Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8536/17.8T8LSBJ.1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CONTRATO DE ADESÃO
SEGURADORA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
BOA FÉ
FACTO ILÍCITO
CULPA
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
INDEMNIZAÇÃO
SEGURO DE VIDA
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. A violação dos deveres pré-contratuais de obtenção e prestação de informações e de lealdade por parte da Seguradora é suscetível de a fazer incorrer em responsabilidade civil pré-contratual, nos termos do art.º 227º do Código Civil.

II. Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual e/ou contratual da seguradora, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea e/ou insuficiente, no quadro de relação negocial); a culpa (que se presume); o dano (nomeadamente, o correspondente aos ativos subjacentes ao contrato de seguro de vida unit-linked que por qualquer motivos empobreceram o património do tomador do seguro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, reconhecendo-se que, a quem se arroga o direito, cabe demonstrar a existência deste pressuposto à obrigação de indemnizar, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano.

Decisão Texto Integral:
Recorrente/Recorrida/Autora/AA

Recorrente/Recorrida/Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A.


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

I. AA intentou a presente ação declarativa, com processo comum contra Swiss Life (Luxembourg), S.A., formulando os seguintes pedidos:

“Deve a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada, condenando-se, a Ré a pagar à Autora:

(i) A quantia global de € 1.351.516,24 (um milhão, trezentos e cento e cinquenta e um mil quinhentos e dezasseis euros e vinte e quatro cêntimos), correspondente à soma do prejuízo patrimonial de € 1.027.536,25, dos juros moratórios contabilizados até 06.04.2017 e do valor do dano moral (€ 200.000,00), a que acrescerá juros de mora vincendos;

Caso assim não se entenda, subsidiariamente:

(ii) A quantia global de € 1.199.209,88 (um milhão cento e noventa e nove mil duzentos e nove euros e oitenta e oito cêntimos), correspondente à soma do prejuízo patrimonial de € 891.628,22, dos juros moratórios contabilizados até 06.04.2017 e do valor do dano moral (€ 200.000,00)”.

Articula, com utilidade, que:

- A R. é uma Companhia de Seguros com origem na Suíça, que constituiu uma filial no Luxemburgo, para aceder ao Passaporte Comunitário e, assim, desenvolver atividade em Portugal;

- A R. angaria, assim, clientela em Portugal, através de estratégias comerciais por si definidas, sendo a sua atividade fiscalizada pelas autoridades de supervisão do Luxemburgo (home country control);

- Em inícios de 2014, a A. era cliente do Banque Privée Espírito Santo, S.A. (BPES), com sede na Suíça, sendo proprietária de obrigações, num valor total de € 1.359.080,32, emitidas pela Espírito Santo Internacional (ESI), entidade integrada no Grupo Espírito Santo (GES);

- Nessa altura, estava extremamente insegura e preocupada com o seu investimento, tanto pelas notícias que surgiam sobre o GES, como pelo seu desconhecimento dos produtos financeiros;

- A A. é uma pessoa conservadora, avessa ao risco;

- De forma a responder às suas preocupações, o seu gestor de conta junto do BPES sugeriu-lhe a celebração de um contrato de seguro unit-linked;

- A A. reuniu então, em 21/2/2014, com um representante da R. que lhe fez uma breve explicação sobre o seguro unit-linked, referindo-lhe que:

i) se tratava de uma solução de aforro, em que o tomador do seguro transferia para a seguradora, a título de prémio, dinheiro e/ou valores mobiliários;

ii) a seguradora tornar-se-ia proprietária e passaria a gerir esses valores;

iii) o seguro extinguir-se-ia com o falecimento da tomadora, caso em que os activos, acrescidos dos rendimentos entretanto gerados, seriam restituídos aos beneficiários por si indicados;

iv) a tomadora ficaria com um direito ao resgate antecipado, a qualquer momento, dentro das condições previstas no contrato;

v) existiam vantagens fiscais;

- A A. reteve a informação, que lhe foi transmitida pelo representante da R., de que o seguro unit-linked lhe proporcionaria uma gestão profissional, com reduzidos custos e vantagens fiscais e operacionais;

- Nada lhe foi referido quanto a riscos, inconvenientes ou aspetos menos positivos;

- A A. acabou por aderir ao seguro unit-linked;

- O representante da R. preencheu, ele próprio, o formulário de adesão, na presença da A., a quem foi colocando as seguintes questões: i) valor do seu património; profissão e experiência profissional, designadamente, se tinha experiência no sector financeiro [ao que a A. respondeu negativamente];

- O representante da R. entregou depois à A. diversas folhas, solicitando-lhe que assinasse em determinados locais, o que a A. fez;

- Não foi entregue à A. qualquer cópia da documentação que assinou, nem referente ao produto em causa, e não lhe foram transmitidas quaisquer implicações no valor do seu património;

- Cerca de um mês depois, a A. recebeu em casa, por correio, uma cópia da apólice emitida;

- Tomando conhecimento de que, com efeitos a 10/4/2014, haviam sido transferidos para a titularidade da R. ativos seus correspondentes a obrigações da ESI;

- Mas, ao contrário do que lhe fora dito, não recebeu qualquer outra cópia ou documentação, como cópia do impresso preenchido pelo representante da R., que a A. havia assinado em branco, de boa-fé;

- No período que mediou entre a emissão da apólice e o colapso do GES, ocorrido no Verão de 2014, venceram parte das obrigações incluídas na apólice de seguro, tendo ficado o respetivo valor, de € 388.000,00, depositado no BPES;

- Na sequência daquele colapso, o valor das obrigações em carteira, relativas ao contrato dos autos, passou a corresponder a zero, pois as mesmas deixaram de ser transaccionáveis;

- A A. tentou então, por diversas vezes, contactar o representante da R., mas este tornou-se incontactável;

- Em 21/7/2014, a R. informou a A. de que havia ordenado a transferência dos seus ativos do BPES para o Banco CBP Quilvest, S.A., com sede no Luxemburgo;

- A A. não tinha qualquer informação da R. sobre o valor dos ativos, a evolução das cotações, os movimentos efetuados, ou a situação dos títulos;

- Em dezembro de 2014, iniciou diversos contactos junto das entidades de supervisão no Luxemburgo, sendo que só através delas, em 19/3/2015, obteve cópias de diversa documentação relativa ao contrato, incluindo o impresso de subscrição do seguro;

- Nessa ocasião, a A. apercebeu-se de que naquele impresso havia sido feito constar que a A. tinha experiência significativa em investimentos, que trabalhou no sector da banca e dos seguros, e que o seu património mobiliário era superior a € 2.500,000,00, o que não corresponde à verdade;

- Essa adulteração das características da A. permitiu à R. integrá-la numa espécie (Fundo C) dentro do género Seguro unit-linked, quando só poderia ser integrada num Fundo do tipo B, que implicava que só poderia adquirir, no máximo, 10% de obrigações ESI, o que significa que a A. estaria necessariamente sujeita a uma diversificação da sua carteira de títulos;

- Por outro lado, a R. adotou comportamentos contrários às condições contratuais, já que não deu à A. qualquer apoio de uma entidade qualificada para a gestão dos seus ativos (não a informando dos riscos inerentes aos títulos do GES, que, à data dos factos, já eram conhecidos dos especialistas na matéria, nem a aconselhando a diversificar a sua carteira de títulos), nunca atuou como gestora e o risco de deterioração dos ativos impendeu exclusivamente sobre a A. e não sobre a R., sua proprietária;

- Também só em 19/3/2015 a A. se apercebeu de que a R. lhe passara uma procuração que implicava que seria a A. a gerir os ativos e que a R. ficava desonerada de prestar o aconselhamento e a gestão do portfolio que a A. pretendia;

- A A. não tinha qualquer experiência no sector financeiro e na gestão de ativos, pelo que não estava habilitada para exercer tal mandato de forma prudente;

- A R., por seu turno, comportou-se como verdadeira proprietária dos títulos da A., transferindo os ativos para o Banco CBP, contratando um escritório de advogados para acompanhar os danos decorrentes do colapso do GES, apresentando em seu nome reclamações de créditos junto das entidades insolventes ou em liquidação, agindo por sua conta e risco e tomando as medidas que considerava adequadas para salvaguardar aquele património;

- A A. de imediato informou a R. de que o Boletim de Adesão havia sido preenchido de forma abusiva, mas esta furtou-se a qualquer responsabilidade;

- Em 9/5/2016, a A. procedeu ao pedido de resgate da sua apólice, mas a R. nada fez para cumprir tal instrução;

- Após insistências da A., a R. respondeu em 4/7/2016, invocando ser possível apenas o resgate parcial do seguro;

- Em Outubro e em Novembro de 2016, a R. transferiu para a A. os valores de, respetivamente, € 200.000,00 e € 131.544,07;

- A situação de instabilidade financeira da ESI era conhecida, pelo menos, desde Novembro de 2013, pelo que a R. tinha a obrigação profissional, que não cumpriu, de alertar os seus clientes, de entre os quais a A., para os riscos inerentes à sua carteira;

- Se a R. tivesse transmitido à A. as características do produto, esta não teria contratado, porque pretendia efetuar um investimento sem risco, de acordo com o seu perfil conservador;

- Com o seu comportamento, a R. violou o disposto nos arts. 227º do Código Civil, 18º do RJCS, 7º do CVM, 5º a 8º, 17º nº3 e 28º nº1 do RCMVM nº2/2012, e 6º, 9º, 10º e 23º da L 25/2008 de 5-6, tendo causado danos, de que a A. deve ser ressarcida;

- Presume-se a culpa da R. nesse comportamento ilícito, nos termos do art. 799º nº1 do Código Civil, sendo certo, de qualquer forma, que a R. atuou com dolo, numa clara intenção de prejudicar a A.;

- Por força dessa atuação ilícita e culposa da R., a A. viu o seu património reduzido em € 1.027.536,25 [€ 1.359.080,32 investidos - € 331.544,07 do resgate], ou, pelo menos, em € 891.628,22, pois, caso a R. tivesse agido como lhe incumbia, contratando uma apólice do tipo B, à A. teria sido imposto como limite deter, no máximo, 10% de obrigações ESI e teria diversificado o seu investimento, alienando, pelo menos, 90% das obrigações ESI e investindo em títulos emitidos por outras entidades;

- Ainda em razão dessa atuação da R., a A. viveu uma situação que lhe provocou um enorme desgaste emocional, com preocupações e ansiedade assinaláveis;

- Deverá, assim, a A. ser ressarcida daqueles € 1.027.536,25, bem como compensada daqueles danos não patrimoniais, estes no valor de € 200.000,00.

2. Regulamente citada, contestou a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. pugnando pela improcedência da ação, para o que alegou, em síntese, o seguinte:

- Foi o gestor de conta da A. junto do BPES quem sugeriu à A. a celebração do contrato de seguro unit-linked e foi esse gestor quem contactou a R. e marcou uma reunião entre a A. e o Dr. BB, funcionário da S..., Unipessoal, Lda, mediadora de seguros que distribuía o seguro de vida unit-linked comercializado pela R. em Portugal;

- Na reunião de 21/2/2014 a A. apresentou como motivos do seu interesse na celebração do contrato seguro de vida unit-linked comercializado pela R. a poupança e o planeamento sucessório;

- A A. compareceu acompanhada do seu gestor de conta e do seu pai, tendo este manifestado algum conhecimento quanto ao tipo de produto em causa, designado por Life Asset Portfolio Portugal (LAP Portugal);

- Não obstante, o mencionado Dr. BB informou a A. de todas as condições, riscos e especificidades associados ao contrato de seguro, por ser um produto financeiro complexo;

- O Dr. BB leu e preencheu a documentação lado a lado com a A., tendo todos os documentos sido lidos e os respetivos conteúdos devidamente explicados à A.;

- Antes de a A. os assinar, confirmou ao Dr. BB ter compreendido o conteúdo de todos os documentos em causa e estar de acordo com os mesmos;

- Tendo a A., pelo seu próprio punho, redigido «lido, compreendido e aceite» e aposto a sua assinatura por baixo;

- Todas as informações constantes dos documentos preenchidos são reproduções fiéis e exatas do que foi transmitido pela A.;

- A A. declarou ter um valor global de património e bens igual ou superior a € 2.500.000,00, tendo-lhe sido explicada a relevância desta declaração;

- Foi explicado à A. que, como o contrato permitia realizar investimentos em fundos com comportamentos e níveis de risco diferentes, convinha sempre obter explicações e orientações do seu consultor financeiro, sublinhando que a R. ou o seu representante não prestam qualquer aconselhamento sobre o investimento;

- A A. leu e recebeu na data da reunião um exemplar da totalidade da documentação contratual, incluindo o boletim de adesão, prospeto simplificado e condições gerais, e declarou, no boletim de adesão, que leu e recebeu aquele exemplar, tendo compreendido integralmente e aceitado sem reservas o seu conteúdo;

- Foi a A. quem designou o banco custodiante, que era o mesmo onde a A. tinha depositados os ativos que pretendia entregar como prémio, e quem indicou as pessoas de contacto, que eram as mesmas com quem a A. já antes trabalhava;

- A R., enquanto exclusiva titular das unidades de participação representativas dos fundos associados aos contratos de seguro unit-linked, delega a respetiva gestão a reputadas entidades gestoras de primeira linha, de modo a assegurar os níveis mais elevados de desempenho e de proteção de tais ativos;

- No entanto, a título opcional, e na sequência de solicitação expressa do cliente nesse sentido, outorga poderes ao tomador do seguro, para que este possa efectuar a respetiva gestão, em seu nome e representação;

- Foi a A. quem requereu que a gestão financeira dos ativos entregues como pagamento do prémio, para a constituição do fundo dedicado, lhe fosse confiada, sendo assessorada por CC, através da E...Management;

- Atendendo a que essa decisão da A. ia no sentido contrário ao aconselhado pela R., a A. foi expressamente alertada para os riscos envolvidos;

- A R. autorizou o BPES (banco custodiante) a informar sobre todas as transações a E...Management, entidade para a qual trabalhava o consultor financeiro da A.;

- A R. só aceitou confiar a gestão financeira dos ativos à A., por esta ter revelado experiência significativa em lidar com este tipo de investimentos e por se ter feito acompanhar na reunião pelo seu gestor de conta e pelo seu pai, ambos revelando experiência na gestão de carteiras de ativos financeiros, tendo a A. informado que beneficiaria do aconselhamento do seu pai na gestão dos ativos e na tomada de decisões;

- Em momento algum foi deturpado ou alterado o conteúdo das informações transmitidas pela A. e em momento algum a documentação referente ao seguro foi assinada em branco pela A.;

- No sentido de preparar a apólice de seguro, a R. obteve informações adicionais sobre a origem dos fundos entregues pela A.;

- A R. classificou o contrato como um seguro de vida ligado a fundos de investimento de Tipo C com base nas informações prestadas pela A.;

- Os ativos entregues pela A. como bem objeto do contrato de seguro celebrado eram obrigações emitidas pela ESI, das quais a A. já era titular antes da celebração daquele contrato;

- A estratégia de investimento selecionada pela A. contemplava a realização de um amplo leque de investimentos diversificados, sem qualquer restrição;

- A opção pela realização e manutenção de investimentos em ativos do GES partiu da própria e exclusiva iniciativa da A.;

- A R. não se encontrava legal ou contratualmente obrigada a prestar qualquer aconselhamento ou consultoria em matéria de investimento, tendo a A. nomeado pessoas específicas para o efeito;

- A R. em momento algum prestou qualquer garantia sobre a rentabilidade do contrato de seguro, não sendo como tal responsável por evoluções desfavoráveis do valor da apólice de seguro e dos ativos subjacentes, constando da documentação associada ao contrato que o risco de investimento é integral e exclusivamente suportado pela A.;

- A R. tomou a decisão de revogar o BPES como banco depositário dos ativos na sequência do colapso do GES no Verão de 2014, nomeando um novo banco depositário e dando ordem ao BPES para transferir para aquele a totalidade dos ativos;

- No entanto, tal entidade não procedeu à transferência solicitada, pelo que os ativos vieram a ser apreendidos no âmbito da liquidação do BPES;

- Caso venha a ser distribuído proporcionalmente entre os credores qualquer valor no âmbito do processo de insolvência, a R. alocará o montante recebido diretamente à conta da A. associada ao contrato de seguro;

- A R. não pode assumir responsabilidade por atos ou omissões de gestão financeira dos ativos que competiam à A. por sua opção expressa;

- A R. prestou todos os serviços contratados: (i) prestou informações à A.; (ii) manteve a confidencialidade quanto à identificação dos beneficiários do seguro; e (iii) intentou os competentes processos com vista a reclamar o valor dos ativos que integravam o fundo dedicado depositado no BPES;

- A A. escolheu os ativos para a constituição dos fundos de investimentos, escolheu as entidades custodiantes, nas quais já mantinha depositados os ativos entregues para pagamento do prémio, e escolheu os respetivos bankers;

- Além disso, a A. optou conscientemente por não requerer um determinado nível de proteção dos investimentos subjacentes, aceitando a regra de que não existe garantia dos capitais ou de rendimento mínimo;

- As prestações a cargo da R. [tendo como contrapartida o pagamento do prémio em sentido lato, que inclui as comissões destinadas a remunerar os seus canais de distribuição, trabalhadores e prestadores de serviços e publicidade e divulgação do produto são: i) o pagamento ao beneficiário, uma vez ocorrido o evento aleatório «morte do segurado», do valor que resulte da rentabilidade do capital no momento da verificação daquele evento; ii) efetuar as operações de controlo do cumprimento, pelo cliente, dos limites impostos pelas regras de investimento em produtos de seguros de vida ligados a fundos de investimento;

- A R. cumpriu todas as suas obrigações pré-contratuais e contratuais, pelo que não é responsável por quaisquer prejuízos da A..

3. Calendarizada e realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, outrossim, foi identificado o objeto do litígio (“Do direito da A. a ser indemnizada pelo R., por prejuízo patrimoniais e não patrimoniais, sofridos por via da celebração de um contrato de seguro unit-linked com a Ré, no qual investiu o valor global de €1.359.080,32”) e foram enunciados os temas da prova.

4. Calendarizado e realizado julgamento final, foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou: “Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condena a R. a indemnizar a A.

- pelo prejuízo patrimonial no valor de €1.027.536,25, acrescido de juros de mora desde a citação, perfazendo os vencidos à presente data a quantia de €224.425,18;

- por danos não patrimoniais no montante de €20.000,00, quantia esta que vencerá juros a contar da data do trânsito em julgado da presente decisão (por se tratar de indemnização actualizada a este momento).

O Tribunal absolve a R. do demais peticionado.

Custas por A. e R., na proporção de 22,50% para a A. e de 77,50% para a R.”.

5. Inconformada, apelou a Recorrida/Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo se enunciou: “Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que se substitui por outra que julga a acção integralmente improcedente, absolvendo a R. dos pedidos. Custas em ambas as instâncias pela A./recorrida – arts. 527º do Código de Processo Civil e 6º nº2, com referência à Tabela I-B, do Regulamento das Custas Processuais.”

6. É contra este acórdão, proferido na Relação de Lisboa que a Autora/AA e a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. se insurgem, esta em ampliação do âmbito do recurso, formulando as seguintes conclusões:

6.1. Da Autora/AA:

“A. A presente revista tem por objecto o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 24 de Outubro de 2023, no qual se decidiu “julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que se substitui por outra que julga a acção integralmente improcedente, absolvendo a R. dos pedidos”.

B. Em causa está a violação, por parte da R., de diversos deveres de conduta prévios à celebração, entre as partes, de um contrato de seguro de vida unit-linked e que determinou um prejuízo patrimonial na esfera da A., aqui Recorrente, no valor do pedido.

C. Pretende, pois, a A., aqui Recorrente, ver-se ressarcida pelas quantias de € 1.351.516,24 (correspondentes à soma do capital de € 1.027.536,25 com juros de mora), a título de danos patrimoniais, e de € 200.000,00, a título de danos não patrimoniais.

D. No essencial, no Acórdão recorrido concluiu-se pela efectiva violação, por parte da R., (através do mediador, seu auxiliar), “dos deveres pré-contratuais que lhe eram impostos e, por essa via, da boa-fé negocial, quer na vertente das informações omitidas (essenciais para a formação de uma vontade de contratar livre e esclarecida), quer na vertente da deslealdade decorrente do preenchimento do boletim de adesão com informações divergentes daquelas que a A. efectivamente prestou e que relevam para a determinação do conteúdo do contrato.”

E. Concluiu-se, por outro lado, pela existência de culpa por parte da R., sendo certo que “no caso da responsabilidade pré-contratual, tratando-se da violação de deveres relativos (portanto, de carácter obrigacional), tal culpa presume-se, sendo certo que incumbia à R. provar que a falta de cumprimento dos deveres emanados da boa-fé não procedeu de culpa sua ou do seu auxiliar”.

F. Não obstante, o douto acórdão entendeu pela não verificação do nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pela Ré e os danos sofridos pela A., o que determinaria o não preenchimento da totalidade dos pressupostos da responsabilidade civil e, em consequência, da obrigação de indemnização.

G. Entende a aqui Recorrente que tal decisão não fez uma correcta subsunção dos factos ao direito e omitiu ou ignorou, de forma grave, porque notória, a existência de um enquadramento factual adicional, oportunamente invocado na PI e densificado nas Contra-alegações ao recurso apresentado junto do TRL (cfr. artigo 514.º, n.º 1, do CPC);

H. Mais, não interpretou, salvo melhor opinião, o direito, nos termos dos cânones consagrados na lei, à luz da doutrina maioritária e da jurisprudência vasta existente sobre a temática em apreço, que aplicou ao arrepio de qualquer fundamentação, factual ou jurídica;

I. Ora, expurgada a decisão proferida dos erros aqui sinalizados, devidamente explicitados ao longo do texto, imediatamente se concluirá que todos os pressupostos da responsabilidade civil se encontram reunidos e que, por conseguinte, haverá direito da A. a ver-se indemnizada pelos danos sofridos.

J. Estabelece-se, no 304.º-A do CVM, a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública, bem como a presunção de culpa daquele, caso o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação.

K. Responsabilidade essa que, com as suas especificidades, se encontra sujeita aos tradicionais pressupostos da responsabilidade civil (delitual e contratual): a conduta ilícita e culposa (“violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade”), o dano (“obrigados a indemnizar os danos”) e o nexo de causalidade (“causados a qualquer pessoa em consequência” daquela violação”.

L. Nos presentes autos ficou provado que Autora e Ré celebraram um contrato e que, previamente à sua formalização, ocorreram negociações que compreenderam a prestação de informações, embora escassas e deficientes, e a assinatura de impressos – veja-se a este propósito os factos provados n.º 6, 7, 9 a 13.

M. Igualmente demonstrada ficou a ilicitude da conduta já que, da prova produzida ficou evidente que, aquando da contratação do seguro de vida unit-linked - um produto financeiro complexo - a R. (através do mediador, seu auxiliar) violou diversos deveres pré-contratuais a que estava adstrita e, por essa via, a boa-fé negocial, quer na vertente das informações omitidas (essenciais para a formação de uma vontade de contratar livre e esclarecida), quer na vertente da deslealdade decorrente do preenchimento do boletim de adesão com informações divergentes daquelas que a A. efectivamente prestou e que relevam para a determinação do conteúdo do contrato.

N. Resulta, ainda, da prova produzida, que o representante da R. procedeu apenas a uma breve exposição oral sobre o produto, sem qualquer entrega de documentação, incumprindo assim o disposto no artigo 21.º, com referência ao art. 18.º, do RJCS, atendendo a que a A. não foi informada por escrito, antes de se vincular, do teor das condições do contrato (designadamente, quanto ao âmbito do risco, exclusões de cobertura, implicações do valor do património da A., encarregado da gestão de activos e obrigações da A. e da R. a esse respeito);

O. Não tendo, por outro lado, sido previamente entregue à A. qualquer prospecto informativo ou documento equivalente, conforme decorre do facto provado n.º 30, em violação do disposto no art. 2.º do DL 211-A/2008 de 3 de Novembro (em vigor à data dos factos).

P. Da prova resulta também a evidência do incumprimento dos arts. 5.º a 9.º do Regulamento da CMVM n.º 2/2012 (em vigor à data dos factos), por referência ao artigo 7.º do CVM, porquanto não foi entregue à A., previamente à aquisição do PFC, qualquer documento em papel intitulado IFI ou equivalente (muito menos, contendo os dois campos manuscritos exigidos pelo art. 8.º ou o alerta gráfico exigido pelo art. 9.º, sendo ainda certo que, embora o mediador da R. tenha remetido a A. para o prospecto disponível no site da CMVM, não consta que tenha obtido o consentimento da A. para utilização desse suporte, ou que a tenha notificado, por via electrónica, do endereço do sítio da internet).

Q. Resultou também provado nos autos que a R. incumpriu o disposto nos arts. 17.º, n.º 3 e 28.º, n.º 1 do mencionado Regulamento da CMVM, já que não foi entregue à A. cópia dos documentos por si assinados (cfr. facto provado n.º 30) e que, tendo o boletim de adesão sido preenchido pelo mediador da R., este não fez constar desse boletim a verdadeira resposta dada pela A. relativa ao valor dos seus bens móveis.

R. E que a A. não tinha qualquer experiência enquanto investidora, circunstância que determinaria um acrescido dever de informação, por parte da R., em momento prévio à contratação,

S. Ora, conforme é genericamente aceite pela Doutrina e Jurisprudência, a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), sendo certo que este particular dever de informação por parte do intermediário financeiro visa a tutela da autodeterminação por parte do investidor;

T. A violação de deveres de esclarecimento ou de informação lesa o direito do investidor de decidir consciente e livremente, através de uma ponderação pessoal dos prós e dos contras - daí que, de acordo com o fim de protecção da disposição infringida ou violada, deva colocar-se a cargo do intermediário financeiro o ónus de provar que “ainda que tivesse cumprido o seu dever de informação - que não tivesse incorrido no comportamento ilícito - o investidor teria a mesma conduta”.

U. Em suma, ficou demonstrado à saciedade que a R., aquando da contratação do produto supra mencionado, violou diversos deveres pré-contratuais a que estava adstrita e, por essa via, a boa-fé negocial, quer na vertente das informações omitidas, quer na vertente da deslealdade decorrente do preenchimento do boletim de adesão com informações divergentes daquelas que a A. efectivamente prestou e que relevam para a determinação do conteúdo do contrato.

V. Por outro lado, nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência - art. 304.º, n.º 2, do CVM, levando-o a concluir pela previsão de um regime especial em matéria de aferição e imputação diferente do regime geral dos arts. 487.º e 799.º, do Código Civil;

W. Tal regime especial afere-se por um elevado padrão de diligência (“diligentissimus pater famílias”), não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer reconduzir-se à culpa leve,

X. Além de uma inversão do ónus da prova - por força da presunção de culpa (…), cujo âmbito de aplicação, de resto, é bastante mais vasto do que uma presunção geral de culpa do art. 799.º, n.º 1 do Código Civil (estendendo-se à responsabilidade pré-contratual e aplicando-se automaticamente no caso de violação de deveres informativos).

Y. No caso dos autos, atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua actuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, a Ré é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar e conhecer a cliente, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a actuação, intencionalmente omissiva de informação, que era devida, exprime culpa grave.

Z. O desconhecimento e a falta de experiência da Autora evidenciado nos autos impunham à Ré (e seu representante) um cuidado acrescido quanto à informação que devia prestar à cliente em momento anterior à formalização do contrato, bem como as diligências junto daquela para melhor conhecer e enquadrar o seu perfil.

AA. Mais, resultou provado dos autos que a A. confiou na Ré, conferindo-lhe total competência para cuidar dos seus investimentos - facto que a R. nunca contrariou - tornando-se, por esse motivo, ainda mais vulnerável.

BB. Ficou, portanto, demonstrado nos autos que a A./ Recorrida, agiu com culpa, sendo que pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.

CC. Resulta também da matéria provada nos autos o sofrimento de danos pela A., quer a nível patrimonial, quer não patrimonial.

DD. A nível patrimonial o dano sofrido pela Recorrente corresponde ao valor dos títulos transferidos para a Recorrida e que foram “deixados à deriva”, deduzido do montante de € 331.544,07 (cfr. factos 82 e 83) – fruto dos títulos que lograram atingir a maturidade (cfr. facto 39) e das comissões devidas à R. no domínio da execução contratual – o que perfaz um total de € 1.027.536,25.

EE. Também a nível não patrimonial a A. / Recorrente sofreu danos que merecem a tutela do direito atento o grau de preocupação e a ansiedade que sofreu, que excedem em muito aquilo que é exigível, em termos de resignação, relativamente aos incidentes a que os contraentes estão sujeitos nas relações negociais.

FF. Entende a Recorrente que se encontra igualmente verificado o requisito do nexo de causalidade, uma vez que os prejuízos por si sofridos foram resultantes da conduta (quer activa quer omissiva) ilícita e culposa da Recorrida.

GG. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (art. 563.º do CC) deve ser analisado através da demonstração, que decorre, por evidência, da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, a A. não teria investido naquela aplicação, mas noutra, que lhe garantisse um retorno seguro, condição para fazer o investimento.

HH. Nos termos do artigo 304.º-A, n.º 2, do CVM, é ao intermediário financeiro que incumbe provar que uma eventual conduta ilícita e danosa não lhe é subjectivamente imputável a título de dolo ou negligência, ou seja, existe uma presunção legal a estender a inversão do ónus da prova aos casos de responsabilidade extracontratual e aos casos de violação dos deveres de informação independentemente da sua fonte.

II. Entende a boa Doutrina e Jurisprudência que, face ao padrão de aferição de culpa especialmente exigente previsto no artigo 304.º, n.º 2, do CVM (diligentissimus pater familias), tal presunção vale também como nexo de causalidade.

JJ. Tal entendimento funda-se na protecção dos investidores não qualificados, que, de outro modo, enquanto leigos destituídos de conhecimentos especializados, ficariam expostos a uma espécie de prova quase impossível (“probatio diabolica”), em contraposição com uma situação injustificadamente privilegiada dos intermediários financeiros, entidades profissionais, organizadas e com acesso sistematizado ainformação de cariz económico-financeiro.

KK. Entender de modo diverso seria, assim, aceitar que “a violação de deveres de esclarecimento ou de informação, ainda que ilícita e que imputável ao intermediário financeiro por dolo ou por culpa grave, não seria nunca facto constitutivo do dever de indemnizar” – o que, de certa forma, seria premiar a violação de deveres especiais que visam a protecção da parte fraca da relação jurídica.

LL. Ora, a violação de deveres de esclarecimento ou de informação lesa o direito do investidor de decidir consciente e livremente, através de uma ponderação pessoal dos prós e dos contras - daí que, de acordo com o fim de protecção da disposição infringida ou violada, deva colocar-se a cargo do intermediário financeiro o ónus de provar que, “ainda que tivesse cumprido o seu dever de informação - que não tivesse incorrido no comportamento ilícito - , o [investidor] teria a mesma conduta”.

MM. Deste modo, atenta a fundamentação apresentada no presente recurso, sempre se terá que concluir que a solução interpretativa que melhor realiza a justiça e o direito será a de entender que “a ponderação dos diversos cânones hermenêuticos confirma, portanto, que o artigo 314.º, n.º 2, do CVM, consagra uma presunção de causalidade entre o facto ilícito-culposo do intermediário financeiro e o dano sofrido pelo investidor-cliente.”

NN. Caso se entenda que tal presunção não abrange o nexo de causalidade, o que por mera hipótese de raciocínio se concebe, incumbe então ao cliente, no caso à A. / Recorrente, a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informada, por completo, da concreta identificação, natureza, características e repercussões do produto financeiro que lhe foi proposto, não o teria adquirido.

OO. Ora, entende a Recorrente que cumpriu com o que lhe era exigível para fazer prova do nexo de causalidade entre os danos sofridos e a actuação ilícita e culposa da Recorrida, uma vez que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objectiva a primeira não teria subscrito o produto financeiro ou tê-lo ia feito de forma a que os danos, a existirem, seriam substancialmente menores.

PP. Com efeito, ficou demonstrado que a A./Recorrente não teria aderido ao seguro/produto em causa se soubesse que a gestão dos títulos entregues à R./Recorrida como prémio lhe ficaria afecta e que esta última não faria a gestão daqueles activos (cfr. facto provado n.º 74).

QQ. Ficou também demonstrado que a A. tinha interesse e pretendia acautelar o seu património, razão pela qual aceitou a sugestão de celebrar o contrato de seguro unit-linked, de modo a alterar o status quo que envolvia a sua conta no BPES, assim rentabilizando aquele investimento (passivo, de “mera fruição”, sem valor acrescentado, apenas objecto de aplicação em novas séries, após as anteriores terem atingido a maturidade), delinear um plano sucessório e usufruir igualmente de vantagens fiscais.

RR. Pelo que, considerando que a A. (i) não tinha qualquer experiência como investidora e (ii) ficou convencida que a Seguradora passaria a gerir o capital e/ou os valores mobiliários / monetários para si transferidos, entregou à R., a título de prémio de seguro, um conjunto de Obrigações emitidas pela ESI, de forma a constituir a apólice respectiva.

SS. Deste modo, a A. pretendia que o seu investimento fosse acompanhado de uma gestão profissional que a própria - por falta de habilitações nesse sentido - não podia dar, pelo que o contrato seria celebrado apenas e na medida em que a R. não atribuísse à A. a gestão dos activos.

TT. Quanto ao facto de não se ter provado que a A. aceitaria “alienar 90% das obrigações ESI que detinha”, tal não pode ser configurado como real, já que, relevante para aquela seria o valor em dinheiro e não propriamente os títulos em si,

UU. Ao invés, atendendo à fungibilidade que caracteriza este tipo de “produtos financeiros”, resulta evidente que a A. não se oporia à diversificação da sua “carteira” se tivesse sido alertada para essa necessidade,

VV. Sobretudo se a informação explicasse os riscos de “colocar os ovos todos no mesmo cesto”, ou seja, da não diversificação e os demais riscos a considerar num “produto” já de si complexo, literalmente: cambial, de crédito, do emitente, etc (tornando extremamente redutora a parca informação transmitida pela R..

WW. O Tribunal a quo extrai do facto n.º 74 apenas que, se soubesse que a R. não faria a gestão dos activos, a A. não teria aderido ao seguro em causa,

XX. Ora, a possibilidade de o tomador de seguro ficar a gerir os activos que integravam o produto não era uma obrigatoriedade, sendo que, atentas as especificidades de cada investidor e o seu grau de conhecimentos e experiência, a R. deveria ter confiado “a gestão financeira dos Fundos Dedicados a entidades gestoras de ativos, devidamente autorizadas a gerir ativos (…)”, o que parece até que seria a regra…,

YY. E, nesse caso, a A. teria aderido ao seguro, os activos que compunham o fundo dedicado teriam sido diversificados e a sua exposição ao GES seria substancialmente menor.

ZZ. Entende também o Tribunal a quo que a circunstância de não aderir ao seguro em nada protegeria a A. contra a perda de valor das suas obrigações, uma vez que tais activos já eram previamente detidos por aquela, concluindo que o risco de perda do seu valor teria estado sempre latente desde a data da sua aquisição, não tendo sido a celebração do contrato de seguro que gerou ou fez aumentar o risco de desvalorização das obrigações.

AAA. Salvo o devido respeito, tal entendimento é falacioso uma vez que as obrigações que existiam no património da A. não tinham natureza imutável, sendo que a própria pretendia que a sua carteira tivesse uma efectiva gestão profissional.

BBB. E se o risco de perda do valor das obrigações sempre existiu desde a data da sua aquisição, também é verdade que a possibilidade de as transaccionar foi possível até ao colapso do GES ou, pelo menos, até 23.05.2014, data em que foi pago o capital em dívida da obrigação ali indicada.

CCC. O que significa que, se a R. tivesse cumprido os seus deveres e entregue a gestão do património da A. a entidades especializadas (como fez crer à A.) e/ou se a tivesse alertado que, para constituir o fundo que se lhe aplicava, do Tipo B, teria necessariamente de diversificar a carteira, quando tais activos poderiam ainda ser transaccionados, a A. não teria sofrido os prejuízos oportunamente invocados.

DDD. Aderir à tese constante do Acórdão do TRL seria desconsiderar, na íntegra, o comportamento ilícito da R., beneficiar o infractor, pactuar com a iniquidade, que a lei (pelo menos, em espírito) não acolhe.

EEE. Relativamente à fundamentação constante do acórdão do TRL, o raciocínio ali desenvolvido peca por escasso já que não expõe qualquer sentido hermenêutico que vá além da sua vertente factual ou naturalística, mas que também aí revela fragilidades surpreendentes;

FFF. Ali é feita uma apreciação literal e mecânica do nexo de causalidade, que ignora tout court as lições decorrentes do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022.

GGG. Com efeito, a fundamentação da decisão recorrida baseia-se essencialmente na falta de prova do que a A. teria feito caso tivesse, pela R., sido convenientemente informada e classificada:

i) “não se provou que, se a apólice da A. tivesse sido qualificada correctamente (tipo B), a A. teria aceitado celebrar o contrato e, para isso teria aceitado alienar 90% das obrigações que detinha”;

ii) “não se provou que, se a A. soubesse que teria de fazer a gestão dos activos, a teria feito no sentido de alienar parte ou a totalidade das obrigações da ESI que integravam o fundo dedicado.”;

iii) “muito menos se provou que, caso tivesse sido designada uma entidade qualificada para a gestão dos activos transferidos pela A. tal entidade teria alienado as obrigações atempadamente (ou que a A, lhe teria dado instruções nesse sentido)”.

HHH. Em bom rigor, como é bom de ver, tais hipóteses nem se colocaram, uma vez que - tal como decorre da prova - foi criada na A. a convicção de que a gestão dos activos que iriam integrar o fundo dedicado seria feita pela Ré e tal decisão (de vender 90%, ou até 100%) seria tomada ou aconselhada pelas “entidades gestoras de activos, devidamente autorizadas a gerir activos, as quais implementarão estratégias de investimento de acordo com as opções do Tomador de Seguro constantes do Boletim de Adesão e seus anexos”.

III. Deste modo, em sede de responsabilidade civil o que interessará apurar é se, tendo em conta as regras da experiência, era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada ao prejuízo verificado.

JJJ. É necessário, portanto, que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada.

KKK. Ora, a resposta terá que ser positiva já que a deficiente qualificação da investidora e a falta de cumprimento dos deveres do intermediário para com esta, por razões que apenas àquele são imputáveis, são causa adequada ao dano provocado.

LLL. Entender de outro modo será, de facto, sustentar o insustentável: que independentemente da extensão da violação de deveres, da gravidade da ilicitude ao grau de culpa do intermediário (que actuou com dolo, ao menos, eventual), a investidora teria sempre um obstáculo intransponível pois ser-lhe-ia exigida uma prova que não pode fazer, “que tomaria uma decisão que não tomou, e de que tomaria uma decisão que não tomou se tivesse uma informação que não teve!”.

MMM. Razão pela qual terá necessariamente de se concluir que a Recorrida, agiu ilicitamente e com culpa, provocando à Recorrente danos de natureza patrimonial e não patrimonial, verificando-se o nexo de causalidade entre a actuação da primeira com os danos sofridos pela segunda.

NNN. E que o acórdão a quo procedeu a uma incompreensível desconsideração (que nem ensaiou rebater) de factos notórios (v.g. a situação da ESI, à época, que nem um player financeiro desleixado ou incompetente podia desconhecer), além de uma errada subsunção dos factos ao direito, com contradições evidentes na fundamentação, além de enveredar por uma solução jurídica simplista, superficial, e sem apoio na lei, na doutrina e na jurisprudência.

OOO. A decisão recorrida é, pois, merecedora de forte censura por parte deste colendo Tribunal, ferindo o mais elementar sentido de justiça: a Ré e Recorrida acabou por ser premiada pela violação de inúmeros deveres especiais a que estava adstrita, cuja ratio é a protecção da parte mais fraca da relação jurídica.

PPP. Sendo nossa opinião convicta que a exacta medida não poderá deixar de considerar o sentido nuclear do quadro normativo aplicável, aliás, objecto de pormenorização e detalhe, por impulso comunitário, que bem evidencia a ratio subjacente.

QQQ. Pelo que se impõe que este Venerando Tribunal reponha a legalidade, aplicando o Direito, com a objectividade e o rigor que faltou em absoluto ao Tribunal da Relação de Lisboa, corrigindo, assim, a flagrante ilegalidade e injustiça da decisão recorrida, revogando-a.

Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso de Revista e, em consequência, deve o Douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue a acção integralmente procedente, condenando a Ré nos pedidos.

Porque só assim se fará a costumada Justiça!”

6.2. Da Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A.

1) A questão a decidir nos presentes autos prende-se com a pretensão da Autora, ora Recorrente, a ser indemnizada, pela Ré, ora Recorrida, pela perda de valor das obrigações emitidas pela ESI de que era titular, pelo menos, desde data anterior a agosto de 2007, e que transmitiu para a Ré, ora Recorrida, em abril de 2014, a título de prémio do contrato de seguro unit-linked celebrado entre ambas, em fevereiro do mesmo ano, mas que deixaram de ser transacionáveis, perdendo todo o seu valor, na sequência do colapso do Grupo Espírito Santo (“GES”), verificado poucos meses depois;

2) Invoca a Recorrente, como causa de pedir, a violação por parte da Recorrida dos seus deveres pré-contratuais de informação e a consequente incorreta categorização do fundo subjacente ao contrato de seguro celebrado entre as partes, associada à ausência de gestão dos ativos, invocando que tal violação terá sido causa adequada do dano que pretende ver ressarcido, bem como do dano não patrimonial que reclama em virtude da preocupação e ansiedade sofridas ao compreender que o seu património havia sido colocado em causa;

3) No Acórdão recorrido, o Tribunal da Relação procedeu a uma correta apreciação e decisão da causa ao considerar que, no caso concreto, não se encontram preenchidos os requisitos essenciais da obrigação de indemnizar, nos termos previstos nos artigos 227.º, 798.º e 304.º-A do CVM (caso se considere aplicável aos autos, uma vez que o art. 2.º, n.º 3 do CVM, na versão aplicável aos autos, só remetia para os títulos i, vii e viii), em especial no que respeita ao requisito do nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Recorrida, enquanto intermediário financeiro, e os danos invocados nos autos, os quais “não resultam sequer naturalisticamente da violação dos deveres de boa fé pré-contratuais por parte da Ré”;

4) Na verdade, independentemente de qualquer facto ilícito, e quer a Recorrente tivesse ou não celebrado o contrato de seguro unit-linked (mantendo a titularidade das obrigações em nome próprio ou por via indireta, através da celebração do contrato de seguro), o dano cujo ressarcimento a Recorrente reclama nestes autos ter-se-ia produzido inevitavelmente, pois, como é público, o colapso do GES constituiu um facto imprevisível e invulgar, cujos efeitos nem a Recorrida nem qualquer outra entidade colocada na mesma posição podia antecipar ou prevenir;

5) Assim, não existe qualquer nexo de causalidade entre o facto ilícito (violação de deveres de informação e consequente errada classificação da apólice e ausência de gestão, imputável à Recorrida) e o dano invocado nos autos, correspondente à desvalorização dos títulos da ESI que constituíram o fundo associado ao contrato de seguro, o qual apenas se deve ao colapso do GES, o que aliás é demonstrado pelo facto provado 41;

6) A presunção de culpa que impende sobre o intermediário financeiro, relativamente à sua atuação, não se estende ao nexo de causalidade, conforme jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/20223, pelo que é ao suposto lesado que compete provar o nexo de causalidade entre a atuação ilícita por parte do intermediário financeiro e o dano sofrido, ao abrigo do princípio do ónus da prova previsto no artigo 342.º do CC;

7) Como bem observa Acórdão recorrido, apenas decorre dos autos que, se tivessem sido adequadamente cumpridos os deveres de informação, designadamente no que se refere à gestão dos ativos, a Recorrente não teria aderido ao seguro em causa;

8) A Recorrente pretende que sejam considerados factos notórios e, como tal, considerados na decisão a proferir, o conhecimento existente sobre os problemas financeiros das empresas do GES à data da celebração do contrato de seguro, em fevereiro de 2014, mas que, contrariamente ao que pretende fazer crer, não eram conhecidos do público em geral ou dos profissionais do setor nem nessa ocasião, nem nos meses seguintes;

9) De resto, tal factualidade foi alegada pela Recorrente na petição inicial, mas julgada não provada pelo Tribunal de primeira instância, decisão com a qual a Recorrente se conformou, pelo que nem se compreende a sua invocação nesta sede;

10) Ainda que assim não fosse, o que se pode concluir é que a Recorrente - que vinha sendo assessorada pelo seu consultor financeiro - poderia e deveria ter procedido à venda das obrigações da ESI ao invés de decidir subscrever o contrato de seguro em causa nestas autos, o que a mesma não fez;

11) A Recorrente procura demonstrar que, caso a apólice tivesse sido corretamente classificada, teria procedido à alienação de 90% das obrigações da ESI, mas sem qualquer sustentação na matéria de facto provada e bem ao contrário do que se poderia concluir de acordo com as regras da experiência comum, uma vez que as obrigações da ESI constituíam o património familiar da Recorrente há largos anos, pelo menos desde data anterior a agosto de 2007, pelo que nada indica que a mesma estaria disposta a proceder à sua alienação, tanto mais que as mesmas eram consideradas um investimento seguro e sem risco;

12) Aliás, a própria Recorrente poderia ter dado indicações para proceder à alienação das obrigações da ESI em causa nestes autos - atento o mandato existente - mas não fez, o que bem demonstra que nem havia qualquer conhecimento sobre a situação das empresas do GES nem não havia qualquer interesse em proceder à sua alienação;

13) Como bem decidiu o Tribunal da Relação, não obstante a verificação do facto ilícito e da culpa (presumida), não existe “nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pela R. e os danos sofridos pela A. [ou seja, porque aquele facto ilícito se mostrou indiferente para a produção dos danos], não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil e, em consequência, da obrigação de indemnização”;

14) O Acórdão recorrido não merece qualquer censura, tendo procedido a uma correta aplicação do direito, designadamente do disposto nos artigos 227.º e 798.º do CC e 304.º-A do CVM, ao decidir revogar a sentença recorrida e julgar a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré, ora Recorrida, dos pedidos;

15) Ainda que assim não se entenda, no que não se concede, impõe-se, por cautela, conhecer subsidiariamente dos fundamentos do recurso de apelação que não foram apreciados no Acórdão recorrido, por semostrarem prejudicados, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, aplicável por remissão do artigo 679.º, ambos do CPC;

16) Na linha do que vem sendo decidido pelos Tribunais, não obstante os deveres de informação que recaem sobre o intermediário financeiro, cabe igualmente ao investidor um dever de diligência mínima no sentido de se informar sobre os produtos financeiros a adquirir e, no caso concreto, impendia sobre a Recorrente um dever de diligência sobre o teor dos documentos que subscreveu (neles apondo a sua assinatura) e, em especial, os termos da apólice do seguro;

17) Assim, a Recorrente estava obrigada a um dever mínimo de diligência no que respeita à análise da documentação recebida (cópia da apólice de seguro recebida pelo correio, cfr. facto provado 34), nomeadamente para verificar se a mesma correspondia às declarações prestadas e satisfazia o seu interesse e objetivo pretendido com a celebração;

18) Se a apólice recebida não refletia devidamente o acordado pelas partes na reunião de fevereiro de 2014, nomeadamente no que se refere à gestão dos ativos englobados no contrato, a Recorrente deveria ter invocado tal desconformidade no prazo de 30 dias após a receção da apólice, o que não fez, pelo que ficou a precludida a possibilidade de vir, posteriormente, invocar qualquer desconformidade, nomeadamente por meio da presente ação;

19) Deste modo, se a Recorrente foi negligente (de forma que não pode deixar de se considerar grosseira) e não observou minimamente dever de diligência que se lhe impunha, procurando informar-se sobre o contrato de seguro que pretendia contratar, e que contratou, não pode vir posteriormente invocar a violação de deveres de informação ou a errada classificação do fundo associado ao mesmo, sob pena de abuso de direito, nos termos previstos no artigo 334.º do CC, pelo que, também com este fundamento, a ação não pode deixar de improceder;

20) Ainda que por mera cautela assim não se entenda, é manifesto que a Recorrente concorreu para a produção do dano, uma vez que não procurou informar-se minimamente sobre o contrato de seguro que celebrou, como se impunha, pelo que, mesmo nesta hipótese, deverá ser excluída qualquer indemnização nos termos previstos no artigo 570.º, n.º 2, do CC;

21) Por fim, e atento que o dano da Recorrente apenas poderá corresponder à diferença entre o valor das obrigações da ESI transferidas para constituição do seguro e o montante já recebido e ainda a receber pela Recorrente por efeito da reclamação de créditos na insolvência do BPES, nos termos dos artigos 562.º e 563.º do CC;

22) Assim se concluindo que inexiste qualquer dever de indemnizar e que, ainda que assim não fosse, quando muito, mesmo na hipótese totalmente absurda, em que não se consente, de se poder considerar que assiste razão à Recorrente, apenas poderia a Recorrida ser condenada no valor a liquidar, após apuramento do valor total já recebido e a receber pela Recorrente no âmbito do processo de insolvência do BPES, tudo nos termos previstos no artigo 609.º do CPC.

Nestes termos, e nos demais de Direito:

Deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, em conformidade, manter-se o Acórdão recorrido e a Ré Recorrida absolvida de todos os pedidos.

Julgando nesta conformidade farão V. Excelências Justiça.”

7. Foram cumpridos os vistos.

8. Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver, recortadas das alegações da Autora/AA e da Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A., consistem em saber se:

Da Recorrente/Aurora/AA

(1) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente ao deixar de reconhecer a responsabilidade contratual da Ré, emergente do negócio jurídico identificado nos autos, julgando inverificados os pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente, o nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, e os danos reclamados na pretensão jurídica deduzida?

Da Recorrente/Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A.

(1) No reconhecimento de que o Acórdão recorrido merece censura, impõe-se conhecer, subsidiariamente, dos fundamentos da apelação que não foram apreciados, por se mostrarem prejudicados: (i) admitindo-se que a Autora foi negligente, considerada grosseira, e não observou o dever de diligência que se lhe impunha, procurando informar-se sobre o contrato de seguro a outorgar, e que contratou, não pode, posteriormente, invocar a violação de deveres de informação ou a errada classificação do fundo associado, sob pena de abuso de direito? (ii) no reconhecimento de que o Acórdão recorrido merece censura, impor-se-á admitir que a Autora concorreu para a produção do dano, uma vez que não procurou informar-se minimamente sobre o contrato de seguro que celebrou, como se impunha, pelo que, mesmo nesta hipótese, deverá ser excluída qualquer indemnização nos termos previstos no art.º 570º, n.º 2, do Código Civil? (iii) outrossim, no reconhecimento de que o Acórdão recorrido merece qualquer censura, atento a que o dano da Autora apenas poderá corresponder à diferença entre o valor das obrigações da ESI transferidas para constituição do seguro e o montante já recebido e ainda a receber pela Autora, por efeito da reclamação de créditos na insolvência do BPES, nos termos dos artºs. 562º e 563º, ambos do Código Civil, concluindo-se que inexiste qualquer dever de indemnizar, ou, se assim não fosse, quando muito, apenas poderia a Ré ser condenada no valor a liquidar, após apuramento do valor total já recebido e a receber pela Autora, no âmbito do processo de insolvência do BPES, tudo nos termos previstos no art.º 609º do Código de Processo Civil?

II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados:

“1 - Em inícios de 2014, a Autora era cliente do “Banque Privée Espírito Santo, S.A” (“BPES”), com sede na Avenue ...70 A, 1009 ..., na Suíça.

2 - A Autora era proprietária de obrigações emitidas pela Espírito Santo International (“ESI”), entidade integrada no Grupo Espírito Santo (“GES”), nos seguintes valores: (i) EUR 791.000,00; (ii) USD 783.269,14, num total aproximado de € 1.359.080,32 (um milhão, trezentos e cinquenta e nove mil e oitenta euros e trinta e dois cêntimos).

2.A - As obrigações emitidas pela ESI de que a A. era titular faziam parte do património da família da A. desde data anterior a Agosto de 2007, e vinham sendo sucessivamente renovadas.

2.B - As referidas obrigações estavam depositadas no BPES, como banco custodiante.

3 - O gestor de conta da A. junto do “BPES“, DD, sugeriu-lhe a celebração de um contrato de seguro unit-linked que, na sua opinião, respondia às necessidades e expectativas da A. de rentabilizar as poupanças, delinear um plano sucessório e de, caso entendesse ou necessitasse, poder libertar fundos, usufruindo também de vantagens fiscais.

4 - O gestor de conta da Autora estabeleceu contacto com BB, que era mediador ligado actuando em representação e por conta da R. na comercialização do seguro unit-linked da Ré em Portugal, e foi então agendada uma reunião.

5 - Assim, no dia 21 de Fevereiro de 2014, a Autora reuniu-se, no lobby do Hotel ..., em ..., com o representante da Ré - BB - juntamente com o seu gestor de conta - CC - e o seu pai - EE.

6 - O referido BB apresentou-se como representante/colaborador da Ré, fez oralmente uma breve apresentação desta e uma breve explicação sobre o Seguro Unit-Linked.

7 - BB referiu tratar-se de uma solução de aforro, em que o tomador do seguro transferia para a Seguradora, a título de prémio, dinheiro e/ou valores mobiliários que passavam a ser propriedade da Seguradora.

8 - Dessa apresentação a A. ficou convencida que a Seguradora passaria a gerir o capital ou valores mobiliários para si transferidos.

9 - BB referiu que o seguro extinguir-se-ia com o falecimento da tomadora do seguro, caso em que os activos, acrescidos dos rendimentos entretanto gerados, seriam restituídos aos beneficiários do seguro, indicados pela tomadora,

10 - (…) não obstante, a tomadora do seguro, no caso a Autora, ficaria com um direito ao resgate antecipado, a qualquer momento, dentro das condições previstas no contrato.

11 - BB sinalizou as vantagens fiscais inerentes a este seguro, nomeadamente, a isenção de 1/5 do seu rendimento para resgates efectuados após 5 anos e de 3/5 para resgates realizados decorridos 8 anos após a data do contrato,

12 - (…) e que só havia lugar ao pagamento de impostos quando houvesse resgates e só nessa altura teria de declarar os rendimentos, na declaração de IRS.

13 - Quanto a riscos ou inconvenientes, BB informou a A. apenas de que os riscos próprios do contrato de seguro unit-linked consistiam no risco de insolvência da seguradora, explicando que nos termos da lei luxemburguesa os clientes estavam protegidos quanto a esse tipo de risco.

14 - A Autora acabou por aderir ao seguro em questão.

15 - O prémio seria pago de uma única vez, com a transferência para a R. seguradora da carteira de títulos da A., sendo o banco custodiante o Banque Privée Espírito Santo, S.A (“BPES”).

16 - Foi então preenchido o Boletim de adesão relativo ao seguro unit-linked da R., denominado “Life Asset Portfolio (LAP) Portugal”.

17 - BB colocava questões, a Autora respondia, e aquele ia preenchendo o formulário.

18 - Entre as várias questões colocadas, BB perguntou à Autora qual era o valor do seu património, dando-lhe 3 opções de resposta, a saber: a) inferior a € 500.000,00 b) entre € 500.000,00 e € 2.500.000,00 c) superior a € 2.500.000,00.

19 - BB não transmitiu à Autora quaisquer informações acerca das implicações decorrentes da informação que prestasse quanto ao valor do seu património.

20 - A Autora, corroborada pelo seu pai, respondeu que o seu património se situava no intervalo entre € 500.000,00 e € 2.500.000,00.

21 - BB questionou a Autora sobre a sua profissão e a sua experiência profissional, perguntando-lhe, nomeadamente, se tinha experiência no sector financeiro.

22 - A Autora respondeu que não tinha qualquer experiência no sector financeiro, sendo Professora de ... na Universidade de ....

23 - Efectivamente a A. não tinha e não tem experiência no sector financeiro, em operações financeiras, nem em títulos mobiliários.

24 - E em matéria de investimentos a Autora é uma pessoa conservadora, avessa ao risco.

25 - Na reunião de Fevereiro de 2014, BB apresentou o contrato de seguro unit-linked explicando, para além dos aspectos já referidos nos factos 7 e 9 a 12, o regime legal aplicável em caso de insolvência da seguradora, e que o contrato tinha um conjunto de variáveis que podiam ser escolhidas pelo tomador do seguro: o banco custodiante dos activos englobados no contrato; e a possibilidade de entregar a gestão da carteira a um profissional ou ser a gestão atribuída ao tomador, através de um mandato de gestão.

26 - Nem à Autora, nem a nenhum dos demais presentes, foram exibidos os apontamentos anotados pelo referido BB à medida que as respostas lhe iam sendo fornecidas.

27 - Terminadas as questões, BB entregou à Autora diversas folhas, solicitando-lhe que assinasse nos locais onde ia assinalando.

28 - O que a A. fez.

29 - Nesse contexto a A. assinou Boletim de adesão ao seguro, Anexo Comunicações enviadas por Fax ou E-mail Life Asset Portfolio (LAP) Portugal, Anexo Prospecto / Estratégia de Investimento do Fundo Dedicado relativo ao fundo de investimento cuja entidade custodiante seria o BPES, Limited power of attorney management of investments relativo ao fundo de investimento cuja entidade custodiante seria o BPES, Mandato FIMNA, Specific Mandate Disclosure of information relativo ao fundo de investimento cuja entidade custodiante seria o BPES, e Relatório Confidencial – Life Asset Portfolio (LAP) Portugal, no qual escreveu “lido, compreendido e aceite”, seguido da respetiva assinatura.

30 - Nenhuma documentação foi entregue à Autora, designadamente cópia da documentação que assinou, documentação/prospecto referente ao produto em causa, cópia das IFI (Informações Fundamentais ao Investidor).

31 - BB disse à A. que receberia em casa uma cópia daquela documentação e remeteu-a para mais informações sobre o produto para o prospecto disponível no site da CMVM.

32 - No seguimento da reunião de 21.02.2014 e da assinatura de todos os documentos de subscrição do seguro, o marido da Autora, BB, concretizando os termos acordados, em 08.04.2014, ordenou a transferência para a conta da Ré no banco designado pela Autora, o Banque Privée Espírito Santo, das obrigações emitidas pela Espírito Santo International, dos quais a Autora era titular, no valor de € 1.596.582,71, para constituição do fundo de investimento LAP, associado ao contrato de seguro com a apólice n.º ........01.

33 - Tendo o Banque Privée Espírito Santo emitido, em 10.04.2014, declaração a acusar a recepção dos activos.

34 - A Autora recebeu em casa, por correio, uma cópia da apólice emitida pela R., conforme documento nº1 da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

35 - Com efeitos a 10 de Abril de 2014, e correspondendo ao prémio do seguro, haviam sido transferidos para a titularidade da R. SwissLife, os seguintes activos: (i) EUR 106.000 obrigações 5.10% ESPÍRITO SANTO INTERNATIONAL 15.07.2013/23.01.2015, 18 Meses: 288418 (ii) EUR 685.000 obrigações 4.75% ESPÍRITO SANTO INTERNATIONAL 24.01.2014/23.01.2015, 12 Meses: 288546 (iii) USD 253.000 obrigações 3.10% ESPÍRITO SANTO INTERNATIONAL 26.04.2013/25.04.2014, 12 Meses: 288339 (iv) USD 135.000 obrigações 3.10% ESPÍRITO SANTO INTERNATIONAL 24.05.2013/23.05.2014, 12 Meses: 288360 (v) USD 700.000 obrigações 3.05% ESPÍRITO SANTO INTERNATIONAL 24.01.2013/23.01.2015, 12 Meses: 288549.

36 - A Autora não recebeu qualquer outra cópia ou documentação, designadamente cópia do(s) impresso(s) preenchido(s) por BB na reunião de 21/02/2014.

37 - No verão de 2014 aconteceu o colapso do GES.

38 - Neste contexto, o “BPES”, que era o banco custodiante dos títulos integrados na apólice, também se encontrava numa fase difícil.

39 - Entre o período que mediou a emissão da apólice e o colapso do GES as obrigações referidas nas alíneas (iii) e (iv) do facto 35 venceram, tendo ficado o respectivo valor, de cerca de € 388.000,00, depositado no BPES.

40 - Após o colapso do GES, a Autora tentou por diversas vezes, sem êxito, contactar a Ré na pessoa de BB.

41 - Na sequência do colapso do GES, o valor das obrigações em carteira relativas ao contrato dos autos passou a corresponder a zero, pois as mesmas deixaram de ser transaccionáveis.

42 - Em 16 de Julho de 2014 a Ré tomou a decisão de revogar o BPES como banco custodiante dos activos nele depositados ao abrigo do contrato de seguro em causa nos autos, e emitiu uma instrução formal ao BPES, na qualidade de banco depositário dos activos subjacentes ao Fundo Dedicado, para proceder à transferência da totalidade dos activos a favor de um novo banco depositário, designado “CBP Quilvest, S.A. Luxembourg”.

43 - No dia 21 de Julho de 2014, a Autora recebeu uma carta da Ré informando-a de que havia ordenado a transferência dos seus activos do BPES para o Banco CBP Quilvest S.A., com sede no Luxemburgo.

44 - O BPES não procedeu à transferência solicitada dos activos subjacentes ao Fundo Dedicado da apólice de seguro emitidos por entidades pertencentes ao Grupo Espírito Santo, informando que os activos em causa eram fundos próprios do Espírito Santo e não poderiam ser transferidos para outra entidade, acrescentando ainda que aquele não era o momento oportuno para proceder à sua liquidação.

45 - Tais activos vieram então apreendidos no âmbito da liquidação do BPES e, não obstante a insistência da Ré, nunca esta obteve qualquer esclarecimento por parte do próprio BPES e/ou do respectivo liquidatário sobre os motivos que levaram a que a instrução para transferência dos activos por si transmitida em 16.07.2014 não tenha sido executada.

46 - A Autora foi solicitando, por telefone e por escrito, informações à Ré, tendo recebido desta, cartas de 01 de Outubro de 2014 e de 06 de Novembro de 2014.

47 - Nessas cartas, para além de renovar a informação acerca do pedido de transferência dos activos do BPES para o banco CBP Quilvest S.A. e monitorização desse pedido, informou ainda a A. que tinha contratado um escritório de advogados para representar os seus interesses e dos seus clientes no processo de liquidação do BPES, apresentado reclamações de créditos no processo de insolvência do BPES, e agido junto dos órgãos e entidades competentes nessa matéria.

48 - Pelo menos em 16/01/2015 a A., através de advogado, estabeleceu contacto escrito com o Commissariat aux Assurances do Luxemburgo.

49 - Em 19 de Março de 2015, o Commissariat aux Assurances, em carta dirigida a advogada da Autora, enviou-lhe, em anexo, cópias do Boletim de Adesão ao Seguro, Prospecto, Relatório Confidencial e Condições Gerais, que constituem os documentos 8, 9, 10 e 11 juntos à petição.

50 - Só então, ao receber essas cópias, a A. tomou conhecimento do que nesses documentos havia sido preenchido.

51 - No Boletim de Adesão, no seu ponto 9.3, a A. está classificada como tendo Experiência significativa - sendo esse o grau máximo de conhecimento ali previsto - em investimentos a) Monetários e Equivalentes, b) Valores Mobiliários de Rendimento Fixos, c) Acções.

52 - A R. menciona que os termos em que o contrato foi celebrado se basearam, além do mais, nos conhecimentos da A. em matéria de produtos de investimento.

53 - Entre 1994 e 1997, a Autora trabalhou na empresa “V..., Lda”, sociedade com o CAE ...10, cujo objecto social consiste no comércio de veículos automóveis ligeiros.

54 - Entre 1997 e 1999, a Autora trabalhou na empresa “G..., Lda”, sociedade com o CAE ...10, cujo objecto social consiste no comércio de veículos automóveis ligeiros.

55 - Entre Abril e Agosto de 1999, a Autora trabalhou na empresa “L...”, sociedade com o CAE ...11, cujo objecto social consiste no comércio a retalho em supermercados e hipermercados.

56 - Entre Agosto de 1999 e Dezembro de 1999, a Autora trabalhou na empresa “G..., S.A.”, sociedade com o CAE ...00, cujo objecto social consiste na construção de edifícios (residenciais e não residenciais).

57 - Entre Dezembro de 1999 e Outubro de 2001 a Autora trabalhou na “F...”, entidade cujo objecto consiste em patrocinar a investigação e o desenvolvimento cultural, científico e tecnológico da Região de Aveiro, criar e gerir instituições de ensino, organizar e dirigir cursos superiores, nomeadamente com incidência na formação profissional de base, contínua ou recorrente, promover colóquios, seminários, conferências, congressos e debates sobre problemas de âmbito cultural, conceder bolsas de estudo e de pesquisa.

58 - A Autora é docente na Universidade de ... desde .../.../2001, sendo Professora de ....

59 - No ponto 10. do Boletim de Adesão, relativo às regras de investimento, consta que o património em bens móveis da Autora, incluindo valores mobiliários (com excepção dos bens imóveis do seu património), teria um valor superior a € 2.500.000,00.

60 - À data dos factos, incluindo o valor da carteira de títulos referida supra no facto 2, o património da A. era de aproximadamente € 2.000.000,00.

61 - Na página 12 das Condições Gerais do Seguro consta que “A SwissLife (…) confia a gestão financeira dos Fundos Dedicados, em regra, a entidades gestoras de ativos, devidamente autorizadas a gerir ativos, as quais implementarão estratégias de investimento, em conformidade com as opções do Tomador do Seguro constantes do Boletim de Adesão e seus anexos, e de acordo com as instruções dadas pelo Tomador do Seguro…”.

62 - A R. não designou qualquer entidade qualificada para a gestão dos activos transferidos pela A..

63 - De acordo com a cláusula 19 das Condições Gerais a Ré recebia comissões de gestão do contrato.

64 - De acordo com a cláusula 30 das Condições Gerais os activos subjacentes ao contrato são propriedade exclusiva da R., a qual é titular de todos os direitos e obrigações eventualmente associados.

65 - O valor total do património do tomador do seguro tem implicações para a qualificação do tipo de fundo associado ao contrato de seguro em causa.

66 - Da Lettre circulaire 08/1 do Commissariat aux Assurances do Luxemburgo resulta a descrição dos diferentes tipos de fundos e as regras para a sua constituição.

67 - Existem quatro tipos de fundos, classificados de A a D, cuja distinção depende do montante mínimo do investimento e do património global do tomador de seguro.

68 - Os fundos do tipo A, B e C têm como investimento mínimo € 250.000,00, e valor mínimo do património do tomador do seguro em valores mobiliários de € 250.000,00, € 500.000,00 e 2.500.000,00, respectivamente.

69 - A indicação no preenchimento do boletim de adesão de que a Autora tinha um património global em valores mobiliários superior a € 2.500.000,00, determinou a classificação da apólice como um fundo do tipo C.

70 - Esta classificação tem consequências estruturais: não existem limitações nos investimentos quando a apólice compreende os fundos dos tipos C e D; os fundos dos tipos A e B contemplam limites, entre eles a percentagem e tipologia das obrigações que compõem a apólice.

71 - No Fundo do tipo B a apólice teria no máximo 10% de obrigações ESI (obrigações de um emitente não público da Zona A, da OCDE, não cotadas em mercado regulamentado).

72 - Só ao receber do Commissariat aux Assurances as cópias dos documentos e desse modo tomar conhecimento do que nesses documentos havia sido preenchido, a A. soube que havia subscrito uma procuração para gerir os activos.

73 - Na reunião em que os impressos foram preenchidos e assinados não foi explicado à Autora que seria ela a gerir os activos, nem que a Ré ficava desonerada de aconselhamento e da gestão do portfolio, pretendida pela Autora.

74 - A A. não tinha conhecimentos nem aptidões para gerir os activos e não teria aderido ao seguro/produto em causa se soubesse que tal atribuição lhe ficaria afecta e que a R. não faria a gestão dos activos.

75 - A Autora de imediato informou a Ré de que o Boletim de Adesão havia sido preenchido de forma abusiva, dele constando informações falsas, que levariam a que o contrato outrora celebrado não o pudesse ter sido naqueles termos.

76 - A Autora procedeu, em 09 de Maio de 2016, ao pedido de resgate da sua apólice.

77 - Por e-mails de 02 de Junho de 2016 e 08 de Junho de 2016, a Autora insistiu com a Ré para a concretização da ordem / instrução de resgate.

78 - Em 04 de Julho de 2016, a Ré enviou uma carta à Autora, invocando não ser possível proceder ao resgate total, mas, apenas, ao resgate parcial do seguro.

79 - A Autora preencheu os formulários exigidos pela Ré para o efeito, em 20 de Julho de 2016, tendo-lhos remetido, por carta registada com aviso de recepção, recebida por esta em 25 de Julho.

80 - No dia 10 de Agosto de 2016, a Autora remeteu novos formulários à Ré.

81 - Em 08 de Setembro de 2016, a Autora remeteu novamente os formulários à Ré, através dos seus mandatários.

82 - Um mês volvido, a Ré transferiu à Autora parte do valor do resgate, em concreto o valor de € 200.000,00.

83 - Em Novembro de 2016 a Ré transferiu o remanescente do valor do resgate, em concreto o valor de € 131.544,07.

84 - Após ter recebido do Commissariat aux Assurances as cópias dos documentos que assinara e desse modo tomado conhecimento do que nesses documentos havia sido preenchido, a A. sentiu-se incomodada e enganada, sofreu grande preocupação e ansiedade ao compreender que o seu património tinha sido colocado em causa e ao percepcionar que havia tido perdas de mais de um milhão de euros que recebera do seu avô.

85 - Após a reunião de 24/02/2014, e para efeitos de preparação da apólice de seguro que seria remetida à Autora e finalização do processo de subscrição do seguro, BB solicitou ao gestor de conta da Autora junto do BPES, DD, informações sobre a origem dos fundos entregues pela Autora e sobre a profissão dos seus pais.

86 - Em resposta, DD enviou e-mail a BB em 10/03/2014 informando que a actividade do pai da Autora se tinha desenvolvido ao longo dos tempos na gestão de frotas automóveis em Portugal e em Angola e à promoção e construção imobiliária em Portugal e no Brasil; que a relação da família da Autora com o BPES provinha da década de 1980; e que os fundos em causa tinham origem na actividade que a família desenvolvera no Brasil.

87 - No seguimento desse e-mail, em 19/03/2014 o colaborador da Ré FF enviou um outro e-mail a DD solicitando, na sequência da preparação da apólice, a identificação das empresas do pai da Autora para complementar a informação constante da documentação da Ré.

88 - No mesmo dia, DD remeteu a FF a informação solicitada acerca das empresas do pai da Autora.”

II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente/Autora/AA e da Recorrente/Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

Da Recorrente/Aurora/AA

II. 3.1. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente ao deixar de reconhecer a responsabilidade contratual da Ré, emergente do negócio jurídico identificado nos autos, julgando inverificados os pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente, o nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, e os danos reclamados na pretensão jurídica deduzida? (1)

1. A questão a decidir nos presentes autos prende-se com a pretensão da demandante a ser indemnizada pela demandada, pela perda de valor das obrigações emitidas pela ESI, de que era titular, pelo menos, desde data anterior a agosto de 2007, e que transmitiu para a demandada, em abril de 2014, a título de prémio do contrato de seguro de vida unit-linked, intitulado pelas partes de “contrato de seguro de vida ligado a um ou vários fundos de investimento / Instrumento de Captação de Aforro Estruturado - Produto Financeiro Complexo”, celebrado entre ambas, em fevereiro do mesmo ano, mas que deixaram de ser transacionáveis, perdendo todo o seu valor, na sequência do colapso do Grupo Espírito Santo (“GES”).

2. Escrutinado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo perante a facticidade demonstrada nos autos (reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância que, aliás, mereceu censura, tendo sido modificada, com aditamentos de factos dados como provados, não considerados em 1ª Instância), concluiu, no segmento decisório, concedendo provimento à apelação, pela revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgou a ação integralmente improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.

3. O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo.

Assim, acompanhando o objeto da apelação interposta, o Tribunal recorrido proferiu aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo posto em crise com a interposição da presente revista, apreciou os atos ou factos jurídicos donde emerge o direito que a demandante se arroga e pretende fazer valer, atos ou factos concretos e regularmente traçados nos articulados apresentados em Juízo, e que a demandada questionou, condensando o objeto do recurso, enunciando as questões que importava apreciar, com prévia apreciação da reclamada nulidade da sentença e da impugnação de facto, tendo-se debruçado sobre as seguintes questões, uma vez fixada a facticidade adquirida processualmente, antes contestada:

(i) Sobre o preenchimento dos pressupostos da obrigação de indemnização, julgando inverificado o nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, e os danos reclamados na pretensão jurídica deduzida, daí que tenha absolvido a Ré dos pedidos formulados;

(ii) outrossim, reconheceu como prejudicada (considerando a absolvição da demandada dos pedido formulados) a apreciação sobre a questão do abuso de direito da demandante (admitindo-se que a Autora foi negligente e não observou minimamente o dever de diligência que se lhe impunha, não podendo vir, posteriormente, invocar a violação de deveres de informação ou a errada classificação do fundo associado ao mesmo): sobre a questão do reconhecimento de que a Autora concorreu para a produção do dano, com vista à exclusão de atribuição de qualquer indemnização; e ainda sobre a quantificação do dano a liquidar, após apuramento do valor total já recebido e a receber pela Autora, nos termos previstos no art.º 609º do Código de Processo Civil, caso se conclua existir dever de indemnizar.

4. O Tribunal recorrido elaborou, como já adiantamos, um aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico onde enunciou os institutos e conceitos de direito aplicáveis, invocando doutrina e jurisprudência aplicáveis à questão sub iudice, que citou com segurança e parcimónia, a par da menção da pertinente legislação.

5. Os litigantes não questionam a qualificação jurídica do negócio ajuizado, qual seja, um contrato de seguro de vida unit-linked, aceitando-a, conformando-se, nesta parte, com a decisão proferida em 1ª Instância, e sufragada pela Relação, respigando-se do acórdão recorrido, a este propósito, e a merecer a nossa aprovação:

“Na sentença recorrida foi já considerado que entre a A. e a R. foi celebrado um contrato de seguro de vida unit-linked.

Esta qualificação não mereceu qualquer reparo das partes, que com ela se conformaram, pelo que - sendo certo que não vemos razões para dela divergir - a consideramos assente.

“Seguro é o contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico da outra parte ou de terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro dos meios adequados à supressão ou atenuação de consequências negativas reais ou potenciais da verificação de um determinado facto”.

Ou seja, “o segurador, mediante o pagamento de um prémio pelo segurado, compromete-se a fornecer a este último (ou a terceiro), em caso de realização do risco coberto, a prestação acordada por ocasião da celebração do contrato”.

“O risco é um elemento essencial do contrato de seguro, ou seja, inclui-se no núcleo fundamental do contrato, que corresponde aos termos básicos da operação económica subjacente ao mesmo. O que significa que, sem risco, não há contrato de seguro. É, exactamente, para cobertura de um determinado risco – evento futuro e incerto – que as partes – segurador e tomador de seguro – contratam, fixando-se um prémio”.

No caso do seguro de vida, o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura - cfr. art. 183º do RJCS (DL 72/2008 de 16-4).

No entanto, tratando-se, como na situação sub judice, de um contrato de seguro de vida unit-linked, não estamos perante um seguro de vida no sentido tradicional [em que está definido, à partida, o capital a ser pago ao beneficiário, em caso de ocorrência do sinistro - morte da pessoa segura], mas sim perante um seguro ligado a um fundo de investimento, tratando-se de um instrumento de captação de aforro estruturado (ICAE) que constitui um produto financeiro complexo (PFC) .

(…)

No caso dos autos, como se disse, foi celebrado entre a A. e a R. um contrato de seguro deste tipo [aliás, intitulado pelas partes de «contrato de seguro de vida ligado a um ou vários fundos de investimento / Instrumento de Captação de Aforro Estruturado – Produto Financeiro Complexo], considerando que, conforme resulta da apólice e das respectivas condições gerais (cfr. factos provados nº 34 e 49), com a morte da pessoa segura (a tomadora, aqui A.), a R. pagaria ao beneficiário o montante do investimento, correspondente ao valor, no momento do evento, do fundo dedicado (unidades de participação alocadas ao contrato) que foi constituído aquando do pagamento do prémio (ocorrido, a 100%, no momento da celebração do contrato, mediante entrega de activos financeiros no valor de € 1.591.792,96).”

6. Qualificada a relação estabelecida entre as partes, importa apurar da bondade do decidido, uma vez que a Recorrente/Aurora/AA questiona a solução encontrada pelo Tribunal recorrido, ao desconsiderar o preenchimento dos pressupostos da obrigação de indemnização, julgando inverificado o nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, e os danos reclamados na pretensão jurídica deduzida, absolvendo a Ré dos pedidos formulados.

7. A reclamada responsabilidade pré-contratual e/ou contratual da demandada, pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam, a demonstração do facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea e/ou insuficiente, no quadro de relação negocial); a culpa (que se presume); o dano (correspondente aos ativos subjacentes ao contrato de seguro de vida unit-linked que deixaram de ter valor, por terem deixado de ser transaccionáveis, bem como, danos não patrimoniais [sofrimentos decorrentes de, ao ter conhecimento das condições do contrato de seguro, se ter apercebido de que perdera aquele valor]); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

8. Revertendo ao caso trazido a Juízo, distinguimos que as Instâncias convergem no reconhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual, concretamente, o facto ilícito, traduzido na prestação de informação errónea e/ou insuficiente, no quadro de relação negocial; a culpa, que se presume nos termos do direito substantivo civil; e o dano, correspondente aos ativos subjacentes ao contrato de seguro de vida unit-linked que deixaram de ter valor, por terem deixado de ser transacionáveis, bem como, danos não patrimoniais, enquanto sofrimentos da Autora decorrentes do conhecimento das condições do contrato de seguro e se ter apercebido de que perdera aquele valor; encontrando-se a dissensão das Instâncias (sendo objeto desta revista, como já adiantamos) na verificação do pressuposto da obrigação de indemnizar, concretizado no exigido nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, e os danos reclamados na pretensão jurídica deduzida.

9. Respigamos, com utilidade, do aresto recorrido, confirmatório da sentença, no que tange aos pressupostos da responsabilidade civil contratual, concretamente, o facto ilícito, a culpa, e o dano, que este Tribunal ad quem sufraga: “compulsada a matéria de facto, logo se vê que existiu a violação, por parte da R., de diversos deveres, previstos nas citadas normas.

Efectivamente, não foi respeitado o disposto no art. 21º, com referência ao art. 18º, do RJCS, atendendo a que a A. não foi informada por escrito, antes de se vincular, do teor das condições do contrato (designadamente, quanto ao âmbito do risco, exclusões de cobertura, implicações do valor do património da A., encarregado da gestão de activos e obrigações da A. e da R. a esse respeito): conforme resulta dos factos provados nº6, 8, 19, 26, 30, 72 e 73, houve, apenas, uma exposição oral, sem qualquer entrega de documentação.

Além disso, foi desrespeitado o disposto no art. 2º do DL 211-A/2008 de 3-11 (em vigor à data dos factos), uma vez que não foi previamente entregue à A. qualquer prospecto informativo (cfr. os factos provados nº 30).

Ademais, não foi cumprida a imposição dos arts. 5º a 9º do Regulamento da CMVM nº2/2012 (em vigor à data dos factos), com referência ao art. 7º do CVM, porquanto não foi entregue à A., previamente à aquisição do PFC, qualquer documento em papel intitulado IFI ou equivalente [muito menos, contendo os dois campos manuscritos exigidos pelo art. 8º ou o alerta gráfico exigido pelo art. 9º], sendo ainda certo que, embora o mediador da R. tenha remetido a A. para o prospecto disponível no site da CMVM, não consta que tenha obtido o consentimento da A. para utilização desse suporte, ou que a tenha notificado, por via electrónica, do endereço do sítio da internet (cfr. factos provados nº30, 31, 36, 49 e 50). Não foi, também, cumprido o disposto nos arts. 17º nº3 e 28º nº1 do mesmo Regulamento, já que não foi entregue à A. uma cópia dos documentos por si assinados (cfr. facto provado nº30) e que, tendo o boletim de adesão sido preenchido pelo mediador da R., este não fez constar desse boletim a verdadeira resposta dada pela A. relativa aos seus [inexistentes] conhecimentos e experiência em matéria de investimento, nem relativa ao valor dos seus bens móveis (cfr. factos provados nº17, 18, 20 a 23, 51, 59 e 60).

Ocorreu, assim, violação, pela R. (através do mediador, seu auxiliar), dos deveres pré-contratuais que lhe eram impostos e, por essa via, da boa-fé negocial, quer na vertente das informações omitidas (essenciais para a formação de uma vontade de contratar livre e esclarecida), quer na vertente da deslealdade decorrente do preenchimento do boletim de adesão com informações divergentes daquelas que a A. efectivamente prestou e que relevaram para a determinação do conteúdo do contrato.

É, pois, ilícita a conduta da R.

Em relação à culpa, temos que como tal se entende a conduta humana censurada pelo Direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo – arts. 799º nº2 e 487º nº2 do Código Civil.

No caso da responsabilidade pré-contratual, tratando-se da violação de deveres relativos (portanto, de carácter obrigacional), tal culpa presume-se, sendo certo que incumbia à R. provar que a falta de cumprimento dos deveres emanados da boa-fé não procedeu de culpa sua ou do seu auxiliar (cfr. arts. 798º e 800º do Código Civil).

(…) Vem a A. invocar que sofreu danos patrimoniais (os activos subjacentes ao contrato de seguro, a dada altura, deixaram de ter valor, por terem deixado de ser transaccionáveis, razão pela qual perdeu €1.027.536,25), bem como danos não patrimoniais (sofrimentos decorrentes de, ao ter conhecimento das condições do contrato de seguro, se ter apercebido de que perdera aquele valor).”

10. Isto posto, importa agora tecer algumas considerações sobre aqueloutro pressuposto da obrigação de indemnizar, concretizado no já enunciado nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, e os danos reclamados na pretensão jurídica deduzida, com apreciação divergente das Instâncias, sustentando a Recorrente/Recorrida/Autora/AA a bondade da solução encontrada em 1ª Instância, traduzida na sua verificação, pugnando, ao invés, a Recorrente/Recorrida/Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. a manutenção da orientação sufragada pelo Tribunal a quo que julgou inverificado este pressuposto da obrigação de indemnização.

11. Como sabemos, a nossa lei substantiva civil ao tratar do pressuposto do nexo de causalidade, no âmbito da responsabilidade civil, estabelece a teoria da causalidade adequada, o mesmo é dizer que é necessário que, em concreto, a ação ou omissão tenha sido condição do dano; e que, em abstrato, dele seja causa adequada, perfilhando, assim, o nosso ordenamento jurídico, a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”

Outrossim, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. é responsável pelo dano sofrido pela Autora/AA, necessário se torna que esta demonstre, também, o nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, e os danos reclamados na pretensão jurídica deduzida, a ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto, ou seja, importa apurar que o ajuizado contrato de seguro de vida unit linked não teria sido outorgado pela Autora se esta soubesse que os ativos subjacentes (obrigações da ESI que constituíram o fundo associado ao contrato de seguro de vida unit linked) corressem o risco de desvalorização, deixando de ter valor, por deixarem de ser transaccionáveis.

12. No que a este pressuposto da obrigação de indemnizar respeita, impõe-se desde já sublinhar que os deveres de informação, reconhecidamente violados pela Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. não se reportam à subscrição dos ativos subjacentes, mas antes à contratação do seguro em si, até porque as obrigações da ESI que constituíram o fundo associado ao contrato de seguro de vida unit linked já eram da Autora/AA (ou dos seus familiares) muitos anos antes da contratação do ajuizado seguro, sendo que a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. nenhuma intervenção teve na decisão da Autora (ou dos seus familiares) de adquirir, renovar e manter, no seu património, as aludidas obrigações da ESI, tão pouco a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. estava adstrita a qualquer dever de informação, aconselhamento e intermediação financeira, no que se refere aos títulos da ESI, que constituíram o fundo associado.

O risco de desvalorização dos ativos subjacentes, no caso, obrigações da ESI que constituíram o fundo associado ao contrato de seguro de vida unit linked, corre inteiramente por conta do tomador do seguro, como resulta do clausulado contratual, onde, nas condições gerais do seguro contratado se textua:

a) “Independentemente do Fundo escolhido, o risco de investimento é integral e exclusivamente suportado pelo Tomador do Seguro” (cf. ponto 2, §3);

b) “Independentemente dos Fundos selecionados pelo Tomador do Seguro e alocados ao contrato, o capital disponível a qualquer momento não se encontra garantido e o risco de investimento não é suportado pela Swiss Life, sendo integral e exclusivamente suportado pelo Tomador do Seguro. O Life Asset (LAP) Portugal não garante o capital investido, existindo risco de perda total ou parcial dos montantes investidos. Os riscos de investimento são, entre outros, o risco de contraparte, o risco de câmbio, o risco de liquidez, o risco de inflação e o risco de mercado” (cf. ponto 31, §1);

c) “A Swiss Life não presta qualquer garantia, nem será responsável por evoluções desfavoráveis do Valor do contrato e/ ou dos respetivos activos subjacentes. Nestes casos, o risco de investimento é integral e exclusivamente suportado pelo Tomador do Seguro e, caso aplicável, pelo Beneficiário, havendo, assim, o risco de perda, no todo ou em parte, dos montantes investidos” (cf. ponto 31, §3).”

Daqui decorre que nem antes da celebração do contrato de seguro de vida unit linked ou durante a sua execução, a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. assumiu obrigação de reembolsar a Autora/AA por eventuais perdas que viessem a verificar-se em resultado da volatilidade e oscilações dos títulos da ESI entregues.

O reclamado dano sofrido pela Autora/AA advém, assim, não da violação de deveres de informação aquando do outorga do contrato de seguro de vida unit linked, conduzindo a uma maior exposição ao risco por errada classificação da apólice como fundo C, ou da ausência de gestão dos títulos que integravam o fundo, mas de um facto absolutamente estranho às circunstâncias e outras cambiantes da celebração do articulado contrato de seguro de vida unit linked, aos termos do próprio contrato, à relação entre as partes, e/ou mesmo à própria gestão dos ativos subjacentes.

Ao demonstrar-se adquirido processualmente apenas que: “A A. não tinha conhecimentos nem aptidões para gerir os activos e não teria aderido ao seguro/produto em causa se soubesse que tal atribuição lhe ficaria afecta e que a R. não faria a gestão dos activos.”, impõe-se afirmar que esta facticidade não encerra virtualidade bastante para sustentar o exigido nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, aquando do celebração do contrato de seguro de vida unit linked, e os danos reclamados, donde, está arredada a obrigação de indemnizar, pois, o reconhecido facto ilícito foi irrelevante para a produção dos danos reclamados. Caso diverso seria se da facticidade demonstrada se pudesse concluir que se a apólice tivesse sido qualificada corretamente (tipo B), a Autora teria aceitado celebrar o contrato e, para isso, teria aceitado alienar 90% das obrigações ESI que detinha; que se a Autora soubesse que teria de fazer a gestão dos ativos, a teria feito no sentido de alienar parte ou a totalidade das obrigações da ESI que integravam o fundo dedicado; que caso tivesse sido designada uma entidade qualificada para a gestão dos ativos transferidos pela Autora, tal entidade teria alienado as obrigações atempadamente (ou que a Autora lhe teria dado instruções nesse sentido), o que não decorre dos autos.

Ademais, esta demonstração nos autos de que se a Autora/AA tivesse sido devidamente informada não teria celebrado o contrato dos autos, importaria, em todo o caso, reconhecer apenas que, neste caso (ausência do contrato de seguro de vida unit linked), as obrigações emitidas pela ESI, enquanto ativo subjacente, teriam permanecido na esfera jurídica da Autora/AA que veria o seu património reduzido, e sempre teria sofrido as preocupações decorrentes da perda de património, uma vez que tal decorreria do subsequente colapso do GES, circunstância excecional para a qual nada contribuiu a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A., daí que, considerando como imprevisível o colapso do GES, que levou à desvalorização total das obrigações da ESI, onde nem a Autora/AA, nem qualquer outra entidade, colocada na mesma posição, podia antecipar ou prevenir, não faz sentido, salvo o devido respeito por opinião contrária, cogitar, tão pouco, assacar à Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. qualquer responsabilidade assente na suposta ausência de gestão dos títulos que constituíram o fundo associado, pois, não é concebível exigir-se que, nestas circunstância, em face de um acontecimento imprevisível, inesperado, invulgar, a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. tivesse resgatado ou tivesse aconselhado a Autora/AA a resgatar, em momento anterior à celebração do contrato ou já na pendência deste, os títulos da ESI que integravam o fundo.

13. Com vista a este particular pressuposto da responsabilidade civil, e rememorando a adquirida matéria de facto, divisamos que o consignado no aresto sob escrutínio vai no sentido do que acabamos de discretear, daí acompanharmos a solução encontrada pelo Tribunal recorrido, enfatizando o que, a propósito, se sustentou no aresto proferido: “é necessário determinar se os danos invocados pela A. são, ou não, total ou parcialmente, resultantes da conduta ilícita e (presumidamente) culposa da R., ou da conduta (eventualmente culposa) da própria A.. Vem a A. invocar que sofreu danos patrimoniais (os activos subjacentes ao contrato de seguro, a dada altura, deixaram de ter valor, por terem deixado de ser transaccionáveis, razão pela qual perdeu € 1.027.536,25), bem como danos não patrimoniais (sofrimentos decorrentes de, ao ter conhecimento das condições do contrato de seguro, se ter apercebido de que perdera aquele valor).

Princípio geral da obrigação de indemnização é o de que o obrigado à reparação do dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, mas essa obrigação só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (arts. 562º e 563º do Código Civil).

Para efeitos de cálculo de indemnização, dispõe o art. 564º, do mesmo diploma legal, que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Aliás, do próprio art. 227º do Código Civil resulta que aquele que, negociando com outrem para a conclusão de um contrato, deixar de proceder segundo as regras da boa-fé, só responderá pelos danos que (culposamente) causar à outra parte.

“No nexo de causalidade entre o facto e o dano, a nossa lei adoptou a doutrina da causalidade adequada, que impõe, num primeiro momento, um nexo naturalístico e, num segundo momento, um nexo de adequação. Por mais criteriosa, deve reputar-se adoptada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, atípicas, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto. Por isso, não basta que o evento tenha produzido, naturalisticamente, certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é ainda necessário que o evento danoso seja uma causa provável desse efeito”. “A inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele (…). O facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis”.

Cabe, pois, antes de mais, averiguar da existência (ou não) de um nexo causal entre a violação dos deveres de informação / lealdade por parte da R. e os danos invocados pela A., devendo o nexo causal ser analisado através de uma demonstração que decorra da matéria de facto provada. E a resposta tem de ser negativa - os danos que a A. alega ter sofrido não resultam sequer naturalisticamente da violação dos deveres de boa fé pré-contratuais por parte da R..

É certo que a A. não ficou na posse de todas as informações necessárias a ponderar as características do PFC que subscreveu, além de que o boletim de adesão, e respectivos anexos, foram preenchidos de forma divergente das informações prestadas pela A., designadamente, quanto ao valor do seu património mobiliário, quanto aos seus conhecimentos e experiência em investimentos em instrumentos financeiros, e quanto à entidade a quem deveria ser atribuída a gestão dos activos subjacentes.

É ainda certo que aquela divergência entre o valor do património constante do boletim de adesão e o valor real do património da A. (e por esta declarado) levou a que a apólice fosse classificada como podendo integrar fundos do tipo C (sem limitações nos investimentos), ao invés (como cumpria) de fundos do tipo B, caso em que apenas poderiam ter sido entregues, como activos subjacentes, 10% de obrigações ESI.

Porém, não se provou que, se a apólice da A. tivesse sido qualificada correctamente (tipo B), a A. teria aceitado celebrar o contrato e, para isso, teria aceitado alienar 90% das obrigações ESI que detinha.

E também não se provou que, se a A. soubesse que teria de fazer a gestão dos activos, a teria feito no sentido de alienar parte ou a totalidade das obrigações da ESI que integravam o fundo dedicado.

Muito menos se provou que, caso tivesse sido designada uma entidade qualificada para a gestão dos activos transferidos pela A., tal entidade teria alienado as obrigações atempadamente (ou que a A. lhe teria dado instruções nesse sentido), já que não se provou sequer que a instabilidade financeira das empresas do GES, mormente da ESI, fosse sobejamente conhecida dos profissionais do sector financeiro desde Fevereiro de 2014.

Pelo contrário, o que se provou foi, apenas, que, se soubesse que a R. não faria a gestão dos activos, a A. não teria aderido ao seguro em causa (cfr. facto provado nº 74).

Ora, a circunstância de não aderir ao seguro em nada protegeria a A. contra a perda de valor das suas obrigações.

É que, datando a adesão ao contrato de seguro de Fevereiro de 2014, as obrigações entregues como pagamento do prémio não foram adquiridas com a finalidade de constituir o fundo dedicado.

Ao invés, tais obrigações já existiam no seu património desde data anterior a Agosto de 2007 e, portanto, o risco de perda do seu valor sempre existiu desde a data da sua aquisição e sempre existiria mesmo que o contrato de seguro não tivesse sido celebrado – não foi a celebração desse contrato, nos termos em que o foi, que gerou ou fez aumentar o risco de desvalorização das obrigações, já que a variação do seu valor sempre dependeu (e sempre continuaria a depender, mesmo que o contrato de seguro não tivesse sido celebrado), exclusivamente, da evolução do mercado de capitais .

Em suma, mesmo que a R. tivesse cumprido todos os seus deveres pré-contratuais e que, na posse de todas as informações pertinentes, a A. tivesse decidido não contratar o seguro em causa nos autos, sempre o seu património ficaria reduzido da quantia de € 1.027.536,25 e sempre teria sofrido as preocupações decorrentes da perda de tal montante, uma vez que aquela perda não resultou da celebração do contrato de seguro, mas do investimento em obrigações ESI [não tendo a decisão de investir resultado, por qualquer forma, da conduta da R., já que, como se disse, tal investimento foi realizado vários anos antes] e do subsequente colapso do GES (circunstância excepcional, para a qual em nada contribuiu a conduta da R.).

Assim, por falta de verificação de nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pela R. e os danos sofridos pela A. [ou seja, porque aquele facto ilícito se mostrou indiferente para a produção dos danos], não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil e, em consequência, da obrigação de indemnização, razão pela qual a decisão recorrida não pode manter-se, devendo a acção improceder.”

14. Pelo exposto, em face da facticidade demonstrada, a subsumir juridicamente nos termos discreteados, não reconhecemos à argumentação aduzida pela Autora/AA, virtualidade bastante no sentido de alterar a decisão recorrida, merecendo a solução encontrada pelo Tribunal recorrido, a aprovação deste Tribunal ad quem.

Da Recorrente/Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A.

II. 3.2. No reconhecimento de que o Acórdão recorrido merece censura, impõe-se conhecer, subsidiariamente, dos fundamentos da apelação que não foram apreciados, por se mostrarem prejudicados: (i) admitindo-se que a Autora foi negligente, considerada grosseira, e não observou o dever de diligência que se lhe impunha, procurando informar-se sobre o contrato de seguro a outorgar, e que contratou, não pode, posteriormente, invocar a violação de deveres de informação ou a errada classificação do fundo associado, sob pena de abuso de direito? (ii) no reconhecimento de que o Acórdão recorrido merece censura, impor-se-á admitir que a Autora concorreu para a produção do dano, uma vez que não procurou informar-se minimamente sobre o contrato de seguro que celebrou, como se impunha, pelo que, mesmo nesta hipótese, deverá ser excluída qualquer indemnização nos termos previstos no art.º 570º, n.º 2, do Código Civil? (iii) Outrossim, no reconhecimento de que o Acórdão recorrido merece qualquer censura, atento a que o dano da Autora apenas poderá corresponder à diferença entre o valor das obrigações da ESI transferidas para constituição do seguro e o montante já recebido e ainda a receber pela Autora, por efeito da reclamação de créditos na insolvência do BPES, nos termos dos artºs. 562º e 563º, ambos do Código Civil, concluindo-se que inexiste qualquer dever de indemnizar, ou, se assim não fosse, quando muito, apenas poderia a Ré ser condenada no valor a liquidar, após apuramento do valor total já recebido e a receber pela Autora, no âmbito do processo de insolvência do BPES, tudo nos termos previstos no art.º 609º do Código de Processo Civil? (1)

Na decorrência do conhecimento do recurso independente, interposto pela Autora/AA, concretamente a solução encontrada no precedente segmento deste aresto II. 3.1. que negou a revista independente, mantendo o acórdão recorrido, é apodítico concluir ficar prejudicada a apreciação das questões enunciadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento da Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A.

III. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam improcedente o recurso interposto pela Recorrente/Autora/AA, negando-se a revista, mantendo-se a decisão recorrida, ficando prejudicada a apreciação das questões enunciadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento da Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A.

Custas em todas as Instâncias pela Recorrente/Autora/AA.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 14 de março de 2024

Oliveira Abreu (relator)

António Barateiro Martins

Ferreira Lopes