Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6287/18.5T8STB.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE AGÊNCIA
PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
COMPENSAÇÃO MONETÁRIA
CLÁUSULA PENAL
NULIDADE DE CLÁUSULA
VALIDADE
CESSAÇÃO
INCUMPRIMENTO
ÓNUS DA PROVA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
Apenso:
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I – No âmbito da relação jurídica de agência, as partes podem estabelecer uma obrigação de não concorrência, para vigorar após a cessação do contrato, nos termos do artº 9º nºs 1 e 2 LCA, obrigação que confere ao agente, em contrapartida, “o direito a uma compensação, pela obrigação de não concorrência, após a cessação do contrato” (artº 13º al. g), compensação que tanto pode ser convencionada, e pré-determinada em valor certo, como ser posteriormente fixada maxime através de decisão judicial.

II – A enumeração de direitos do agente (artº 13º LCA) constitui-se como meramente exemplificativa, pelo que nenhum dos referidos direitos pode dizer-se definidor do contrato, a ponto de determinar a respectiva contrariedade à lei rectius a respectiva nulidade, nos termos dos artºs 294º e 280º nº 1 do Código Civil, sem prejuízo de dever considerar-se nula a cláusula que excluísse o direito do agente à compensação.

III – Desta forma, também nada impede que o sancionamento da violação da obrigação de não concorrência seja fixado à forfait, por via de cláusula penal, nos termos gerais dos artºs 810.º ss. do Código Civil.

IV – Não demonstrado o incumprimento, por parte da agente ou da subagente, das obrigações para si resultantes da cláusula ou cláusulas de não concorrência, fica afastada a possibilidade de actuação da cláusula penal.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


                  

O Pedido, as Partes e o Objecto do Processo

Decisões & Soluções – Intermediários de Crédito, Ldª, e Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Ldª, intentaram contra AA a presente acção, com processo declarativo e forma comum, peticionando a condenação da Ré a pagar à 1ª Autora a indemnização de € 50.000,00 pela violação da obrigação de não concorrência acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a data da sua citação e até efectivo e integral pagamento; e pagar à 2ª Autora a indemnização global de € 50 000,00 pela violação da obrigação de não concorrência, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da sua citação e até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alegaram que a Ré celebrou com as mesmas um contrato de subagência de “consultor imobiliário e financeiro” através do qual as primeiras nomearam e reconheceram a ora Ré como sua subagente, encarregando-a de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da actividade por si desenvolvida.

A Ré obrigou-se a exercer essa actividade exclusivamente ao serviço das primeiras, nomeadamente nos ramos da consultoria financeira, mediação de seguros, mediação imobiliária, construção e mediação de obras, mas a Ré denunciou o contrato e iniciou de imediato funções em empresa directamente concorrente violando assim a clausula de não concorrência firmada pelas partes no âmbito do contrato de subagência.

A Ré invocou não ter violado qualquer cláusula de não concorrência ao iniciar funções na outra empresa, na medida em que nela apenas exerce funções como funcionária administrativa.

                        

As Decisões Judiciais

Na sentença proferida na Comarca, a Ré foi absolvida do pedido.

Entendeu-se, a respeito do accionamento da cláusula penal em contrato de sub-agência que unia as Autoras à Ré (sub-agente), que não foi feita prova da prática pela Ré de qualquer actividade concorrente ou a violação, pela Ré, do contrato celebrado.

Tendo as Autoras recorrido de apelação, em 2ª instância foi decidido confirmar a decisão anterior, mas pela via prévia da nulidade da cláusula contratual de não concorrência, em face da omissão da previsão contratual da contrapartida de pagamento de uma compensação ao agente e visto o disposto no artº 294º CCiv.


Conclusões da Revista:

1. Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão que julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida que absolveu a R. do pedido formulado pelas AA.

2. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, não podem as Recorrentes conformar-se com o entendimento vertido no douto acórdão proferido.

3. Pelas razões que infra se aduzirão, entendem as Recorrentes, e sempre com o merecido respeito por entendimento divergente, que a cláusula 17ª do contrato celebrado entre as partes, mediante a qual se estipulou uma obrigação de não concorrência a impender sobre a R./recorrida não padece de qualquer invalidade ou nulidade sendo, ao invés do doutamente decidido, válida, proporcional e aplicável in casu pois que, diante da factualidade que resultou provada, ficou demonstrado o incumprimento de tal cláusula pela R./Recorrida.

4. Nos termos que infra se exporão, deverá a decisão proferida ser revogada, e substituída por outra que condene a R. a indemnizar as AA., aqui Recorrentes, ao abrigo do pacto de não concorrência plasmado na cláusula 17ª do contrato de subagência, no valor de Euro 50.000,00 a cada uma.

Questão prévia: da admissibilidade do presente recurso de revista:

5. Tal como figura da parte decisória do douto acórdão recorrido, o mesmo confirma a sentença proferida na 1ª instância no sentido da improcedência da acção.

6. Contudo, coligida a sentença proferida na 1ª instância e comparando a mesma com o acórdão recorrido, analisando os institutos jurídicos invocados nas respectivas fundamentações para a decisão de mérito, verifica-se que estarão em causa duas decisões que, pese embora redundem na improcedência da acção, compreendem fundamentação essencialmente diferente.

7. Isto porque a douta sentença proferida na 1ª instância, e no que concerne à questão da violação da obrigação de não concorrência convencionada entre as partes, e após enunciar o regime jurídico atinente ao estabelecimento de uma cláusula penal num contrato (arts. 810º e 811º do Cód. Civil) e respectiva incidência em termos de ónus da prova, entendeu que as AA. não lograram demonstrar o incumprimento por parte da R. da cláusula de não concorrência, de modo a poderem exigir e liquidar a cláusula penal à mesma associada.

8. Por seu turno, o douto acórdão ora posto em crise, e diversamente da sentença proferida, em sede de decisão de direito, versou apenas e só quanto à questão da validade da cláusula de não concorrência (e não já sobre a demonstração ou não do incumprimento da mesma), considerando a cláusula 17ª do contrato nula, e nos moldes que se passa a recordar:

9. Ou seja, enquanto na 1ª instância se considerou que, ante os factos provados, não lograram as AA. demonstrar que a R. incumpriu a obrigação de não concorrência que sobre si impendia, nenhuma pronúncia tendo ali havido quanto à questão da validade/nulidade da cláusula contratual que continha o pacto de não concorrência,

10. Já no acórdão recorrido, o Mmo. Tribunal apenas se pronunciou quanto à sobredita questão da validade da cláusula de não concorrência, que julgou nula por não ter sido prevista no contrato uma compensação pecuniária a favor da R. como contrapartida da assunção da obrigação de não concorrência, à luz do disposto nos arts. 9º n.º 1 e 2 e 13º al g) do DL 178/86, de 3 de Julho e art.º 294º do Cód. Civil.

11. A fundamentação jurídica que subjaz a ambas as decisões mostra-se, pois, essencialmente diferente pelo que, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, considera a Recorrente que, à luz do disposto no art.º 671º n.º 1 e 671º n.º 3, a contrario sensu, do Cód. Proc. Civil, é admissível o presente recurso ordinário de revista.

Do objecto do recurso:

12. Não podem, de modo algum, as Recorrentes conformar-se com o entendimento constante do acórdão recorrido.

13. A cláusula contratual mediante a qual foi estipulada a obrigação de não concorrência não se mostra afectada de qualquer vício – nomeadamente a apontada nulidade – e, para além disso, fruto da factualidade que o Mmo. Tribunal julgou provada, impunha-se considerar que a recorrida violou ostensivamente a obrigação de não concorrência por si assumida, assistindo, pois, às ora Recorrentes, o direito a serem ressarcidas nos termos da cláusula penal contratualmente fixada.

Do contrato de (sub)agência, da validade da cláusula de não concorrência e da sua violação pela R.:

14. A relação contratual em causa nos presentes autos – saliente-se, a relação contratual entre as recorrentes e a R/recorrida. – subsume-se à figura de um contrato de sub-agência, regulado nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, e com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 178/86, de 03 de Junho.

15. Nada obstando, porém, a que as partes, no exercício do princípio da liberdade contratual, que o dito regime jurídico não afasta, entendam moldar o contrato aos seus interesses e vontades.

16. Ora, nos termos e para os efeitos do art.º 1º n.º 1 do aludido diploma, o contrato de agência é contrato mediante o qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes.

17. A subagência surge prevista no art.º 5º n.º 1 do citado diploma legal, caracterizando-se por ser uma situação em que o agente contrata outro agente para desempenhar a actividade prevista no contrato celebrado com o principal.

18. Em princípio, o subagente não tem um vínculo directo com o principal, mas, porém, no caso sub judice, por convenção das partes e atendendo ao concreto modo como se desenvolve a actividade das AA., da celebração do contrato de (sub)agência decorrem obrigações e direitos directos entre o principal e o (sub)agente e que em nada contrariam ou subvertem as normas previstas no regime jurídico do contrato de agência.

19. Mediante o contrato de (sub)agência em causa nos presentes autos, as partes acordaram, entre o demais, em fixar uma obrigação de exclusividade e não concorrência para o (sub)agente:

Cláusula 17ª do contrato, cláusula esta objecto de discórdia.

20. O douto acórdão aqui sob escrutínio julgou nula a cláusula em apreço, por não ter sido estipulada entre as partes uma compensação devida à R. pela assunção da dita obrigação de não concorrência o que, no seu douto entendimento, configura nulidade à luz do disposto no art.º 294º do Cód. Civil

21. Recorde-se, antes de mais, a redacção da cláusula 17º do contrato celebrado entre as partes, que se passa a recordar:

“1. O Subagente obriga-se a exercer as actividades abrangidas pelo objecto do presente contrato em exclusivo para as Primeira e Segunda Outorgantes

2. A obrigação de exclusividade compreende, nomeadamente:

a) (…)

b) (…)

c) estar vedada ao subagente a participação, directa ou indirectamente, em qualquer outro projecto dentro do sector de actividade das Primeira e Segunda Contraentes durante o período de vigência do presente contrato. A obrigação prevista nesta alínea abrange, nomeadamente, a não realização, directa ou indirectamente, de qualquer das seguintes actividades: deter, gerir, operar, controlar, participar na qualidade de investidor, administrar, trabalhar, prestar serviços de consultoria ou outros, em quaisquer sociedades com actividades directamente concorrentes com as actualmente exercidas pela Primeira e Segunda Contraentes.

3. O Subagente obriga-se a não concorrer, directa ou indirectamente, e em todo o território nacional, com as Primeira e Segunda Contraentes, durante os doze meses seguintes á cessação do contrato, por qualquer meio.

4. A obrigação de não concorrência abrange todas as situações identificadas no número 2 da presente cláusula, que se verifiquem após a cessação do contrato, e inclui ainda a proibição de empregar ou contratar qualquer pessoa que haja sido, no ano anterior à cessação do presente contrato, trabalhador, agente, subagente, consultor ou representante das Primeiras e Segunda contraentes. (..)

22. Não foi contratualmente estipulada entre as partes uma compensação pecuniária a atribuir à recorrida pela assunção desta obrigação de não concorrência.

23. E, rejeitando-se por completo o douto entendimento consignado no acórdão recorrido, tem-se por certo que a falta de estipulação desta compensação não pode, de forma alguma, ser cominada com nulidade do pacto de não concorrência.

24. Pelas razões que infra se aduzirão, entendem as Recorrentes, e sempre com o merecido respeito por entendimento divergente, que o douto acórdão recorrido incorreu em violação do disposto nos artigos 9ª, 280º n.º 2, 294º e 405º n.º 1 do Cód. Civil, 9º e 13º do Decreto-Lei n.º 178/86, bem como dos art.ºs 58º n.º 1, 61º n.º 1, 81º e 99º da Constituição da República Portuguesa.

25. O art.º 9º do D.L. 178/86 estabelece que as partes, por acordo, podem estipular uma obrigação de não concorrência, devendo a mesma constar de documento escrito e não podendo exceder o período de dois anos, circunscrevendo-se à zona ou círculo de clientes confiados ao agente.

26. O fundamento de tal cláusula de não concorrência reside na protecção do saber fazer transmitido pelo agenciado, impedindo o agente, um certo tempo após a ruptura do contrato de desenvolver actividade idêntica àquela que desempenhava por força do contrato de agência, na mesma zona geográfica em que actuou.

27. No caso sub judice, não obstante as partes terem convencionado uma cláusula de não concorrência por parte do recorrido, durante os 12 (doze) meses imediatamente seguintes ao fim do contrato, na área de actuação das recorrentes, é inequívoco que a R./recorrida a incumpriu.

28. Entendem as Recorrentes que a interpretação conferida pelo Mmo. Tribunal a quo ao art.º 13 al. g) do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03.07, ao considerar que a compensação devida ao (sub)agente e ali prevista constitui requisito de validade da obrigação de não concorrência e que o facto de no contrato em causa nos autos não ter sido prevista a dita compensação ao agente determina a nulidade do pacto de não concorrência, ao abrigo da cláusula geral do art. 294º do Cód. Civil (por entender que se trata de negócio jurídico contrário a disposição imperativa), é uma interpretação jurídica verdadeiramente contra legem e contra a própria unidade do sistema jurídico.

29. Na realidade, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, se o legislador, ao fixar o regime especial aplicável ao contrato de agência, pretendesse efectivamente cominar com nulidade – nomeadamente a do art.º 280º ou 294º do Cód. Civil - a falta de estipulação no pacto de não concorrência, da contrapartida a que alude na alínea g) do art.º 13º do DL 178/96, de 03.07, tê-lo ia feito de forma expressa no citado regime legal, que aliás reveste carácter especial.

30. Entendem as Recorrentes, e com o merecido respeito por opinião diversa, que o facto de nem no art.º 9º do DL 178/96 – que contém os requisitos de validade do pacto de não concorrência em sede de relação de agência -, nem no art.º 13º desse mesmo diploma, se fazer qualquer menção à eventual cominação com vicio de nulidade, a falta de estipulação no pacto firmado da contrapartida que assiste ao agente, deveu-se apenas e só, ao facto do legislador ter entendido, efectivamente, que tal omissão não seria, pois, de cominar com uma consequência tão gravosa para as partes como a nulidade da cláusula contratual em questão.

31. Ademais, sempre se deverá atentar que este diploma legal foi objecto de relevantes alterações em 1993 – mediante o Decreto-lei n.º 118/93, de 13 de Abril –, fruto da necessidade de transposição da Directiva 86/653/CEE, do Conselho, de 18/12/1986, relativa à coordenação do direito dos Estados-membros sobre agentes comerciais.

32. Com efeito, se se apelar a uma interpretação da lei consonante com a unidade do sistema jurídico, então jamais se poderá deixar de atender ao diploma legal, de natureza comunitária, que não só deu origem ao Decreto-Lei n.º 178/86, como foi inteiramente tida em conta na sua redacção, por ter sido intuito do legislador acolher as sugestões do Conselho das Comunidades Europeias e atender a soluções do direito comparado (vide ponto 6 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 178/86 e do Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril).

33. Nessa mesma Directiva CEE, a respeito da cláusula de não concorrência, o art. 20º, fez depender a validade da cláusula de não concorrência apenas à observância de três requisitos:

• revestir a forma escrita

• âmbito geográfico de actuação do agente

• delimitação temporal de 2 anos no máximo

34. Num manifesto intuito de manter esta unidade de regimes jurídicos aplicáveis ao contrato de agência – aliás, o objectivo principal desta Directiva destinada justamente à coordenação do direito aplicável nos vários Estados Membros. – o legislador optou por trazer para o ordenamento jurídico interno aquando da publicação do Decreto-lei n.º 178/86 e plasmar no art. 9º do citado diploma tão somente estes 3 requisitos de validade da cláusula/pacto de não concorrência.

35. Na verdade, se atentarmos à redacção conferida ao art.º 9º (sob a epígrafe “Obrigação de não concorrência”) percebe-se a preocupação do legislador em consagrar as mesmas exigências constantes do art.º 20º da Directiva.

36. E apesar de, face ao vertido no art. 20º n.º 4 da Directiva, o legislador interno ter a possibilidade de restringir ainda mais o regime aplicável à cláusula de não concorrência, o que se verificou foi que nem em 1986, nem depois aquando das alterações introduzidas em 1993, o nosso legislador pretendeu operar tais restrições.

37. Nomeadamente, e para o que releva nos presentes autos, fazer depender a validade da cláusula de não concorrência à efectiva previsão, nesse pacto, do pagamento de uma contrapartida ao agente e, muito menos, cominar tal omissão com um vício tão gravoso nas suas consequências como é o da nulidade.

38. Acresce ainda que, e nos moldes que infra se aduzirão, a fixação de uma cláusula penal para a eventualidade – que se verificou – do agente vir incumprir a obrigação de não concorrência, mais não é do que o exercício do princípio da liberdade contratual e da autonomia privada pelas partes contratantes.

39. Sendo de salientar que, como decorre da factualidade que se julgou provada, a recorrida tinha pleno e efectivo conhecimento da previsão de tal cláusula no contrato, que lhe foi previamente informada e explicada, e que por si foi expressamente aceite como condição da celebração do negócio.

40. E atendendo ao supra vertido a respeito da génese das normas em causa, com facilidade palmar se conclui que o estabelecimento de um pacto de não concorrência ao abrigo e em conformidade com o referido art.º 9º do DL 178/86, de 3 de Julho, e a cláusula penal compensatória ao mesmo associada em nada colide com os direitos fundamentais previstos, nomeadamente, nos artºs 47º, 58º, 61º, 81º ou 91º da CRP ou inviabiliza a plena aplicação do art.º 13º al g) do citado normativo legal.

41. Acresce que, não só o art.º 9º n.º 1 e 2 do DL 178/86, de 3 de Julho, mas também o pacto no mesmo fundado contemplam uma restrição licita dos direitos constitucionalmente garantidos à liberdade económica dos indivíduos, à liberdade de trabalho e de escolha da profissão, ou à livre concorrência.

42. Daí que no mesmo tenham sido estabelecidos requisitos para que tal pacto de não concorrência possa ter lugar.

43. Requisitos esses que, no modesto entendimento das Recorrentes, se destinam, justamente, a afastar a impetrada inconstitucionalidade de tal restrição e que, sempre se dirá, foram inegavelmente cumpridos no contrato em apreço.

44. A respeito do estabelecimento de pactos de não concorrência, e aqui em termos de conformidade dos mesmos com os direitos à livre escolha da profissão e liberdade de trabalho, permitimo-nos recordar o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 256/04, de 14 de abril de 2004, processo n.º 674/02, 2ª secção, de cujos ensinamentos se retira que a restrição emergente da outorga de um pacto de não concorrência quanto ao direito à liberdade de escolha da profissão e liberdade de trabalho de um trabalhador ao abrigo de um vínculo laboral, e com toda a carga de subordinação jurídica e económica inerente a uma relação desse género, não consubstancia uma compressão intolerável à luz da CRP, por maioria de razão, também não o há de considerar-se quanto está em causa uma relação de agência, provida dessa subordinação jurídica e económica característica de uma relação laboral.

45. No âmbito da relação de agência, e mesmo sendo o (sub)agente uma pessoa singular (como é o caso), o mesmo não está sujeito à posição de subordinação ao empregador, já de si limitativa da própria liberdade de decisão, pois que nos encontramos em pleno campo da iniciativa privada e da liberdade contratual.

46. Sendo que neste ponto, e cumpridos os requisitos estipulados no art.º 9º n.º 1 e 2 do DL 178/86 para o pacto de não concorrência, há que pugnar pelo primado do direito à iniciativa privada e da liberdade contratual, em detrimento de uma interpretação puritana do direito à liberdade de trabalho e de escolha da profissão.

47. Primado esse que também há-de ter plena aplicação no que diz respeito à fixação da cláusula ora analisada.

48. Neste caso particular, deverá ainda entender-se, à semelhança do vertido no Acórdão do Tribunal Constitucional supra citado, que por virtude da estipulação de um pacto de não concorrência, o (sub)agente – ou seja, a aqui R./recorrente - não fica nem ficou totalmente impedido do exercício de qualquer actividade remunerada.

49. À luz dos requisitos vertidos no art.º 9º n.º 1 e 2 e da cláusula 17ª do contrato, a Recorrida ficou unicamente impedida de, durante o período contratualmente fixado, de 12 meses após a cessação do contrato, desempenhar funções em termos de ser entendido como verdadeiro concorrente do principal, ou seja, por exemplo, como trabalhador em empresa que desenvolva o mesmo objecto e actividade da A. no mesmo âmbito geográfico de actuação desta última.

50. Assim sendo, urge considerar que a cláusula 17ª do contrato contempla um restrição que é proporcional, justificada ante os bens jurídicos tutelados e, portanto, lícita e conforme o art.º 9º n.º 1 e 2 do DL 178/86 e a CRP. Há que também se proteger o risco a que o principal está sujeito por ter transmitido todo o seu know-how e segredos do negócio ao seu agente.

51. Assim o entendeu o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 502/19, proferido em 03/03/2020, no âmbito do processo n.º 27467/15.0T8PRT.P1, 2ª secção, que decidiu não julgar inconstitucional a norma constante dos n.º 1 e 2 do artigo 9º do Decreto-lei n.º 178/86, de 3 de Julho, na medida em que admitem o estabelecimento de um pacto de não concorrência, após a cessação do contrato, por um período máximo de dois anos.

52. Acresce que, e igualmente no que diz respeito à apreciação da validade da cláusula penal aqui em apreço, chama-se aqui à colação o entendimento consignado no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/04/2019, proferido no processo n.º 27467/15.0T8PRT.P1, cuja tese se dá aqui por reproduzida e se sufraga, e em que se defende a validade da cláusula em apreço e se considera que o facto de no contrato não se ter previsto uma compensação para o agente, como contrapartida desta obrigação por si assumida, não gera qualquer invalidade ou ineficácia do pacto em causa, mas sim, um direito do agente a pedir, judicialmente se for o caso, a compensação em causa.

53. Na esteira deste entendimento, e se o que se considera é que tem o agente o direito a pedir judicialmente a fixação da compensação em causa, naturalmente que a fixação da cláusula penal a accionar em caso de incumprimento pelo agente, em nada colide com este seu direito adquirido ex lege.

54. Não fazendo, pois, qualquer sentido, o entendimento consignado no acórdão recorrido a este respeito, não se verificando a apontada nulidade nos termos do art.º 294º do Cód. Civil.

55. A propósito desta concreta questão atinente à validade ou não da sobredita cláusula contratual, pronunciou-se já o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 09/05/2011, proferido no âmbito do processo n.º 4186/07.5TVPRT.P2, bem como o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05/11/2020, proferido no processo n.º 2017/19.2T8PDL.L1.2, confirmado pelo recentemente proferido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/03/2021, 7ª secção, Cons. Olindo dos Santos Geraldes, concluindo ambos pela validade da cláusula em apreço, em idêntica situação em que não procederam as partes a convenção de uma compensação devida ao agente.

56. Na sequência deste douto entendimento, urge considerar que a falta de fixação da compensação ao agente não interfere na validade do pacto de não concorrência.

57. Estando o direito a uma compensação pelo agente acautelado por via da previsão legal contida no art.º 13º al g) do DL 178/86, a fixação e accionamento da cláusula penal em nada colide com o mesmo.

58. Não se verificando a apontada nulidade, à luz do art.º 280º ou do 294º do Cód. Civil e, muito menos, qualquer violação dos direitos e princípios constitucionalmente consagrados que, no caso presente, sempre terão de ser cotejados com princípio da liberdade contratual e livre iniciativa económica.

59. Acresce que, e no que diz respeito à índole associada à cláusula penal e à questão da sua justeza e proporcionalidade, cumpre salientar vertido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.05.2011, proferido no Processo n.º 4186/07.5TVPRT.P2, em que se entendeu que a cláusula penal em apreço – semelhante à dos autos - tem, justamente, por finalidade a antecipação da fixação do dano, a fim de se evitar que sobre tal matéria se tenha de fazer prova.

60. É a designada função ressarcitória da cláusula penal, plenamente fundada na expressão da vontade das partes e em obediência do vertido no art.º 810º e 812º do Cód. Civil.

61. Aqui se chama, e este respeito, novamente à liça o entendimento vertido na decisão proferida na 1ª instância que, por facilidade se reproduz, e no qual se espelha ajuizadamente o regime inerente à aposição de cláusulas penais num contrato, julgando-se a cláusula em causa plenamente válida.

62. Desta feita, e sempre com o máximo respeito, o douto acórdão recorrido contempla uma desadequada aplicação e interpretação da lei, incorrendo em manifesta violação do disposto nos artigos 9º e 405º do Cód. Civil e ainda dos artigos 9º e 13º al g) do Decreto-Lei n.º 186/86, diploma que estabelece o regime jurídico do contrato de agência, bem como dos artigos 47º, 58º e 61º da CRP.

63. Nessa medida, deverá o mesmo ser revogado, e substituído por outro que, julgando perfeitamente válida a cláusula em apreço, condene a Ré/Recorrida a indemnizar as recorrentes, pelo valor de Euro 50.000,00 a cada uma vertido no contrato a título de cláusula penal, justamente para as situações de manifesto incumprimento/violação da obrigação de não concorrência.

64. Ora, atendendo ao teor e âmbito da cláusula 17ª aqui em apreço, tem-se por demais evidente que sendo a Recorrida funcionária da “Kasakalma”, sociedade comercial que tem o objecto societário e que se dedica, entre o demais, a actividades de mediação imobiliária e de mediação de seguros, sempre, independentemente das concretas funções exercidas pela R., estaria a mesma a incorrer em violação da obrigação de não concorrência contratualmente estipulada,

65. O mesmo se dizendo por apelo aos factos constantes das alíneas 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 74º e 75º dos factos provados que, sempre com o máximo respeito, constituem actos próprios de alguém que trabalha numa empresa que se dedica a mediação imobiliária e de mediação de seguros, actividades compreendidas no âmbito de actuação de mercado das AA. e, portanto, abrangidas pela obrigação de não concorrência.

66. Na verdade, a actuação da recorrida contraria a previsão contratual vertida na cláusula 17ª do contrato, porquanto a mesma exerceu, logo após a cessação do seu vínculo contratual com as AA., funções enquanto trabalhadora numa sociedade comercial que, tendo um objecto social idêntico ao da 2ª A – veja-se o vertido na alínea 31º e 33º dos factos provados – também apregoa publicamente dedicar-se à actividade de agente de seguros vida e não vida, divulgando produtos desse ramos, para o qual, aliás, a R. se encontra autorizada pela ASF. (cfr. art. 32º e 39º dos factos provados).

67. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, tais factos bastam para que se considere incumprido o pacto de não concorrência vertido no contrato.

Em suma:

68. Deverá considerar-se, e em detrimento do entendimento constante do acórdão recorrido, que a cláusula de não concorrência constante do contrato de subagência celebrado entre as partes não se mostra afectada de nulidade, sendo válida e proporcional e justamente aplicável no caso sub judice pois que, atentos os factos provados, demonstrou-se, de forma inequívoca, que a R. incumpriu tal obrigação de não concorrência que sobre si impendia.

69. Ao consignar diverso entendimento, andou mal o Mmo. Tribunal a quo, pelo que o douto acórdão recorrido deverá ser revogado nos termos supra expendidos.


Por contra-alegações, a Ré sustenta a negação da revista.

Invoca:

1. O Acórdão do Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, pelo que se verifica uma situação de dupla conforme (artigo 671.º n.º 3 do CPC).

2. Não cabe recurso para o STJ da matéria de facto e as Recorrentes violaram o disposto no artigo 640.º CPC.

3. Deve manter-se como provado que a ora Recorrida não exerceu qualquer actividade concorrente com as ora Recorrentes, o que preclude a análise da eventual nulidade da cláusula 17ª do contrato subjudice.

4. A cláusula 17ª do mesmo contrato deverá ser considerada nula por violação da obrigação de pagamento de uma compensação ao agente.

5. Complementarmente, a mesma cláusula também deverá ser considerada nula por se verificar abuso de direito nos termos do artigo 334.º do CC.

6. Ainda que hipoteticamente a Recorrida tivesse incorrido em incumprimento da aludida cláusula 17ª, não se verificou qualquer dano, pelo que não poderá ser aplicada a cláusula penal em causa.

7. No limite, o montante da cláusula penal deve ser reduzido nos termos do artigo 812.º do CC, sendo que no caso dos autos e, atendendo às respectivas circunstâncias, a redução deverá equivaler a zero.

8. As Recorrentes não deram cumprimento ao disposto no artigo 693.º n.º 3 do CPC, pelo que parte das respectivas conclusões deve ser dada como não escrita.


Factos Apurados

1.A A. “Decisões e Soluções – Intermediários de Crédito, Lda.”, que girava sob a designação “Decisões e Soluções – Consultores Financeiros, Lda”, é uma sociedade comercial constituída em 15/10/2003, e que se dedica à consultadoria financeira, recrutamento e gestão de recursos humanos, formação profissional, mediação comercial, serviços de publicidade e marketing.

2. No âmbito desta sua actividade, a mesma encontra-se especializada num serviço de aconselhamento financeiro e de seguros, serviço esse caracterizado por ser independente, personalizado, rápido e eficaz, no âmbito das operações de crédito bancário e do investimento em activos financeiros, e destinado a todo tipo de entidades e pessoas singulares e colectivas.

3. Para tanto, procede a uma análise personalizada de cada processo, seguida da recolha e análise das melhores e mais vantajosas soluções de financiamento disponíveis no mercado bancário, parabancário e segurador, procedendo à sua apresentação, e aconselhamento.

4. Seguidamente, lidera a respectiva negociação e aprovação junto da instituição que, para cada caso, tenha apresentado as melhores condições de crédito, investimento e/ou do seguro, bem como todo o acompanhamento processual necessário até à conclusão do negócio ou operação.

5. A A. “Decisões e Soluções – Intermediários de Crédito, Lda.” encontra-se inscrita junto da ASF (Autoridade para a Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões), desde 29/09/2009, como agente de seguros dos ramos vida e não vida estando, desde a referida data, autorizada a exercer a actividade de mediação de seguros em território nacional.

6. A A. “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda.” é uma sociedade comercial constituída em 26/09/2011, e que se dedica à mediação imobiliária, à compra, transformação e venda de bens imóveis e à revenda dos adquiridos para esse fim, à gestão e administração de bens imóveis, à mediação de obras de construção, alteração, ampliação, demolição e reconstrução de imóveis, incluindo a sua decoração, à mediação de veículos, sejam eles automóveis, motociclos ou outros e à prestação de serviços de consultoria financeira.

7. A A. “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda.” é titular da respectiva licença AMI n.º 9300, válida e em vigor desde 17/11/2011.

8. As AA. “Decisões e Soluções – Intermediários de Crédito, Lda.” e “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda.” encontram-se presentes no universo informático em www.decisoesesolucoes.com, www.dscredito.pt e http://dsseguros.pt.

9. Ambas as AA. são empresas de dimensão nacional, que contam com vários escritórios distribuídos por todo o país.

10. Desenvolvem o seu negócio inseridas na rede “Decisões e Soluções”, através de agentes e subagentes que, além do mais, exercem as suas actividades a partir de agências abertas ao público, ostentando a imagem e as marcas tituladas pela AA.

11. Por escrito particular outorgado e datado de 01/04/2016, as AA. “Decisões e Soluções – Intermediários de Crédito, Lda.” e “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, lda.”, bem como a sociedade comercial por quotas sob a firma “Afonso Gonçalves, Lda” e BB, celebraram com a R um contrato de subagência “Consultor Imobiliário e Financeiro”, através do qual: a) As primeiras nomearam e reconheceram a ora R. como sua subagente, encarregando-a de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da actividade por si desenvolvida; b) A R. obrigou-se a exercer essa actividade exclusivamente ao serviço das primeiras, nomeadamente nos ramos da consultoria financeira, mediação de seguros, mediação imobiliária construção e mediação de obras.

12. Por força do contrato celebrado, a agente das AA. “Afonso Gonçalves, Ldª” obrigou-se a pagar à R., até ao último dia útil cada mês, uma comissão de montante variável em função dos contratos pela R. angariados durante o mês imediatamente anterior (conforme clausula decima terceira e decima quarta).

13. Por força do contrato celebrado com a R. ajustaram as AA. “Decisões e Soluções – Intermediários de Crédito, Lda.” e “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda.” que facultariam o acesso da R. à sua base de dados informática, obrigando-se esta a guardar confidencialidade de toda a informação disponibilizada através da mesma.

14. Por força do contrato celebrado a R. obrigava-se a seguir e cumprir as normas, metodologias e orientações estratégicas das AA. “Decisões e Soluções – Intermediários de Crédito, lda.” e “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda.”, inerentes ao relacionamento com clientes e empresas protocoladas, modelo de funcionamento, e a comparecer a todas as reuniões por elas marcadas.

15. O contrato foi celebrado pelo prazo inicial de 1 ano, com a possibilidade de renovação sucessiva por iguais períodos (conforme clausula decima sexta).

16. Por força do contrato a R. poderia denunciar o contrato através de comunicação escrita às AA. “Decisões e Soluções – Intermediários de Crédito, Ldª” e “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Ldª.” e à Agente, 3ª Outorgante, a efectuar com antecedência não inferior a 60 dias em relação ao termo inicial ou da renovação em curso, constituindo-se a mesma na obrigação de indemnizar cada uma das AA. pelo valor correspondente a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), caso incumprisse o assim estipulado. (conforme cláusula décima-sexta).

17. Por força do contrato estava prevista uma obrigação de exclusividade e não concorrência da R., nos seguintes moldes: a) Proibição da R. celebrar directamente com clientes contratos para a prestação de serviços no âmbito das actividades objecto daquele mesmo contrato e nele discriminadas, salvo autorização expressa das aqui AA. nesse sentido (conforme cláusula décima-sétima); b) Proibição de celebrar quaisquer protocolos, acordos ou contratos com quaisquer Instituições de Crédito ou Financeiras ou Empresas de Seguros ou de Mediação de Seguros, Empresas de Mediação Imobiliária e Empresas de Construção e Obras, independentemente destas terem ou não, protocolos ou outros tipos de acordos outorgados com as AA., bem como de com tais entidades negociar qualquer tipo de contrato a outorgar pelos clientes, devendo, se e quando contactado por tais entidade, encaminhar imediatamente o assunto para as AA. (conforme cláusula décima sétima); c) Proibição de participar directa ou indirectamente, em qualquer outro projecto dentro do sector de actividades das aqui AA durante o período de vigência do contrato, abrangendo tal obrigação qualquer das seguintes actividades: deter, gerir, operar, controlar, participar na qualidade de investidor, administrar, trabalhar, prestar serviços de consultoria ou outros, em quaisquer sociedades com actividades directamente concorrentes com as actualmente exercidas pelas primeira e segunda contraentes; d) Proibição de não concorrer, directa ou indirectamente, em todo o território nacional com as aqui AA., durante os 12 (doze) meses seguintes à cessação do contrato, por qualquer meio, obrigação de não concorrência essa que abarca (conforme cláusula décima sétima, parágrafos 3º e 4º) todas as situações identificadas no parágrafo 2º da cláusula décima sétima, que se verifiquem após a cessação do contrato e inclui a proibição de empregar ou contratar qualquer pessoa que haja sido no ano anterior à cessação do contrato, trabalhador, agente, subagente, consultor ou representante das AA.

18. Por força do contrato foi fixada uma cláusula penal, a aplicar no caso de violação do pacto de exclusividade e/ou não concorrência pela aqui R., obrigando-se aquela a indemnizar as AA. em montante não inferior a € 50.000,00, cada uma, podendo este ser superior se for também superior o valor dos prejuízos efectivamente causados (conforme cláusula décima sétima, parágrafo quinto).

19. Os valores em causa tinham por base o ressarcimento do investimento levado a cabo pelas ora AA. com a transmissão de know-how especializado à aqui R., acções de formação a esta ministradas, disponibilização de carteiras de clientes e bases de dados com contacto de clientes e, bem assim, o valor médio da facturação expectável advinda dos serviços prestados por um subagente no período de duração do contrato.

20. Da clausula vigésima do contrato consta que «Os montantes de indemnizações previstas neste contrato foram livre e conscientemente fixados pelas partes, as quais, na sua fixação, tiveram em linha de conta que as Primeira e Segunda Contraentes celebram o presente contrato na expectativa de que o “Subagente” o venha a cumprir durante todo o período da sua duração e eventuais renovações».

21. Por força do contrato foi fixada idêntica cláusula penal para os casos em que a R. praticasse actos susceptíveis de constituir as AA. no direito de resolverem o contrato celebrado com justa causa.

22. No momento imediatamente antes da celebração o contrato foi dado a ler à R., após o que esta apôs a sua assinatura no contrato.

23. Na sequência da outorga do contrato, foi ministrada à R. uma acção de formação inicial sobre a metodologia, procedimentos e objectivos das actividades agenciadas.

24. Foi-lhe facultado pelas AA. o acesso à sua base de dados informática.

25. O seu contacto foi incluído no seu site www.decisoesesolucoes.com e em diversas acções publicitárias.

26. As AA. partilharam com a R. o conteúdo de todos os protocolos celebrados com as instituições bancárias, parabancárias, seguradoras e parceiros no ramo imobiliário, construção e obras, e proporcionaram-lhe a formação e o acesso ao know-how necessários ao exercício da actividade agenciada, em todas as suas vertentes.

27. Nomeadamente, através de várias sessões de formação, bem como sessões de esclarecimento mensais e reuniões de trabalho, com a disponibilização permanente da assistência, não só do Agente com quem a R. trabalhava directamente e que lhe disponibilizava a sua agência como local de trabalho, mas também de um Coordenador de Zona.

28. A R. dedicou-se, enquanto subagente, à actividade objecto dos contratos, através da Agência das AA., explorada pela “Afonso Gonçalves, Ldª”, identificada na rede das AA. e no mercado como “Decisões e Soluções – Agência .......” ou “DS ......” sita na Avenida ......, .......

29. Por comunicação datada de 20/10/2017, que a directora da agência, CC fez chegar ao conhecimento das AA. em 10/01/2018, a R. tomou a iniciativa de fazer cessar o contrato de subagência celebrado em 01/04/2016 com as AA., com efeitos reportados a 20/12/2017.

30. Por virtude da denúncia assim operada, as AA. consideraram findo o contrato, fazendo notar junto da R., que pese embora tenha cessado a execução do contrato, sobre aquela impendia a obrigação de não concorrência, durante os 12 meses subsequentes à cessação do contrato.

31. A “Kasakalma, Unipessoal, Ldª” tem como objecto social a mediação, avaliação e angariação imobiliária, compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento de bens imobiliários, construção civil e promoção imobiliária, gestão de arrendamentos e condomínios, consultoria para os negócios e a gestão.

32. A “Kasakalma, Unipessoal, Ldª” anuncia publicamente, nomeadamente na sua página do Facebook, dedicar-se às seguintes actividades/áreas de negócio: a) Mediação imobiliária b) Agente de seguros de vida e não vida c) Promoção imobiliária d) Construção de imóveis e) Consultoria financeira f) Crédito habitação g) Crédito pessoal.

33. E está habilitada ao exercício da actividade de mediação imobiliária junta do IMPIC, tendo-lhe sido concedida a licença n.º .......19

34. A Ré acordou verbalmente com CC, a antecipação da cessação de funções reportada a 30/11/2017.

35. O sócio-gerente da Kasakalma Unipessoal, Ldª, à data, em meados de Outubro, decidiu enveredar pelo ramo imobiliário em paralelo com outros negócios que tem no mundo empresarial.

36. A Ré por contrato datado de 01/12/2017 passou a exercer as funções de Administrativa na Kasakalma.

37. Tendo a Ré sido admitida para desempenhar, as seguintes funções: a) Atendimento telefónico e tratamento de expediente de correio; b) Expediente geral de escritório; c) Elaboração de documentos; d) Arquivo; e) Gestão e divulgação dos produtos Kasakalma nas redes sociais; (Cf. Cláusula 1ª do contrato).

38. Em 08/01/2018 a Ré publicou no seu perfil pessoal da rede social Facebook a actualização da sua actividade profissional, resultando de tal publicação no perfil pessoal do Facebook da Ré, que: “Começou a trabalhar em Kasakalma, unipessoal, Lda. / 8 de Janeiro – administrativa / ...”.

39. Durante todo o ano de 2018, a R. partilhou na sua página pessoal de Facebook publicações da Kasakalma a publicitar imoveis em carteira da Kasakalma e produtos do ramo dos seguros.

40. Desde 03/04/2018 a R. está inscrita junto da ASF como agente de seguros nos ramos vida e não vida.

41. A Agência das AA. (DS ......) a que esta estava vinculada situa-se no Distrito de ..., à semelhança do que sucede com a sede da “Kasakalma” e sua área privilegiada de actuação.

42. As AA. remeteram à R. uma carta, datada de 02/02/2018, dando-lhe nota de que tinham tomado conhecimento de que a mesma estava a exercer actividade concorrente junto da “Kasakalma”, e exigindo-lhe o pagamento da indemnização vertida na clausula décima do contrato de subagência, por virtude da violação da obrigação de não concorrência a que aquele estava - e está – vinculada.

43. Missiva essa a que a R. deu resposta por carta datada de 27/02/2018, nos seguintes termos: “Exmo. Senhores, Acuso a recepção da vossa carta, que mereceu a melhor atenção e à qual passo a responder. Em primeiro lugar muito me surpreendeu o conteúdo da vossa carta, pois não corresponde à verdade o alegado na mesma. Na realidade, não estou a exercer qualquer actividade que se subsuma nos termos previstos no ponto 3 da cláusula Décima Sétima, pelo que não é devido o pagamento de qualquer compensação. Aproveito também a oportunidade para vos dar nota que dada a situação de "falsos recibos verdes" em que me encontrava, são devidos por V. Exas. e também pela empresa Decisões e Soluções – mediação imobiliária, Lda. os créditos resultantes dos subsídios de Natal e de Férias. Acresce ainda que, como V. Exas. também sabem, também não me atribuíram qualquer compensação pelo período de limitação da minha actividade e a estipulação de pagamento de compensação pelo empregador ao trabalhador apresenta-se como uma condição essencial do pacto de não concorrência. Por último, não prescindo de vir reclamar judicialmente os montantes devidos. (…)”

44. A Ré, não deu satisfação ao pedido mormente ao pagamento da quantia peticionada.

45. As AA. insistiram pelo accionamento da cláusula penal prevista no contrato, remetendo à R, nova carta em 07/06/2018, para obterem o cumprimento daquilo que havia sido contratualmente acordado.

46. Carta a que a R. respondeu em 20/06/2018, reiterando a correspondência anterior.

47. A Ré é divorciada e tem a cargo um filho menor, o qual vive consigo.

48. A R. a partir de 2014 passou a trabalhar para a ......., Seguros de Vida.

49. Desde 2014 que a Ré está registada na categoria de «mediador de seguros ligado 1» no ISP.

50. Foi determinante na contratação da R. a sua experiência prévia no sector dos seguros.

51. Destinando-se a sua contratação primacialmente a exercer funções na mediação de seguros na agencia DS ........

52. Constatou a Ré a posteriori que as Autoras e a Agente das Autoras Afonso Gonçalves, Lda, apresentavam para assinatura a todos os colaboradores a mesma versão do contrato, independentemente das funções que viessem a exercer.

53. Todos os colaboradores eram contratados para o exercício de actividades na área da consultadoria financeira, mediação de seguros e mediação imobiliária. (Cf. Cláusula 5ª n.º 2 do contrato)

54. À Ré, não foi dada a oportunidade de discutir qualquer parte do clausulado do contrato.

55. Dada a sua fragilidade económica a R. aceitou o contrato que lhe deram a assinar.

56. A R. suportou os custos com as formações técnicas que efectuou na área dos seguros enquanto trabalhou na agência.

57. Após 6 meses do início de funções como Subagente das Autoras, entre Setembro a Outubro de 2016, a Ré passou também a exercer funções administrativas vindo nomeadamente a atender telefonemas, a prestar serviços de recepção e tratar da parte burocrática dos processos de arrendamento, proceder ao depósito dos cheques e acompanhar os colegas nas escrituras.

58. Com vista ao desempenho de tais tarefas administrativas a sociedade Afonso Gonçalves, Lda., Agente das Autoras, ofereceu o montante correspondente ao salário mínimo nacional, acrescido das comissões das actividades de mediação de seguros.

59. Tendo a R. a partir desse momento passado a ter a responsabilidade de abrir a loja às 09:30 e encerrar às 19:30.

60. No 1.º trimestre de 2017 a Directora da agência BB, foi designada Coordenadora ......, tendo passado CC a exercer as funções de Directora da respectiva agência.

61. Dada a pouca experiência de CC no exercício de tais funções, foi solicitado à Ré que lhe desse directamente apoio administrativo, dado que esta era quem tinha maior conhecimento de todos os ficheiros, números de conta, e cuidava também da organização da própria agência.

62. Para o exercício destas funções acrescidas foi proposto a manutenção da remuneração base, bem como a manutenção do pagamento das comissões dos seguros, acrescido de 2% sobre o lucro mensal da agência.

63. O pagamento da remuneração base, bem como o pagamento de 2% do lucro mensal da agência nunca foi formalizado por escrito, nomeadamente por via de aditamento ao contrato.

64. A Ré esteve muito pontualmente envolvida em actividades de mediação imobiliária.

65. A Ré apenas concluiu dois negócios de arrendamento, ambos de forma casual.

66. Num dos casos, e dado que naquele dia à hora de almoço não se encontravam na agência nenhum dos mediadores que estavam de escala, a Ré logrou apenas vender um apartamento no montante de € 87.000,00, o que concretizou no 2º semestre de 2017.

67. Posteriormente, mediou a celebração de um outro contrato de arrendamento para uma amiga, referente a um apartamento sito em ... pela renda mensal de € 300,00.

68. E fechou um outro contrato de arrendamento de um apartamento sito na ... pela renda mensal de € 1.500,00 a pedido da BB para uma amiga da mesma.

69. A Ré enquanto colaboradora das AA. recebeu no ano de 2016 as seguintes quantias: em 23-06-2016 - 200,00 €; em 30-06-2016 200,00 €; em 30-08-2016 - 1.330,50 €; em 30-08-2016 - 600,00 €; em 30-09-2016 - 860,24 €; em 31-10-2016 - 1.257,03 €; em 02-12-2016 - 592,50 €; em 27-12-2016 - 830,00 €, num total de € 5.870,27.

70. A Ré recebeu no ano de 2017 as seguintes quantias: em 26-01-2017- 530,00 €; em 23-02-2017 - 605,00 €; em 28-03-2017 - 530,00 €; em 02/05/2017 - 652,50 €; em 17-05-2017 - 101,52 €; em 01-06-2017 - 530,00 €; em 20-06-2017 - 70,86 €; em 03-07-2017 - 646,95 €; em 12-07-2017 - 183,52 €; em 02-08-2017 - 597,90 €; em 27-11-2017 - 2.499,21 €; em 26-12-2017 - 892,85 €; em 31-01-2018 - 552,43 € num total de € 8.392,74;

71. Os montantes pagos em 26/12/2017 e 31/01/2018 foram liquidados posteriormente à sua saída, em virtude do facto da agência apenas pagar quando recebe a respectiva comissão, embora se refiram a prestações ocorridas no tempo em que a Ré trabalhava para as Autoras.

72. A Ré lucrou um total de € 14.263,00 no período de 1 ano e 7 meses que esteve ao serviço das Autoras.

73. As publicações partilhadas pela R., no mural do seu perfil pessoal do Facebook, são publicadas originalmente pela Kasakalma Unipessoal, Lda., actual entidade patronal da ora Ré.

74. A ora Ré foi também contratada para, por conta da Kasakalma Unipessoal, Lda., fazer a gestão das redes sociais e divulgação dos produtos da Kasakalma (cf.Clausula 1ª).

75. A Ré é trabalhadora administrativa da Kasakalma Unipessoal, Ldª, não sendo remunerada enquanto angariadora.

76. Na página do Facebook da Kasakalma - ... existem muitas partilhas por terceiros das publicações da Kasakalma.

77. Após cessação de funções junto das Autoras, a Ré nunca fez uso da carteira de clientes, bem como das bases de dados com contacto de clientes das Autoras.


Factos Não Provados:

Não resultou provado que:

-antes da celebração dos contratos as AA. informaram a R. do teor e alcance de cada uma das disposições clausuladas;

- por força da experiência que lhe havia sido transmitida e proporcionada pelas AA a R. logrou continuar a sua actividade no ramo da angariação/mediação/consultoria imobiliária e mediação de seguros no ano de 2018;

- a R. mantem-se a exercer diária e regularmente a titulo profissional a actividade de angariação/mediação imobiliária e de mediação de seguros junto da sociedade Kasakalma, Unipessoal, Lda.;

- a R. na Kasakalma Unipessoal, Lda vem-se dedicando nomeadamente a: prospecção e angariação de clientes com vista à celebração de contratos e mediação imobiliária e arrendamento; gestão da carteira de clientes; celebração de contratos de mediação imobiliária; celebração de contratos de seguro;

- a R. é a responsável pela área de seguros junto da Kasakalma Unipessoal, Lda. realizando angariação de clientela e mediação de seguros para aquela sociedade.


Conhecendo:

À guisa de introito, esclareça-se que as decisões das instâncias não patenteiam um caso de “dupla conforme”, hipótese em que a revista normal estaria arredada de consideração – artº 671º nº 3 CPCiv.

Consoante a doutrina consagrada nos Acs. S.T.J. 19/02/2015 (pº 302913/11.6YIPRT.E1.S1 – Lopes do Rego) e de 28/05/2015 (pº 1340/08.6TBFIG.C1.S1 – Lopes do Rego), «só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância – não preenchendo esse conceito normativo o mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada na sentença apelada».

Ou ainda, consoante Ac. S.T.J. 15/4/2015 (pº 849/09.9TJVNF.P1.S1 – Tomé Gomes), «a fundamentação do acórdão da Relação, apesar de nele se concluir pela confirmação da decisão da 1ª instância, terá de estribar-se num enquadramento fáctico-jurídico ou até meramente jurídico substancialmente diverso do adotado na sentença recorrida, em termos de se equiparar a uma solução de primeira linha que justifique a sua reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, de forma a que fique garantido o duplo grau de jurisdição».

Exemplificando, entende-se inexistir dupla conforme, “se um determinado resultado tenha sido sustentado na apreciação da validade de um contrato e a Relação, oficiosamente, reconheça a existência de nulidades que nenhuma das partes invocou” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, CPC Anotado, I, 2ª ed., pg. 836).

Foi o que sucedeu no caso dos autos – explicitamente a 1ª instância considerou “prejudicada a apreciação da validade da cláusula de não concorrência”, pelo que não apreciou uma matéria que, aliás, nem tinha sido explicitamente invocada pelas partes, apenas a Ré tendo aludido à nulidade da cláusula penal estipulada no contrato, por aplicação de abuso de direito (artº 334º CCiv).

Já a Relação entendeu o contratado ferido de nulidade no seu cerne, enquanto pacto de não concorrência – abstraindo até da cláusula penal fixada e peticionada.

Na inexistência de dupla conforme, passa-se a conhecer da matéria do recurso.



I


Temos, portanto, que a divergência fundamentadora da revista se situa no facto de a Relação ter considerado a nulidade da estipulação de uma cláusula penal para o caso de violação do compromisso de não concorrência, para vigorar após a cessação do vínculo contratual traduzido em contrato de sub-agência.

Este compromisso que, em suma, construía o fundamento do pedido.

Em 1ª instância, como visto, entendeu-se, no pressuposto da validade da convenção contratual, que não foi feita prova da prática pela Ré de qualquer actividade concorrente ou a violação, pela Ré, do contrato celebrado.

Como é pacífico no processo, o vínculo jurídico entre as partes, de agência ou de subagência, está submetido a idêntico regime jurídico, decorrente do D-L nº 178/86 de 3/7, com as alterações do D-L nº 118/93 de 13/4.

No âmbito da relação jurídica de agência, as partes podem estabelecer uma obrigação de não concorrência, para vigorar após a cessação do contrato, devendo constar de documento escrito e só podendo ser convencionada pelo período máximo de dois anos, circunscrevendo-se à zona ou ao círculo de clientes confiados ao agente – artº 9º nºs 1 e 2 LCA.

Esta a definição de “obrigação de não concorrência” constante da lei.

É claro que, entre os direitos do agente constantes do elenco do artº 13º LCA, encontra-se precisamente “o direito a uma compensação, pela obrigação de não concorrência, após a cessação do contrato” (al. g).

Esta compensação tanto pode ser convencionada, e pré-determinada em valor certo, como ser posteriormente fixada maxime através de decisão judicial.

Todavia, a enumeração de direitos do agente constitui-se como meramente exemplificativa (assim, A. Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 1987, pg. 36), pelo que nenhum dos referidos elencados direitos pode dizer-se definidor do contrato, a ponto de determinar a respectiva contrariedade à lei rectius a respectiva nulidade, nos termos dos artºs 294º e 280º nº 1 do Código Civil (neste  sentido, aliás, Fernando Ferreira Pinto, Contratos de Distribuição, 2013, pg. 456, M. Januário Gomes, Apontamentos sobre o Contrato de Agência, Tribuna da Justiça, 3/28, e Menezes Leitão, A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, 2006, pg.32).

Nem sequer pode afirmar-se que se está perante um negócio jurídico indeterminável (artº 280º nº 1 do CCiv), podendo apenas considerar-se indeterminado quanto ao valor da compensação do agente, a qual é passível de ser suprida, no limite, com recurso à equidade (artº 15º da LCA).

Isto mesmo se afirmou também no Ac. S.T.J. 18/3/2021, revista 2017/19.2T8PDL.L1.S1, relatado pelo Consº Olindo Geraldes.

Diferente seria a conclusão se o contrato excluísse o direito do agente à compensação – tal cláusula seria de reputar nula, por contrária à lei (e só a essa eventualidade se referiu o Ac. S.T.J. 8/10/2013, pº 191/10.2TVLSB.L1.S1, relatado pelo Consº Azevedo Ramos e citado no acórdão recorrido).

Não sufragando a tese propugnada pelo acórdão recorrido, no sentido de que a estipulação de compensação ao agente, no contrato, constitui requisito de validade da obrigação de não concorrência, restaria considerar a possibilidade de redução equitativa da cláusula penal, nos termos do artº 812.º do Código Civil, ponderando a compensação do agente, resultante da lei, à luz da equidade.

Isto se afirma no pressuposto de nada impedir que o sancionamento da violação da obrigação de não concorrência seja fixado à forfait, por via de cláusula penal, nos termos gerais dos artºs 810.º ss. do Código Civil.

A falada compensação do agente implicaria tão só a possível redução da cláusula penal, invocada na acção pela violação do pacto de não concorrência, como decidido e ponderado no Ac. S.T.J. 18/3/2021 cit. (ao igual do fundamentado no Ac. R.L. 7/1/2020, pº 1294/17.8T8AMD.L1-7 – Higina Castelo).

Trata-se de matéria discutida no processo, mas cujo conhecimento ficou prejudicado, seja em 1ª instância, seja em apelação.

Da mesma forma resultará prejudicado nesta sede de revista.



II


Considerada a validade do contrato e da estipulação da cláusula de não concorrência, acompanhada de cláusula penal, temos, porém, de concluir integralmente nos termos da sentença:

Cabendo às Autoras o ónus de provar o incumprimento da cláusula de não concorrência, o que se verificou, no processo, foi que “as AA. alegaram mas não provaram a prática pela R. de actividade concorrente, pois que, resultou da prova produzida que as funções que a R. foi desempenhar na Kasakalma no momento imediatamente seguinte à cessação de funções junto das RR. foi de funcionária administrativa, não tendo resultado qualquer prova do exercício de funções de mediação imobiliária ou mediação de seguros ou de consultoria financeira, não bastando a prova de que a R. entretanto frequentou curso de mediação de seguros”.

“Também não lograram as AA. provar que a R. tenha feito uso na Kasakalma da base de dados a que tinha acesso na Decisões e Soluções, nem sequer que tenha feito uso da carteira de clientes das AA. Na verdade, resultou provado que a R. deixou de trabalhar na Decisões e soluções como subagente na área de mediação imobiliária, mediação de seguros e consultoria financeira e passou a trabalhar na Kasakalma como funcionária administrativa. Não violou, assim, a R. a clausula de não concorrência pois esta clausula tem na sua génese impedir que os subagentes que trabalhem na Decisões e Soluções aproveitem o know-how adquirido e desenvolvam actividade concorrente, e neste caso se é certo que a Kasakalma desenvolve actividade concorrente com a actividade desenvolvida pelas AA. também é certo que as funções que a R. foi desempenhar na referida sociedade não consubstanciam actividade concorrente visto que a R. não foi contratada pelas AA. como funcionária administrativa mas como subagente na área da mediação imobiliária, mediação de seguros e consultoria financeira.”

Este o fundamento aqui corroborado e assumido para a negação da revista.


Em resumo:

I – No âmbito da relação jurídica de agência, as partes podem estabelecer uma obrigação de não concorrência, para vigorar após a cessação do contrato, nos termos do artº 9º nºs 1 e 2 LCA, obrigação que confere ao agente, em contrapartida, “o direito a uma compensação, pela obrigação de não concorrência, após a cessação do contrato” (artº 13º al. g), compensação que tanto pode ser convencionada, e pré-determinada em valor certo, como ser posteriormente fixada maxime através de decisão judicial.

II – A enumeração de direitos do agente (artº 13º LCA) constitui-se como meramente exemplificativa, pelo que nenhum dos referidos direitos pode dizer-se definidor do contrato, a ponto de determinar a respectiva contrariedade à lei rectius a respectiva nulidade, nos termos dos artºs 294º e 280º nº 1 do Código Civil, sem prejuízo de dever considerar-se nula a cláusula que excluísse o direito do agente à compensação.

III – Desta forma, também nada impede que o sancionamento da violação da obrigação de não concorrência seja fixado à forfait, por via de cláusula penal, nos termos gerais dos artºs 810.º ss. do Código Civil.

IV – Não demonstrado o incumprimento, por parte da agente ou da subagente, das obrigações para si resultantes da cláusula ou cláusulas de não concorrência, fica afastada a possibilidade de actuação da cláusula penal.


Decisão:

Repristinando o fundamento da absolvição do pedido em 1ª instância, nega-se a revista.

Custas pelas Recorrentes.


Lisboa e S.T.J., 28/10/2021


Vieira e Cunha (relator)

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes