Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1012/15.5T8VRL-AU.G1-A.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: REFORMA DE ACÓRDÃO
LAPSO MANIFESTO
Data do Acordão: 03/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFEIDA A RECLAMAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça



1. Nos presentes autos de recurso extraordinário de revisão do acórdão da Relação … de 7 de Março de 2019, invocando o disposto na alínea c) do artigo 696º do CPC em que são autores e recorrentes AA e BB, credores reclamantes nos autos em que foi decretada a insolvência de “Manuel Rodrigues, Lda”, foi proferido acórdão em 14 de Janeiro de 2021 que negou provimento à revista dos autores e confirmou o acórdão recorrido.

Os autores e recorrentes, invocando o disposto no artigo 616º nº 2 alíneas a) e b) do CPC, vieram requerer a reforma do acórdão, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - Os recorrentes foram notificados do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, o qual, decidiu negar provimento à revista, confirmando o acórdão recorrido.

2ª - Atentando ao preceituado no artigo 616°º nº 2 do CPC, ex vi artº 685° do mesmo diploma, verificamos que se encontra disposto que é lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença, quando tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, ou quando contem do processo documentos que por si só impliquem decisão diversa da proferida.

3ª - Entendem os recorrentes que deverá a presente reforma/reclamação ser aceite, porquanto o Supremo Tribunal de Justiça incorreu em erro na determinação da norma aplicável, bem como em erro na qualificação jurídica dos factos, assim como constam do processo documentos e outros meios de prova que por si só implicam decisão diversa da recorrida, senão vejamos:

4ª - Decorre do acórdão do qual se reclama que no âmbito do recurso de revista apresentado cumpre apenas apreciar se o requerimento de recurso extraordinário de revisão integra o fundamento de recurso previsto na alínea c) do artº 696° do CPC.

5ª - E fundamenta o Supremo Tribunal de Justiça que "Pretendem os requerentes a revisão do acórdão do Tribunal da Relação ….. de 07 de Março de 2019 e o documento a que se refere a alínea c) do artº 696° apresentado para a pretendida revisão é o acórdão do mesmo tribunal de 19.06.2019 proferido no processo n" 1012/15….., respeitante à sentença de 04.02.2019 proferida no processo de 1012/15…..

6ª - Portanto, no entendimento do douto Tribunal, um acórdão não pode ser qualificado como documento, para efeitos de fundamentação de recurso de revisão, logo não é um documento novo que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável aos recorrentes.

7ª - Contudo, não podem os recorrentes aceitar tal entendimento, pois consideram que é imperioso que seja feita justiça, porquanto se sentem injustiçados, ludibriados e principalmente sentem que o Estado de Direito em que vivem não é igual para todos, perante as mesmas circunstâncias.

8ª - Como este douto Tribunal tem já conhecimento, no caso em apreço, os recorrentes são credores reclamantes da Manuel Rodrigues, Ldª, declarada insolvente nos presentes autos, onde conta da lista de créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência aos credores, aqui recorrentes, um crédito no valor de € 60.000,00 (sessenta mil euros), garantido por direito de retenção sobre a verba n° ….. do auto de arrolamento.

9ª - Sucede que, por sentença proferida nos presentes autos em 24/10/2018, o Tribunal decidiu não reconhecer os créditos reclamados pelos Credores aqui Recorrentes, nem a garantia invocada.

10ª - No entanto, no âmbito do presente processo, nomeadamente no seu apenso Y, foram apresentadas várias impugnações, tal qual a apresentada pelos aqui recorrentes, tendo as mesmas sido objeto das diversas sentenças constantes dos autos (Apenso Y) referentes a cada uma das impugnações apresentadas pelos credores reclamantes. Tais sentenças foram bastantes distintas entre si, apesar de os factos serem similares.

11ª - No caso em apreço, os recorrentes, com a presente reclamação, pretendem que os documentos juntos sejam considerados como novos e, como tal, servindo de fundamento para o recurso de revista, alterando-se, por isso, a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, posteriormente o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação …. e agora o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que confirmou o acórdão recorrido.

12ª - No entendimento dos recorrentes é o Supremo Tribunal de Justiça o competente para apreciar a presente reclamação e para efectuar a revisão da decisão que pretendem ver alterada, tendo, por isso, interposto o recurso de revisão junto do Tribunal da Relação ….. por ser o seu acórdão datado de 07 de Março de 2019, a decisão que pretendem os recorrentes rever, e sobre a qual deve incidir o recurso de revisão anteriormente interposto pelos recorrentes.

13ª - Conforme decorre do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, e no qual o mesmo conclui como na decisão singular de 19/04/2020, foi decidido que a prolação de uma sentença ou acórdão, ainda que invocado em caso similar e ainda que tivessem operado critérios distintos daqueles que foram analisadas as provas e apreciadas juridicamente os factos neste processo, não constitui outro fundamento de recurso de revisão, para além dos previstos no artº 696º do CPC.

14ª - Entendimento este com o qual os recorrentes não concordam, nem podem aceitar, tudo porque, de acordo com o art° 696° do CPC, na sua alínea c), a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.

15° O documento atendível como fundamento da revisão da decisão transitada em julgado nos termos estabelecidos na alª c) do art° 696° do CPC terá de preencher, cumulativamente, o requisito da novidade e o requisito da suficiência.

16ª - O requisito da novidade significa que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque ainda não existia, seja porque existindo, a parte não pôde socorrer-se dele, já o requisito da suficiência significa que o documento implica uma modificação dessa decisão em sentido mais favorável à parte vencida.

17ª - No caso em questão, a sentença proferida e posterior acórdão que se juntaram com o recurso de revisão interposto, foram proferidos após sentença proferida em relação ao crédito dos aqui recorrentes, sendo que a sentença relativa ao crédito dos aqui recorrentes é datada de 24/10/2018, constando como data de elaboração do Citius o dia 05/11/2018.

18ª - Por sua vez, a sentença proferida em relação ao credor CC é datada de 04/02/2019, e o Acórdão do Tribunal da Relação …. data de 19/06/2019, ficando assim demonstrado que se encontra preenchido o requisito da novidade.

19ª - Em relação ao requisito da suficiência, o mesmo também se encontra preenchido, visto que a sentença é muito mais que um acto jurídico, sendo também em si um documento, o qual não se restringe a uma conclusão com decisão final.

20ª - Isto é, a sentença é composta por uma fundamentação de facto e de direito, conforme dispõe o artº 607° do Código de Processo Civil, logo, e salvo melhor opinião, entendem os recorrentes que o conceito de documento deve integrar para efeitos do artigo 696°, alª c), do Código de Processo Civil, a sentença, pois esta não deixa de representar factos e até indícios, corporizando uma declaração de verdade ou ciência, tais como as declarações testemunhais as quais representam um estado de coisas ou uma declaração de vontade, encontrando-se aquelas reproduzidas na fundamentação de facto da sentença, integrando, pois, o conceito de documento, conforme disposto no art° 362° do Código Civil.

21ª - Assim, os documentos, como sejam a sentença e o acórdão apresentados, têm a virtualidade de preencher cumulativamente o requisito da novidade e o requisito da suficiência, visto que por serem suficientes, não carecem de meios complementares para que seja julgado procedente o recurso de revisão, tal como deveria ter sido, existindo, nos termos expostos, fundamento para se admitir o recurso extraordinário de revisão, de acordo com a alínea c) do artigo 696° do CPC, devendo por via disso revogar--se a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

22ª - Ao decidir do modo que decidiu, o Supremo Tribunal de Justiça, salvo o devido respeito, interpretou erradamente e/ou violou, conjugadamente o disposto nos artigos 696°, alª c), do Código de Processo Civil, 362º do Código Civil e 607° do Código de Processo Civil, devendo as referidas decisões serem consideradas documentos para efeito do disposto na alª c) do art° 696° do Código de Processo Civil.

23ª - Atentando ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n° 757/11.3GBLLE-A.SI, consta que o direito fundamental à revisão da sentença, consagrado no artº 29° n° 6, da CRP, e com a força imposta pelo artº 18°, da CRP, constitui o meio para reagir contra erros judiciários ou casos de flagrante injustiça. Já o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n° 412/12.7TBBRG-G.S1, refere que quando o fundamento da revisão é constituído pela apresentação de documento novo, tal como previsto na alínea c), do artº 696° do CPC, este documento tem de respeitar a factos em que a decisão de mérito se tenha fundado e relativamente aos quais o documento, por si só, seja bastante para modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente, assim viabilizando a superação do erro cometido na decisão revidenda.

24ª - No caso em questão, os documentos juntos pelos recorrentes são bastantes e suficientes para modificar a decisão em sentido mais favorável aos mesmos, bastando para isso analisar que os factos relacionados com os recorrentes são em tudo semelhantes aos factos constantes no processo do credor reclamante Sr. CC, apesar de as sentenças serem totalmente diferentes.

25ª - No caso da insolvência de Manuel Rodrigues, Ldª, verificamos que ambos os credores, os aqui recorrentes e o credor Sr. CC, constam da lista de créditos reconhecidos garantidos por direito de retenção, uma vez que: a) são possuidores de fracções autónomas sitas no mesmo Loteamento; b) ambos celebraram contratos promessa de compra e venda com a referida Insolvente; e c) entraram na posse das suas fracções, tendo-lhes sido facultadas as chaves da fracção em data anterior à insolvência.

26ª - Veja-se, em relação à impugnação apresentada pelos aqui recorrentes, o Tribunal Judicial ….. julgou a impugnação deduzida pelo credor hipotecário totalmente procedente e a impugnação deduzidas pelos credores AA e mulher BB, totalmente improcedente e, em consequência, não reconheceu os créditos reclamados pelos credores AA e BB, nem a garantia invocada; e absolveu o credor Banco do pedido de condenação como litigante de má-fé.

27ª - Em relação à impugnação apresentada pelo Sr. CC, o Tribunal Judicial …. proferiu a seguinte decisão, a qual se transcreve:

"a) Julgar improcedente a impugnação suscitada pelo Banif-Banco Internacional do Funchal, S.A. relativamente ao crédito reconhecido, sob o n.° 2, a CC, na lista da ref. n." … (cfr. artigo 129. °, n." 1, do C.I.R.E.);

b) Julgar parcialmente procedente a impugnação aduzida por CC quanto ao crédito por si reclamado e parcialmente reconhecido, sob o n. ° 2, na lista da ref. n.° …. (cfr. artigo 129.", n."l, do C.I.R.E.);

e, consequentemente,

 c) Decide-se reconhecer o crédito reclamado por CC, no montante de €80.000,00 (oitenta mil euros), acrescido de juros de mora vencidos desde 24/09/2015 e até 24/09/2018, calculados à taxa legal, o qual beneficia de direito de retenção, relativamente à fração autónoma designada pela letra "I", integrante do prédio urbano sito na freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …°;

d) Decide-se reconhecer a CC o crédito correspondente aos juros de mora vencidos após 24/09/2018 e até integral e efetivo pagamento, calculados sobre o montante de €80.000,00 (oitenta mil euros), o qual se qualifica como subordinado; (...) "

28ª - Os recorrentes pretendem, então, juntar a sentença, bem como o acórdão, que reconheceu o crédito do Sr. CC para fazer prova de que a decisão contra si proferida deveria ser revogada, visto que tais documentos contêm manifestamente, e por si só, uma decisão bem mais favorável do que a sentença referente aos recorrentes, sendo certo que, até à interposição do recurso de revista extraordinário se encontravam impedidos de fazer uso da mesma.

29ª - Ora, tendo em conta a factualidade supra descrita, estamos perante duas impugnações de lista de credores reconhecidos, tendo por base um contrato promessa de compra e venda, referente a fracções autónomas sitas no mesmo loteamento. O credor reclamante CC pagou o sinal de 40.000,006 (metade em numerário, metade em cheque), os aqui recorrentes pagaram o sinal de € 80.000,00 (€60.000,00 através de cheque e os restantes €20.000,00 por compensação). Os reclamantes/recorrentes pagaram a totalidade do preço, ambos juntaram o contrato promessa, bem como cópia dos respetivos cheques, e ambos os credores efetuaram trabalhos e/ou venderam materiais para o referido loteamento. Ao credor CC foi reconhecido o seu crédito e, ao invés, aos aqui credores/recorrentes, não foi reconhecido crédito algum.

30° - Não obstante, o certo é que o Tribunal de Ia Instância, na sentença proferida em relação aos aqui Recorrentes, decidiu pelo não reconhecimento do crédito dos Recorrentes, referindo na sua motivação que o Tribunal se baseou na prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, conjugada com os restantes elementos documentais juntos aos autos, tendo em conta as regras da distribuição do ónus da prova e ainda refere que foram juntos documentos e produzidas declarações do ex-gerente da insolvente Manuel Rodrigues, do credor EE e testemunhas, referindo que existiram contradições e incoerências.

31ª - Sendo que a testemunha FF explicou ao tribunal que a empresa C...... Ldª realizou obras no loteamento e após se terem apercebido que não iriam receber o pagamento acordaram em receber um apartamento para a própria testemunha, que é filho dos ora recorrentes, sendo que tal apartamento lhes foi entregue em 2013 e este passou ali a pernoitar, explicando ainda que quem fazia entradas "contabilísticas" de dinheiro na sociedade era o seu pai, aqui recorrente.

32ª - Assim, considerou o tribunal de 1ª instância que, analisada criticamente a prova testemunhal conjugada com a prova documental, não foi possível concluir pela verificação do conteúdo das declarações atribuídas aos intervenientes no contrato promessa e aditamento, sendo que o valor probatório dos documentos particulares oferecidos pelos recorrentes não foi colocado em causa pelo BANIF.

33ª - Por seu turno, já no caso da sentença referente ao credor CC, na sua motivação podemos verificar que o tribunal valorou o depoimento das testemunhas, assim como as declarações da própria parte (o credor reclamante) e ainda do gerente da insolvente, salientando também que no articulado de impugnação do BANIF não foi colocada em crise a validade probatória dos documentos particulares oferecidos pelo reclamante com o seu articulado.

34ª - Ademais, se no caso do processo do Sr CC, o tribunal entendeu que este destinou a fracção autónoma para residência secundária, no caso dos aqui recorrentes, em que foi provado não só por via de documentos juntos aos autos mas também pela prova produzida em sede de audiência de julgamento, que o filho dos aqui recorrentes passou a residir na fracção, o tribunal decidiu considerar tal como facto não provado. E assim, para dois casos semelhantes, duas sentenças tão distintas entre si.

35ª - No que concerne à fundamentação jurídica, no caso dos aqui recorrentes, o tribunal entendeu que ficou por provar o pagamento do sinal e do preço, que são o pressuposto do direito de crédito no valor de 400.000,00€ conforme alegado pelos impugnantes, quer da exigência do cumprimento do contrato, quer na vertente da exigência do sinal em dobro, quer na vertente da indemnização nos termos previstos no artigo 102° n° 3, alª c) do CIRE. A mais disso entendeu o tribunal que ficaram por provar os pressupostos do crédito por indemnização, nos termos previstos no artigo 102° n° 3, alª d) do CIRE, designadamente os invocados danos.

36ª - No caso do credor CC, o tribunal considerou que existe um contrato promessa, como no caso dos aqui recorrentes, tendo considerado provado o pagamento do sinal no valor global de 40.000,006, e considerou ainda que as chaves foram entregues e que o CC passou a deter, com exclusão da insolvente, o controlo de facto da coisa. Com efeito, foi assim considerado consumidor, devendo ser reconhecido ao reclamante CC o crédito correspondente ao dobro do sinal prestado, reconhecendo-se assim um crédito no montante de 80.000,00€ o qual beneficia de direito de retenção.

37ª - Todo este desenrolar provoca uma sensação de injustiça nos recorrentes, pois entendem que o Estado de Direito em que vivem não é igual para todos, perante as mesmas circunstâncias, invocando o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 0164A/04, onde se verifica que o princípio do Estado de Direito concretiza-se através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, sendo que os citados princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.

38ª - Sucede que tais princípios foram claramente violados no caso em apreço, tudo porque, conforme já supra referido, estamos perante duas acções com tramitação, factos, fundamentos, prova semelhantes, e no entanto com uma sentença totalmente antagónica, o que, consequentemente, acaba por causar uma total descrença na justiça. Mais ainda por verem agora decidida a total improcedência da argumentação deduzida pelos recorrentes, aquando da interposição do recurso extraordinário de revisão, consubstanciada na improcedência do recurso.

39ª - Posto isto, os recorrentes invocam a alínea c), desta norma, como suporte do recurso de revisão, ou seja, alegam a existência de documento, de que não tinham conhecimento, e que, por si só, é suficiente para modificar a decisão impugnada em sentido que lhe é mais favorável.

No caso a sentença e acórdão proferidos em Relação ao credor reclamante CC, que com os mesmos factos e a mesma prova que os aqui recorrentes viu o seu crédito ser reconhecido.

40ª - Acerca do fundamento, apresentação de documento superveniente, diz Fernando Amâncio Ferreira que "tanto é superveniente o documento que se formou ulteriormente ao trânsito da decisão revidenda, como o que já existia na pendência do processo em que a essa decisão foi proferida sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que lhe tivesse sido possível fazer uso dele no processo. O documento superveniente apenas fundamentará a revisão quando, por si só, seja capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente" - como sucede no caso em apreço.

41ª - Do exposto, resulta que, para a doutrina, o recurso de revisão só é admissível, com fundamento na alínea c), do artigo 696°, se não for imputável à parte a impossibilidade de apresentação do documento no processo anterior, ou seja, se não lhe puder ser assacada a impossibilidade de o apresentar a tempo de interferir no resultado da decisão a rever - tal como sucedeu in casu.

42ª - Devendo assim, os documentos juntos serem considerados como novos, servindo como fundamento para o recurso de revisão que deverá ser julgado procedente, por se encontrarem reunidos os pressupostos exigidos pelos artigos 696° e seguintes do CPC. Mais, devendo o recurso extraordinário de revisão interposto pelos recorrentes ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão da qual se recorre, tendo presente que se encontra violado por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 696º alª c) do CPC.

43ª - Ademais, reafirmam os recorrentes que, enquanto cidadãos respeitadores da legalidade, que são e sempre foram, acreditaram sempre que seria feita justiça, contudo, por discrepâncias de entendimento, por posições antagónicas, são vítimas de uma injustiça, vendo a habitação em que o seu filho reside há anos, com a sua família, ser-lhes retirada, sem qualquer fundamento, muito menos racional.

44ª - Esta é a única "tábua de salvação" dos recorrentes, aquela que entendem que pode alterar uma decisão errónea, inqualificável e principalmente injusta, visto que a decisão de que foram objecto é claramente violador dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.

45ª - E nesse seguimento, entendem os recorrentes que o mesmo acto ou decisão não pode ser, perante a mesma ordem jurídica, simultaneamente nulo para uns e válido para outros.

46ª - O princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa, postula uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas, razão pela qual a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva aqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito tem de respeitar.

47ª - A força e autoridade do caso tem por finalidade evitar que a regulação definitiva da relação jurídico-material possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica. A vinculação à anterior decisão pressupõe o trânsito desta e, diferentemente da excepção do caso julgado, depende apenas da verificação da identidade subjectiva dos litigantes, da existência de uma evidente conexão entre os objectos de cada uma da acções, havendo ainda que apurar se o conteúdo daquela decisão se deve ter como prejudicial em relação à decisão a tomar na acção sequente.

48ª - Pelo que, ao contrário do entendimento vertido no acórdão de que se reclama, o recurso de revisão deveria ter sido considerado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida.

49ª - E assim, ao decidir pela improcedência da revisão, o Supremo Tribunal de Justiça pecou por erro na interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, nomeadamente pela violação do disposto no art° 696° n° 1, alª c) do CPC e art° 2º da CRP.

Nestes termos, requer-se a V. Exª que se digne admitir a presente reclamação com ida à conferência para apreciação das questões supra suscitadas e nos termos expostos, conforme o disposto nos artigos 616º n° 2, alínea a) e b), 666° e 685° do C.P.C., ex vi dos artigos 14º e 17° do CIRE.


OITANTE S.A. credora reclamante, apresentou resposta à reclamação, pugnando pela improcedência da presente reclamação.

Alega, em síntese, que não houve qualquer erro na qualificação dos factos porque os mesmos foram julgados, quer na primeira instância quer na Relação e no Supremo Tribunal, de acordo com os meios de prova existente e das circunstâncias do caso em concreto.

Por outro lado, e uma vez mais, uma sentença não é um documento novo. Uma sentença é o resultado da apreciação valorativa e judicativa da matéria de facto e de direito sustentados pela prova em riste.

Tal como todo o entendimento perfilhado pelos vários acórdãos, a sentença não é um documento novo.

E, portanto, não pode ser enquadrada no 2.º requisito.

Relevando assim a impossibilidade de reforma de sentença.


2. Cumpre decidir.

Importa conhecer da aventada reforma do acórdão, tal como expresso no requerimento dos recorrentes.

O artigo 613º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe (Extinção do poder jurisdicional e suas limitações), aplicável por força do disposto nos artigos 685º e 666º, preceitua o seguinte:

“1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

2. É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.

O artigo 616º (Reforma da sentença) preceitua no seu nº 2 alíneas a) e b), o seguinte:

“2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”.

É pressuposto desta reforma a existência de “lapso manifesto”, ou na determinação da norma aplicável, ou na qualificação jurídica dos factos (alíneas a) e b)), ou, finalmente, (alínea b)) na desconsideração de elementos de prova (documental ou outra) constantes dos autos e que, se atendidos, implicariam necessariamente decisão diversa da proferida.

O lapso manifesto na escolha da norma ou na subsunção dos factos tem de ser aferido com extremo cuidado por estar situado entre duas figuras muito próximas – o lapso material e o erro de julgamento – com tratamentos completamente diversos.

O legislador criou o incidente da reforma, porventura para dar abertura a situações não resolúveis pela via da simples rectificação e, que justifiquem uma maior celeridade incompatível com a via recursória.

A reforma da decisão não é um recurso – nem na modalidade de reapreciação ou reponderação, nem da de reexame (aqueles, ao contrário destes, sem possibilidade de “jus novarum”), pelo que não pode servir para mera manifestação de discordância do julgado, mas apenas, e sempre perante o juízo decisor – tentar suprir uma deficiência notória.

Terá, assim, mais a estrutura da reclamação acerca um erro sobre a previsão, nas suas modalidades de erro na qualificação ou na subsunção, afinal a violação primária da lei que tem de ter como causa um lapso manifesto[1].

No seguimento daquele acórdão, “não se trata de verdadeiro recurso, do qual tem apenas o perfil substancial, mas de maneira de corrigir o que mais não é do que um erro de julgamento.

Terá, contudo, de ser erro resultante de “lapso manifesto”, quer na determinação da norma, quer na subsunção dos factos, quer na desconsideração de documentos que constem do processo.

Porém, aqui, a determinação do direito só pode ser o resultado de erro grosseiro, por total e errada interpretação dos preceitos legais (…).

No caso dos autos os requerentes, tecendo várias considerações para concluir em sentido oposto ao acórdão reformando, mais não fazem do que manifestar o seu desacordo sobre o acórdão, repetindo os argumentos que usaram nas alegações do recurso de revista, dizendo que entendem existir fundamento de recurso de revisão, nos termos do artº 696º/1-c) do CPC, em face de outro acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ….. sobre outra sentença do processo nº 1012/15…. que conheceu impugnações na mesma insolvência de “Manuel Rodrigues, Lda.”, decisões estas proferidas em relação a crédito similar ao seu e em sentido distinto da sentença de 24.10.2018 e do acórdão de 07.03.2019.

Discordando do acórdão em causa, os recorrentes não apontaram qualquer lapso manifesto por ter ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, ou mesmo na desconsideração de documentos que constem do processo e que, se atendidos, implicariam necessariamente decisão diversa da proferida.

Terminando, para concluir, e nas palavras do citado acórdão de 12.02.2009, “neste incidente trata-se, enfim, de mera discordância do julgado.

A ser acolhida esta perspectiva todas as decisões passariam a ser objecto de pedido de reforma pois, e sempre, a parte vencida (e não convencida, por em desacordo com o decidido) viria alegar que o julgador se enganou manifestamente o que não foi o caso.

Daí que nenhuma razão assista aos reclamantes”.


3. Assim, nos termos conjugados dos mencionados artigos 666º, nºs 1 e 2, 685º e 616º nº 2 alªs a) e b), todos do Código de Processo Civil, indefere-se o pedido de reforma do acórdão. 

Custas pelos requerentes, com a taxa de justiça que se fixa em 3 UC.

 

Lisboa, 18 de Março de 2021


Ilídio Sacarrão Martins (Relator) (Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 20/20, de 01 de Maio, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade).

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Ferreira Lopes

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[1] Ac STJ de 12.02.2009, Pº nº 08A2680, in www.dgsi.pt/jstj