Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
487/14.4TTPRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR.
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 143.
- António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2016, 3.ª Edição, 367 e ss.; Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 3.ª Edição, 234 e ss..
- José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 645 e ss..
- José Osório, em Estudo, in R.D.E.S., ano VII, 196.
- Lopes Cardoso, B.M.J., n.º 80.º, 204.
- Miguel Teixeira de Sousa, no Comentário que redigiu sobre “Prova, Poderes da Relação e Convicção: a lição de epistemologia”, 32 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 341.º, 349.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 607.º, N.º4, 640.º, 662.º, N.ºS 1 E 4, 663.º, N.º2, 674.º, N.º3, 682.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 1.º, 87.º, N.º2.
LEI N.º 41/2013, DE 26-06: - ARTIGO 7.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 9/12/2004, IN CJSTJ, TOMO III, 144.
-DE 04/11/2009, PROC. N.º 54/07.TTPDL.1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 27/05/2010, PROC. N.º 330/2002.C1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
- DE 24/03/2011, PROC. N.º 52/06.0TVPRT.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
-DE 14/01/2016, PROC. N.º 506/12.9TTTMR-A.E1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – Ao Supremo Tribunal de Justiça, em regra, apenas está cometida a reapreciação de questões de direito (art. 682º, nº 1, do NCPC), assim se distinguindo das instâncias encarregadas também da delimitação da matéria de facto e da modificabilidade da decisão sobre tal matéria.

II – A sua intervenção na decisão da matéria de facto está limitada aos casos previstos nos arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 3, do CPC, o que exclui a possibilidade de interferir no juízo da Relação sustentado na reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como são os depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena ou o uso de presunções judiciais.

III – Não está, porém, vedado legalmente ao Supremo verificar se o uso de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados.

IV – Tendo soçobrado a pretendida alteração dos factos provados pelas instâncias, e mantendo-se intacta a decisão da matéria de facto que foi fixada pelo Tribunal da Relação, não há motivo para questionar os efeitos jurídicos que da mesma foram extraídos, tanto mais que resulta daquele acervo fáctico que o trabalhador foi despedido com justa causa, por, com o seu comportamento, ter lesado gravemente os interesses do Banco Réu, sua entidade empregadora, tornando, nesses termos, imediata e impossível a subsistência da relação laboral.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – 1. AA

Intentou a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, contra:

BANCO BB, S.A.

Para tanto, apresentou o formulário de fls. 2, opondo-se ao despedimento de que foi alvo e requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

2. Procedeu-se à realização de audiência de partes e o Réu empregador BANCO BB, S.A. notificado para apresentar articulado motivador do despedimento veio fazê-lo, alegando, em síntese, que:

O Autor foi despedido na sequência de processo disciplinar que não padece de qualquer irregularidade formal.

A postura infraccional que o Banco imputou ao Autor, a pretexto de frequentar casinos e de nestes se ocupar em reiterada violação do dever de abstenção da prática de jogos de fortuna ou azar, não se encontra prescrita, tal como também não se verifica a excepção de caducidade invocada pelo Autor.

Acontece, porém, que o Réu ao analisar as transacções que o Autor processou no âmbito da movimentação da DDA nº …468, aberta no BANCO BB, a Direcção de auditoria do Banco Réu não ficou a conhecer mais do que podia e nenhuma das suas acções configura abuso ou violação de direito e, por isso, não se verifica qualquer irregularidade ou nulidade.

O Autor, ao frequentar e utilizar casinos para se ocupar em jogos de fortuna e azar com capitais próprios ou a coberto de empréstimos de amigos, consubstancia uma culposa, grave e reiterada desobediência ilegítima às ordens emanadas do seu empregador, com prática continuada. E ao recepcionar o saco PVC selado, não observou os procedimentos a que estava obrigado, silenciando que recepcionara um saco selado e descaminhando o seu conteúdo para utilização distinta daquela a que tal remessa fora afectada, o que representa uma violação grosseira e muito grave dos deveres de zelo e diligência e do que se impunha, porquanto estava obrigado a cumprir as ordens e instruções do empregador.

Acresce que o Autor apropriou-se dos 1.600,00 USD que se encontravam dentro do envelope, no interior do referido saco, e descaminhou tal quantia.

Comportamento esse que, em si mesmo e nas suas consequências, bastava para arruinar completamente a relação de confiança, fidelidade, lealdade e respeito que é imprescindível à manutenção do seu vínculo contratual com o Banco Réu.

Mais: o Autor não observou os deveres de tratar com probidade e lealdade a sua entidade patronal, de velar pela boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho e, ainda, de exercer de forma idónea, diligente, leal e conscienciosa as suas funções, por conseguinte, o despedimento é a única decisão que se mostra proporcional e que se ajusta à censurabilidade da grave e culposa conduta infraccional do Autor, verificando-se a justa causa invocada.

Conclui pedindo que a presente acção seja julgada totalmente improcedente, por não provada, devendo ser decretada a licitude do despedimento e, por consequência, absolvido o Banco Réu de todos os pedidos formulados pelo Autor, com todas as consequências legais.

3. O trabalhador/Autor apresentou contestação e reconvenção alegando, em síntese, que:

As acusações que o R. lhe faz são falsas, pois embora o Autor seja frequentador de casinos há mais de 40 anos, sempre fez levantamentos com os cartões em causa, pelo que, tais factos, a serem passíveis de procedimento disciplinar, já estão há muito prescritos.

Argumentou, ainda, que desconhece se foi ele próprio que abriu o saco, pois o que afirmou é que recepcionou o selo do referido saco e nunca recebeu valores, pois não abre os envelopes que chegam dentro dos sacos, pelo que desconhece o que está dentro dos mesmos.

Acresce que ninguém viu os referidos 1.600 dólares (só a cliente refere tal envio), pelo que o R. não pode acusá-lo de se ter apropriado dessa quantia só porque, no dia 14/02/2013, se provou que o Autor depositou na sua conta 600 dólares.

Conclui pedindo que:

a) A contestação seja julgada provada e procedente e declarado ilícito o despedimento do A.;

b) Seja considerada procedente a reconvenção deduzida e condenado o R. a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, com a retractação de tais acusações nos vários departamentos do R.;

c) Seja o Banco R. condenado a pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir desde o 30º dia anterior à propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros de mora à taxa legal, contados desde a data dos respectivos vencimentos e até integral pagamento;

d) E ainda, o Réu condenado a pagar ao Autor uma indemnização por danos morais num valor não inferior a € 20.000,00.

4. O Banco empregador respondeu no sentido já explicitado, com a improcedência de todas as excepções deduzidas e que seja considerado como não provado o pedido reconvencional formulado pelo Autor, absolvendo-se o Réu de todos os pedidos.

5. Foi proferido despacho saneador, a fls. 110 a 112, tendo sido decidido, aquando da apreciação da excepção da prescrição invocada pelo trabalhador, que os factos imputados a este e respeitantes à frequência de casinos e à prática de jogos de fortuna e azar não serão levados em conta na apreciação que o Tribunal fará acerca da justa causa invocada pelo Banco empregador.

6. Procedeu-se a julgamento, com a prolação da sentença da 1ª instância (cf. fls. 288 e segts.), cujo dispositivo é o seguinte:

“Pelo exposto e tudo ponderado, julga-se improcedente a presente acção e parcialmente procedente a reconvenção, pelo que:

- se declara ilícito o despedimento que a entidade empregadora BANCO BB, S.A. promoveu relativamente ao trabalhador Requerente AA por inexistência de justa causa daquele despedimento;

- condena-se a entidade empregadora a pagar ao trabalhador Requerente a quantia de € 16.112,61, a título de retribuições devidas desde o 30.º dia anterior à data da propositura da presente acção até à data de hoje;

- condena-se a entidade empregadora a pagar ao trabalhador Requerente as retribuições que se vencerem desde a data da presente sentença até ao seu trânsito em julgado;

- condena-se a entidade empregadora a reintegrar o trabalhador Requerente no local de trabalho que tinha à data do seu despedimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

- condena-se a entidade empregadora a pagar ao trabalhador Requerente, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros);

- absolve-se a entidade empregadora dos demais pedidos reconvencionais contra si deduzidos pelo trabalhador Requerente.

Sobre as referidas quantias acrescem juros legais, desde a data da citação e até integral pagamento”.

7. Inconformado, o Réu/Banco empregador interpôs recurso de apelação – a incidir sobre a decisão proferida pela 1ª instância quanto à matéria de facto e na consequente decisão de direito, pedindo que seja julgada improcedente a presente acção, com a declaração da licitude do despedimento do Autor.

Por sua vez o A. interpôs recurso subordinado, mas apenas sobre o valor da indemnização que lhe foi fixada por danos morais, em € 5.000,00, quantia que considerou insuficiente, requerendo o seu aumento para € 20.000,00.

8. O Tribunal da Relação do Porto julgou procedente o recurso de apelação principal interposto pela R. e, nessa medida:

1. Ouviu a prova toda produzida em audiência e procedeu à alteração da matéria de facto inserida nalguns pontos e aditou outros factos (ponto 10-a);

2. Considerou que existia fundamento para o despedimento do Autor com justa causa e, nessa medida, declarou a licitude do despedimento;

3. E tendo concluído no sentido da licitude e regularidade do despedimento do Autor decidiu, em consequência, que o Autor não tinha direito a qualquer indemnização;

4. Por fim, julgou improcedente o recurso subordinado interposto pelo Autor, revogando igualmente a sentença e absolvendo a R. de todos os pedidos formulados pelo Autor.

9. Irresignado, interpôs o Autor recurso de revista, onde exarou, em síntese, as seguintes conclusões:

A) A Relação alterou a matéria de facto dada como assente com base em presunções legais e judiciais e de acordo com as regras da experiência de vida, quando a decisão do juiz a quo, se mostrava devidamente fundamentada

B) O Exmº Sr. Juiz a quo entendeu que assiste ao trabalhador o direito a ser reintegrado e a ser indemnizado pelos danos que o despedimento ilícito lhe causou, tanto mais que não se provou que a factualidade descrita nos pontos 7 a 10, levou ao descaminho pelo trabalhador Requerente do envelope com impresso agrafado a que se alude no ponto 9., aquando da recepção do saco PVC referido no ponto 10.

C) Não se provou que o trabalhador Requerente se apropriou do seu conteúdo (1.600,00 USD), introduzido nesse mesmo invólucro pela CC, S.A., nem se provou que o trabalhador Requerente procedeu à afectação do parcelar montante de 600,00 USD à realização do depósito referido no ponto 18.

D) O Tribunal da Relação alterou a matéria de facto dos pontos 13, 14 e 41 dos factos assentes e aditou à matéria de facto o seguinte: “aquando da recepção do saco PVC referido no ponto 10 o trabalhador AA não entregou ao destinatário o envelope referido no ponto 9, que se encontrava no interior daquele, e continha 1600 dólares aí introduzidos pela CC, S.A., tendo-se apropriado do mesmo”.

E) O Tribunal da Relação alterou a matéria de facto com base em presunções legais e judiciais e de acordo com as regras da experiência de vida, como se não fosse possível o trabalhador ter tomado outra atitude, atitude de pessoa honesta, que o é.

F) O art. 662° do CPC consagra que o Tribunal da Relação só pode alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que não foi o caso.

G) Se a decisão do juiz a quo, devidamente fundamentada (foi o caso) for uma das situações plausíveis, segundo as regras da experiência e pela prova produzida, ela será inalterável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção do julgador.

H) Os princípios da imediação e da oralidade são extremamente importantes para uma justa e correcta apreciação de mérito, princípios esses que não estiveram presentes, com o devido respeito, na elaboração do Acórdão da Relação.

I) Competia ao A. entregar ao GESTOR DE CONTA o envelope fechado contendo os 1600 dólares. A Relação disse ter ouvido atentamente todos os depoimentos mas então não reparou que a Ré não conseguiu fazer prova para que gestor de conta foi efectivamente dirigido o envelope com os 1600 dólares. (CD: 12: 15 a 12:32). As testemunhas da Sucursal da … disseram que o referido envelope fora enviado para o gestor de conta Dr. DD; outras referiram ter sido enviado o envelope para o Dr. EE – gestor de conta na altura dos factos; outros falaram ter sido enviado para a Dr.ª FF, mas ninguém deu certezas do nome para quem foi efectivamente dirigido o envelope.

J) A Dr.ª FF passou a ser gestora no DNI, no dia 25/1/2013, e até explicou que a mudança de gestão de cliente – do Núcleo … Empresas, na Av. … para a DNI em GG – apenas ocorreu na prática a partir de Marco de 2013!!!

K) Atente-se no e-mail de 21/8/2012, do chefe do Autor, HH – fls. 132 e 133 do Procedimento disciplinar – "já vem sendo tempo de darmos um destino mais permanente ao mesmo e eventualmente substituí-lo. Venho propor que se considere este colaborador num eventual programa de RMA ou Pré-Reforma. E no seu regresso de férias irá ficar com tarefas reduzidas ao mínimo" — sublinhado nosso.

L) Atente-se no n° 20 dos factos provados: ou seja o R. presumiu que pelo facto de o A. ser frequentador de casinos tinha extraviado os 1600 dólares, quando o A. é frequentador de casinos já há muitos anos e em 40 anos que trabalhou para a R. teve sempre uma actuação exemplar para com este.

M) O R. baseou-se para o despedimento do A. (ver a fls. 212 do PD) no parecer da Comissão de Trabalhadores quando este parecer foi no sentido do arquivamento (ver a fls. 210 do PD parecer da Comissão de Trabalhadores).

N) O R. tinha intenção de arranjar uma forma habilidosa para despedir o A., tendo desde Agosto de 2012 a Janeiro de 2013, tentado conseguir um pretexto para o fazer.

O) O Exmº Sr. Juiz a quo declarou logo, em sede de despacho saneador, ter existido por parte da entidade empregadora abuso de direito quanto aos factos nos quais a entidade empregadora despediu o trabalhador, pelo que tais factos que dizem respeito à imputada frequência pelo trabalhador Requerente de estabelecimentos de casino, em contravenção ao que a entidade empregadora havia estabelecido em regulamento e normas internas, não foram considerados na apreciação da justa causa para o despedimento do trabalhador.

P) O Exmº Sr. Juiz a quo entendeu, e bem, que não se demonstrou que a correspondente lesão de interesses patrimoniais sérios da entidade empregadora – a apropriação dos 1600 dólares – derivasse da conduta do trabalhador.

Q) O Exmº Juiz a quo para tal conclusão fundamentou sua decisão no depoimento de parte do Autor que considerou credível, face aos princípios da imediação e oralidade presentes, face à postura do trabalhador e face à experiência de vida do Exmº Sr. Juiz a quo.

R) E também face a todas as contradições das testemunhas em audiência de julgamento relativas à cor, formato e demais características do envelope em causa, às contradições das testemunhas quanto ao destinatário /gestor de conta do referido envelope, ao facto de ninguém ter visto os citados dólares, aos documentos de fls. 132, 133 do PD, fls. 166 a 240 dos autos, de fls. 212 e 210 do PD, de fls. 6 verso do PD – e-mail da II, empresa transportadora em que refere não ter recebido moeda estrangeira, nem da CC nem da agência da …; e-mail da sucursal da …, a fls. 125 verso do PD; memorandum do BANCO BB de 11/4/2013, a fls. 3 do PD, em que referem "alegadamente" não terem recebido dólares no DNI, pelo que a decisão do Exmº Juiz a quo só poderia ter sido a que tomou.

S) O Exmº Sr. Juiz a quo baseou-se na insuficiência da prova produzida e considerou que a não apropriação dos dólares pelo trabalhador era uma situação PLAUSÍVEL, ao contrário do que entendeu o Tribunal da Relação do Porto, que considerou ser plausível que uma pessoa honesta como o é o trabalhador (factos dados como provados: artigos 40, 41, 44) cometesse um acto desonesto.

T) Perante estes factos concretos o Tribunal da Relação do Porto, com o devido respeito, não podia alterar a matéria de facto, tendo violado o art. 662° do CPC, e o Parecer do MP, a fls. 460 e ss, foi também nesse sentido.

U) Deve manter-se a decisão de 1ª instância na parte em que declarou ilícito o despedimento do trabalhador pela entidade empregadora e condenou esta a reintegrar o mesmo no local de trabalho que tinha à data do seu despedimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e a indemnizá-lo das retribuições nos termos da sentença da 1ª instância.

V) No que concerne aos danos morais o Recorrente remete para as alegações do recurso subordinado, entendendo que a quantia de € 5.000 a que a entidade empregadora foi condenada é insuficiente, atendendo aos motivos invocados no referido recurso e para o qual o Tribunal da Relação não se pronunciou, entendendo que tal questão estava prejudicada.

W) Face aos pontos dados como assentes: 47 a 50, face ao depoimento de parte, à prova testemunhal e ao relatório psiquiátrico junto aos autos pelo autor na sua contestação o valor de € 5.000 a título de danos não patrimoniais não é justo nem equitativo.

X) Termos em que deverá ser revogada a decisão do Tribunal da Relação por violação do art° 662° do CPC e manter-se a decisão de 1ª instância e ser considerado procedente o recurso subordinado do autor.

10. O Banco R. contra-alegou, em síntese, nos seguintes termos:

1. O presente recurso de revista vem interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que não só julgou procedente a apelação do Recorrido e revogou a sentença de 1ª instância na parte em que considerou ilícito o despedimento do Recorrente e condenou o Recorrido a pagar-lhe as retribuições, uma indemnização por danos não patrimoniais e a reintegrá-lo, como também julgou improcedente o recurso subordinado interposto pelo Recorrente;

2. O Recorrente interpõe o presente recurso porquanto, alegadamente, a Relação teve em conta presunções legais e judiciais e as regras de experiência de vida, e não a prova produzida;

3. O Recorrente, com o presente recurso de revista, pretende que o Supremo Tribunal de Justiça reaprecie a matéria de facto para verificar se, em face do que as testemunhas disseram, é razoável que o Tribunal da Relação tenha alterado os factos 13,14 e 44 e dado como provado o facto 10 a), que aditou, o que se traduz num recurso sobre a matéria de facto, o qual não é admissível em sede de revista e não pode, por isso, ser admitido, uma vez que apenas pode conhecer da matéria de facto quando ocorra ofensa expressa de lei que exija prova vinculada ou estabeleça o valor de determinado meio probatório (nºs 3 do art. 674º e nº 2 do art. 682º ambos do CPC), sendo o erro na apreciação da prova alheio à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça;

4. No presente recurso não está em causa a ofensa expressa de lei que exija prova vinculada ou estabeleça o valor de determinado meio probatório (nº 3 do art. 674º e nº 2 do art. 682º, ambos, do CPC), factos que nem sequer são invocados pelo Recorrente, que se limita a discordar com a decisão da matéria de facto alterada pelo Tribunal da Relação, alegando, para isso, depoimentos de testemunhas e fazendo um exame crítico da prova, ou seja, está apenas em causa a valoração dos meios de prova que – de acordo com o disposto no art. 396º do Código Civil – estão sujeitos à livre apreciação do julgador;

5. Na fixação da resposta à matéria de facto, o Acórdão recorrido não violou qualquer disposição de direito processual ou substantivo e, designadamente, não violou o art. 662º do CPC, conforme alega o Recorrente, pois, quando existe recurso quanto à matéria de facto, o Tribunal da Relação não está obrigado a manter a apreciação da mesma como foi efectuada pelo Tribunal de 1ª instância, sob pena de ficar esvaziado o conteúdo do recurso sobre a matéria de facto;

6. Em relação aos pontos 13 e 14 da matéria de facto, relativos ao procedimento de abertura do correio, o Tribunal da Relação – atendendo ao depoimento das testemunhas MM, FF, HH, JJ e KK – entendeu que os mesmos deviam ser alterados, não tendo, com tal decisão, ofendido qualquer disposição legal, pois atendeu, exclusivamente, a meios de prova submetidos ao princípio da livre apreciação da prova e, portanto, à livre convicção do julgador (art. 396º do CC e nº 3 do art. 466º do CPC);

7. Em relação ao ponto 44 da matéria de facto, o Tribunal da Relação – atendendo ao depoimento das testemunhas HH, LL e MM e NN – entendeu, e bem, alterar a sua redacção, não tendo, com tal decisão, ofendido qualquer disposição legal;

8. O Acórdão recorrido – atendendo à prova produzida, à ponderação da mesma conjuntamente com os pontos da matéria de facto provada e extraindo dos mesmos as presunções impostas pelas regras de experiência, em estrita obediência ao disposto no nº 4 do art. 607º do CPC – alterou, e muito bem, a decisão da matéria de facto, aditando o ponto 10 a), sem que tenha sido ofendida qualquer disposição legal, não merecendo, assim, qualquer censura;

9. O presente recurso de revista deverá improceder na sua totalidade, mantendo-se – nos seus precisos termos – o Acórdão recorrido que alterou a matéria de facto, considerou o despedimento do Recorrente lícito e regular, revogou a sentença de lª instância – na parte em que considerou ilícito o despedimento do Recorrente e condenou o Recorrido a pagar-lhe retribuições, uma indemnização por danos não patrimoniais e a reintegrá-lo – e julgou improcedente o recurso subordinado interposto pelo Recorrente, pois ao decidir assim o Tribunal da Relação não violou o disposto no art. 662º do CPC, pelo que o mesmo não merece qualquer censura.

11. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal formulou Parecer sustentando a não admissibilidade da revista e/ou a sua improcedência, com a confirmação do Acórdão recorrido, argumentando, em síntese, que:

* O Autor utiliza todo o seu labor argumentativo na discussão da prova produzida em audiência, referindo os depoimentos das testemunhas e quais os factos que se devem considerar provados e não provados, sempre discordando do juízo sobre a matéria de facto efectuado pela Relação e por esta o ter feito “com base em presunções legais e judiciais e de acordo com as regras da experiência da vida”, o que não podia fazer.

* O que o Autor pretende é um novo julgamento sobre a matéria de facto, o que está legalmente vedado a este STJ, nos termos do art. 674º, nº 3, do CPC.

* Pelo que a presente revista não é admissível, e sendo-o, deve ser julgada improcedente. 

A este Parecer, notificado, nenhuma das partes ofereceu resposta.

12. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do Novo Código de Processo Civil.

Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[1]

II – QUESTÕES A DECIDIR        

- Estão em causa as seguintes questões:

1º Saber se a decisão proferida pelo Tribunal da Relação que reapreciou a matéria de facto e procedeu à sua alteração é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça e em que termos;

2ª Se ocorreu, ou não, justa causa como fundamento para o despedimento do Autor/Recorrente.

Analisando e Decidindo.

III – FUNDAMENTAÇÃO

Foi suscitada pelo MP a questão da não admissibilidade do recurso de revista, uma vez que o Autor fundamenta o seu recurso na discussão da prova produzida em audiência e nos factos que foram considerados como provados e não provados pela Relação.

Tal questão prende-se com a elencada supra (em 1º lugar), como objecto do presente recurso, e versa sobre os poderes do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente sobre a reapreciação da matéria de facto efectuada pelo Tribunal da Relação, com a alteração do acervo fáctico provado, por conseguinte, trata-se de matéria do âmbito do direito processual civil, aqui aplicável ex vi art. 1º e 87º, nº 2, do CPT.

Destarte, para a sua decisão conjunta atender-se-á ao Novo Código de Processo Civil, resultante da entrada em vigor da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, por força do disposto no seu art. 7º, face à data da entrada da acção.

I – DE FACTO:

– Os factos que o Tribunal da Relação considerou provados constam dos presentes autos, a fls. 547 a 569, do 2º Vol. (e correspondem a fls. 19 a 41 do Acórdão), estando numerados de 1) a 50), com diversos quadros relativos a movimentos bancários e documentação do conhecimento de ambas as partes.

Para a decisão da questão suscitada pelo MP e da primeira elencada em sede de revista, a reprodução dos factos – que ocupa mais de 20 páginas – não se mostra indispensável.

Por conseguinte, dão-se aqui por integralmente reproduzidos todos esses factos, sem prejuízo de fazermos referência aos mesmos e de os enunciar quando considerarmos que são, para esse efeito, necessários e oportunos.

II – DE DIREITO

1. Suscitou o MP, no seu douto Parecer, a questão da inadmissibilidade do recurso com base nos argumentos que se sintetizaram e se prendem com a pretensão veiculada pelo Autor de que o Tribunal da Relação do Porto não podia alterar a matéria de facto, porquanto considera a Ilustre Magistrada que, uma vez que o juízo sobre tal matéria por parte da Relação está vedado por lei ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 662º, nº 4, do CPC, a revista não devia ser admitida e/ou a pretensão do Autor, em sede deste recurso, não poderia ser acolhida.

Como se referiu no ponto anterior, entendemos que tal questão deve ser tratada conjuntamente com a primeira que integra o objecto do recurso, centrando-se nos efectivos e legais poderes do Supremo Tribunal de Justiça, pelas razões que de seguida serão aduzidas.

2. Cotejados os autos verifica-se que, no essencial, o Autor/Recorrente impugna, no presente recurso de revista, o Acórdão da Relação na parte em que se procedeu à alteração da matéria de facto provada, através da reapreciação da prova produzida em audiência e uso de presunções judiciais.

Alega, com efeito, que “se a decisão do juiz a quo, devidamente fundamentada (foi o caso) for uma das situações plausíveis, segundo as regras da experiência e pela prova produzida, ela será inalterável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção do julgador”.

E argumenta ainda que “os princípios da imediação e da oralidade são extremamente importantes para uma justa e correcta apreciação de mérito, princípios esses que não estiveram presentes, com o devido respeito, na elaboração do Acórdão da Relação”.

Ora, acontece que nenhuma das alegações que antecedem e que fundamentaram, no essencial, este recurso, se enquadra nas actuais regras de direito adjectivo que atribuem inquestionavelmente à Relação o poder-dever de modificar a decisão da matéria de facto, mediante a reapreciação dos meios de prova sujeitos a livre apreciação, nos termos do art. 662º do NCPC.

Sobre a presente matéria já tivemos oportunidade de expressar o nosso entendimento no Acórdão do STJ, desta Secção, proferido no âmbito do processo nº 506/12.9TTTMR-A.E1.S1, que aqui, nessa parte se reitera, bem como sobre os poderes do Supremo Tribunal de Justiça quanto à modificabilidade da decisão de facto pela Relação, apreciação das provas produzidas e fixação dos factos materiais da causa.[2]

Não obstante tal facto, impõe-se retomar aqui parte das considerações vertidas com incidência analítica na questão jurídica dos poderes do Julgador, abarcando agora o uso das presunções judiciais, e extraindo as respectivas consequências nos presentes autos tendo em atenção quer a questão suscitada pelo MP, quer pelo Recorrente.

Assim sendo, temos que:

3. Pode dizer-se que é consensual a Doutrina e a Jurisprudência quando interpretam os poderes atribuídos ao Tribunal da Relação pela reforma processual civil operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o Novo CPC e regulou a modificabilidade da decisão de facto no seu art. 662º.[3]

Através deste normativo foi concedida ao Tribunal da Relação uma autonomia decisória, há muito reclamada, em sede de reapreciação e modificabilidade da decisão da matéria de facto.

Daí decorre que, actualmente, para formar a sua própria convicção, pode a Relação proceder não só à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, como de todos aqueles que se mostrem acessíveis nos autos e estejam abarcados pela previsão do art. 662º.

Nos mesmos termos expressou o seu entendimento Teixeira de Sousa, no Comentário que redigiu sobre “Prova, Poderes da Relação e Convicção: a lição de epistemologia”, onde se pode ler, em reforço do que se enunciou, o seguinte:

“O Princípio que rege a apreciação da prova é o da livre valoração: sempre que a prova não tenha um valor legal ou tarifado, a prova é apreciada segundo a prudente convicção do juiz (art. 607º, nº 5, do CPC).

Isto significa que o juiz tem de formar uma convicção subjectiva sobre a verdade ou a plausibilidade do facto probando – ou seja, tem de adquirir um estado psíquico de convicção sobre essa verdade ou plausibilidade – baseado numa convicção objectiva – isto é, num conjunto de razões que permite afirmar que um facto é verdadeiro ou é plausível”. [4]

Destarte, e face ao preceituado no nº 3 do art. 674º e, nº 2 do art. 682º do NCPC, aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido (Relação) o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julga adequado, sendo que a decisão da matéria de facto só pode ser excepcionalmente alterada por este Supremo havendo ofensa de disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova.

Excepção na qual não se integra, manifestamente, o caso em apreço.

E constando do processo todos os elementos probatórios que permitam à Relação a reapreciação da matéria de facto, em conformidade com o disposto no art. 662º, pode a Relação, conforme se salientou, mesmo oficiosamente, alterar a matéria de facto em função da convicção que crie face à prova produzida nos autos – testemunhal e documental – desde que a mesma imponha decisão diversa em face da própria convicção criada pelo Tribunal da Relação.

3.1. Ora, nos termos do art. 662º, nº 1, do NCPC, dentro dos limites do recurso de apelação, e atento o modo como o Apelante cumpriu o ónus de alegação regulado no art. 640º, quando interpôs aquele recurso, a Relação pode e deve alterar a decisão da matéria de facto se a prova produzida impuser uma decisão diversa.

Tal imposição é clara nos casos em que a Relação se limita a reflectir na decisão da matéria de facto meios de prova dotados de força probatória plena, mas não deixa de ser menos clara, no actual contexto normativo, nos demais casos em que a Relação procede à reapreciação de meios de prova sujeitos a livre apreciação, extraindo de algum deles ou da conjugação dos diversos elementos de prova uma convicção diversa da que levou o Tribunal de 1ª instância a assumir a decisão quanto aos factos provados e não provados.

Assim acontece, designadamente, com os depoimentos testemunhais e com os documentos na parte em que não estejam revestidos de força probatória plena. Ou ainda, nos casos em que a Relação sustenta a sua convicção em presunções judiciais extraídas das regras da experiência, em conjugação com outros meios de prova que estejam acessíveis.

3.2. Por outro lado, a função das provas – por imperativo legal – consiste na demonstração da realidade dos factos – cf. art. 341º do CC.

A realidade dos factos invocados por aqueles que pretendem em juízo que lhes seja reconhecido ou acautelado o seu direito, com a satisfação da sua pretensão, ou com o reconhecimento dos factos que excluem, modificam ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos do direito alegado por outrem.[5]

E no exercício dessa função o Tribunal deve guiar-se sempre por padrões de probabilidade, quando a certeza absoluta se mostra inatingível.

Opinião subscrita também por José Osório[6] para quem “os juízes raramente julgam com certezas absolutas, adiantando ainda que é na apreciação do justo grau de probabilidade que está o segredo do acerto da decisão” variando tal probabilidade “conforme o efeito jurídico do facto considerado”.

Lopes Cardoso alertava para o facto de que “a verdade absoluta é humanamente inatingível. Os povos primitivos já consideravam a sua definição um privilégio da divindade e por isso recorriam aos juízos de Deus. Mas a impossibilidade de atingir a perfeição não desculpa a denegação de justiça”.[7]

Sendo critério essencial de julgamento o da livre apreciação da prova, não pode, porém, ignorar-se, que para prova de um facto não é igualmente exigível que todas as testemunhas tenham presenciado todos os actos e factos controvertidos e em discussão, ou que a prova seja feita só através de documentos, com excepção, naturalmente, dos factos que carecem juridicamente desse tipo de prova.

E as presunções judiciais, ao contrário do que alega o Autor, constituem um mecanismo necessário para levar o Tribunal a afirmar a verificação de certo facto controvertido, suprindo as lacunas de conhecimento ou de informação que não possam ser preenchidas por outros meios de prova, ou servindo ainda para valorar os meios de prova produzidos.

Realça-se que o direito civil explicita na definição legal das presunções a sua própria função ao consagrar que são “ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” – cf. art. 349º do CC.

E se é verdade que as presunções não constituem verdadeiros meios de prova, não podem deixar de assumir o papel que lhes está adstrito na lei e que o direito substantivo consagra: de meios lógicos e mentais, através dos quais o Julgador parte de um ou mais factos conhecidos para firmar um facto desconhecido, servindo-se, para esse fim, de regras deduzidas da experiência da vida, num exercício dedutivo decorrente dos factos provados e tendente à obtenção da justiça material.

Nesta medida, sempre caberia ao Julgador, confrontado com a prova produzida, extrair conclusões lógicas dos factos apurados, depois de os analisar criteriosamente e de ponderá-los, com base na experiência e no conhecimento geral da vida.

Recorrendo, se necessário, às chamadas presunções judiciais.

A este propósito, refere Abrantes Geraldes o seguinte:

“Conquanto nem sempre resulte explícita a sua intervenção na formação da convicção, as presunções judiciais constituem um mecanismo necessário para levar o Tribunal a afirmar a verificação de certo facto controvertido, suprindo as lacunas de conhecimento ou de informação que não possam ser preenchidas por outros meios de prova, ou servindo ainda para valorar os meios de prova produzidos”.[8]

 

E salienta o mesmo Autor:

“A utilização de tal instrumento surge com mais frequência quando se torna necessário proferir uma decisão relativa a factos essenciais que, correspondendo aos pressupostos normativos de que depende a procedência da acção... se tornam dificilmente atingíveis através de meios de prova directa”.

Por conseguinte, além de nada obstar ao uso de presunções judiciais, não se pode deixar de ter presente que as mesmas, não só são permitidas por lei (art. 349º do CC), como desempenham a função de demonstração da realidade dos factos – cf. art. 341º do CC.

Daí que, situando-se no domínio da apreciação e fixação das provas, cabem por excelência nos poderes de aferição e produção de prova das instâncias, in casu, do Tribunal da Relação.

Acresce que, jurisprudencialmente, o Supremo Tribunal de Justiça vem expressando há muito tal entendimento, conforme se extrai, nomeadamente, dos seguintes Acórdãos:

- Acórdão do STJ, desta Secção, datado de 04/11/2009:

“Traduzindo-se as presunções judiciais em juízos de valor formulados perante os factos provados, as mesmas referem-se ao julgamento da matéria de facto, logo, não compete ao STJ extrair as ilações pretendidas”.[9]

- Acórdão do STJ, datado de 27/05/2010:

“1. O juízo de valor em que as presunções judiciais se traduzem é um juízo de facto e, por isso, insindicável pelo STJ”.[10]

- Acórdão do STJ, datado de 24/3/2011:

“2. Mais do que meios de prova propriamente ditos, as presunções são deduções lógicas; tratando-se de presunções judiciais, o Supremo Tribunal de Justiça não pode controlar a correcção de tais deduções, porque se situam no domínio da matéria de facto”.[11]

3.3. Porém, pese embora tais juízos se situarem no domínio da matéria de facto, que não se defenda que ao STJ está absolutamente vedada a sua análise.

Com efeito, retomando Abrantes Geraldes[12], salienta-se que:

“No capítulo da apreciação das provas, a regra contida no nº 3 (do art. 674º), conexa com as funções prioritárias atribuídas ao Supremo, é a de que este órgão não pode interferir na decisão da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias. (…)

Todavia, sem embargo de outras intervenções previstas nos arts. 682º e 683º, considerou-se que o Supremo não deveria ficar indiferente a erros de apreciação da prova resultantes da violação de direito probatório material, podendo constituir fundamento de revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova ou que fixe a respectiva força probatória. Afinal, em tais situações, defrontamo-nos com verdadeiros erros de direito que, nesta perspectiva, se integram também na esfera de competências do Supremo.

Em concretização de cada uma destas excepções, o Supremo pode cassar uma decisão sustentada em determinado facto cuja prova, dependente de documento escrito, foi declarada a partir de depoimento testemunhal, de documento de valor inferir, de confissão ineficaz ou de presunção judicial”.

Mas nestes casos, o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá censurar a decisão do Tribunal da Relação quando o uso de presunções tiver conduzido à violação de normas legais, isto é, cabe ao STJ decidir, perante o caso concreto, se era ou não permitido o uso de tais presunções.

Ou seja: o Supremo pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação no sentido de averiguar se ela ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados.[13]

Tudo isto para concluir que, pelas razões aduzidas, não podemos subscrever, nesta parte, o entendimento da Ilustre Magistrada do MP no sentido de que o recurso de revista com tais fundamentos não deve ser admitido.

O recurso pode e deve ser admitido, porquanto ao Supremo Tribunal de Justiça se impõe a efectivação desse controlo, in concreto, no pleno uso dos seus poderes legais, que lhe permitem verificar se existiu, ou não, o erro e a ofensa de uma disposição expressa da lei, nos precisos termos estabelecidos pelo nº 3, do art. 674º, do NCPC.

3.4. Posto isto e reportando-nos ao conteúdo dos autos constata-se que:

No seu Acórdão o Tribunal da Relação do Porto apreciou – relativamente ao recurso principal interposto pelo Banco Réu – as seguintes questões:

1. Da alteração da matéria de facto – pontos 12) a 14), 41) e 44), da matéria de facto provada e alíneas A), B) e C), dos factos provados;

2. Da existência de justa causa para o despedimento do trabalhador;

3. Se o valor de € 5.000,00, fixado na sentença recorrida a título de indemnização por danos não patrimoniais é manifestamente desproporcionado.

Quanto ao recurso subordinado do Autor/trabalhador, a única questão ali versada era sobre se a empregadora devia ter sido condenada a pagar-lhe uma indemnização superior por danos não patrimoniais, que o Autor pretendia que fosse de € 20.000,00.

Relativamente à primeira questão – impugnação da matéria de facto – a Relação do Porto efectuou a reapreciação de tal matéria, tendo para esse efeito procedido à audição de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, incluindo o depoimento de parte do próprio Autor, e analisado todos os documentos juntos aos autos, após o que, fundamentando a sua convicção, abundantemente, com referência aos meios de prova ponderados e excertos dos depoimentos produzidos pelas respectivas testemunhas, alterou a redacção dos seguintes pontos de facto (cf. fls. 573 e segts., do 2º Vol.):

- pontos 13) e 14) da matéria de facto provada – cf. fls. 582;

- ponto 44) – com análise conjunta dos pontos de facto 41) e 44) – cf. fls. 584;

- procedeu ao aditamento de um facto – ponto 10-a).

Quanto à matéria de facto não provada – em que o Banco Réu Recorrente alegou que os factos provados constantes dos pontos 4, 7 a 10, 18, 12 e 13, estariam em contradição com a resposta de não provado recebida pelas alíneas A), B), e C) dos factos não provados, depois de analisá-los, concluiu a Relação que:

“Ao contrário do alegado pela Recorrente, não vislumbramos qualquer contradição entre os citados factos provados e a matéria de facto considerada como não provada” – cf. fls. 586 dos autos e 58 do Acórdão recorrido.

E explicitou abundantemente as razões de tal convicção nas folhas seguintes.[14]

3.5. Do que antecede não se vislumbram sinais de ter sido violada pela Relação qualquer regra de direito adjectivo ou qualquer norma de direito probatório material.

Tanto mais que, tal como referimos em ponto anterior, o reforço dos poderes da Relação nesta área vai ao ponto de, em regra, nos termos do nº 4 do art. 662º do NCPC, não admitir recurso de revista a decisão proferida pela Relação ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 2.

Com efeito, o recurso de revista – quando está em causa a decisão da matéria de facto – está reservado unicamente para os casos em que a Relação não tenha cumprido os deveres processuais que sobre a mesma impendem quando é suscitada a modificação da decisão da matéria de facto (violação ou errada aplicação da lei de processo, nos termos do art. 674º, nº 1, al. b), do NCPC) ou quando se demonstre a existência de violação de direito probatório material (arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 2), que tanto pode consistir na violação de norma expressa que exija certa espécie de prova para a existência de determinado facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Ora, nenhuma destas situações se verifica no caso presente, já que a Relação, actuando no âmbito do objecto do recurso de apelação, em que foram impugnados alguns pontos da decisão da matéria de facto, se limitou a dar como provados determinados factos, procedendo à reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova e, portanto, à livre convicção do Julgador, valorando esses meios de prova através de regras de experiência de vida, extraindo dos factos materiais provados as ilações que deles são a decorrência lógica, com recurso a presunções que a lei permite e fazendo um uso legítimo das presunções com vista à fixação dos factos – cf. art. 607º, nº 4 e 663º, nº 2, ambos do NCPC.

Deste modo, não existe motivo algum que sustente a procedência do recurso de revista quanto a esta questão, porquanto nenhuma violação normativa lhe pode ser assacada.

4. Quanto à (i)licitude do despedimento:

4.1. Conforme resulta dos autos, a licitude/ilicitude do despedimento pressuponha a alteração dos factos provados pelas instâncias, nomeadamente os da Relação.

Tendo soçobrado tal questão e mantendo-se intacta a decisão da matéria de facto que foi fixada pelo Tribunal da Relação, não há motivo algum para questionar os efeitos jurídicos que da mesma foram extraídos, tanto mais que resulta da matéria de facto provada que o Autor foi despedido com justa causa, por, com o seu comportamento, ter lesado gravemente os interesses do Banco Réu, entidade para a qual trabalhava, tornando, nesses termos, imediata e impossível a subsistência da relação laboral.

Pelo que, improcede o recurso de revista.

4.2. Ficam, assim, prejudicadas as demais questões que foram suscitadas pelo Recorrente.

IV – DECISÃO:

- Termos em que se acorda em negar o recurso de revista e em confirmar o Acórdão recorrido.

- Custas pelo Recorrente/Autor, parte vencida.

 - Anexa-se sumário.

  Lisboa, 07 de Julho de 2016.

  Ana Luísa Geraldes (Relatora)

  Ribeiro Cardoso

  Pinto Hespanhol

_______________________________________________________
[1] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.
[2] Cf. Acórdão do STJ, desta Secção, datado de 14 de Janeiro de 2016, proferido no Âmbito do processo nº1391/13.9TTCBR.C1.S1, Relatado pela aqui Relatora e disponível em www.dgsi.pt.
[3] Pertencem ao Novo Código de Processo Civil todas as normas que forem citadas sem qualquer outra referência.

[4] Cf. Miguel Teixeira de Sousa, in “Comentário” citado, a fls. 32 e segts. Sublinhado nosso.
[5] Tendo-se em atenção, nesta matéria, às regras do ónus da prova impostas pelo direito substantivo nos arts. 342º e segts do CC.
[6] Neste sentido cf. José Osório, em Estudo, in RDES, ano VII, pág. 196, citado por diversos Autores.
[7] Cf. BMJ, nº 80º, pág. 204.
[8] Neste sentido, cf. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, págs. 234 e segts., 3ª Edição.
[9] Acórdão do STJ, Relatado por Pinto Hespanhol, proferido no âmbito do Proc. Nº 54/07.TTPDL.1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[10] Acórdão do STJ, Relatado por Nuno Cameira, proferido no âmbito do Proc. nº 330/2002.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.  
[11] Acórdão do STJ, Relatado por Maria dos Prazeres Beleza, proferido no âmbito do Proc. nº 52/06.0TVPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.  
[12] Neste sentido, cf. António Santos Abrantes Geraldes, agora in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2016, 3ª Edição, págs. 367 e segts. Sublinhado nosso.

[13] Neste sentido, cf. Acórdão do STJ, datado de 9/12/2004, in CJSTJ, Tomo III, pág. 144 (Relator Ferreira Girão).
[14] Cf. o Acórdão aqui em causa, a fls. 573 e segts.