Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A447
Nº Convencional: JSTJ00000091
Relator: FARIA ANTUNES
Descritores: AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
Nº do Documento: SJ200204090004471
Data do Acordão: 04/09/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 3083/01
Data: 07/12/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR NACION.
Legislação Nacional: L 37/81 DE 1981/10/03 ARTIGO 9 A.
L 25/94 DE 1994/08/19.
DL 322/82 DE 1982/08/12 ARTIGO 22 N1 A.
DL 253/94 DE 1994/10/20.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1997/05/15 IN CJSTJ ANO5 T2 PAG83.
ACÓRDÃO STJ PROC840/97 DE 1998/02/05.
ACÓRDÃO STJ PROC463/98 DE 1998/05/21.
ACÓRDÃO STJ PROC456/97 DE 1998/09/25.
ACÓRDÃO STJ PROC822/98 DE 1998/10/20.
Sumário : I- Constitui fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional, ligação esta que pode ser comprovada por documento, testemunhas ou qualquer outro meio legalmente admissível.
II- Esta ligação não pode resultar, pura e simplesmente, da circunstância de a requerente, cidadã brasileira, estar casada com um português há mais de três anos e de declarar a vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa, pois o interessado tem de demonstrar que está integrado no tecido social nacional através de vários factores, como os laços familiares e económicos, a residência, o conhecimento da língua portuguesa e dos costumes portugueses, o relacionamento com as pessoas e a frequência dos lugares que estas habitualmente frequentam.
III- Mas, a ligação que se exige é à comunidade nacional e não, propriamente, ao território português, podendo, por isso, essa ligação ser estabelecida no seio de uma comunidade de emigrantes portuguesa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Inconformada com a decisão proferida no acórdão da Relação de Lisboa de 12.7.01, que julgou procedente a oposição do Ministério Público à aquisição de nacionalidade portuguesa por si requerida, interpôs a cidadã brasileira A, recurso de apelação para este Supremo Tribunal (a processar como revista), tirando as seguintes
Conclusões:
1- A recorrente demonstrou, como demonstra, uma ligação efectiva e actuante à comunidade nacional;
2- Possui e preenche todos os requisitos para que lhe seja concedida a aquisição da nacionalidade portuguesa;
3- O acórdão recorrido viola a alínea d) do artº 6º da Lei nº 25/94, de 19/8.
Contra-alegou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão, admitindo, contudo, que, face à prova complementar produzida e ao patamar sociocultural que deve ter-se como referência para satisfazer o requisito da integração na comunidade nacional, se possa considerar a recorrente na situação de fronteira para a concessão da nacionalidade portuguesa.
Com os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
A Relação deu como provado o seguinte quadro factual:
A requerida é natural de Goiânia, Brasil, filha de pais brasileiros, onde nasceu em 25.12.74;
Reside na Bélgica, na companhia do nacional português B, com quem contraiu casamento em 30.9.94, onde são emigrantes;
Adquiriram, por compra, um andar em Leiria, Portugal, onde pretendem radicar-se, quando regressarem a Portugal;
A requerida tem ligações à comunidade de emigrados portugueses na Bélgica, frequenta os mesmos restaurantes e tem laços de amizade com emigrantes portugueses e com os portugueses da localidade onde comprou a sua casa e vem passar férias, na companhia do marido, falando a língua portuguesa.
Ressumbra ainda dos documentos autênticos insertos nos autos que:
Em 25.2.2000, na Secção Consular da Embaixada Portuguesa em Bruxelas, a ora recorrente declarou pretender adquirir a nacionalidade portuguesa (auto de declarações de fls. 14 e 15);
Foi autuado na Conservatória dos Registos Centrais o processo nº 7231/00, onde se questionou a existência de um facto impeditivo da pretendida aquisição da nacionalidade portuguesa, razão pela qual o registo não chegou a ser lavrado (informação de fls. 9 a 11);
A recorrente não foi condenada pela prática de qualquer crime (certidões de fls. 19, 20, 21 e 22).
Esta matéria, embora não incluída no rol dos factos dados como provados pela Relação, devia tê-lo sido, pelo que pode e deve ser ponderada por este Supremo (artºs 722º, nº 2 e 729º, nº 2 do CPC e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 427).
Postos que estão os factos, vejamos agora o direito.
Do que se trata, neste recurso, é de determinar se a recorrente demonstrou, como lhe competia, o requisito da ligação efectiva à comunidade nacional, com vista à aquisição da nacionalidade portuguesa, previsto na alínea a) do artº 9º da Lei nº 37/81, de 3/10, na redacção emprestada pela Lei nº 25/94, de 19/8, e no artº 22º, nº 1, alínea a) do DL nº 322/82, de 12/8, na redacção dada pelo DL nº 253/94, de 20/10.
O artº 6º, nº 1, alínea d), referido no conclusório da minuta de recurso, não tem propriamente a ver para o caso, por isso que se refere à aquisição da nacionalidade por naturalização e não por efeito da vontade, sendo esta última a hipótese vertente (cfr. artº 3º, nº 1 da Lei nº 37/81, de 3/10, na redacção da dita Lei nº 25/94).
Do dispositivo legal citado em primeiro lugar resulta que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional.
Textuando o segundo normativo em referência que todo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade... deve comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional.
Esta ligação, de que fala a lei, não pode resultar, pura e simplesmente, da circunstância de a recorrente, cidadã brasileira, estar casada com um português há mais de três anos e de declarar a vontade de adquirir a nacionalidade do marido.
É um requisito autónomo que, juntamente com os outros dois mencionados, origina o facto constitutivo complexo da aquisição da nacionalidade portuguesa.
O mesmo deflui do acórdão deste Supremo, de 20.10.98, processo 822/98 (Relator Cons. Aragão Seia e Adjuntos os também aqui Adjuntos), onde judiciosamente se acrescentou que o interessado tem de demonstrar que está integrado no tecido social nacional através de vários factores, designadamente de laços familiares e económicos, da residência, de conhecimento da língua portuguesa e dos nossos costumes, do relacionamento com as pessoas e frequência dos lugares que estas habitualmente frequentam, enfim, de se identificar com a vivência característica do povo.
A residência pode ser um elemento natural de integração numa comunidade, mas o domínio da língua, o convívio familiar, de amizade, profissional, de vizinhança, a participação religiosa, desportiva e recreativa na comunidade portuguesa podem igualmente denotar o envolvimento, a interacção, o sentimento de pertença à mesma comunidade.
Assim se ponderou também no acórdão deste Supremo, de 5.2.98, processo 840/97 (Relator Cons. Roger Lopes).
É certo que a recorrente tem residido habitualmente na Bélgica.
Todavia, deve ser sopesada toda a panóplia factual, não se dando demasiada importância àquele circunstancialismo.
Assim, a recorrente é casada com um português há mais de três anos, tem laços de amizade com a comunidade portuguesa radicada naquele país, fala a língua portuguesa (é cidadã brasileira), e comprou uma casa em Leiria, onde mais tarde pretende fixar residência e onde passa as férias com o marido, convivendo durante estas com as pessoas residentes no lugar onde tal casa se situa.
O facto de, neste momento, predominar a ligação da recorrente à comunidade dos nacionais portugueses emigrados na Bélgica não deve constituir, em definitivo, um óbice à pretendida aquisição da nacionalidade portuguesa.
É que, como se decidiu no acórdão de 25.9.98, no processo nº 456/97 deste Supremo Tribunal (Relator Cons. Sousa Inês), a ligação que se exige é à comunidade nacional, e não ao território português, podendo, por isso, essa ligação acontecer com uma das várias comunidades portuguesas existentes no estrangeiro.
E a comunidade portuguesa na Bélgica é hoje em dia uma comunidade relevante, constituída como é por diferentes estratos sociais que vão desde os trabalhadores braçais até às camadas intelectuais, designadamente as que se empregam a nível da União Europeia.
Acresce que se não divisa em que é que os valores dominantes nessa específica comunidade de cidadãos portugueses se afastem muito dos reinantes na comunidade portuguesa sediada no território nacional.
Ademais, como se frisou, a recorrente também já está de algum modo enraizada nesta última comunidade, porquanto aqui passa as férias com o marido, desde há vários anos, convivendo com os vizinhos quando cá se encontra, aqui pretendendo radicar-se quando ela e o marido resolverem abandonar o país de acolhimento.
Como expende Moura Ramos (O Novo Direito Português da Nacionalidade, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, Coimbra 1986, I, págs.601), o direito reservado pelo Estado de definir quem integrará o círculo dos seus nacionais aparece como que "em termos de resposta orgânica do tecido social organizado à invasão de elementos poluidores que se entende devam ficar arredados do corpus social"
Ora, não nos parece que, atento todo o circunstancialismo descrito, se justifique a exclusão, por "indesejável", da aqui recorrente!
Não se nos afigura que a sua ligação à comunidade social não seja séria, aberta e efectivamente desejada, tudo levando a crer que não se trata de um expediente meramente conjuntural ou desenhado com reservadas intenções (cfr. Ac. deste Supremo Tribunal, de 15.5.97, CJSTJ 1997, II, 83).
No sentido que vimos preconizando, pode citar-se ainda o acórdão deste Supremo, de 15.6.99 (Relator o Cons. Silva Graça), onde se defende ainda que «a circunstância de... ser cidadã brasileira, só por si, implica uma aproximação decisiva à comunidade nacional. Para além da língua comum, há razões históricas e afectivas que, por sobejamente conhecidas, é ocioso desenvolver».
Finalmente, como se entendeu no acórdão deste Supremo Tribunal, de 21.5.98, proc. 463/98 (em que foi Relator o aqui primeiro Adjunto e primeiro Adjunto o aqui segundo Adjunto) o Estado não quis passar a considerar indesejáveis aqueles que, embora querendo tornar-se seus nacionais, se vêem, por razões de todo alheias á sua vontade, compelidos a ter de preencher os requisitos de uma forma não tão nítida e afirmativa. Desde que não restem dúvidas sobre a sinceridade da sua vontade e de que apenas podem preencher o requisito da ligação efectiva, real, à comunidade portuguesa desse modo, e de que os restantes pressupostos estão observados, fica arredada a situação de fraude á lei, (e a lei quer de todo evitá-la) e está satisfeita a lei, não os tendo o Estado como indesejáveis.

Tudo visto e ponderado, considerando minimamente comprovada pela recorrente a sua ligação efectiva à comunidade nacional, acordam em revogar o acórdão recorrido e em julgar improcedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 9 de Abril de 2002
Faria Antunes,
Lopes Pinto,
Ribeiro Coelho.