. D.O.O. depositou junto do INFARMED, no dia 27 de junho de 2019, três pedidos de AIM de medicamentos contendo as substâncias ativas besilato de amlodipina e lisinopril di-hidratado, sob a forma farmacêutica de comprimidos, nas dosagens de (a) 10 mg + 5 mg, (b) 20 mg + 5 mg, e (c) 20 mg + 10 mg.

63. Os pedidos de AIM para os medicamentos acima identificados foram publicados pelo INFARMED, no seu sítio eletrónico INFOMED, no dia 6 de agosto de 2019.

64. Antes da concessão de AIM pelo INFARMED, a Reconvinte adquiriu a posição da ALKALOID - INT. D.O.O., passando a figurar como entidade requerente do pedido de autorização para introdução no mercado português dos medicamentos produzidos por aquela, que contêm lisinopril e amlodipina.

65. Em 30 de dezembro de 2020, o INFARMED conferiu a AIMs relativamente a medicamento com três dosagens distintas de lisinopril e amlodipina; a saber, de 10 mg + 5 mg, de 20 mg + 10 mg e de 20 mg + 5 mg.

66. A ALKALOID apresentou um pedido de registo de patente relativo ao medicamento suprarreferido, perante a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (“WIPO - World Intellectual Property Organization”), apresentado em 01 de março de 2021, com data de prioridade reportada a 03 de março de 2020.

67. O referido pedido de registo de patente foi alvo de publicação, em 10 de setembro de 2021, no âmbito do processo WO/2021/175755.

68. Na sequência do pedido apresentado em 01 de março de 2021, pela ALKALOID, foi requerido Exame Preliminar Internacional de Patenteabilidade, ao abrigo do artigo 31.º do Tratado de Cooperação em matéria de Patentes, tendo sido designada como autoridade competente pelo exame o Instituto Europeu de Patentes (“European Patent Office”).

69. Após análise preliminar, o Instituto Europeu de Patentes emitiu o seu Relatório Preliminar Internacional sobre Patenteabilidade, em 07 de setembro de 2021, de acordo com o qual concluía que o medicamento que integra o pedido de registo de patente se encontra dotado de novidade e possui aplicação industrial.

70. A Autora e TECNIMEDE SOCIEDADE TÉCNICO MEDICINAL, S.A. subscreveram em 12 de dezembro de 2012 e em 02 de janeiro de 2013 um Acordo de Licenciamento e Comercialização de medicamento composto por amlodipina e lisinopril, cujo teor se dá por reproduzido por razões de economia processual (cópia junta pelo requerimento de 17 de novembro de 2022), tendo entrado em vigor nessa última data, nos termos da Cláusula 9.1. do Acordo.

71. A Cláusula 4.4. do acordo referido em 70) determina que a Autora receberia 38,5% do valor total das vendas de SAVAL por parte da TECNIMEDE.

72. As vendas dos medicamentos SAVAL e LISONORM, entre 01/11/2021 e 31/10/2022, revelaram uma perda de, respetivamente, 229.300,23 € (duzentos e vinte e nove mil trezentos euros e vinte e três cêntimos) e de 316.591 € (trezentos e dezasseis mil quinhentos e noventa e um euros).

73. O medicamento CHALCEK L foi fabricado e começou a ser comercializado pela IPCA LABORATORIES PVT., LTD, na Índia, desde 27 de março de 1997, tendo sido autorizado pela competente autoridade reguladora indiana.

74. O medicamento CHALCEK L continha 5 mg de lisinopril e 5 mg de amlodipina e fosfato de cálcio.

75. O medicamento Chalcek L fez parte dos estudos de comparação da estabilidade da composição da EP’342 com outras composições conhecidas contendo besilato de amlodipina e/ou dihidrato de lisinopril.”

Factos não provados

I. A função farmacológica da formulação desses excipientes nos medicamentos comercializados pela Ré - isto é, do hidrogenofostato anidro de cálcio (ou sal de cálcio de ácido fosfórico) e do manitol - quando combinados com o lisinopril e a amlodipina é a de diluente.

II. O hidrogenofosfato anidro de cálcio tem ainda por função atuar como estabilizador do lisinopril di-hidratado, a altas temperaturas, visto que aquele é altamente degradável a temperaturas superiores a 40° celsius.

III. O hidrogenofostato anidro de cálcio e o manitol têm por função, no medicamento genérico concebido pela ALKALOID INT, garantir a correta biodisponibilidade das substâncias ativas lisinopril e amlodipina.

IV. O hidrogenofosfato anidro de cálcio tem ainda por função atuar como estabilizador do lisinopril di-hidratado, a altas temperaturas.

V. Quando combinado com o hidrogenofostato anidro de cálcio, o efeito de pressão osmótica sobre as membradas do estômago e dos intestinos do manitol é significativamente reduzido, pois aquele produz a subida do pH para valores neutros, no microambiente do besilato de amlodipina.

6. O uso combinado de hidrogenofostato anidro de cálcio e de manitol, adicionados às substâncias ativas lisinopril e amlodipina também garante a inexistência de um efeito de cone (ou “coning effect”), evitando uma dissolução das substâncias ativas, conforme se comprovou por testes de dissolução comparativos em meio com pH de 6,8.

7. O estudo científico publicado em 1993 “Amlodipine and lisinopril in combination for the treatment of essential hypertension: efBcacy and predictors of response” ensinou o modo como pode obter-se uma combinação de dose fixa de lisinopril e amlodipina.

8. Os exemplos constantes do pedido de patente n.° HU 0202416 divulgam uma composição farmacêutica com as mesmas características do produto reivindicado pela Reivindicação n.° 1 da EP'342.”

II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc e da Recorrente/Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

Da Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc

II. 3.1.1. O acórdão recorrido é nulo, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão proferida, sendo ininteligível, porquanto, (i) como se invoca, com base numa conclusão intercalar, concretamente que “Ensina ainda [a patente] que o fosfato de cálcio não pode ser utilizado como o único material de enchimento, porque tal causa friabilidade e/ou inclusão de ar nos comprimidos.” que visa apurar se o teor literal da reivindicação abrange, ou não, os medicamentos da Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA., o aresto conclui, a final, que o produto comercializado por esta, encontra-se “expressamente excluído” da proteção da patente, enunciando que:, “É seguro afirmar que a descrição da patente nunca contempla ou trata a possibilidade de ser admitida, sem prejuízo para a estabilidade, a presença de fosfato de cálcio em quantidade reduzida”?; (ii) outrossim, reclama a recorrente que sendo ponto assente pelo Tribunal recorrido que o critério escolhido como preferencial para a resolução da questão jurídica sub iudice é o da perspetiva do especialista na matéria, o aresto em escrutínio é absolutamente omisso no que respeita à perspetiva do especialista na matéria, como retira conclusões que correm em sentido oposto àquela perspetiva? (1)

O direito adjetivo civil enuncia, imperativamente, no n.º 1 do art.º 615º, aplicável ex vi artºs. 666º e 679º, todos do Código de Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão.

Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

A nulidade do acórdão, que ora nos interessa, sustentada na contradição entre os fundamentos e a decisão, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, por encerrar um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adotada, ou seja, a nulidade do aresto, sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório, ocorrerá sempre que a anunciada explicação que conduz ao resultado adotado, induz logicamente a um desfecho oposto ao reconhecido.

Outrossim, a nulidade do acórdão sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório quando o Tribunal não trata de questões de que deveria conhecer, está diretamente relacionado com o comando fixado na lei adjetiva civil, segundo o qual o Tribunal deve resolver todas as questões, e só estas, que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Tem cabimento enfatizar que no caso de omissão de pronúncia, o vício a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, traduz-se no incumprimento do dever prescrito no art.º 608º n.º 2 do Código de Processo Civil “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras …”.

A consignada disposição adjetiva civil (alínea d) do n.º 1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil), correspondendo ao preceito plasmado no direito adjetivo civil, anteriormente em vigor, qual seja, o art.º 688º alínea d), do Código de Processo Civil, suscita, de há muito tempo a esta parte, o problema de saber qual o sentido exato da expressão “questões” ali empregue, o que é comummente resolvido através do recurso ao ensinamento clássico do Professor Alberto dos Reis, in, Código de Processo Civil Anotado, 5ª edição, que na página 54 escreve “assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (...) também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.

Na esteira desta perspetiva, doutrina e jurisprudência têm distinguido, por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos”, concluindo que só a falta de apreciação das primeiras – das “questões” – integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

É um vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afetada.

Atentemos se o aresto proferido padece das invocadas nulidades.

Como já adiantamos, a oposição que determina a nulidade é aquela que se verifica entre os fundamentos - de facto e/ou de direito - e a decisão propriamente dita, encerrando um vício que inquina o silogismo judiciário que é levado a cabo pelo tribunal, outrossim, a omissão de pronuncia respeita a questões, não a mera falta de discussão das razões ou argumentos invocados.

No caso que nos ocupa, as patologias ou vícios imputados ao acórdão em escrutínio reconduzem-se tão-só a uma eventual incongruência no seio da fundamentação de direito que apenas poderá revelar um erro de julgamento que, como é evidente, não é gerador de qualquer nulidade do acórdão.

Na verdade, o que sucede é que Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc não se conforma com o sentido decisório adotado pelo Tribunal recorrido, o que é compreensível por ser tal entendimento desconforme à sua pretensão, sendo perfeitamente legitima a discordância manifestada.

Todavia, as reclamadas incongruências no seio da fundamentação de direito ou, ainda, a eventual desconsideração da prova produzida nos autos não gera qualquer nulidade do acórdão, afirmando-se, ao invés, a inteligibilidade do acórdão proferido, sem deixar de se reconhecer que, no limite, poderá ocorrer um erro de julgamento, a ser apreciado em sede de mérito, objeto de apreciação adiante desenvolvida.

Não distinguimos, assim, as apontadas nulidades, improcedendo a respetiva reclamação, admitindo ser despiciendo outras considerações a este respeito.

II. 3.1.2. O Tribunal a quo violou a lei do processo ao não ordenar a produção de novos meios de prova que, de acordo com a sua própria perspetiva, se mostravam essenciais à justa composição do litígio e ao alcance da verdade material, devendo ser ordenada a remessa dos autos à Relação para efeitos de ampliação da decisão de facto? (2)

Invoca a Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc que o Tribunal recorrido, uma vez confrontado com as dúvidas que suscitou, tinha o poder-dever de determinar a realização de diligências probatórias adicionais, de forma a dissipar as dúvidas que reconheceu permanecerem nos autos.

Considera, assim, a Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLC que a Relação, ao não determinar a realização de diligências probatórias adicionais, violou os poderes legais que lhe estão atribuídos no domínio da reapreciação da matéria de facto.

Atentemos.

O Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode alterar tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis.

A este propósito, estatui o art.º 662º n.º 4 do Código de Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, outrossim, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, com clareza, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocado, e reconhecido, erro de direito, por violação de lei adjetiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.

A decisão de facto é, pois, da competência das Instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta (tenha-se em atenção a previsão do art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil), pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respetiva intervenção, quando haja erro de direito.

Abrantes Geraldes explica a este propósito que “não estamos perante um direito potestativo de natureza processual que seja conferido às partes e que à relação apenas cumpra corresponder, antes deve ser encarado como um poder/dever atribuído à Relação e que esta usará de acordo com critérios de objetividade, quando percecione que determinadas dúvidas sobre a prova ou falta de prova de factos essenciais poderão ser superadas mediante a realização de diligências probatórias suplementares” - Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição atualizada, páginas 341 e seguintes.

Dos elementos a que se fez referência resulta, pois, que esta norma não configura a atribuição de um qualquer direito a uma nova oportunidade de produção de prova, nem impõe que a Relação se substitua às partes na tarefa de carrear para os autos a prova necessária à boa decisão da causa; o mesmo é dizer, em caso de dúvida sobre um determinado facto continuam a ter inteira aplicação as regras relativas à distribuição do ónus da prova que regem o nosso sistema processual civil.

Isto, por um lado.

Por outro lado, as dúvidas que permitem o recurso à norma supracitada são dúvidas sobre a prova que a Relação manifeste ter, sendo evidente que não pode este Supremo Tribunal de Justiça substituir-se à Relação nesse juízo. Este juízo compete apenas ao Tribunal da Relação.

Este poder-dever visa, assim, dar resposta a “situações patológicas que emergem simplesmente de uma nebulosa que envolva a prova que foi produzida e que não foi convenientemente resolvida (devendo sê-lo) segundo o juízo crítico da Relação” – Abrantes Geraldes, Ob. Cit. página 342.

Transpondo os ensinamentos adiantados para o caso trazido a Juízo, e analisado o acórdão em escrutínio, importa que não se mostra, de todo em todo, verificada a violação de lei adjetiva imputada ao Tribunal recorrido.

Efetivamente, lida e interpretada a decisão sob escrutínio, não resulta da mesma que o Tribunal a quo tenha, em momento algum, evidenciado dúvidas ou sequer hesitações sobre a prova produzida nos autos, tendo, de resto, reapreciado a prova invocada pela então apelante em sede de impugnação da matéria de facto e formado um juízo crítico autónomo quanto à matéria de facto.

A circunstância de o Tribunal recorrido afirmar que a matéria dos autos extravasa o âmbito técnico-jurídico, para além de se tratar de uma evidência, não contém em si qualquer dúvida que impusesse ao Tribunal recorrido uma concreta atuação, no sentido de determinar a produção de prova suplementar. Veja-se, de resto, que tais considerações surgiram a propósito da apreciação da impugnação da matéria de facto e serviram, tão-só, para sustentar que determinado ponto da matéria de facto continha matéria jurídico-conclusiva que devia, por esse motivo, ser excluída da matéria de facto provada (página 33 do aresto em escrutínio).

Quanto às demais considerações, nomeadamente quanto à análise do critério interpretativo do “especialista na matéria”, cumpre deixar expresso que as mesmas foram tecidas em sede de fundamentação de direito, e não de facto, razão pela qual não estava ali em causa a reapreciação da prova, único plano em que ganha pertinência a alegação da Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc.

Tudo visto e concluindo, sabendo nós que o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá determinar que a Relação faça uso do enunciado poder-dever se a própria Relação na apreciação das provas produzidas concluir que essa dúvida existe, e que o Tribunal da Relação não revelou ter quaisquer dúvidas face à prova produzida, há que concluir pela inverificada violação dos poderes-deveres da Relação em sede de reapreciação da matéria de facto.

Como é evidente, sublinhamos que a eventual desconsideração, pela Relação, da prova pericial produzida nos autos é matéria que se coloca no domínio do erro de julgamento, formulado ao abrigo do princípio da livre apreciação, não sindicável por este Supremo Tribunal de Justiça.

II. 3.1.3. A facticidade demonstrada importa subsunção jurídica diversa da sentenciada, concretamente, impõe-se retirar a conclusão jurídica nos termos da qual o medicamento comercializado pela Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA. viola a Patente titulada pela Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc, com as devidas consequências, tal como decidido em 1.ª Instância? (3)

Na presente demanda problematiza-se, no essencial, a matéria em torno da interpretação do conteúdo da seguinte reivindicação: “Composição farmacêutica contendo 0,3-30% em peso (p/p) de besilato de amlodipina e 0,1 - 75% em peso (p/p) de di-hidrato de lisinopril como ingredientes activos, em mistura íntima com um ou mais excipientes correntemente utilizados na indústria farmacêutica, com a condição de que o referido excipiente é diferente de um sal de cálcio do ácido fosfórico”.

Isto porque, como ressalta dos autos, o medicamento comercializado pela recorrida tem, na sua composição fosfato de cálcio na proporção de 2,5%.

Importa, pois, saber se um medicamento com características semelhantes às descritas na Reivindicação 1 fica excluído do seu âmbito de proteção pela circunstância de ter, na sua composição, a mencionada proporção de fosfato de cálcio.

O aresto escrutinado apreendeu a conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo.

Assim, acompanhando o objeto da apelação interposta, o Tribunal recorrido proferiu aresto, fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo, posto em crise com a interposição da presente revista, apreciou os atos ou factos jurídicos donde emerge o direito que a demandante se arroga e pretende fazer valer, atos ou factos concretos e regularmente traçados nos articulados apresentados em Juízo, e que a demandada questiona, condensando o objeto do recurso, enunciando as questões que importava apreciar, com prévia apreciação da impugnação de facto, tendo-se debruçado sobre as seguintes questões, uma vez fixada a facticidade adquirida processualmente, antes contestada:

(i) Nulidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil;

(ii) Impugnação da matéria de facto;

(iii) Infração da EP’342;

(iv) Invalidade da EP’342, por falta de suficiência descritiva, novidade e atividade inventiva.

Subsidiariamente,

(v) Fixação do montante da indemnização;

(vi) Nulidade da decisão quanto à sanção pecuniária compulsória, nos termos dos artigos 615.º, n.º 1, als. b) e d), do Código de Processo Civil.

(vii) Fixação do montante relativo à sanção pecuniária compulsória.

O Tribunal recorrido elaborou, como já adiantamos, um aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico onde enunciou os institutos e conceitos de direito aplicáveis, invocando doutrina e jurisprudência aplicáveis à questão sub iudice, que citou com segurança e parcimónia, a par da menção da pertinente legislação, apresentando a solução encontrada para dirimir o conflito trazido a Juízo.

Considerou o Tribunal da 1.ª Instância, em suma, que “no caso, a introdução do hidrogenofosfato de cálcio nos medicamentos genéricos da Ré produz o mesmo efeito técnico e desempenha a mesma função, considerando a sua diminuta percentagem que não põe em crise a composição química idêntica à patenteada, nem nada lhe acrescenta. É, em síntese, um elemento químico despiciendo na formulação química, que nada acrescenta à composição química dos medicamentos de referência.”

Pelo contrário, considerou a Relação que a comercialização do medicamento pela recorrida não infringe, de forma literal, a patente da autora, sendo que “a utilização de uma tal quantidade mais não é do que uma variação do estado da técnica, não pode a apelada, meramente alegando que 2,5% de fosfato de cálcio é o mesmo que nada, pretender beneficiar, por efeito dos meios equivalentes, de um alargamento do âmbito de proteção da sua EP’342 a um excipiente que expressamente excluiu e que nunca poderia ser protegido pela sua patente.”.

Está, assim, em causa a questão de saber se a introdução de uma substância expressamente excluída pela reivindicação 1 da patente da autora implica a exclusão da proteção concedida ou se, para tanto, é necessário aquilatar da utilidade de tal substância no medicamento da recorrida.

Apreciando.

Como é consabido, o direito de patente confere ao seu titular o direito de explorar, em exclusivo e por determinado período, a invenção protegida e o direito de impedir terceiros de explorar, por qualquer meio, a invenção objeto da patente (cfr. arts. 101.º e 102.º do CPI). Em coerência, a violação do direito de patente por terceiro gera na esfera jurídica do titular lesado o direito a ser indemnizado por danos causados por força do referido ato ilícito (art. 347.º do CPI).

Pedro Sousa e Silva escreve a este propósito que “uma patente de invenção é um título que confere um direito exclusivo de exploração de um invento”, correspondendo este último à “solução de um problema específico no domínio da tecnologia”, in, Direito Industrial, Noções Fundamentais, Almedina, 2019, páginas 43 e seguintes.

Prossegue o referido autor “a função da patente consiste em assegurar ao inventor a possibilidade de este extrair do mercado a remuneração do seu esforço criativo, pondo-o temporariamente ao abrigo da concorrência, no exercício da sua actividade económica de exploração do invento. Como é óbvio, a patente não lhe garante qualquer espécie de remuneração, servindo apenas para criar condições especialmente propícias (monopolísticas) para que essa remuneração seja obtida.”

Como também explica Remédio Marques “o direito de patente é um direito subjectivo privado, com um conteúdo essencialmente patrimonial, que se destina a proteger as invenções, quais ideias inventivas industriais ou criações do espírito humano plasmadas em soluções técnicas destinadas a resolver problemas técnicos através de meios técnicos.” in, O Medicamentos versus Patentes, Coimbra Editora, 2008, página 377.

Sobre esta matéria, pronunciaram-se, entre outros, Américo da Silva Carvalho (O Objecto da Invenção, Coimbra Editora, 1970, páginas 73 e seguintes.), Luis Couto Gonçalves (Manuel de Direito Industrial: Patentes, Desenhos ou Modelos, Marcas, Concorrência Desleal, Almedina, 2008, 2.ª edição, páginas 126 e seguintes) e Remédio Marques (O Conteúdo dos Pedidos de Patente: A Descrição do Invento e a Importância das Reivindicações - Algumas Notas, in “O Direito”, ano 139º, 2007, 869).

Ora, no que ao âmbito da proteção da patente respeita, textua o art.º 98.º do CPI que “o âmbito da proteção conferida pela patente é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar.” - disposição equivalente ao disposto no art.º 69.º da CPE, que dispõe que “o âmbito da proteção conferida pela patente europeia ou pelo pedido de patente europeia é determinado pelo âmbito das reivindicações. Contudo, a descrição e os desenhos servem para interpretar as reivindicações.”.

Como sumariza o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2023, “o âmbito da protecção conferida pelo modelo de utilidade é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar.” - Processo n.º 84/21.8YHLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

Por estar em causa a definição do objeto de proteção conferida pela patente, determinou o legislador que os pedidos de patentes fossem constituídos por um resumo da invenção, pelas reivindicações, pela descrição e desenhos (art. 62.º, n.º 1, do CPI).

De facto, por razões de segurança e certeza jurídica exige-se que as reivindicações devam ser “claras, concisas, corretamente redigidas, baseando-se na descrição e contendo, quando apropriado: a) Um preâmbulo que mencione o objeto da invenção e as características técnicas necessárias à definição dos elementos reivindicados, mas que, combinados entre si, fazem parte do estado da técnica; b) Uma parte caracterizante, precedida da expressão “caracterizado por” e expondo as características técnicas que, em ligação com as características indicadas na alínea anterior, definem o âmbito da proteção solicitada.” – (arts. 62.º, n.º 3, e 66.º do CPI).

Ora, das normas supramencionadas resulta que o conteúdo da patente - o objeto de proteção - deve ser aferido em função do teor das reivindicações, interpretado de acordo com a descrição e desenhos em caso de ambiguidade.

De facto, como tem sido afirmado, de forma pacífica, “o âmbito da proteção conferido pela patente resulta fundamentalmente do que foi definido e identificado nas reivindicações com o auxílio da descrição e dos desenhos, os quais são utilizados para a sua correta interpretação. As reivindicações são a medida da inovação e consequentemente a medida da proteção.”, cfr. Giuliana Gattass, in, A Doutrina Dos Equivalentes, página 480, disponível em https://www.cidp.pt/revistas/ridb/2013/11/2013_11_12353_12375.pdf.

Neste sentido, resulta do protocolo interpretativo do art.º 69º da Convenção da Patente Europeia que “O artigo 69.º não deve ser interpretado como significando que o âmbito da proteção conferida pela patente europeia é determinado no sentido restrito e literal do texto das reivindicações e que a descrição e os desenhos servem unicamente para dissipar as ambiguidades que se poderiam encontrar nas reivindicações. Não deve ainda ser interpretado como significando que as reivindicações servem unicamente de linha diretriz e que a proteção se alarga igualmente ao que, no parecer de um perito da matéria que tenha examinado a descrição e os desenhos, o titular da patente entendeu proteger. O artigo 69.º deve, pelo contrário, ser interpretado como definindo entre esses extremos uma posição que assegure ao mesmo tempo uma proteção justa ao requerente e um grau razoável de certeza a terceiros.”.

Neste conspecto, importa salientar que “a descrição da invenção joga um protagonismo relevante ao garantir que aquela importante função, a que há pouco aludi - a função informativa que colora este subsistema da propriedade industrial -, seja lograda. O conteúdo da descrição assemelha-se sobremaneira a um artigo científico, embora o seu propósito seja completamente distinto, de jeito a permitir a junção de reivindicações claras e concisas e apoiadas nessa descrição: explica o que foi inventado, o problema que a invenção soluciona, como o soluciona, a importância dessa solução, a exemplificação (se for caso disso) dessa solução e a distância entre essa solução e outras que já integravam o estado da técnica na data do pedido.”, cfr. Remédio Marques, in, O Conteúdo dos Pedidos de Patente…, página 781.

Assim é, porquanto “a descrição explica o que foi inventado, o problema técnico que a invenção soluciona, como soluciona, a importância da solução e a distância dessa solução para as soluções anteriormente existentes, as quais integram o estado da técnica, na data do pedido (art. 83º CPE e art. 62º, nº 4 CPI).”, veja-se, Giuliana Gattass, Ob. Cit. página 482.

Esta descrição torna-se, assim, num importante elemento de interpretação das reivindicações e, por essa via, para aferição do objeto de proteção da patente.

Isto dito, e como é evidente, a violação de um direito de propriedade industrial pode ocorrer por via de uma infração literal das reivindicações, ou seja, por se fabricar, vender ou comercializar um produto idêntico ao invento patenteado, com as mesmas características, seja de produto final, seja de processo, tal como descrito nas reivindicações.

Sucede, porém, que pode ocorrer, igualmente, uma infração não literal da patente, o que ocorre quando não existe uma integral correspondência entre os elementos constantes da reivindicação e respetiva descrição e o produto apresentado pelo lesante.

É o que se chama de infração por equivalência.

De facto, como resulta do protocolo de interpretação a que acima se aludiu consta que “Artigo 2.º - Para o efeito de determinar a extensão da proteção conferida por uma patente europeia, deve ser tido em conta qualquer elemento que seja equivalente a um elemento especificado nas reivindicações.”.

Como sustenta Pedro Sousa e Silva “quando o invento patenteado é reproduzido ou utilizado sem quaisquer modificações ou alterações, a existência da infracção é inequívoca. E o mesmo sucederá se o infractor utilizar a invenção protegida com ligeiras variantes de pormenor. Contudo, em muitos casos toma-se extremamente difícil determinar se estamos perante “ligeiras variantes” ou, pelo contrário, perante diferenças substanciais, suficientemente relevantes para poder falar-se já numa “outra invenção”, in, Ob. Cit. Página 72.

A abrangência da proteção aos meios equivalentes visa impedir que terceiros possam violar a patente de outrem introduzindo, para o efeito, pequenos e insignificantes desvios quer ao processo produtivo, quer ao próprio produto.

A teoria dos meios equivalentes surgiu, assim, como forma de obviar a um esvaziamento do direito concedido pela patente, o que se verificaria caso fosse possível, por via da introdução de variantes irrelevantes, afastar a correspondência entre o produto patenteado e o novo produto.

Como se explica no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de dezembro de 2013, “De acordo com a Convenção do Mónaco a protecção da patente não abrange apenas as reivindicações, na sua literalidade, incluindo ainda as normais modificações e possíveis extensões desses elementos que uma pessoa especializada na matéria possa ter previsto ou formulado. É uma normal modificação da reivindicação – protegida pela patente – aquela que visou melhorar o seu desempenho, sem que altere a função, o modo de operar ou o resultado do mecanismo em causa.”, Processo n.º 809/99.P1.S1, acórdão não publicado nas bases de dados disponíveis.

Está, assim, em causa, a concordância prática entre o titular da patente e a proteção – em grau razoável – das expectativas de terceiros.

Neste âmbito, sustenta Luís Couto Gonçalves, partindo das orientações alemã e norte-americana, o entendimento de que “há infracção do direito de patente por equivalência se a invenção patenteada e a invenção questionada se situarem no âmbito do mesmo problema técnico, apresentarem uma solução idêntica e os elementos modificados (ou variantes) estiverem ao alcance de um perito na especialidade, a partir da interpretação lógica (não estritamente literal) e objectivista (…).

Todavia, apesar da equivalência, o âmbito de protecção de uma invenção não deve abranger o equivalente se este for insusceptível de protecção ou for considerado evidente face ao estado da técnica”, in, Ob. Cit., páginas 116-126.

Em qualquer caso, avança o referido autor que o momento determinante para a apreciação dos equivalentes deve ser o do pedido de patente, essencialmente, por razões de segurança e certeza jurídicas.

Resulta, assim, do exposto que a aferição do conteúdo do objeto da proteção é o que resulta do teor literal das reivindicações, interpretadas com recurso aos elementos a que se fez referência, devendo alargar-se o objeto da proteção a soluções que se afiguram, no essencial, equivalentes à solução patenteada.

Feita este breve enquadramento jurídico, cumpre apreciar o caso dos autos.

Em primeiro lugar, impõe-se consignar que não suscita controvérsia nos autos a conclusão de que a Autora é titular da Patente Europeia EP’342, por lhe ter sido atribuída a invenção de uma composição farmacêutica que conjuga a amlodipina e o lisinopril como substâncias ativas e ainda que o produto comercializado pela Ré se situa dentro dos intervalos de substâncias ativas protegidos pela mencionada patente (factos n.ºs 8, 9, 38 e 39 provados).

Esta EP’342 apresenta um total de 5 reivindicações, 3 de conteúdo e 2 de processo, constando da 1.ª o seguinte “Composição farmacêutica contendo 0,3-30% em peso (p/p) de besilato de amlodipina e 0,1 - 75% em peso (p/p) de di-hidrato de lisinopril como ingredientes activos, em mistura íntima com um ou mais excipientes correntemente utilizados na indústria farmacêutica, com a condição de que o referido excipiente é diferente de um sal de cálcio do ácido fosfórico” (sublinhado nosso).

Principiando a nossa análise sobre a eventual infração literal da patente por parte da Ré, cumpre analisar o teor da reivindicação em conjunto com a descrição do produto, na medida em que esta desempenha, como vimos, um papel fundamental na definição da extensão e limites do objeto de proteção.

Vejamos, então, antes de mais, qual a solução encontrada pela Autora.

Como flui dos factos provados, a invenção da Autora consiste na composição farmacêutica que compreende a amlodipina e o lisinopril como ingredientes ativos e no processo (“mais vantajoso”) para a preparação da referida composição; efetivamente, estes princípios ativos eram já conhecidos pelo estado da técnica em momento anterior à invenção, pelo que a novidade está relacionada com a junção num único medicamento das duas substâncias ativas (factos n.ºs 9 e 11 provados) e na utilização de um conjunto de excipientes mencionados na descrição que favorecem a homogeneização dos comprimidos e a estabilidade das substâncias ativas.

Na verdade, “todas as invenções possuem uma ideia base, que é o ponto de partida da invenção. É o princípio ou princípios de que o inventor parte para alcançar o resultado que se propõe obter. Tal ideia tem de existir em todas as invenções, pois sem ela não é possível alcançar-se qualquer resultado. A sua percepção é a primeira questão que se põe ao intérprete, pois ela delimita o alcance da sua protecção.”, neste sentido, Américo Silva Carvalho, in, Ob. Cit. página 71.

Ora, no caso vertente, o objetivo principal da patente é a criação de um processo: “relativamente a todos os dados e dificuldades acima mencionados, o objetivo da presente invenção é elaborar um processo que seja adequado para a preparação de uma composição contendo os dois ingredientes ativos. O referido processo deve assegurar a produção industrial reprodutível do produto, que satisfaça todos os requisitos farmacêuticos regulamentares estritos, de segurança e estabilidade bem como as expectativas ambientais” (pág. 6 da descrição).

Resulta, assim, da parte descritiva da EP’342 que esta patente veio resolver o problema atinente à associação de duas substâncias ativas - lisinopril e amlodipina - na mesma forma farmacêutica, ultrapassando os desafios tecnológicos inerentes a tal, pretendendo-se que o resultado fosse um medicamento que compreendesse aqueles dois princípios ativos e apresentasse estabilidade e pureza adequadas por forma a poder cumprir com os requisitos regulamentares na União Europeia, sendo que a invenção da EP’342 permitiu ultrapassar o obstáculo do controle de impurezas contaminantes que se formam durante a armazenagem. (factos 21 e 22 provados)

Decorre, pois, da leitura da descrição que a ideia-base corresponde à combinação das duas substâncias ativas a que se fez referência, naturalmente através de um processo capaz de controlar as impurezas contaminantes que se formam durante a armazenagem e que exclui o ácido fosfórico, na medida em que a sua presença causava friabilidade e/ou inclusão de ar nos comprimidos.

Dito isto, como emerge da matéria de facto provada, já existiam, em data anterior à invenção da Autora, medicamentos que combinavam as duas substâncias ativas mencionadas com sais de cálcio de ácido fosfórico, tendo a Autora constatado que a utilização deste elemento - como agente de enchimento único - conferia instabilidade à composição que provinha da formação de impurezas numa tal extensão que tornariam inviável o produto final, atenta a sua reduzida pureza (factos provados n.ºs 24 a 17).

Ora, interpretando a reivindicação 1 e a descrição, resulta evidente que a solução propugnada pela Autora exclui, de forma expressa e literal, a utilização de fosfato de cálcio, sendo, de resto, tal exclusão uma das condições constantes da reivindicação 1.

De facto, muito embora se refira na descrição que “[se] verificou que quando se utiliza fosfato de cálcio como o único material de enchimento, mesmo na presença de um deslizante e/ou lubrificante, pode ocorrer friabilidade e/ou inclusão de ar nos comprimidos.”, o que é certo é que, em momento algum, é dado pela Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc um exemplo em que o referido fosfato de cálcio seja utilizado como único agente de enchimento (“É conhecido que composições contendo besilato de amlodipina como o único ingrediente farmaceuticamente activo contêm celulose microcristalina, hidrogenofosfato de cálcio, estearato de magnésio, carboximetilamilopectina de sódio e, opcionalmente, agentes corantes como excipientes” (…) “lisinopril como o único ingrediente farmaceuticamente activo contêm hidrogenofosfato de cálcio, amido, estearato de magnésio, manitol, opcionalmente agentes corantes como excipientes” (…) “É conhecida uma composição contendo besilato de amlodipina e di-hidrato de lisinopril como ingredientes farmaceuticamente activos e contendo fosfato de cálcio, estearato de magnésio, celulose microcristalina e opcionalmente, agentes corantes como excipientes”).

Todos os exemplos fornecidos pela Recorrente/Autora/GEDEON RICHTER PLc não utilizam o fosfato de cálcio como único excipiente.

Conclui a Recorrente/Autora/GEDEON RICHTER PLc que “esta propriedade vantajosa [do ácido fosfórico], contudo, restringe a sua utilização: funciona simplesmente como um agente de enchimento e não tem outro papel adjuvante. Verificou-se que quando se utiliza fosfato de cálcio como o único material de enchimento, mesmo na presença de um deslizante e/ou lubrificante, pode ocorrer friabilidade e/ou inclusão de ar nos comprimidos. Por isso, a sua utilização como um agente de enchimento único não é típica”.

Aqui chegados, seria de concluir que a invenção passaria pela utilização do fosfato de cálcio em conjugação com outros excipientes.

Sucede que não foi isso que ocorreu.

De facto, a Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc levantou, em sede de descrição, um problema, a saber: “o problema no caso da formulação de di-hidrato de lisinopril como ingrediente farmaceuticamente activo com fosfato de cálcio é a diferença de densidades aparentes. A densidade aparente característica do fosfato de cálcio é muito maior do que a de densidade aparente característica do di-hidrato de lisinopril.”, o que causa dificuldades no plano da homogeneização dos comprimidos, que se encontravam mencionados na descrição (pág. 4 da descrição).

Conclui, assim, a Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc “se for utilizada a secagem em vácuo acelerada pela energia dieléctrica, o teor de humidade necessário do granulado pode ser assegurada sem o risco de decomposição e/ou desidratação do(s) agente(s) activo(s), resultando na estabilidade do produto mesmo quando preparado sem fosfato de cálcio é, surpreendentemente, pelo menos tão boa como a de um preparado de modo convencional com fosfato de cálcio.” – sublinhado nosso.

Prossegue a descrição com o seguinte segmento “A presente invenção refere-se a uma composição farmacêutica contendo 0,3-30% em peso (p/p) de besilato de amlodipina e 0,1-75% em peso (p/p) de di-hidrato de lisinopril como agentes activos, em mistura íntima com um ou mais excipientes normalmente utilizados na indústria farmacêutica, com a condição de que o excipiente é diferente de um sal de cálcio do ácido fosfórico.”

Como é evidente, toda a descrição da solução técnica patenteada está desenhada em torno da exclusão do fosfato de cálcio (como único excipiente ou como um dos excipientes utilizados), atentas as consequências nefastas que a Autora associa à sua utilização.

Neste particular, cumpre convocar a figura do perito na especialidade reconhecido nos artºs. 56.º, 83.º, e 100.º da CPE e arts. 54.º e 66.º do CPI.

Esta figura não corresponde nem a uma pessoa concreta, nem aos peritos eventualmente ouvidos em sede de produção de prova; trata-se, antes, à semelhança do que sucede com a figura do homem médio, de um padrão de comportamento que a lei ficciona em função da específica área em que se inscreve a patente.

Como é evidente, o padrão de diligência que se exige a um perito na especialidade é muito superior ao que se exige ao homem médio ou mediano, já que apenas com especiais conhecimentos é possível reproduzir qualquer invento.

No caso, esse perito poderá ser um investigador farmacêutico capaz de, seguindo uma ficha técnica, reproduzir um determinado invento, in casu, o medicamento patenteado.

Dito isto, se é certo que, na descrição consta que o fosfato de cálcio não pode ser utilizado como o único material de enchimento, deixando aberta a possibilidade de ser utilizado em conjugação com outros excipientes, a verdade é que não consta da descrição qualquer menção a quantidades mínimas e máximas (de resto, incompatíveis com a ideia de exclusão daquela substância), de forma a permitir a sua execução por um perito na especialidade (art.º 66.º do CPI).

Ao que ficou dito acresce que, como mencionado, todos os exemplos disponibilizados pela Autora na descrição não utilizam o fosfato de cálcio como único excipiente, funcionando o mesmo sempre em conjugação com outros materiais (de enchimento ou estabilização). De facto, um perito na especialidade que se propusesse a executar a invenção patenteada, colocado perante a descrição, excluiria, de todo, a utilização de fosfato de cálcio por não ter informação quanto à hipótese de utilização, ainda que mínima, de tal elemento.

Isto, por um lado.

Por outro, o objeto da patente não pode ir além do teor das reivindicações, não tendo a descrição a virtualidade de ampliar o objeto da proteção. O mesmo é dizer, excluindo a reivindicação a utilização de fosfato de cálcio, não é possível, por via da descrição, concluir que a sua utilização, ainda que mínima, está abrangida pela patente.

E isto porque, como é evidente, a descrição apenas serve para esclarecer casos de ambiguidade, o que não se coloca no caso dos autos.

Veja-se que não se discute, nesta sede, a questão de saber se o tal fosfato de cálcio desempenha uma qualquer função, se é irrelevante ou ainda se é evidente, mas sim a questão de saber se a utilização de fosfato de cálcio foi incluída na invenção patenteada.

A resposta não pode deixar de ser negativa.

Não se verifica, assim, a invocada infração literal da patente.

Importa, agora, aquilatar da eventual violação da patente por meio equivalente.

Entende a Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc que a utilização de fosfato de cálcio não desempenha qualquer função no medicamento em análise, razão pela qual a sua introdução deve ser considerada um meio equivalente.

Vejamos se assim é.

Como adiantamos supra, deve considerar-se verificada a infração por meios equivalentes se a invenção patenteada e a invenção atribuída a terceiro visarem solucionar o mesmo problema técnico, se a solução encontrada for idêntica e se os elementos modificados estiverem ao alcance de um perito na especialidade, a partir da interpretação de um elemento especificado nas reivindicações.

Releva, outrossim, saber se o meio equivalente já era conhecido do estado da técnica (art. 55.º do CPI).

Ora, no caso que nos ocupa, como a própria Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc reconhece, a associação das duas substâncias ativas amlodipina e lisinopril era conhecida do estado da técnica à data da aprovação da patente, sendo também conhecida do estado da técnica a utilização, naquela combinação, de fosfato de cálcio (cfr. descrição: “É conhecida uma composição contendo besilato de amlodipina e di-hidrato de lisinopril como ingredientes farmaceuticamente activos e contendo fosfato de cálcio, estearato de magnésio, celulose microcristalina e opcionalmente, agentes corantes como excipientes”).

Mais se refere na descrição que “todos os excipientes acima referidos são bem conhecidos e amplamente utilizados há décadas na indústria farmacêutica. O sal de cálcio do ácido fosfórico está presente em cada composição descrita, sendo excelente para a formulação de fármacos sensíveis à humidade”.

Prossegue a referida descrição nos seguintes termos “esta propriedade vantajosa, contudo, restringe a sua utilização: funciona simplesmente como um agente de enchimento e não tem outro papel adjuvante. Verificou-se que quando se utiliza fosfato de cálcio como o único material de enchimento, mesmo na presença de um deslizante e/ou lubrificante, pode ocorrer friabilidade e/ou inclusão de ar nos comprimidos. Por isso, a sua utilização como um agente de enchimento único não é típica (…)”.

Assim, como destaca o acórdão recorrido, não só o fosfato de cálcio era já conhecido no estado da técnica à data da patente, como tal elemento já era conhecido na sua associação à combinação entre amlodipina e lisinopril.

De facto, na descrição respeitante à reivindicação em análise nos autos resulta um quadro comparativo entre a solução dada pela invenção da autora e outros medicamentos que conjugam as duas substâncias ativas mencionadas com fosfato de cálcio.

A utilização de fosfato de cálcio era, assim, à data do pedido da patente, evidente face ao estado da técnica.

Dizer agora, como faz a Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc, que a introdução de fosfato de cálcio corresponde a um meio equivalente, quando tal utilização era do conhecimento do estado da técnica não encerra fundamento válido.

Veja-se que a própria Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc conclui que “Pode afirmar-se que o processo, de acordo com a invenção, é surpreendentemente adequado para a formulação de ambos os ingredientes activos mesmo sem fosfato de cálcio.”.

Sendo este o problema técnico e sendo a solução propugnada a utilização de outros agentes de enchimento e estabilizadores, não se vê que se possa afirmar a violação da patente por meios equivalentes.

A este propósito, importa recuperar os ensinamentos de Luís Couto Gonçalves, in, Ob. Cit., páginas 116-126 “apesar da equivalência, o âmbito de protecção de uma invenção não deve abranger o equivalente se este for insusceptível de protecção ou for considerado evidente face ao estado da técnica”.

É o que sucede nos autos.

Neste particular não podemos deixar de subscrever e sufragar o entendimento do acórdão da Relação, agora em escrutínio, quando nele se afirma que “a invenção da apelada foi concedida precisamente pela novidade e atividade inventiva de excluir o fosfato de cálcio, que era o excipiente conhecido - a reivindicação 1 da EP expressamente excluiu do âmbito de proteção a utilização de fosfato de cálcio, que era conhecida do estado da técnica.”.

Ora, se a ideia-base da Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc consistiu na exclusão do ácido fosfórico e se este elemento era conhecido do estado da técnica em associação com as substâncias ativas já descritas, à data do pedido da patente, não é possível concluir pelo alargamento da proteção da patente pretendido pela demandante.

De facto, o que a Ré conseguiu foi introduzir o fosfato de cálcio do medicamento descrito nos autos, sem que as consequências nefastas indicadas pela Autora se tenham verificado.

Como é evidente, não releva, nesta sede, aferir se a utilização de fosfato de cálcio pela Ré é irrelevante (equivalente), na medida em que era, amplamente, conhecido do estado da técnica e a sua utilização foi, expressamente, excluída pela descrição supra descrita.

Em todo o caso, sempre cumprirá referir que resultou demonstrado que o fosfato de cálcio não desempenha apenas a função de enchimento, tendo uma importante função estabilizadora (factos provados n.ºs 44 a 49 - 44. A composição do medicamento da ré contém 2,5% de fosfato de cálcio sem que se registe instabilidade. 45. Um agente de enchimento tem como função conferir massa e volume à forma farmacêutica. 46. Um agente de enchimento deverá encontrar-se nessa forma farmacêutica, neste caso comprimidos, na quantidade necessária a completar o volume exigido para o comprimido que não se mostra alcançado apenas pela quantidade de princípio ativo existente. 47. Uma percentagem de hidrogenofosfato de cálcio nos medicamentos “Lisinopril + Amlodipina Zentiva” de 2,5% vai necessariamente ser inferior à soma das percentagens dos dois princípios ativos, mas com a característica de evitar a degradação das substâncias ativas. 48. Existem diluentes que, além da função de enchimento, exercem funções distintas, tais como estabilizadores. 49. A quantidade de hidrogenofosfato de cálcio utilizada pela ré não cumpre apenas a função de agente de enchimento/diluente).

Resulta, assim, que, ainda que a irrelevância (equivalência) do fosfato de cálcio fosse de considerar, resultou demonstrado que a utilização de tal excipiente desempenha na solução encontrada pela Ré uma função que não se cinge à de mero enchimento.

Não se verifica, assim, a invocada a violação da patente invocada pela autora, donde, acompanhamos a solução encontrada pelo Tribunal recorrido ao dirimir a questão trazida a Juízo.

II. 3.1.3.1. Assim, na improcedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão, pela Recorrente/Recorrida/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc, não reconhecemos às mesmas virtualidades no sentido de alterarem o destino da demanda, donde, sufragamos a solução encontrada no aresto em escrutínio.

Da Recorrente/Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA.

II. 3.2.1 A facticidade demonstrada importa subsunção jurídica diversa da sentenciada, concretamente, impõe-se reconhecer que a ajuizada patente é nula, por falta de atividade inventiva, devendo o acórdão recorrido ser revogado e reformado, declarando a respetiva nulidade, desde a data da sua prioridade? (1)

Cotejadas as conclusões do recurso, impõe-se conhecer, previamente, da admissibilidade do interposto recurso de revista, sendo que para o conhecimento da questão prévia enunciada releva a factualidade decorrente do precedente relatório

II. 3. Questão prévia

Como acabamos de adiantar, antes mesmo de conhecer do recurso interposto (recurso subordinado), impõe-se a apreciação da questão preliminar consubstanciada na (in)admissibilidade do interposto recurso de revista, equacionando-se, assim, a verificação dos respetivos pressupostos.

As decisões judiciais são impugnáveis por meio de recurso, porém, a insuficiência dos meios disponibilizados para administrar a Justiça, a par da exigida racionalização dos mesmos, importa que se atente a determinados pressupostos, com vista à admissibilidade recursos, concretamente, para o Supremo Tribunal de Justiça, daí que o princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais, admita várias exceções.

A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, porém, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

A este propósito o Tribunal Constitucional sustenta que “Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr., a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349).

Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática.

Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…)”. (Acórdão n.º 159/2019 de 13 de março de 2019).

Como direito adjetivo, a lei processual estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, podendo dizer-se que a admissibilidade de um recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto no prazo legalmente estabelecido para o efeito.

Na verdade, não se discute que o recurso deve cumprir os pressupostos da legitimidade, decorrente do art.º 631º do Código de Processo Civil, a par da respetiva tempestividade estabelecida no art.º 638° do Código de Processo Civil, bem como, a recorribilidade, tendo em atenção o estatuído no art.º 671º do Código de Processo Civil.

No caso que nos ocupa é pacífica a legitimidade da Recorrente/Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA., outrossim, a tempestividade do recurso apresentado em Juízo, questionando este Tribunal ad quem se a decisão é recorrível.

Notificadas a Recorrente/Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA. e a Recorrida/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc para os termos dos artºs. 655º n.º 1 ex vi art.º 679º, ambos do Código de Processo Civil, continua aquela a pugnar pela admissibilidade da revista, ao passo que esta reclama a inadmissibilidade do recurso.

No que concerne ao recurso subordinado interposto pela Recorrente/Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA., importa relembrar, desde já, de acordo com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, proferido em 27 de novembro de 2019, no âmbito do Processo n.º 1086/09.8TJVNF.G1.S1-A, ter sido uniformizada a seguinte jurisprudência “o recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art. 671.º do CPC, a isso não obstando o n.º 5 do art. 633.º do mesmo Código”.

Conquanto saibamos que os acórdãos para uniformização de jurisprudência não têm força obrigatória geral, nem vinculam os Tribunais na medida em que a norma que consagrava o instituto dos assentos, qual seja, o extinto art.º 2º do Código Civil, foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, e revogada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, continuamos a entender que não distinguimos razão ou argumentos que nos impele a seguir orientação distinta daquela consagrada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, proferido em 27 de novembro de 2019, no âmbito do Processo n.º 1086/09.8TJVNF.G1.S1-A, relatado pelo relator do presente acórdão.

Resulta, assim, que a limitação da dupla conforme, prevista no n.º 3 do art.º 671º do Código de Processo Civil, é inteiramente aplicável ao recurso subordinado.

No caso em análise, a recorrente (em recurso subordinado) coloca em crise a decisão proferida pelo Tribunal da Relação na parte em que confirmou a sentença da 1.ª Instância que, por seu turno, julgou improcedente o pedido reconvencional, absolvendo a Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLC do mesmo.

Neste particular há que convocar as regras recursivas adjetivas civis, concretamente o art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, atinente à irrecorribilidade das decisões do Tribunal da Relação em consequência da dupla conforme, nos precisos termos aí concretizados (…não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância …).

Com o objetivo de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e acentuar as suas funções de orientação e uniformização de jurisprudência, consagra o direito adjetivo civil - art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil - a chamada dupla conforme que torna inadmissível o recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª Instância.

Do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil condizente ao n.º 3 do art.º 721º do anterior Código do Processo Civil, com a redação do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto, decorre, importar, agora, que a decisão da segunda instância não tenha uma fundamentação essencialmente diferente da decisão de primeira instância para que produza a dupla conforme, ao contrário do que acontecia com a alteração adjetiva civil, imposta pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, em que se abstraía da fundamentação do acórdão da segunda instância para que se verificasse a dupla conforme.

Levada a cabo a exegese do consignado normativo adjetivo civil, o Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme, a verificação de uma situação, conquanto a Relação, conclua, sem voto de vencido, pela confirmação da decisão da 1ª Instância, em que o âmago fundamental do respetivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido neste aresto, quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada.

Torna-se necessário, pois, para que a dupla conforme deixe de atuar, a aquiescência, pela Relação, da solução jurídica sufragada em 1ª Instância, suportada num enquadramento jurídico inovatório, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados no aresto apelado, neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, de 30 de Abril de 2015, de 28 de Maio de 2015, de 26 de Novembro de 2015, de 16 de Junho de 2016, e de 8 de Novembro de 2018, in, http://www.dgsi.pt/stj, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não publicado [Processo n.º 856/12.4TJVNF.G1.S1], desta 7ª Secção Cível, proferido em 4 de Julho de 2019, pelo relator do presente acórdão.

A este propósito, sustenta António Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 349, “que com o CPC de 2013 foi introduzida uma nuance: deixa de existir dupla conforme, seguindo a revista as regras gerais, quando a Relação, para a confirmação da decisão da 1ª instância, empregue “fundamentação essencialmente diversa”.

A admissibilidade do recurso de revista, no caso do acórdão da Relação ter confirmado, por unanimidade, a decisão da 1ª instância, está, assim, dependente do facto de ser empregue “fundamentação substancialmente diferente”.

Aclarando o sentido e alcance da expressão “fundamentação essencialmente diferente”, elucida Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 352, que “a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais”.

Isto, por um lado.

Por outro, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, de forma pacífica, que as alterações introduzidas na matéria de facto apenas relevam para efeitos de aferição da dupla conforme desde que impliquem uma alteração na fundamentação de direito, devendo essa diferença revelar-se essencial.

Os elementos de aferição da conformidade ou desconformidade das decisões das Instâncias têm de se conter na matéria de direito, donde, nenhuma divergência das Instâncias sobre o julgamento da matéria de facto é passível de implicar, por si só, a desconformidade entre aquelas decisões que importem a admissibilidade da revista, em termos gerais, sublinhando-se que a apreciação do obstáculo recursório respeitante à figura da dupla conforme terá sempre e necessariamente de se deter nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal de revista, acentuando-se que qualquer alteração da decisão de facto pela Relação, apenas será relevante para aquele efeito quando implique uma modificação, também essencial, da motivação jurídica, sendo, portanto, esta que servirá de elemento aferidor da conformidade ou desconformidade das decisões.

A este propósito, Abrantes Geraldes, in, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), páginas 364/365 sustenta que “[a] expressão “fundamentação essencialmente diferente” pode, porventura, confrontar-nos com o relevo a atribuir a uma eventual modificação da decisão da “matéria de facto” empreendida pela Relação, ao abrigo do art. 662.º. (…) todavia, tal evento não apresenta verdadeira autonomia, na medida em que uma modificação essencial da matéria de facto provada apenas será relevante para aquele efeito na medida em que também implique uma modificação essencial da motivação jurídica, sendo, portanto, esta que servirá de elemento aferidor da diversidade ou da conformidade das decisões centrada na respectiva motivação”, e, no mesmo sentido, Francisco M. Lucas Ferreira de Almeida, in, Direito Processual Civil, Volume II, Almedina, página 498 defende que “conhecendo (em regra) o Supremo Tribunal de Justiça apenas de “matéria de direito os “elementos de aferição” das aludidas “conformidade” ou “desconformidade” das decisões das instâncias (os chamados elementos “identificadores” ou “diferenciadores”) têm de circunscrever-se à “matéria de direito” (questões jurídicas); daí que nenhuma divergência das instâncias sobre o julgamento da “matéria de facto” seja susceptível de implicar, “a se”, a “desconformidade” entre as decisões das instâncias geradora da “admissibilidade da revista”. Tal “desconformidade” terá, pois, sempre de reportar-se a matérias integradas na “competência decisória” (ou seja, nos “poderes de cognição”) do Supremo Tribunal de Justiça.”

Tudo visto, concluímos que não é a mera alteração do julgamento fáctico operada pela Relação que conduz a que entre a fundamentação do seu veredicto final e a da sentença apelada, haja, sem mais e imperativamente, por excluída uma situação de dupla conforme envolvendo ambas essas decisões.

Transpondo as considerações supra ao caso ajuizado, importa sublinhar que, no que concerne ao pedido reconvencional (objeto do recurso subordinado), existe dupla conformidade decisória. De facto, para além de o Tribunal recorrido ter confirmado, na integra, tal segmento decisório, fê-lo com recurso a uma fundamentação, no essencial, idêntica, não convocando normas ou institutos jurídicos distintos. Moveu-se, assim, no mesmo quadro legal, nada acrescentando, de essencial, à fundamentação da 1.ª Instância.

A circunstância de a fundamentação propugnada pelo Tribunal da Relação se afigurar mais desenvolvida do que a constante na sentença dos autos não obsta à conclusão de que ocorre dupla conforme nos autos, na medida em que se moveu no mesmo quadro normativo considerado pela 1.ª Instância.

Por outro lado, resulta cristalino que a alteração da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação não implicou um enquadramento jurídico-normativo estruturalmente distinto, do que resulta que existe, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, sobreposição decisória impeditiva do recurso de revista.

II. 3.1. Reconhecemos, pois, existir dupla conforme impeditiva do conhecimento do recurso subordinado interposto, que não será, naturalmente, objeto de apreciação.

III. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam improcedente o recurso principal, interposto pela Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc, negando-se a revista, não conhecendo do recurso subordinado, interposto pela Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA., por inadmissibilidade, mantendo-se, em consequência, o acórdão recorrido.

Custas do recurso principal de revista, pela Recorrente/Autora/Reconvinda/GEDEON RICHTER PLc, sendo as custas do recurso subordinado de revista, pela Ré/Reconvinte/ZENTIVA PORTUGAL, LDA.

Registe.

Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça, Lisboa, 17 de abril de 2024

Oliveira Abreu (relator)

António Barateiro Martins

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

A Senhora Juíza Conselheira adjunta, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, prestou a seguinte declaração de voto: “Votei o não conhecimento do recurso subordinado tendo em conta o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 27/11/2019, proc. 1086/09.8TJVNF.G1.S1-A”.