Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13408/16.0T8LSB.L1.S2
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
RESOLUÇÃO BANCÁRIA
BANCO DE PORTUGAL
DELIBERAÇÃO
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
EQUIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Encontram-se exaustivamente indicadas as responsabilidades do BES que não se consideraram transferidas para o NB, nelas se incluindo as responsabilidades do BES decorrentes da violação de disposições ou determinações regulatórias.

II. A análise de validade das várias Deliberações do BdP deve ter lugar à luz da lei que se encontrava em vigor à data da resolução.

III. A resolução constitui uma medida de último recurso para evitar a revogação da autorização para o exercício da atividade bancária e consequente entrada em liquidação (desordenada) de um banco cujo colapso inesperado seria catastrófico para os depositantes, as empresas, os outros bancos, a economia e os contribuintes.

IV. Na aplicação das medidas de resolução, compete ao BdP selecionar discricionariamente “os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição” (art. 145.º-H, n.º 1 do RGICSF).

V. A seguir aos acionistas, as perdas são suportadas pelos credores subordinados e, depois, pela generalidade de outros credores. Os credores de uma mesma classe ou categoria devem ser tratados de forma equitativa. O legislador convoca juízos de equidade e não de igualdade estrita.

VI. Na medida em que se consubstancia numa garantia indemnizatória dos credores do banco resolvido e não num requisito de validade e de eficácia da medida de resolução, o princípio “no creditor worse off” corrobora a permissão para a diferenciação entre credores, abdicando do seu tratamento igualitário.

VII. As Deliberações de 11 e de 14 de agosto de 2014, de 13 e de 29 de dezembro de 2015 não violam os princípios da adequação e da proporcionalidade. Nem as Deliberações subsequentes àquela de resolução violam o princípio da confiança e da segurança jurídica.

VIII. A criação do NB - banco de transição - corresponde a solução adequada para realizar os objetivos de estabilidade do sistema financeiro, é necessária e proporcional stricto sensu.

IX. Não está em causa a exclusão da responsabilidade do BES, mas apenas a permanência do crédito indemnizatório na instituição resolvida, o que não se afigura ilegítimo.

X. Foram respeitados os princípios da proporcionalidade e da adequação, tendo em conta o risco de incumprimento por parte do BES e a gravidade das consequências de cada uma das medidas legalmente previstas (intervenção corretiva, administração provisória ou resolução) em relação às finalidades prosseguidas.

XI. Além de não haverem sido celebrados, sempre se poderia dizer que o contrato de assunção cumulativa de dívida, a promessa pública ou o contrato de prestação de garantia pessoal, típica ou atípica, pelo NB seriam suscetíveis de frustrar as finalidades subjacentes à resolução bancária e de violar os princípios que a regem.

XII. A mera invocação de uma norma ou princípio constitucional – arts. 2.º e 205.º da CRP -, ou de um direito fundamental, não configura uma suscitação processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,


I - Relatório

1. AA intentou contra o Novo Banco, S.A. (doravante NB) e o Banco Espírito Santo, S.A. (doravante BES) ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação solidária de ambos os Réus no pagamento:

- da quantia de 1.300.000 USD, a converter em euros à data do vencimento das obrigações subscritas da obrigações da Espírito Santo Turism (Europe), S.A.;

- do montante de 900.000,00 € a título de capital correspondente à subscrição de obrigações da Espirito Santo Financial Portugal SGPS, S.A.;

- de juros de mora desde a citação, à taxa de 4%.

2. Pedia ainda o reconhecimento, a título incidental, da nulidade parcial das deliberações do Banco de Portugal (doravante BdP) de 3 de agosto de 2014 e de 11 de agosto de 2014.

3. Alega, em síntese, que:

- detinha a sociedade Skywind, com sede no Panamá, que era titular de duas contas bancárias junto do BES, respetivamente n.º …..02 em euros .e nº ….08 em USD;

- que depositava grande confiança no BES e subscrevia as sugestões de investimento em que lhe era assegurada solidez e qualidade, sem analisar previamente qualquer documentação. Por isso, subscreveu (em representação da Skywind), a 23 de novembro de 2009, obrigações da Espírito Santo Turism (Europe), S.A. no montante de 500.000 USD, a 1 de março de 2010, obrigações da Espírito Santo Turism (Europe), S.A. no valor de 500.000 USD e, a 30 de maio de 2012, obrigações da Espírito Santo Turism (Europe), S.A. no valor de 300.000 USD. Subscreveu também, a 28 de maio de 2013, obrigações da Espirito Santo Financial Portugal SGPS, S.A. no valor de 1.000.000 €;

- esta carteira de valores foi para si transferida em virude da dissolução da S......, ficando depositados em contas abertas no BES, em seu nome, por autorização de 24 de novembro de 2015;

- a aquisição dos referidos valores foi aconselhada pelo BES, sendo indicados como muito seguros e não lhe tendo sido dada qualquer informação nem disponibilizada documentação, tendo-se o Autor limitado a assinar os documentos de investimento;

- a Espirito Santo Financial Portugal SGPS, S.A. foi declarada insolvente a 27 de outubro de 2014 e as obrigações da Espirito Santo Turism (Europe) S.A. venceram-se a  2 de dezembro de 2014 e a 26 de fevereiro de 2015, sem que o capital lhe houvesse sido restituído;

- aquando da subscrição das obrigações em causa, não lhe foi prestado qualquer esclarecimento sobre o risco do produto;

- a ocultação do passivo da ESI era do conhecimento de BB, CC e DD, pelo que, quando a Skywind subscreveu as obrigações, o BES, enquanto intermediário financeiro, tinha conhecimento de que a informação não correspondia à verdadeira situação económica e financeira das sociedades emitentes e que elas não poderiam reembolsar os investidores;

- além disso, a Espirito Santo Turism (Europe), S.A. deixou de fazer parte do universo GES em agosto de 2013 e essa informação não foi prestada pelo BES aos investidores. Acresce que, em 2013, o presidente do conselho de administração da Espírito Santo Turism (Europe), S.A. era simultaneamente administrador do BES e da ESI;

- a 3 de dezembro de 2013, o Banco de Portugal determinou a adoção e implementação de medidas destinadas a assegurar a separação de riscos do ramo não financeiro do BES, medidas estas que incluem a criação de uma conta escrow pela Espírito Santo Financial Group (ESFG), holding do sector financeiro do BES, com uma reserva mínima igual ao montante da dívida emitida pela ESI, colocada junto de clientes do BES, em ordem a assegurar o pagamento dessa dívida em caso de incumprimento das sociedades emitentes;

- além disso, o Banco de Portugal determinou ainda ao BES a constituição de provisões para cobertura da dívida do GES subscrita por clientes de retalho, reconhecendo a responsabilidade do BES pelo pagamento dos títulos de dívida emitidos pelas empresas do GES, tendo o BES registado nas suas contas uma provisão de 588,6 milhões de euros para esse efeito;  

- essa provisão de 588,6 milhões de euros transitou para o balanço previsional do NB aquando da aplicação da medida de resolução ao BES;

- a exclusão de transferência das responsabilidades assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição dos instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o GES viola o princípio do tratamento equitativo dos credores, pelo que a deliberação de 3 de agosto de 2014 é parcialmente nula na parte em que exclui essa transmissão de responsabilidade para o NB, nulidade essa que deve ser conhecida a título incidental;

- no caso de assim não se entender, e considerando que a Espírito Santo Turismo S.A. deixou de integrar o Grupo Espírito Santo, as exclusões referidas não abrangeram esta responsabilidade e, por isso, o NB responde pela indemnização peticionada.

4. Citado, o NB foi contestou, invocando a exceção de incompetência absoluta do tribunal para conhecer a pretendida nulidade parcial da Deliberação de Resolução do BES, adotada pelo BdP a 3 de agosto de 2014, por tal matéria estar reservada aos tribunais administrativos. Invoca também a exceção da sua ilegitimidade, por não terem sido para si transferidas as responsabilidades invocadas. Por impugnação, nega que tenha assumido a obrigação de pagamento dos valores investidos pelo Autor e outros investidores em títulos de dívida do GES, nega que disponha de provisão destinada a reembolsar a emissão de obrigações, sendo o balanço invocado provisório e não correspondendo ao seu balanço de abertura, e nega não terem sido explicados ao Autor os riscos inerentes ao investimento e as alternativas de que podia lançar mão, bem como as informações financeiras relativas às entidades emitentes.

5. Também o BES foi citado e contestou, invocando, no essencial, a inutilidade superveniente da lide face à ulterior declaração da sua insolvência.

6. O Autor respondeu às exceções invocadas nas contestações, pugnando pela improcedência das mesmas.

7. Em audiência prévia, foi declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide relativamente ao BES, foi declarada improcedente a exceção da incompetência absoluta do tribunal para incidentalmente conhecer da nulidade parcial da medida de resolução dessa instituição de crédito e foi julgada improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva do NB. Foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

8. Após a audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo o NB do pedido.

9. Não conformado, o Autor interpôs recurso de apelação.

10. Conforme o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de abril de 2018:

“Em face do exposto julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente”.

11. De novo irresignado, o Autor interpôs recurso de revista excecional, apresentando as seguintes Conclusões:

“I.   QUESTÃO    PRÉVIA:    DA   ADMISSIBILIDADE    DO   PRESENTE RECURSO DE REVISTA

1.a Por razões de economia processual, dão-se aqui por integralmente reproduzidos todos os fundamentos constantes dos artigos 1.° a 27.° do requerimento de interposição do presente recurso.

2.a Estando reunidos os pressupostos previstos nos artigos 629.°, n.° 1, e 672.°, n.° 1, ais. a) e b), do CPC, deve o presente recurso de revista excecional ser admitido.

II. Objeto do presente recurso

3.a O presente recurso reporta-se ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 12/04/2018, que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença.

III. Da absolvição do pedido - violação de normas legais e constitucionais - erro de julgamento e nulidades

4.a O douto Acórdão recorrido considerou legais e constitucionais as Deliberações do BdP, não se lhe afigurando que as mesmas ofendam quaisquer normas constitucionais ou legais em vigor.

5.a Admitindo-se que as Deliberações do BdP de 29/12/2015 se limitam a reiterar e clarificar aquilo que já havia sido deliberado pelo BdP em 03/08/2014, como o NB pretende fazer crer e a Sentença e Acórdão também o defendem expressamente, não se vislumbra como é que tal interpretação se coaduna, designadamente, com a "Retransmissão" prevista nestas Deliberações.

Da natureza e conteúdo das Deliberações do BdP "Perímetro" e "Contingência" de 29/12/2015

6.a Compulsadas as Deliberações do BdP de 29/12/2015, verifica-se que, em rigor e ao contrário do que o BdP e o NB pretendem fazer crer, as mesmas introduzem em alguns segmentos, verdadeiras alterações relativamente  às  relações jurídicas  disciplinadas,   não  se  limitando apenas a clarificar e reafirmar o que já constava da deliberação de 03/08/2014.

7.a As deliberações do BdP de 29/12/2015, nos segmentos em que alteram subreptícia e retroativamente o conteúdo da deliberação de 03/08/2014, sempre deverão ser consideradas parcialmente nulas (tal como as deliberações de 03 e 11 de agosto de 2014), maxime, na parte em que excluem da transferência para o NB as responsabilidades assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição dos instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o GES, nos termos do já invocado quer na PI quer no Recurso para o Tribunal da Relação …...

8.a São nulos os atos administrativos que ofendam o conteúdo essencial de um direito ou de um princípio fundamental (artigo 161.°, n.° 2, alínea d), do CPA).

9.a As deliberações em causa têm por finalidade produzir alterações na ordem jurídica existente para que aquilo que na altura constituía um dos fundamentos do direito do Autor/Recorrente deixasse de o ser, independentemente dos efeitos entretanto produzidos.

10.a Ora, tal pretensão ofende claramente direitos fundamentais dos cidadãos constitucionalmente consagrados, designadamente o direito à tutela jurisdicional efetiva, que assim é totalmente subvertido por uma retroatividade totalmente abusiva através da qual é possível, no presente, alterar as "regras de jogo" vigentes num determinado momento anterior com efeitos sobre os factos e os atos então praticados!

11.a Acresce que, o que se clarifica é que não foram transferidos para o NB quaisquer passivos que, à data da resolução de 03/08/2014, fossem contingentes ou desconhecidos; sendo certo que o passivo relativo à obrigação de reembolso da dívida do GES, nos termos das normas contabilísticas, não era "contingente" ou "desconhecido", daí ter sido constituída uma provisão para esse efeito, assumindo-se a mencionada obrigação de reembolso.

12.a Por último, das Deliberações do BdP de 29/12/2015 deduz-se que não são objeto de deliberação, nem por ela afetados, quaisquer passivos criados ou assumidos pelo NB, nem factos ocorridos após 03/08/2014 (data da deliberação do BdP de Resolução).

13.a Ora, nos presentes autos, como decorre da PI, o Autor/Recorrente pretende a condenação do Réu NB no pagamento de uma indemnização correspondente ao montante do investimento efetuado em obrigações, e respetivos juros, no valor global de € 2.062.488,60 (dois milhões, sessenta e dois mil, quatrocentos e oitenta e oito euros e sessenta cêntimos), com fundamento, não só na responsabilidade do Réu BES pela intermediação financeira e sua transmissão para o Réu NB, mas ainda:

•     Na assunção pelo Réu NB da obrigação do seu reembolso; ou

•      Na assunção pelo Réu NB da garantia do seu pagamento.

14.a Em face de tudo o exposto, entendemos que deverá ser revogado, com todas as consequências legais, o Acórdão recorrido, que absolveu o Réu NB do pedido, uma vez que viola, entre outros, o disposto nos artigos 2.° e 205.°, n.° 2, ambos da CRP, sendo, por isso, ademais, inconstitucional.

IV. Da responsabilidade do intermediário financeiro (BES) para com o Autor e sua transmissão para o NB - erro de julgamento -Ilegalidade e inconstitucionalidade das deliberações do Banco de Portugal (BdP)

15.a O Tribunal da 1a Instância concluiu existir responsabilidade do BES enquanto banqueiro e intermediário financeiro perante o Autor, atenta a sua atuação ilícita, culposa, danosa e causal.

16.a Todavia, considerou que a responsabilidade do BES não se transferiu para o NB, atenta a redação da subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 à Medida de Resolução do BES, na versão consolidada da deliberação do BdP de 11/08/2014.

17.a Salvo o devido respeito, entendemos que a leitura que o Tribunal da 1a Instância fez, e que foi corroborada pelo Tribunal da Relação, das Deliberações do BdP de 03/08/2014, 11/04/2014 e de 29/12/2015, e do quadro legal aplicável, em particular das regras constantes do RGICSF, e da Diretiva 2014/59/UE, não é correta.

18.a Com efeito, analisadas as deliberações do BdP face ao disposto na Lei e na Diretiva em questão, verifica-se que o Banco de Portugal não só não respeitou os princípios da adequação e proporcionalidade, como extravasou os seus poderes nas Deliberações em causa nos presentes autos, uma vez que a lei não lhe confere qualquer possibilidade de dizer quem é responsável ou não por determinados factos, faiando apenas em faculdade de decidir quais os ativos e passivos que devem ser transferidos e nunca, por nunca, em-decidir quais os factos pelos quais são responsáveis cada uma das instituições.

19.a Assim, é nosso entendimento que as. Deliberações do Banco de Portugal de 03/08/2014, 11/08/2014 e de 29/12/2015 padecem de ilegalidade e inconstitucionalidade pelo que jamais poderiam ter sido consideradas nos termos em que o foram por ambas as Instâncias.

20.a Compulsadas as normas jurídicas invocadas por ambas as Instâncias do RGICSF e da Diretiva, constata-se que a lei "fala sempre" da faculdade atribuída ao Banco de Portugal de "selecionar os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão" e NÃO da possibilidade ou faculdade do Banco de Portugal decidir das "responsabilidades do BES ou do Novo Banco perante terceiros".

21.a Em jeito conclusivo, as Deliberações do Banco de Portugal sempre deverão ser consideradas parcialmente nulas na parte em que excluem da transferência para o NB as responsabilidades assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição dos instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o GES, nos termos do já invocado na PI e porque a lei não atribui tal possibilidade ao Banco de Portugal.

22.a Pelo que, mal andou o douto Acórdão ao confirmar a Sentença Recorrida, absolvendo o Réu NB, fundamentando tal decisão com a medida de Resolução do Banco de Portugal de 03/08/2014, 11/08/2014, e de 29/12/2015, afirmando, que as mesmas são conformes à Constituição e à lei, uma vez que tais deliberações violam normativos constitucionais e legais, conforme alegado na PI.

Nestes termos,

Deve o Acórdão do Tribunal da Relação ser revogado e substituído por outro que julgue procedentes as nulidades parciais e inconstitucionalidades invocadas relativamente às deliberações do BdP de 03 e 11 de agosto de 2014 e de 29 de dezembro de 2015, bem como o pedido formulado contra o Réu Novo Banco, com todas as consequências legais. Assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!

12. O Réu apresentou contra-alegações, expondo as seguintes Conclusões:

“A. O Tribunal da Relação da Lisboa, no Acórdão recorrido confirmou, na íntegra, a decisão proferida em sede de primeira instância no que diz respeito ao aqui Recorrido, Novo Banco.

B . Assim sendo, existe dupla conforme relativamente ao aqui Réu, conforme douto Acórdão do Tribunal da Relação da Lisboa que "faz concluir pela improcedência das conclusões do recurso do A, sendo de manter a sentença recorrida, por não haver que fazer qualquer censura à mesma".

C. Tal circunstância, veda a interposição do recurso de revista, na medida em que a sindicância das questões sub judice se mostra vedada, por aplicação do artigo 671.°, n.° D. Carece, na fundamentação, o cumprimento do ónus por parte do Recorrente, ao qual incumbia a demonstração da proficiência do seu argumento, designadamente na explanação, concretização e na delimitação da questão que pretende ver apreciada e na relevância social que considera existir para fundamentar a apresentação do respectivo recurso.

E. Conforme já decidiu anteriormente o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de revista excepcional não visa a defesa de interesses das partes mas a protecção do interesse geral na boa aplicação do direito.

F. Tal recurso pressupõe ainda que a resolução da questão possa implicar "fortes dúvidas e probabilidade de decisões jurisprudenciais divergentes em diversos processos de natureza cível presentes nos tribunais ou ainda que suscite forte controvérsia, seja por ser objecto de debates doutrinários ou jurisprudenciais, seja por ser inédita por nunca ter sido antes apreciada".

G. Tem o douto Tribunal da Relação de Lisboa, em situações semelhantes confirmado a decisão do Tribunal a quo e, bem assim, as decisões veiculadas pelo Supremo Tribunal de Justiça têm seguido a mesma posição jurisprudencial, no que diz respeito ao aqui Recorrido, Banco.

H. Não deve o presente recurso de revista excepcional ser admitido, por falta de verificação dos seus pressupostos de admissibilidade.

I. Pese embora os Recorrentes considerem existir uma provisão constituída pelo Banco Espírito Santo para o reembolso da dívida do Grupo Espírito Santo, subscrita por clientes de retalho e que tal responsabilidade foi transferida para o Recorrido, tal não corresponde à verdade.

J. No que respeita à alegada provisão, o balanço que constitui o anexo 2 da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 03/08/2014 é provisório e não corresponde ao efetivo balanço de abertura do ora Recorrido.

K. Nos termos do ponto 3 da deliberação de 03/08/2014, o Conselho de Administração do Banco de Portugal determinou que os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob a gestão do BES, deviam ser avaliados por uma entidade independente, para no prazo de 120 dias, proceder àquela avaliação e, só após a realização da mesma seria possível elaborar e consolidar o balanço de abertura do Novo Banco, S.A., balanço este que se encontra publicado com a data de 03/12/2014, no site da CMVM.

L. Não consta do dito balanço a alegada provisão para fazer face a quaisquer responsabilidades do Novo Banco, assumidas ou por assumir, referentes a pagamento a clientes que tivessem adquirido obrigações emitidas por entidades que integram o GES.

M. Deste modo, nunca a responsabilidade que os Recorrentes pretendem assacar ao ora Recorrido Novo Banco, lhe poderá ser imputada como bem decidiu tanto o Acórdão recorrido como a sentença proferida em primeira instância.

N. Não existe também qualquer violação dos princípios da adequação e proporcionalidade nem o Banco de Portugal extravasou os poderes que lhe foram legalmente conferidos.

O. Destarte, não existe qualquer nulidade das Deliberações do BdP "na parte em que excluem da transferência para o Recorrido NOVO BANCO, S.A. as responsabilidades assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição dos instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o GES (...)".

P. De facto e como já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, "a resolução do BdP foi deliberada por razões de interesse público, particularmente com vista à prevenção do   risco sistémico, atendendo à importância da actividade bancária para o equilíbrio do sistema financeiro e até para garantir o interesse público subjacente às funções que desenvolve, como sejam o financiamento da economia e a gestão dos serviços de pagamentos, obstando ao colapso financeiro do BES e a consequente contaminação de todo o sistema financeiro nacional com as consequentes perdas para a economia geral (…)

Q. Acrescentando que "A medida de resolução implica, é certo, uma intromissão do poder público no tecido empresarial privado num contexto económico de crise no intuito de evitar, tanto quanto possível, que os bancos sejam resgatados por capitais públicos, mas no intuito de obstar a que se permaneça "num horizonte referencial em que os lucros são privados e os prejuízos são públicos". Portanto, esta solução de garantir a minimização das perdas para o Estado poderá reconduzir-se a um interesse superior à protecção da propriedade privada."

R. Ainda que da transmissão parcial ou total quer de activos, quer de passivos possam resultar prejuízos para credores ou até prejudicar a igualdade de tratamento dos mesmos, a entidade de supervisão tem competência e pode, efectivamente, proceder a essa transferência desde que norteie a sua conduta pelos princípios já indicados, assim como o princípio do interesse público.

S. Não são as medidas de resolução, presentes nos autos, inconstitucionais ainda que possam afectar determinados direitos dos credores como supra exposto, desde que respeitados os princípios indicados, o que aconteceu.

T. Na verdade, as deliberações do Banco de Portugal de 29.12.2015 não introduzem quaisquer alterações relativamente a relações jurídicas já reguladas mas apenas clarificam as anteriores deliberações, no uso dos poderes conferidos a esta entidade.

U. Foi no uso dos poderes que o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras lhe atribui, ao abrigo do disposto nos artigos 139.°, 140.°, 145.°-C, 145.°-0,145.°-AB e 145-AT do RGICSF e, bem assim nos artigos 1°, 17.° e 17.°-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, que o BdP deliberou, através das Deliberações datadas de 3 e 11 de Agosto de 2014, quais as responsabilidades e contingências do BES, que não seriam transferidas para o Novo Banco, S.A, bem como procedeu, através da Deliberação de 29.12.2015, única e exclusivamente, à clarificação e a reafirmação do que já constava do teor da Deliberação de 03.08.2014.

V. Nos termos do artigo 139.° do RGICSF, o Banco de Portugal pode adoptar as medidas sujeitas aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em consta o risco ou o grau de adequação e de proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como a gravidade das respectivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.

W. Não está o Banco de Portugal vinculado a observar qualquer relação de precedência, estando habilitado, de acordo com as exigências de cada situação e os princípios indicados, a combinar medidas de natureza diferente.

X. É da competência exclusiva do Banco de Portugal a constituição de uma instituição de crédito de transição, bem como a definição da sua actividade e estatutos aplicáveis à mesma e, ainda, dos seus activos, passivos e elementos extrapatrimoniais susceptíveis de transmissão.

Y. Não foram, nem poderiam ser, transmitidas para o aqui Recorrido, NOVO BANCO, S.A as responsabilidades assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição dos instrumentos de dívidas emitidos por entidades que integram o GES

Z. A verdade é que ficaram expressamente excluídas da transmissão quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias.

AA. Dúvidas não restam, salvo melhor opinião, que as Deliberações do BdP de 29.12.2015 não contêm verdadeiras alterações com efeito retroativo ao teor da deliberação de 03.08.2014, nem tampouco devem ser consideradas parcialmente nulas, na parte em que excluem da transferência para o NB as responsabilidades assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição dos instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o GES, mas constituem apenas clarificações.

BB. Nunca seria o direito à tutela efectiva violado, nem tampouco limitado, uma vez que os Recorrentes podem e, devem reclamar o seu alegado crédito dentro dos prazos e no âmbito do processo de liquidação da dita instituição bancária, processo esse onde se fará a execução do activo restante, cujo produto será utilizado para satisfação do passivo que nele vier a ser verificado e graduado.

CC. Não há qualquer afastamento das pretensões creditícias dos Recorrentes, nem ficaram os mesmos impedidos de obter o ressarcimento do alegado crédito.

DD. O Recorrido NOVO BANCO, S.A. nunca assumiu, fosse porque forma fosse, a obrigação de reembolso do capital investido na compra das obrigações comercializadas pelo BES, emitidas por entidades que integram o GES.

EE. O Recorrido Novo Banco, S.A. não é o responsável pelo reembolso do capital investido por clientes na compra de investimentos sub judice, por um lado, porque a eventual responsabilidade do BES enquanto intermediário financeiro não foi transferida para o Novo Banco, S.A. e por outro porque, a única entidade responsável pelo reembolso do capital investido é a sociedade emitente.

FF. Do exposto resulta que andou bem o douto acórdão, ao julgar totalmente improce-dentes todos os pedidos formulados contra o ora Recorrido NOVO BANCO, em face das deliberações do Banco de Portugal em apreço, não merecendo o mesmo qualquer reparo.

Nestes termos e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida, para todos os efeitos legais como é de Direito e Justiça!”

13. Tratando-se de um recurso de revista excecional, interposto à luz dos arts. 672.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC, a Relatora remeteu os autos à Formação do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 3, em ordem à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do mesmo preceito.

14. A Formação admitiu o recurso à luz do art. 672.º, n.º 1, al. b), do CPC.

15. A 26 de dezembro de 2019, a Relatora proferiu despacho a suspender a instância com base no pressuposto de que, dentro de um curto período de tempo, seria alcançada uma solução para o RUJ n.º 1479/….., com a inerente uniformização de jurisprudência relativamente às  questões que dele são objeto [questões estas que consistem em saber se o intermediário financeiro que não informa o investidor-cliente sobre o risco em que, em abstrato, pode incorrer em virtude de incumprimento do emitente de obrigações (maxime em caso de insolvência) e que as equipara a depósitos a prazo, viola ilicitamente os deveres de informação que sobre si impendem, de um lado e, de outro, se o art. 304.º-A, n.º 2, do CVM, consagra uma presunção de causalidade entre o fundamento de responsabilidade e o dano sofrido pelo investidor, que os deveres de informação visam prevenir].

16. A 8 de fevereiro de 2021, à luz dos arts. 6.º e 3.º do CPC, a Relatora convidou as partes a pronunciarem sobre a (in)existência de qualquer obstáculo ao levantamento da suspensão e ao normal prosseguimento do processo, uma vez que o pressuposto em que tal suspensão assentou se alterou: em virtude da pandemia de COVID-19 provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, que assolou o mundo no primeiro trimestre de 2020, continuam sem decisão aquele e os demais recursos de uniformização de jurisprudência pendentes, apesar do longo período de tempo entretanto já decorrido. Por outro lado, uma das soluções plausíveis do litígio destes autos é a da desnecessidade de convocar as questões de direito que são objeto do RUJ referido supra.

17. Nenhuma das partes respondeu ao convite.


II – Questões a decidir

 Atendendo ao Acórdão da Formação do Supremo Tribunal de Justiça e às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões:

a) Se a obrigação de indemnização do BES perante o Autor, decorrente da sua conduta ilícita e culposa enquanto intermediário financeiro, se transferiu para o NB;

b) Se as deliberações do BdP, que excluem a transferência para o NB, dessa obrigação do BES se encontram feridas de invalidade ou de inconstitucionalidade;

c) Se o NB assumiu a obrigação de reembolso e de pagamento dos juros das obrigações adquiridas pelo Réu, ou a obrigação de garantia do respetivo cumprimento pelas sociedades emitentes.


III - Fundamentação

A) De Facto

O Tribunal de 1.ª Instância considerou como provada a seguinte matéria de facto:

1. O A. é um cidadão de nacionalidade …. que iniciou o seu relacionamento com o BES através de uma sociedade cujo capital detinha, denominada Skywind Inc., com sede e registo público na República do Panamá, secção comercial, ficha n.º …., documento n.º ….

2. Em nome da sociedade S...... o A. em 22/4/2008 abriu duas contas junto do BES com os n.ºs ….02 e .….08, respectivamente em euros e USD.

3. Em 2/12/2008 a Skywind. recebeu uma carta do BES, com vista a qualificá-la como “Cliente Não Profissional”.

4. Todo o relacionamento comercial estabelecido com o BES pautou-se por uma grande confiança que o A. depositava no e no gestor de conta.

5. O A., em representação da sociedade Skywind, aconselhado pelo BES decidiu investir:

- Em 23/11/2009, USD 500.000,00;

- Em 1/3/2010, USD 500.000,00; e

- Em 30/5/2012, USD 300.000,00, todos na compra de obrigações da sociedade Espírito Santo Tourism (Europe), S.A.

6. E também aconselhado pelo BES, decidiu ainda investir, em 28/5/2013, € 1.000.000,00 na compra de obrigações da sociedade Espírito Santo Financial Portugal.

7. Em 29/11/2015 a Skywind tinha na sua carteira de títulos entre outros, designadamente:

- As obrigações Espírito Santo Tourism (Europe), S.A. no valor global de USD 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil dólares);

- Obrigações Espírito Santo Financial Portugal no valor global de € 900.000,00 (novecentos mil euros).

8. A Skywind foi dissolvida em 17/11/2015 e aquela carteira de obrigações foi transferida, com os direitos inerentes, para uma nova conta aberta em 12/09/2014 no BES em nome do A., com o número …..

9. Uma parte – USD 500.000,00 – das obrigações Espírito Santo Tourism (Europe), S.A. tinham data de vencimento em 2/12/2014 e previam o pagamento de juros anuais à taxa de 5,75%, - a restante parte – USD 800.000,00 – das obrigações Espírito Santo Tourism (Europe), S.A. tinham data de vencimento em 26/2/2015 e previam o pagamento de juros anuais à taxa de 5,7%, e, € 900.000,00 das obrigações Espírito Santo Financial Portugal tinham data de vencimento em 30/5/2016 e previam o pagamento de juros semestrais à taxa de 5,125%.

10. Quando sugeria a aquisição dos títulos, o BES apresentava-os como investimento de baixo risco e produtos seguros, por estarem associados ao Grupo Espírito Santo, o que era determinante para a decisão de investimento.

11. Não foi disponibilizada informação relativa à situação financeira dos emitentes, aquando da aquisição dos produtos.

12. Em 2/12/2014 e em 26/2/2015 as obrigações da Espírito Santo Tourism (Europe), S.A. subscritas venceram-se, sem que o capital investido e os respectivos juros tenham sido reembolsados; e a Espírito Santo Financial Portugal, SGPS, S.A. foi declarada insolvente em 27/10/2014.

13. Em nenhum momento anterior à assinatura dos referidos documentos de subscrição das Obrigações, foi explicado o teor ou significado do texto do penúltimo parágrafo do doc. 5 (fls. 21), onde consta “Declaro ser do meu/nosso conhecimento e total responsabilidade a performance e o risco da execução desta ordem, bem como a legislação aplicável e do preçário em vigor para a boa execução da mesma”.

14. A sociedade Espírito Santo International, S.A. (ESI), com sede no Luxemburgo, veio a ser declarada falida pelo Tribunal de Comércio do Luxemburgo em 27/10/2014, no processo de falência n.º 593/14.

15. Em 2013 o Presidente do Conselho de Administração da sociedade Espírito Santo Tourism (Europe), S.A.,CC, era, ao mesmo tempo, também administrador do BES e da ESI.

16. Em 2013 o Presidente do Conselho de Administração do BES, BB, era, ao mesmo tempo, também vogal do Conselho de Administração da ESI.

17. Face à grave situação financeira detectada nas contas da ESI o Banco de Portugal determinou a 3/12/2013 a implementação de medidas com vista a assegurar uma separação dos riscos, o denominado “ring-fencing”, emergentes do ramo não financeiro do GES.

18. Em 3/12/2013 o Banco de Portugal determinou à Espírito Santo Financial Group (ESFG), holding do sector financeiro do BES, a criação de uma conta dedicada (escrow account) com uma reserva mínima igual ao montante da dívida emitida pela ESI, colocada junto de clientes do BES, de modo a assegurar o reembolso dessa dívida em caso de incumprimento da entidade emitente.

19. Além disso, o Banco de Portugal determinou ao BES que deveria constituir provisões para cobertura da dívida do GES subscrita por clientes do retalho tendo o BES constituído e registado nas suas contas, uma provisão de 588,6 milhões de euros para esse efeito.

20. Em reunião extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 3/8/2014, foi deliberada a resolução do BES, além do mais, com a constituição do R. Novo Banco, ao abrigo do art.º 145º-G nº 5 do RGICSF, transferindo para o R. Novo Banco de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES.

No anexo II a essa deliberação, foram referidos “Os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES, registados na contabilidade, que serão objecto de transferência para o Novo Banco, SA, de acordo com os seguintes critérios:

a)-Todos os activos, licenças e direitos, incluídos direitos de propriedade do BES serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA com excepção dos seguintes:

b)- As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA, com excepção dos seguintes (“Passivos Excluídos”):

v)- Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violação de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;

vii)- Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo Espírito Santo.

21. Em reunião Extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 11/8/2014, foi deliberado clarificar e ajustar o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES, transferidos para o R. Novo Banco, definindo, além do mais, de modo mais preciso as exclusões constantes da subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 03 de agosto (considerando 21) (…) e “Na subalínea (vii) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, deve ficar explícito que os passivos do BES nela referidos que não foram transferidos para o Novo Banco abrangem quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, embora sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de junho de 2014, desde que estas estipulações estejam documentalmente comprovadas nos arquivos do BES em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas;”.

Assim, a subalínea (v) e a subalínea (vii) da alínea b) do anexo 2 da deliberação de 3/8/2014, passaram, respectivamente, a ter as seguintes redacções:

(v)- “Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;”

(vii)- “Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o grupo Espírito Santo, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”

22. Por Deliberação de 29/12/2015, do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi deliberado, além do mais, alterar a redacção da subalínea (vii) da alínea b) do anexo 2 da deliberação de 3/8/2014, que passou a ter a seguinte redacção:

“Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respectivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respectivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”

23. Em 14/8/2014 o R. Novo Banco divulgou um comunicado à imprensa no qual, em síntese, afirmava “…estar determinado a comprar aos clientes de retalho do Novo Banco o papel comercial emitido pela ESI e pela Rio Forte subscritos na rede de retalho do BES até 14 de Fevereiro de 2014, tal como fora anteriormente afirmado pelo BES.”

Foi considerada como não provada a seguinte matéria de facto:

a) A. decidia os investimentos sem analisar qualquer documentação a eles relativa;

b) Até 2013 as aplicações de clientes não residentes do BES, como era o caso do A., serviram para financiar a ESI e outras empresas do Grupo Espírito Santo, como a Espírito Santo Tourism (Europe), S.A.;

c) À data da aquisição das obrigações pela Skywind, as contas de várias das sociedades do Grupo Espírito Santo, nomeadamente da sociedade Espírito Santo International, S.A. (ESI - sociedade de cúpula do grupo) não eram exactas nem reflectiam a sua real situação e capacidade de cumprir as suas obrigações;

d) A ocultação do passivo da ESI era do conhecimento de BB, CC, DD e EE;

e) Quando o A., através da sua sociedade Skywind., subscreveu as obrigações, em 23/11/2009, 1/3/2010, 30/5/2012 e 28/5/2013, o BES, enquanto intermediário financeiro e como sociedade integrante do Grupo BES e GES, tinha perfeito conhecimento que a informação que deu, de solidez da emissão dessas obrigações, não correspondia à verdadeira situação económico-financeira das sociedades emitentes;

f) O BES conhecia perfeitamente as contas da ESI e também da Espírito Santo Tourism (Europe), da Espírito Santo Financial Portugal e das várias empresas pertencentes ao GES e BES;

g) A Espírito Santo Tourism (Europe), S.A. é uma sociedade de direito …. que deixou de fazer parte do universo do GES em Agosto de 2013;

h) Aquela provisão (de 588,6 milhões de euros), supra referida em 19. transitou para o balanço provisional do R. Novo Banco;

i) O Banco de Portugal confirmou a existência no Balanço do R. Novo Banco de uma provisão destinada ao reembolso dos montantes aplicados em títulos de dívida emitidos por entidades do GES;

j) Foram apresentadas alternativas de investimento à S......;

k) Foram esclarecidas à S...... o conteúdo e alcance das cláusulas constantes dos impressos dos contratos de ordens de subscrição das obrigações”.

B) De Direito

1. Em causa no presente processo está uma acção movida por um particular de nacionalidade …. contra o BES e o NB, tendo em vista a sua condenação solidária no pagamento de uma determinada quantia a título de indemnização, acrescida de juros de mora, peticionando-se, ainda, a título incidental, que se conheça da nulidade parcial das deliberações do BdP relativas à medida de resolução bancária aplicada ao BES.

2. A ação funda-se na aquisição por uma sociedade registada no …. – de que o Autor era sócio e que foi, entretanto, dissolvida com transferência dos ativos para o Autor – de determinadas obrigações, objecto da atividade de intermediação financeira pelo BES.

3. Tais obrigações venceram-se sem que o capital investido tenha sido reembolsado e os respetivos juros hajam sido pagos ao Autor. Nem o BES e nem o NB procederam ao pagamento reclamado apesar da constituição de uma provisão do BES para o efeito. Na opinião do Autor, a medida de resolução transferiu essa responsabilidade para o NB, e, no caso de assim não se entender, devem considerar-se nulas as deliberações do BdP que decidiram que a responsabilidade por este reembolso do capital investido e pagamento dos respetivos juros se mantinha no BES.

4. Por despacho, proferido após o decurso da fase dos articulados, foi declarada extinta a instância relativamente ao Réu BES, com fundamento em inutilidade superveniente da lide em virtude da revogação da autorização para o exercício da atividade bancária, tendo tal decisão transitado em julgado sem que tenha sido interposto qualquer recurso.

5. O Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal da Relação …. entenderam não haver qualquer responsabilidade do NB para com o Autor em razão dos atos praticados pelo BES, por essa responsabilidade não ter sido para si transferida.

6. O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou, em diversos arestos, sobre estas questões[1].

7. O fundamento da responsabilidade civil do BES enquanto intermediário financeiro resultava, justamente, da inobservância/violação de disposições legais regulatórias relativas aos deveres de informação, adequação e categorização dos clientes. De acordo com a subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 à Deliberação de Resolução do BES, (…) ficaram expressamente excluídas da transmissão “Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinação regulatórias…”. Concluiu não se haverem transmitido para o NB as obrigações resultantes da responsabilidade civil do BES enquanto intermediário financeiro.

8. Com efeito, em anexo à Deliberação de 3 de agosto de 2014, o BdP determinou o seguinte:

“(b) As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA, com exceção dos seguintes ("Passivos Excluídos"):

(i) passivos para com (a) os respetivos acionistas, cuja participação seja igual ou superior a 2% do capital social ou por pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores à transferência tenham tido participação igual ou superior a 2% do capital social do BES; membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição, (b) as pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores à criação do Novo Banco, SA, e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação, (c) os cônjuges, parentes ou afins em 1 ° grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades referidos nas alíneas anteriores, (d) os responsáveis por factos relacionados com a instituição de crédito, ou que deles tenham tirado benefício, diretamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por ação ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, no entender do Banco de Portugal; (ii) Obrigações contraídas perante entidades que integram o Grupo Espírito Santo, com exceção das entidades integradas no Grupo BES, excluindo o Banco Espírito Santo Angola, SA., Espírito Santo Bank (…) e Aman Bank (…..), tendo em vista a preservação de valor dos ativos a transferir para o Novo Banco, SA;

(iii) Obrigações contraídas ou garantias prestadas perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades que integram o Grupo Espírito Santo, com exceção das entidades integradas no Grupo BES;

(iv) Todas as responsabilidades por créditos subordinados resultantes da emissão de instrumentos utilizados no cômputo dos fundos próprios do BES, cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal;

(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais;

(vi)   Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a emissões de

ações ou dívida subordinada;

(vii)   Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Espírito Santo.”

9. As responsabilidades do BES que não foram objeto de transferência para o NB, permaneceram na sua esfera jurídica.

10. Tendo surgido dúvidas, o BdP deliberou clarificar a Deliberação de 3 de agosto de 2014, mormente no que toca a passivos não transmitidos para o NB. Deste modo, por Deliberação de 1l de agosto de 2014, o supra referido ponto (b), excluindo, agora, o ponto (i), passou a ter a seguinte redação (respeitante a passivos excluídos):

“(ii) Obrigações contraídas perante entidades que integram o Grupo Espírito Santo e que constituam créditos subordinados nos termos dos artigos 48.° e 49.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com exceção das entidades integradas no Grupo BES cujas responsabilidades perante o BES foram transferidas para o Novo Banco, sem prejuízo, quanto a esta entidades, da exclusão prevista na subalínea (v);

(iii) Obrigações contraídas ou garantias prestadas perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades que integram o Grupo Espírito Santo, com exceção das entidades integradas no Grupo BES cujas participações sociais tenham sido transferidas para o Novo Banco, SA;

(iv) Todas as responsabilidades resultantes da emissão de instrumentos que sejam, ou em algum momento tenham sido, elegíveis para o cômputo dos fundos próprios do BES e cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal;

(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;

(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a ações, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o BES;

(vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”

11. A persistência de dúvidas quanto aos passivos excluídos de transferência para o NB conduziu o BdP, a 13 de maio de 2015, a novas clarificações.

“Considerando que:

1. Foram recentemente colocadas ao Banco de Portugal, por Potenciais Compradores do Novo Banco SA (Novo Banco), participantes do respetivo processo de venda, dúvidas sobre a transferência para o Novo Banco de eventuais obrigações contraídas e garantias prestadas perante terceiros pelo Banco Espírito Santo, S.A. (BES), designadamente perante os seus clientes de retalho, relacionadas com a comercialização de instrumentos de dívida do Grupo Espírito Santo (GES), bem como de quaisquer outro tipo de possíveis responsabilidades do BES emergentes ou conexas com essa comercialização;

2. Cabe ao Banco de Portugal, enquanto autoridade de resolução, determinar os efeitos da medida de resolução adotada em 3 de agosto de 2014, fazendo aplicação dos conceitos genéricos constantes do Anexo 2 à deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20.00 horas), com a redação que lhe foi dada pela deliberação do mesmo Conselho de Administração de 11 de agosto de 2014 (17.00 horas) (deliberação de resolução), a situações concretas de incerteza ou dúvida, de modo a clarificar o perímetro exato dos ativos e passivos transferidos para o Novo Banco;

3. A competência-do Banco de Portugal, para este efeito, é ainda a que se refere à seleção dos ativos e passivos a transferir, na medida em que se mostre necessário explicitar a correspondência de certos ativos ou passivos individualizados com as categorias genéricas previstas na medida de resolução;

4. No caso presente, a clarificação das dúvidas suscitadas pressupõe a interpretação e conjugação sistemáticas das subalíneas (iii), (v) e (vii) da alínea b) do Ponto 1. do Anexo 2 à deliberação de resolução e definir o alcance das exclusões nelas previstas, muito em particular da exceção constante da acima identificada subalínea (vii), quando esta se refere à existência de «créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em moldes que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas»;

5. A subalínea (iii) da alínea b) do parágrafo 1. do Anexo 2 da deliberação de resolução excluiu da transferência para o Novo Banco as obrigações contraídas e as garantias prestadas pelo BES perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades do GES, com exceção das entidades cujas participações sociais que tenham sido transferidas para o Novo Banco;

6. A referência a terceiros nesta subalínea não prevê qualquer exceção, pelo que nessa referência estão necessariamente incluídos todos aqueles que investiram em instrumentos de dívida de entidades do GES, na eventualidade de, relativamente a eles, o BES ter contraído obrigações ou prestado garantias;

7. Ao mesmo tempo, e por força da mesma disposição, tem de entender-se que só foram transferidas para o Novo Banco as obrigações contraídas pelo BES relacionadas com qualquer tipo de responsabilidades de entidades do GES se as mesmas já fossem exigíveis perante o BES à data da medida de resolução, ou seja, se o respetivo prazo já se tivesse vencido ou, sendo os respetivos créditos condicionais, se a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se tivesse verificado;

8. Tanto a subalínea (iii), no sentido acabado de referir, como a subalínea (v) obedecem a imperativos de certeza na delimitação dos passivos transferidos e excluídos da transferência para o Novo Banco, bem como a critérios de expurgo da exposição ao risco GES, procurando reduzir os riscos sobre esse balanço associados à incerteza de vicissitudes ou factos relevantes que pudessem vir a afetar a capacidade financeira e solvência das entidades do GES;

9. Estas opções assumiram um papel central na configuração da medida de resolução e constituem pressupostos cruciais da sua viabilidade e do seu sucesso, à luz das finalidades da deliberação de 3 de agosto de 2014 e dos próprios limites inerentes à criação de um banco de transição a partir de uma instituição em grave desequilíbrio financeiro.

10. A certeza assim conseguida foi igualmente determinante para calcular o montante dos meios financeiros disponibilizados pelo Fundo de Resolução para tornar possível a resolução do BES e o auxílio público que, por insuficiência de fundos imediatamente disponíveis no Fundo de Resolução, foi prestado pelo Estado ao Fundo de Resolução e indiretamente à constituição e capitalização do Novo Banco;

11. Por outro lado, a subalínea (vii) da alínea (b) do mesmo parágrafo 1. do Anexo 2 à deliberação de resolução, que trata especificamente de situações geradas pela atuação do BES enquanto intermediário financeiro na comercialização de instrumentos de dívida de entidades do GES, não pode ser entendida como tendo transferido passivos que se encontram excluídos por força de outras subalíneas do Anexo 2, nomeadamente na subalínea (iii);

12. A referência a «eventuais créditos não subordinados» na subalínea (vii) tem que ser compatível com os princípios subjacentes às exclusões previstas nas outras subalíneas, ou seja, apenas abrange aqueles eventuais créditos não subordinados sobre o BES que já fossem exigíveis (e incondicionais) antes da aplicação da medida de resolução ao BES e que resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar nos moldes previstos na referida subalínea (vii);

13. A exceção aberta pela subalínea (vii) não pode, portanto, em caso nenhum ser entendida no sentido de permitir a transferência para o Novo Banco de eventuais obrigações ou responsabilidades genericamente relacionadas com o reembolso de instrumentos de dívida emitidos por entidades do grupo GES, por motivo da incapacidade destas entidades de honrarem os seus compromissos, o Conselho, ao abrigo da competência conferida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, e com vista à correta interpretação e aplicação dos efeitos da medida de resolução constante das deliberações de 3 e 11 de agosto de 2014, determinou o seguinte:

A. A luz do disposto nas subalíneas (iii), (v) e (vii) da alínea (b) do parágrafo 1. Do Anexo 2 da deliberação de resolução, não foram transferidas para o Novo banco as eventuais obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências eventualmente assumidas pelo BES, nomeadamente perante clientes de retalho, na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, salvo o disposto na parte final da subalínea (vii) de acordo com a interpretação definida em B);

B. Na subalínea (vii) da alínea (b) do parágrafo 1. do Anexo 2 da deliberação de resolução, a expressão «sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados» tem que ser entendida em termos que assegurem a sua compatibilidade com os princípios subjacentes às exclusões previstas nas outras subalíneas, designadamente na subalínea (iii), ou seja, apenas abrange:

(i) os eventuais créditos não subordinados que fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado; e

(ii) os eventuais créditos não subordinados que resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar nos moldes previstos na referida subalínea (vii)”.

12. De acordo com a Deliberação Contingências, adotada pelo BdP a 29 de dezembro de 2015 (deliberação clarificadora da deliberação de 3 de agosto de 2014, com a redação que lhe foi dada pela deliberação de 11 de agosto de 2014),

O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo Novo Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES”.

13. Encontram-se exaustivamente indicadas as responsabilidades do BES que não se consideraram transferidas para o NB, nelas se incluindo as responsabilidades do BES decorrentes da violação de disposições ou determinações regulatórias. Sendo essas disposições ou determinações regulatórias aquelas invocadas pelo Autor e reconhecidas no acórdão como tendo sido violadas pelo BES no exercício da sua atividade. Dessa violação nasceu a obrigação de indemnizar do BES.

14. Por isso, tanto a sentença como o acórdão recorrido concluíram pela não transmissão dessas responsabilidades para o NB.

Não transferência das responsabilidades em causa nos autos do BES para o NB/Invalidade (parcial) das deliberações do BdP de 4 de agosto de 2014 (Deliberação Resolução), de 11 de agosto de 2014 (Deliberação Clarificação de Perímetro) e de 29 de dezembro de 2015 (Deliberação Contingências) na parte em que excluíram da transferência para o NB as obrigações, garantias, responsabilidades e contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição dos instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o GES, por violação do princípio do tratamento equitativo dos credores, consagrado no art. 145.º-B, n.º 1, al. b), do RGICSF, na redação em vigor à data da Deliberação de Resolução e, por isso, a responsabilidade do BES foi transferida para o NB 

a) A lei aplicável

1. A análise de validade das Deliberações do BdP referidas supra deve ter lugar à luz da lei que se encontrava em vigor à data da resolução.

2. Não se ignora o disposto na Diretiva 2014/59/UE, de 15 de maio de 2014 - que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento - nem nas alterações subsequentes que, visando a completa transposição da Diretiva, foram introduzidas no RGICSF.

3. A 3 de agosto de 2014, esta Diretiva encontrava-se em período de transposição. Id est, estava em vigor desde 3 de julho de 2014 (art. 131.º), mas o período para os Estados-membros conformarem os seus ordenamentos jurídicos com o seu conteúdo terminava apenas em dezembro de 2015.

4. Todavia, ao tempo da resolução do BES, a Diretiva encontrava-se parcialmente transposta pelo DL n.º 114-A/2014, de 1 de agosto. As disposições que já estavam então transpostas – antes do termo do prazo limite de transposição - são naturalmente aplicáveis, por via da transposição, às referidas Deliberações do BdP. As restantes disposições não vinculavam ainda o Estado português e são, por isso, insuscetíveis de produzir, nesse período, efeito direto.

5. Também nesse período, não é aplicável o princípio da interpretação conforme[2].

6. Seja como for, conforme se demonstra infra, as Deliberações são inteiramente válidas à luz da lei vigente a 3 de agosto de 2014, da Diretiva e das normas nacionais que, ulteriormente, completaram a transposição da Diretiva

b) Aspetos relevantes da resolução bancária

1. O BdP é, entre nós, a Autoridade de Resolução. A medida de resolução de uma instituição de crédito consiste, na modalidade que aqui interessa, na transferência total ou parcial, para um banco de transição – criado pelo BdP, com capital realizado pelo Fundo de Resolução (doravante FR) (arts. 153.º-B e ss. do RGICSF) –, dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de um banco que se encontre, nomeadamente, em situação de falta de solvibilidade e (ou) liquidez, pondo em causa, designadamente, as poupanças aí depositadas, com grave risco de propagação sistémica dessa situação a outros bancos e ao sistema financeiro em geral (art. 145.º-A do RGICSF).

2. A resolução constitui uma medida de último recurso para evitar a revogação da autorização para o exercício da atividade bancária e consequente entrada em liquidação (desordenada) de um banco cujo colapso inesperado, em virtude da sua dimensão e da sua participação no sistema financeiro e na economia, seria catastrófico. Com efeito, essa liquidação (desordenada), é suscetível de causar efeitos sistémicos graves e danos irreparáveis aos depositantes, às empresas, aos outros bancos, à economia e aos contribuintes.

3. As medidas de resolução, previstas nos arts. 145.º-A e ss. do RGICSF, visam evitar a entrada em liquidação de um banco revestido de importância sistémica - como era o BES -, assim como os efeitos destrutivos por si implicados nas poupanças, na confiança do público, no sistema bancário e na economia. Afigura-se, pois, necessário prevenir a interrupção repentina da atividade de um grande banco, sem, porém, causar enormes sacrifícios aos contribuintes e avultosas perdas para o erário público. Devem aplicar-se medidas de resolução para evitar tanto aqueles sacrifícios e perdas como a liquidação desordenada dos direitos dos depositantes e da maioria dos credores, com prejuízo, até, de interesses constitucionais como aqueles plasmados no art. 101.º da CRP.

4. A constituição do banco de transição tem em vista assegurar a continuidade da atividade bancária e garantir uma gestão dirigida à maximização do valor do património para si transferido em condições deficitárias, de modo a permitir-lhe cumprir regularmente os seus compromissos e obrigações, continuar a exercer a atividade bancária e propor-se a uma futura alienação nas melhores condições de mercado possíveis, com vantagens para grande parte das categorias de pessoas dependentes da sua solvibilidade (art. 145.º-G, n.º 1 do RGICSF).

5. De acordo com o artigo 145.º-A do RGICSF, a adoção de uma medida de resolução destina-se a prosseguir qualquer das seguintes finalidades: “assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais”, “acautelar o risco sistémico”, “salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público” e “salvaguardar a confiança dos depositantes”.

6. Considera-se que uma instituição de crédito está em risco sério de não cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade quando - além de outros factos de apreciação discricionária pelo BdP, à luz das finalidades enunciadas - se verifique alguma das seguintes situações: (i) “a instituição de crédito tiver tido prejuízos ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo possa vir a ter prejuízos susceptíveis de consumir o respectivo capital social”; (ii) “os ativos da instituição de crédito se tornem inferiores ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo se tornem inferiores às respetivas obrigações”; (iii) “a instituição de crédito estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo o possa ficar”. Constitui igualmente pressuposto das medidas de resolução o facto de o BdP considerar “não ser previsível que a instituição de crédito consiga, num prazo apropriado, executar as acções necessárias para regressar a condições adequadas de solidez e de cumprimento dos rácios prudenciais” (art. 145.º-C, n.º 2, do RGICSF).

7. Na aplicação das medidas de resolução, compete ao BdP – com observância, nomeadamente, dos princípios gerais da necessidade e da proporcionalidade e das vinculações e proibições estabelecidas na lei, como aquelas previstas no art. 145.º-H, n.os 2, 3 e 8 do RGICSF -, selecionar discricionariamente “os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição” (art. 145.º-H, n.º 1 do RGICSF).

8. Conforme o art. 145.º-H, n.º 5, do RGICSF, o BdP pode, “a todo o tempo”, após a transferência de ativos e passivos a que tenha procedido no momento da resolução, “transferir outros activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição” - e vice-versa.

9. Depois da transferência inicial de ativos e passivos para o banco de transição (sem prejuízo da possibilidade de transferências subsequentes), deverá ser garantida a continuidade das operações com eles relacionadas, sucedendo o banco de transição – independentemente do “prévio cumprimento dos requisitos legais relacionados com o registo comercial e demais procedimentos formais previstos por lei” (art. 145.º-G, n.º 8, do RGICSF) – nos direitos e obrigações da instituição de crédito originária, para todos os efeitos legais e contratuais (art. 145.º-H, n.os 9 e 11 do RGICSF).

10. Não restam dúvidas sobre competir ao BdP selecionar o património do banco originário a transferir para o banco de transição – NB (art. 145.º-H, n.º 1, do RGICSF).

11. Os elementos a transferir devem ser devidamente avaliados (art. 145.º-H, n.º 4, do RGICSF). Ulteriormente, o BdP pode retransferir novos elementos (art. 145.º-H, n.º 5).

12. Tem-se em vista a valorização do património transferido para o banco de transição de modo a alcançar níveis de liquidez e robustez financeira idóneos para consentir a sua alienação (ou dos ativos e passivos recebidos) em termos que permitam ao FR (i) recuperar os montantes despendidos na constituição e desenvolvimento do banco de transição, (ii) solver todos os compromissos relacionados com a aplicação pelo BdP da Deliberação de Resolução e (iii) devolver à massa insolvente do banco originário as quantias eventualmente remanescentes (arts. 145.º-I, n.os 1, 3 e 4 e 153.º-J do RGICSF).

13. As medidas de resolução traduzem-se, também, deste modo, num mecanismo de preservação do máximo valor da atividade e do património da instituição objeto da medida de resolução, assim se procurando, além dos benefícios (ou da prevenção dos prejuízos) públicos mencionados supra, que os depósitos dos seus clientes e, quando possível, os direitos dos respetivos credores – em que inclui a generalidade dos clientes de retalho -, fiquem, em geral, numa situação financeira melhor do que aquela em que ficariam se o banco fosse objeto de imediata liquidação judicial. Apenas a aplicação de uma medida de resolução envolvendo, nomeadamente, a transferência da sua atividade e do seu património, ou de uma parte deles, para um banco de transição permitirá, nesses casos, obstar às consequências calamitosas supra referidas, salvaguardando a estabilidade financeira e fazendo com que os primeiros a suportar os prejuízos sejam os seus acionistas e, depois, em condições equitativas, salvo quando o interesse público aponte em sentido diferente, os seus credores.

14. No encerramento da liquidação do banco resolvido, se se verificar que assumiram um prejuízo superior ao montante que (de acordo com avaliação independente) estimadamente assumiriam se esse banco tivesse entrado em liquidação no momento imediatamente anterior à sua resolução, os credores, cujos créditos não foram transferidos para o banco de transição, têm o direito a receber do FR essa diferença (art. 145.º-B, n.º 3 do RGICSF).

15. Está em causa o princípio, plasmado no art. 145.º-B, n.º 1, al. c) do RGICSF, segundo o qual, com a medida de resolução, nenhum credor do banco resolvido ficará em pior situação do que aquela em que estaria se o banco, em lugar de ter sido objeto de resolução, houvesse entrado imediatamente em liquidação (art. 145.º-B, n.º 1 do RGICSF).

16. Realizam-se, assim, não só os interesses públicos da estabilidade do sistema financeiro e da economia nacional, mas também aqueles da salvaguarda dos contribuintes e do erário público, dos depositantes e dos credores (da maior parte deles, pelo menos), sem que nenhum credor fique prejudicado face à situação em que estaria em caso de liquidação desordenada.

c) Delimitação inicial do perímetro de ativos e passivos a transferir para o NB

1. Segundo o art. 145.º-H, n.º 1 do RGICSF, na versão em vigor ao tempo da resolução do BES, compete ao BdP, no uso dos seus poderes discricionários, a seleção dos “ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição” (o mesmo se prevendo no art. 40.º, n.º 1 da Diretiva 2014/59/UE e no art. 154.º-Q, n.º 1 do RGICSF, na sua versão atual).

2. Sem prejuízo, naturalmente, do leque de proibições de transferência de obrigações do banco resolvido para o banco de transição, estabelecidas no art. 145.º-H, n.º 2 do RGICSF e relacionadas com a própria natureza das obrigações em causa, assim como com a relação de proximidade dos respetivos credores com o banco resolvido.

3. A lei não fixava outros requisitos para além dos objetivos e princípios essenciais do regime de resolução, deixando à discricionariedade do BdP a fixação concreta do perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão. De resto, de acordo com o considerando 89 da Diretiva 2014/59/UE: “[a]s medidas de gestão de crises tomadas pelas autoridades nacionais de resolução podem requerer avaliações económicas complexas e uma grande margem de discricionariedade. As autoridades nacionais de resolução estão especificamente dotadas das competências necessárias para realizar estas avaliações e para determinar a utilização apropriada da margem de discricionariedade. Por conseguinte, importa assegurar que as avaliações económicas complexas realizadas pelas autoridades nacionais de resolução nesse contexto sejam utilizadas pelos tribunais nacionais como base para o exame das medidas de gestão de crises em causa”.

d) A retransmissão

1. Conforme o art. 145.º-H, n.º 5 do RGICSF, na versão em vigor ao tempo da Deliberação de Resolução, “Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo: a) Transferir outros activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição; b) Transferir activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária”.

2. Está subjacente a esta norma a consideração das circunstâncias em que o BdP é chamado a atuar, especialmente no caso de bancos com importância sistémica, como era o BES. A decisão de resolver um banco em risco de insolvência e, num caso como aquele em apreço, de constituir um banco de transição para o qual é transferido um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do primeiro, tem de ser tomada num período de tempo muito curto para prosseguir, o melhor possível, os objetivos da resolução e evitar qualquer efeito de contágio no sistema financeiro. Essa decisão tem de ser tomada com base na informação então disponível. Compreende-se, por isso, que o legislador se tenha preocupado em conferir ao BdP os meios necessários para poder corrigir, ulteriormente, algum parâmetro ou efeito da decisão, quando existir mais e melhor informação sobre a situação real do banco resolvido ao tempo da resolução, assim como na hipótese de, subsequentemente, se verificar que certos elementos transferidos para o banco de transição não o deveriam ter sido, de acordo com os critérios legais ou que constem da decisão de resolução.

3. De acordo com o art. 145.º-H, n.º 5 do RGICSF, na versão então em vigor, não se exige que, na deliberação de resolução seja referenciada a possibilidade de mais tarde serem retransferidos ativos e/ou passivos entre o banco resolvido e o banco de transição. Contudo, no caso sub judice, o BdP incluiu essa referência na Deliberação de Resolução (“Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o BES e o Novo Banco, SA, ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145.º-H, número 5”). Por outro lado, conforme o art. 40.º, n.os 5 e ss da Diretiva 2014/59/EU: “5. Ao aplicar o instrumento de criação de uma instituição de transição, a autoridade de resolução pode exercer os seus poderes de transferência mais do que uma vez para proceder a transferências suplementares de ações ou de outros instrumentos de propriedade emitidos por uma instituição objeto de resolução ou ainda, se for caso disso, de ativos, direitos ou passivos da instituição objeto de resolução. 6. Na sequência da aplicação do instrumento de criação de uma instituição de transição, a autoridade de resolução pode: a) Voltar a transferir direitos, ativos ou passivos da instituição de transição para a instituição objeto de resolução, ou ações ou outros instrumentos de propriedade para os seus titulares iniciais, sendo a instituição objeto de resolução ou os titulares iniciais obrigados a aceitar a devolução desses ativos, direitos ou passivos, ou ações ou outros instrumentos de propriedade, desde que estejam reunidas as condições previstas no n. º 7; b) Transferir ações ou outros instrumentos de propriedade, ou ativos, direitos ou passivos da instituição de transição para terceiros. 7. As autoridades de resolução podem voltar a transferir ações ou outros instrumentos de propriedade ou ativos, direitos ou passivos da instituição de transição numa das seguintes circunstâncias: a) A possibilidade de voltar a transferir determinadas ações ou outros instrumentos de propriedade, ativos, direitos ou passivos está expressamente prevista no meio pelo qual a transferência foi efetuada; b) As ações ou outros instrumentos de propriedade, ativos, direitos ou passivos em causa não se inserem de facto no âmbito das categorias, ou não cumprem as condições previstas para a transferência de ações ou de outros instrumentos de propriedade, ativos, direitos ou passivos especificados no meio pelo qual a transferência foi efetuada. Essa devolução pode ser efetuada em qualquer momento e deve cumprir todas as outras condições estabelecidas nesse meio para os devidos efeitos”.

4. Nos termos da Diretiva (que não se aplicava ainda a 3 de agosto de 2014):  (i) a Autoridade de Resolução tem o poder de, após a adoção de medida de resolução que envolva a constituição de um banco de transição, transmitir para esse banco ativos ou passivos que não hajam sido transferidos ou de retransmitir para o banco resolvido ativos ou passivos que houvessem sido transferidos; (ii) o objeto de uma eventual (re)transmissão inclui passivos; (iii) o poder de retransmissão pode ser exercido no caso de tal possibilidade se encontrar expressamente prevista no mecanismo pelo qual se efetuou a transferência (art. 40.º, n.º 7, al. a)) ou quando seja necessária a correção de erros no enquadramento de certos elementos em determinadas categorias ou na verificação de certas condições (art. 40.º, n.º 7, al. b)). Está aqui subjacente a consideração de a informação inicial, de base para a resolução, poder ser preliminar e serem suscetíveis de se revelar ulteriormente vicissitudes e elementos desconhecidos ao tempo da adoção da medida de resolução.

5. Por fim, na versão do RGICSF atualmente em vigor, o art. 145.º-Q estabelece que “4. Após a transferência prevista nos n.º 1 e 2 do artigo 145.º-O, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo: […] b) Transferir outros direitos e obrigações e a titularidade de ações ou de títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução para a instituição de transição; c) Devolver à instituição de crédito objeto de resolução direitos e obrigações que haviam sido transferidos para a instituição de transição ou devolver a titularidade de ações ou de títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução aos respetivos titulares no momento da deliberação prevista no n.º 1 do artigo 145.º- -P, não podendo a instituição de crédito objeto de resolução ou aqueles titulares opor-se a essa devolução, desde que estejam reunidas as condições previstas no número seguinte. 5 – A transferência prevista na alínea c) do número anterior só pode ser efetuada quando tal esteja expressamente previsto na decisão do Banco de Portugal prevista nos n.º 1 e 2 do artigo 145.º-O, quando as condições de transferência dos direitos, obrigações, ações e títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução aí previstas não se verifiquem ou quando aqueles direitos, obrigações, ações e títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução não se insiram nos critérios para a transferência aí definidos”.

6. Em conformidade com o art. 145.º-Q, n.º 4, al. c) do RGICSF, na versão atual, o BdP pode, “a todo o tempo”, “devolver à instituição de crédito objeto de resolução direitos e obrigações que haviam sido transferidos para a instituição de transição […] no momento da deliberação prevista no n.º 1 do artigo 145.º-P, não podendo a instituição de crédito objeto de resolução ou aqueles titulares opor-se a essa devolução, desde que estejam reunidas as condições previstas no número seguinte”. Acresce que o n.º 5 do mesmo preceito prevê as circunstâncias alternativas em que o poder de retransmissão pode ser exercido, id est: “quando […]esteja expressamente previsto na decisão do Banco de Portugal” ou em caso de erro.

e) Princípios aplicáveis à Deliberação de Resolução e Deliberações que a desenvolvam

e1) Alocação de perdas da instituição resolvida

1. Na suportação das perdas, aos acionistas seguem-se os credores (em determinadas condições e numa certa sequência) e nenhum credor deverá assumir um prejuízo superior àquele que assumiria na hipótese de liquidação do banco resolvido.

2. É isto mesmo que se encontra estabelecido no art. 145.º-B, n.º 1, do RGICSF, na versão em vigor ao tempo da adoção da medida de resolução, assim como na Diretiva 2014/59/UE e na versão atual do RGICSF.

3. Conforme o art. 145.º-B, n.º 1, do RGICSF, na versão então em vigor, “Na aplicação de medidas de resolução, procura assegurar-se que os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores” (que é diferente da anterior, de acordo com a qual, ”os accionistas e os credores da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa, de acordo com a respectiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe de credores”).

4. De acordo com o art. 34.º, n.º 1 da Diretiva, “Os Estados-Membros asseguram que, na aplicação dos instrumentos e no exercício dos poderes de resolução, as autoridades de resolução tomem todas as medidas adequadas para assegurar que as medidas de resolução sejam tomadas de acordo com os seguintes princípios: a) Os acionistas da instituição objeto de resolução são os primeiros a suportar perdas; b) Os credores da instituição objeto de resolução suportam perdas a seguir aos acionistas em conformidade com a ordem de prioridade dos créditos no quadro dos processos normais de insolvência, salvo disposição expressa em contrário na presente diretiva  […]; f) Salvo disposto em contrário na presente diretiva, os credores de uma mesma categoria são tratados de forma equitativa; g) Nenhum credor deve suportar perdas mais elevadas do que as que teria suportado se a instituição ou a entidade referida no artigo 1.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), tivesse sido liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência de acordo com as salvaguardas previstas nos artigos 73.º a 75.º”.

5. Por seu turno, segundo a redação atual do art. 145.º-D, n.º 1 do RGICSF, “Na aplicação de medidas de resolução, para prossecução das finalidades previstas no artigo anterior: a) Os acionistas da instituição de crédito objeto de resolução suportam prioritariamente os prejuízos da instituição em causa; b) Os credores da instituição de crédito objeto de resolução suportam de seguida, e em condições equitativas, os prejuízos da instituição em causa, de acordo com a graduação dos seus créditos; c) Nenhum acionista ou credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação […]”.

6. A seguir aos acionistas, as perdas são suportadas pelos credores subordinados e, depois, pela generalidade de outros credores (categoria esta que não inclui, por exemplo, os depositantes garantidos pelos mecanismos de garantia de depósitos).

7. O princípio de alocação de perdas aos acionistas e credores do banco resolvido é também realizado pelo art. 101.º, n.º 2 da Diretiva, segundo o qual “o mecanismo de financiamento da resolução não pode ser utilizado diretamente para absorver as perdas de uma instituição ou de uma entidade referida no artigo 1.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d) [onde vem referida a instituição de transição], nem para recapitalizar essa instituição ou entidade.” Trata-se do princípio segundo o qual não compete a qualquer FR suportar perdas ou recapitalizar um banco de transição devido a perdas que devessem ter sido suportadas pelos credores (e, antes deles, pelos acionistas) do banco resolvido. E esse princípio subsiste ainda que essas perdas não estivessem reconhecidas, à data da resolução, no balanço da instituição resolvida. Apenas assim se cumpre a regra - conforme com o princípio da alocação de perdas aos acionistas e credores da instituição resolvida - de que “o valor dos passivos e elementos extrapatrimoniais a transferir para o banco de transição não deve exceder o valor total dos ativos transferidos da instituição de crédito originária” (art. 145.º-H, n.º 8 do RGICSF à data da resolução, art. 40.º, n.º 3 da Diretiva e art. 145.º-Q, n.º do RGICSF atualmente em vigor).  Só assim se realiza o objetivo de minimizar o impacto no erário público e o volume de eventual auxílio de Estado na capitalização do banco de transição.

e2) O tratamento equitativo dos credores

1. De acordo com o art. 145.º-B, n.º 1, al. b) do RGICSF em vigor ao tempo da resolução, “Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores”.

2. Nem o RGICSF e nem a Diretiva indicam expressamente o que deve entender-se por credores de uma mesma classe ou categoria. Tipicamente, tem-se entendido que estão numa mesma classe ou categoria aqueles credores que, em sede de insolvência (ou liquidação) de uma sociedade, estão em situação igual (numa base pro rata) à de um conjunto de outros credores. Assim se distinguem normalmente os credores subordinados dos seniores ou comuns. A graduação dos créditos efetua-se, conforme nos termos o art. 34.º, n.º 1, al. b) da Directiva 2014/59/EU, por referência à “ordem de prioridade dos créditos no quadro dos processos normais de insolvência”.

3. Os credores de uma mesma classe ou categoria devem ser tratados de forma equitativa. O legislador convoca juízos de equidade e não de igualdade estrita. Encontram-se na Diretiva relevantes importantes orientações para a densificação deste conceito. Assim, conforme o Considerando 13: “A utilização dos instrumentos e dos poderes de resolução previstos pela presente diretiva pode interferir nos direitos dos acionistas e dos credores. Em especial, o poder das autoridades para transferir as ações e a totalidade ou parte dos ativos de uma instituição para um adquirente privado sem o consentimento dos acionistas afeta os direitos de propriedade desses mesmos acionistas. Além disso, o poder de decidir quais os passivos a transferir de uma instituição em situação de insolvência com o objetivo de garantir a continuidade dos serviços e de evitar efeitos negativos para a estabilidade financeira pode afetar a igualdade de tratamento dos credores”. Reconhece-se, portanto que a igualdade de tratamento entre credores, que caracteriza o regime típico da insolvência, pode, no regime da resolução bancária, em virtude das diferenças entre as duas realidades, ser afetada. Essa possibilidade encontra justificação: “Por conseguinte, só deverão ser tomadas medidas de resolução caso tal seja necessário para a defesa do interesse público, e qualquer interferência nos direitos dos acionistas e dos credores resultante das medidas de resolução deverá ser compatível com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta»). Em especial, caso os credores de uma mesma categoria sejam tratados de forma diferente no âmbito de uma medida de resolução, essa distinção deverá justificar-se por razões de interesse público, deverá ser proporcionada em relação aos riscos em causa e não deverá ser direta nem indiretamente discriminatória por motivos de nacionalidade”. Aliás, segundo o considerando 47: “Na aplicação dos instrumentos de resolução e no exercício dos poderes de resolução, as autoridades de resolução deverão tomar todas as medidas adequadas para assegurar que as medidas de resolução sejam tomadas de acordo com determinados princípios, nomeadamente os seguintes: os acionistas e credores suportam uma parte adequada das perdas, os membros do órgão de administração deverão em princípio ser substituídos, os custos da resolução da instituição são minimizados, e os credores de uma mesma categoria são tratados de forma equitativa”. Portanto, os credores deverão genericamente ser tratados de forma equitativa, mas não de forma igualitária. É justamente às diferenças que a equidade, enquanto justiça do caso concreto, atende. O Considerando 13 refere o que se deverá considerar como tratamento equitativo dos credores da mesma classe: “Em especial, sempre que os credores de uma mesma categoria sejam tratados de forma diferente no âmbito de uma medida de resolução, tal distinção deverá justificar-se por razões de interesse público e não deverá ser direta nem indiretamente discriminatória em razão da nacionalidade”.

4. O tratamento equitativo dos credores, no âmbito da disciplina jurídica da resolução bancária (promoção da continuidade da atividade económica do devedor), não tem, pois, o sentido do princípio da par conditio creditorum em sede de insolvência (liquidação universal do património do devedor). A oposição entre igualdade e equidade, convocada no caso dos autos, traduz-se na oposição entre igualitarismo - uma igualdade puramente formal - e uma igualdade substancial da equidade - a diferenciação equitativa entre credores do BES para a realização da justiça do caso concreto.

5. Todos os credores comuns do BES são igualmente credores, todos têm o direito ao cumprimento pontual e integral dos seus créditos. Contudo, se o devedor não pode satisfazer a todos a totalidade dos seus créditos, apenas quando se promove a liquidação universal do seu património enquanto garantia geral dos todos os créditos é que se justifica que os credores sejam colocados em par conditio. Não é assim quando se há que atender a outros interesses, quando se promove a continuação da atividade económica do devedor, que impõe outros critérios normativos.

e3) Nenhum credor pode ficar em situação pior do que ficaria se a instituição de crédito objeto de resolução tivesse sido liquidado (“no creditor worse-off principle”)

1. De acordo com o art. 145.º-D, n.º 1, al. c) do RGICSF, na versão em vigor à data da resolução, “nenhum credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação”.

2. A lei estabelece, pois, um princípio geral segundo o qual qualquer credor tem, pelo menos, o direito a não ser mais prejudicado do que seria se o banco resolvido tivesse, no momento da resolução, entrado em liquidação. Deste princípio decorre que os credores do banco resolvido têm a salvaguarda de que não ficarão em situação pior do que aquela em que ficariam na hipótese de liquidação, tendo a garantia de que serão compensados na medida dessa diferença.

3. É à luz da graduação de créditos (art. 145.º-D, n.º 1, al. b) do RGICSF) que se aplicam as regras previstas no art. 145.º-H, n.os 14 e 16, do RGICSF então em vigor:

“14 – Para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 145.º-D, imediatamente após a produção de efeitos da medida de resolução, o Banco de Portugal designa uma entidade independente, a expensas da instituição de crédito objeto de resolução, para, em prazo razoável a fixar por aquele, avaliar se, caso não tivesse sido aplicada a medida de resolução e a instituição de crédito objeto de resolução entrasse em liquidação no momento em que aquela foi aplicada, os acionistas e os credores da instituição de crédito objeto de resolução (...) suportariam um prejuízo inferior ao que suportaram em consequência da aplicação da medida de resolução, determinando essa avaliação:

a) Os prejuízos que os acionistas e os credores (...) teriam suportado se a instituição de crédito objeto de resolução tivesse entrado em liquidação;

b) Os prejuízos que os acionistas e os credores (...) efetivamente suportaram em consequência da aplicação da medida de resolução à instituição de crédito objeto de resolução; e

c) A diferença entre os prejuízos a que se refere a alínea a) e os prejuízos suportados a que se refere a alínea anterior.

(...)

16 - Caso a avaliação prevista no n.º 14 determine que os acionistas, os credores (...) suportaram um prejuízo superior ao que suportariam caso não tivesse sido aplicada a medida de resolução e a instituição de crédito objeto de resolução entrasse em liquidação no momento em que aquela foi aplicada, têm os mesmos direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 145.º-AA”.

4. Na medida em que se consubstancia numa garantia indemnizatória dos credores do banco resolvido e não num requisito de validade e de eficácia da medida de resolução, o princípio “no creditor worse off” corrobora a permissão para a diferenciação entre credores, abdicando do seu tratamento igualitário.

5. A lei impõe o tratamento equitativo (e não igualitário) de credores, permitindo a  equidade as particularidades de cada crédito, dentro mesmo de cada categoria. Com efeito, mesmo quando integrem uma mesma classe ou categoria, nem todos os credores têm necessariamente características idênticas, e nem têm todos uma relação com o devedor de igual natureza. Por exemplo, os credores obrigacionistas, embora incluídos na categoria de credor comum, têm uma relação com a entidade emitente distinta dos restantes credores comuns.

f) Apreciação

Deliberação Resolução/Deliberação Clarificação do Perímetro/Deliberação Contingências/Deliberação Retransmissão

1. Para fazer imediatamente face à sua falta de liquidez e de solvibilidade e evitar que entrasse numa liquidação desordenada, o Conselho de Administração do BdP, por Deliberação a 3 de agosto de 2014, decidiu resolver o BES. De acordo com a respetiva ata, esta Deliberação é constituída por quatro pontos, que respeitam à (i) constituição do banco de transição, a que foi dada a designação de Novo Banco, S.A.; (ii) delimitação do perímetro de ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão do BES, transferidos deste para o NB; (iii) designação de uma entidade independente para avaliação dos bens, direitos e obrigações transferidos; (iv) nomeação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização do BES.

2. Com vista à realização das finalidades da resolução, foi necessário que o FR injetasse no NB 4.900 milhões de euros.

3. Por Deliberação de 11 de agosto de 2014, o Conselho de Administração do BdP procedeu à clarificação e ajustamento do perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão que tinham (e também dos que não tinham) sido transferidos para o NB pela sua anterior Deliberação de 3 de agosto de 2014, fazendo para o efeito uso dos poderes conferidos pelos arts. 145.º-G, n.º 1 e 145.º-H, n.os 1 e 5 do RGICSF.

4. A resolução do BES teve de ser decidida e implementada num curtíssimo período de tempo. Por isso, o BdP teve de se basear, preliminarmente e ainda que de forma conservadora, nas contas do BES, nos ativos, passivos. etc., aí identificados, com o valor que o BES lhes atribuía. Encontra-se, por isso, como Anexo 2A à Deliberação Resolução, um balanço preliminar, provisório, sujeito a auditoria por uma entidade independente.

5. A referida avaliação independente foi realizada pela P….., Lda. (doravante P…).

6. Também a 3 de dezembro de 2014, o NB divulgou o seu balanço de abertura, individual e consolidado, em conformidade com a referida avaliação independente da P......

7. Conforme referido supra, a resolução do BES teve de ser decidida e implementada num intervalo curtíssimo de tempo. Não se podia considerar que os moldes iniciais da resolução não viessem a ter de ser posteriormente ajustados, em função de pressupostos e circunstâncias que, com base na informação então existente, haviam sido assumidos e se verificou posteriormente não serem corretos, bem como em função da necessidade de se ajustarem certos termos da decisão que, devido ao curtíssimo tempo disponível, não ficaram inicialmente explicitados tão bem quanto, com mais tempo, teria sido possível.

8. O regime de resolução, incluindo o poder de retransmissão de ativos e passivos entre a instituição resolvida e o banco de transição, encontra-se previsto na ordem jurídica pátria desde 2012, quando o DL n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, aditou ao RGICSF os arts. 145.º-A e ss., sob um Capítulo intitulado “Resolução”. A partir de então passou também a prever-se no art. 145.º-H, n.º 5 do RGICSF que: “Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo: a) Transferir outros activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição; b) Transferir activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária.” Por outro lado, a 14 de junho de 2014 foi publicada a Diretiva 2014/59/UE. Nos n.os 5, 6 e 7 do art. 40.º da Diretiva 2014/59/EU, em que também se previa a retransferência de ativos e passivos.

9. A Deliberação Resolução, de 3 de agosto de 2014, menciona expressamente, no seu Anexo 2, que: “Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o BES e o Novo Banco, S.A., ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145.º-H, número 5.

10. A Deliberação Clarificação do Perímetro, de 11 de agosto de 2014, que ajusta o perímetro do NB, republica num seu anexo os termos do perímetro, repetindo essa mesma referência, sob o n.º 2 desse Anexo republicado.

11. O regime de resolução encontra-se plasmado na ordem jurídica portuguesa desde 2012, na Diretiva e na lei atualmente em vigor, e qualquer delas permite a retransferência de ativos e passivos entre uma e outra instituição enquanto o banco resolvido não tiver entrado em liquidação.

12. A autorização bancária do BES foi revogada ulteriormente e, consequentemente, o mesmo entrou em liquidação.

13. A possibilidade de exercício desse poder de retransferência - por via clarificadora, interpretativa, inovadora ou outra - foi confirmada pela evolução dos acontecimentos e atos praticados no procedimento administrativo complexo e prolongado no tempo que é a resolução do BES, designadamente quanto à delimitação e estabilização do perímetro de ativos e passivos do NB originados no BES.

14. Com efeito, logo a 11 de agosto de 2014, o BdP adotou uma deliberação em que clarificou e ajustou o perímetro de ativos e passivos do NB, designadamente clarificando as alíneas (e várias das suas subalíneas) a), b), g)) do Anexo 2 - ao qual também aditou 3 parágrafos -, da Deliberação Resolução. A 14 de agosto de 2014, o BdP adotou uma nova Deliberação, na qual, embora sem se pronunciar expressamente sobre o perímetro do NB, transmitiu, enquanto Autoridade de Resolução, um conjunto de entendimentos e determinações, vinculativas para o NB, relativamente a um conjunto de responsabilidades e contingências relacionadas com valores mobiliários colocados pelo BES em clientes (mais concretamente obrigações próprias do BES, ações preferenciais de veículos que por sua vez detinham obrigações próprias do BES e papel comercial e instrumentos de dívida do GES) e, assim, com impacto direto na aplicação concreta do perímetro pelo NB. A 13 de maio de 2015, o BdP adotou uma nova Deliberação, na qual clarificou a interpretação da subalínea (vii) da alínea (b) do ponto 1 do Anexo 2 da Deliberação Resolução (ajustada a 11 de agosto de 2014), mais concretamente a forma como esta e outras alíneas se deveriam conjugar, tendo em qualquer caso sido expressamente invocada a “competência conferida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição”.  Apenas na sequência das Deliberações adotadas a 29 de dezembro de 2015 é que o BdP mencionou, em comunicado desse mesmo dia, que: “4. Este conjunto de decisões constitui a alteração final e definitiva do perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Novo Banco, que assim se considera definitivamente fixado”. Nunca antes o BdP havia afirmado que o perímetro de transferência BES-NB se encontrava definitivamente fixado.

15. No que toca a responsabilidades por obrigações emitidas, naturalmente que apenas se podiam (re)transferir obrigações emitidas pelo próprio BES, e não obrigações emitidas por outras entidades, já que foi apenas o BES a entidade objeto de resolução. Os investidores não podiam, de resto, invocar um desconhecimento do risco de transmissão, assinalado pelo BdP na própria Deliberação de Resolução e refletido em inúmeras decisões anteriores suas, proferidas no contexto da resolução do BES.

16. Todas as deliberações subsequentes à Deliberação Resolução se traduzem em atos que se fundamentam no próprio ato de resolução, que o corrigem e modificam, em conformidade com o conteúdo do mesmo e com o respetivo enquadramento legal vigente no momento em que foi adotado.

17. De acordo com o art. 145.º-H, n.º 5, do RGICSF, na versão em vigor a 3 de agosto de 2014, “Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo: a) Transferir outros activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição; b) Transferir activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária”. Por seu turno, conforme o art. 145.º-Q do RGICSF, na versão atualmente em vigor, “Após a transferência prevista no n.º 1 e 2 do artigo 145.º-O, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo: (…) c) Devolver à instituição de crédito objeto de resolução direitos e obrigações que haviam sido transferidos para a instituição de transição (…), desde que estejam reunidas as condições previstas no número seguinte. 5 – A transferência prevista na alínea c) do número anterior só pode ser efetuada quando tal esteja expressamente previsto na decisão do Banco de Portugal previsto nos nºs. 1 e 2 do artigo 145.º-O”. Por fim, segundo o art. 40.º, n.º 7, al. a) da Diretiva 2014/59/UE, “As autoridades resolução podem voltar a transferir ações ou outros instrumentos de propriedade ou ativos, direitos ou passivos da instituição de transição numa das seguintes circunstâncias: a) A possibilidade de voltar a transferir determinadas ações ou outros instrumentos de propriedade, ativos, direitos ou passivos está expressamente prevista no meio pelo qual a transferência foi efetuada”.

18. Portanto, os credores sabiam, desde 3 de agosto de 2014, que, até ao início da liquidação do BES, o BdP poderia alterar, no fundo, o património do NB, integrado pelos ativos e passivo oriundos do BES.

19. É que a decisão de resolver um banco em risco de rutura/insolvência é tomada num muito curto período de tempo e com base na informação disponível nesse momento. Tal como, de resto, sucedeu no caso do BES, muitas vezes essa informação vem-se a revelar posteriormente ser errada: ativos que valem realmente muito menos do que o valor que tinham no balanço, passivos que afinal estão sobrevalorizados nesse balanço. Não podem, nesse momento inicial, ser enunciados concretamente quais os ativos e passivos que, por força de ajustamentos que só supervenientemente poderão se revelar necessários, deverão ser retransmitidos do banco de transição para o banco resolvido (ou vice-versa). São os próprios objetivos da resolução bancária e, mais concretamente, do exercício do poder-dever de retransmissão, que impedem que, no momento inicial em que o BdP resolve uma instituição bancária, concretize desde logo pormenorizadamente sobre que ativos ou passivos é que aquele poder-dever poderá vir a incidir.

20. As Deliberações de 11 e de 14 de agosto de 2014, de 13 e de 29 de dezembro de 2015 não violam os princípios da adequação e da proporcionalidade, conforme explicitado infra. Nem as Deliberações subsequentes àquela de resolução violam o princípio da confiança e da segurança jurídica. Desde logo, nunca o BdP prometeu, adotou qualquer comportamento, disse o que quer que seja, que pudesse ter criado em alguém a confiança de que, após a Deliberação Resolução, os ativos e passivos (etc.) transferidos a 3 de agosto de 2014 do BES para o NB permaneceriam para sempre intocáveis. Todos os elementos concretos e objetivos apontavam num mesmo sentido: o de que o BdP poderia efetivamente vir a exercer o seu poder de retransmissão. Desde o dia em que o BES foi resolvido que se sabia que o perímetro de ativos e passivos transferidos desse banco para o NB poderia ser alterado: que o BdP poderia exercer o seu poder de retransmissão. Desde logo, a lei vigente à data da adoção da Deliberação de Resolução contemplava expressamente essa possibilidade. Conforme o art. 145.º-H, n.º 5, do RGICSF, na versão então em vigor, “Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo: a) Transferir outros activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição;b) Transferir activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária”. A mesma possibilidade está plasmada no preceito do art. 145.º-Q introduzido no RGICSF em março de 2015. Essa mesma possibilidade de alteração do perímetro foi expressamente mencionada na Deliberação de Resolução, lendo-se no seu Anexo 2 o seguinte: “Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o BES e o Novo Banco, S.A., ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do art. 145.º-H, número 5”. Não houve, pois, qualquer atuação administrativa, por parte do BdP, que pudesse ter criado no Autor a confiança – pelo menos justificada e legítima – na manutenção de uma situação jurídica: a imutabilidade do perímetro de ativos e passivos (etc.) que, na Deliberação Resolução, foram transferidos do BES para o NB. Quem investiu o montante que o Autor investiu em determinados produtos financeiros do GES certamente não desconhece, não pode desconhecer, o quadro legal aplicável em matéria de resolução bancária. É isso que se espera de um investidor medianamente diligente. Qualquer confiança que o Autor pudesse ter concebido nunca seria nem justificada nem legítima. Todos os elementos concretos – por exemplo, a Deliberação Resolução, o regime jurídico constante do RGICSF, os atos que o BdP adotou depois de 3 de agosto de 2014, etc. - apontavam expressamente para que o BdP pudesse a todo o tempo clarificar, transferir ou retransmitir, entre o BES e o NB, ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão. Por conseguinte, não houve qualquer investimento de confiança, traduzido no desenvolvimento de ações ou omissões, por parte do BdP, que pudesse estar na base da (suposta) situação de confiança. Não existe, por isso, também nexo de causalidade entre a (inexistente) atuação geradora de confiança e a (suposta) situação de confiança, e entre esta e o (suposto) investimento de confiança. Não havendo nada disso, é igualmente evidente que também não houve frustração da confiança. Não se verificam, pois, os requisitos de que depende a violação da tutela da confiança.

21. Além disso, “A transferência de encargos ocorrida com a medida de resolução foi efectuada sem comprometer o cumprimento do princípio no creditor worse-off, isto é os credores para os quais são transferidas as perdas nesta situação, não veem com isso a sofrer perdas mais elevadas do que aquelas que teriam numa situação de liquidação, o que significa que não nos deparamos com um cenário de eventual violação de confiança dos sujeitos, porque os mesmos, na crise bancária em questão, não poderiam contar com qualquer outra alternativa: ou a resolução ou a liquidação[3].

Tratamento equitativo dos credores

1. O legislador nacional (e também o comunitário) exige que os credores sejam tratados “em condições equitativas” (art. 145.º-B, n.º 1, al. b), do RGICSF então em vigor). A Diretiva 59/2014/UE, de 15 de maio, esclarece que tratamento equitativo não é sinónimo de tratamento igualitário: “A utilização dos instrumentos e dos poderes de resolução previstos pela presente diretiva pode interferir nos direitos dos acionistas e dos credores. […] o poder de decidir quais os passivos a transferir de uma instituição em situação de insolvência com o objetivo de garantir a continuidade dos serviços e de evitar efeitos negativos para a estabilidade financeira pode afetar a igualdade de tratamento dos credores.  [… ]Em especial, caso os credores de uma mesma categoria sejam tratados de forma diferente no âmbito de uma medida de resolução, essa distinção deverá justificar-se por razões de interesse público, deverá ser proporcionada em relação aos riscos em causa e não deverá ser direta nem indiretamente discriminatória por motivos de nacionalidade”.

2. O BdP podia selecionar, de entre os diferentes tipos de credores comuns do BES, uma categoria inteira de credores para os submeter a um tratamento diferenciado, assim como lhe era permitido selecionar, dentro dessa mesma categoria, os créditos a transmitir: ambos os poderes podiam ser usados para alcançar uma justiça individualizadora.

3. Um eventual tratamento diferenciado dos credores da mesma categoria – in casu, dos credores comuns – não é, necessariamente, um tratamento não equitativo. Pode haver um tratamento diferenciado dos credores da mesma classe desde que justificado por “razões de interesse público” e essa diferenciação seja “proporcionada em relação aos riscos em causa” (Considerando 13 da Diretiva 2014/59/UE) e não seja “discriminatória em razão da nacionalidade” (Considerando 47). Id est, os credores da mesma classe podem ser tratados de forma diferente desde que a diferenciação se funde em razões materialmente objetivas e aceitáveis, em concreto, desde que a solução encontrada seja a mais adequada e justa tendo em conta as finalidades que o regime da resolução bancária prossegue e os valores de interesse público que ele visa proteger.  O Autor baseia a sua argumentação na ideia do tratamento desigual dos credores da mesma categoria como se ela, em si mesma, fosse causa de invalidade. Mas não é. A exigência da lei nesta matéria é a do tratamento equitativo. E perante uma exigência destas, só existiria invalidade perante um tratamento iníquo de tais credores, não perante um tratamento desigual.

4. O BdP pode tratar de forma diferente credores da mesma classe quando essa diferença de tratamento se justifique por razões de interesse público, seja proporcionada em relação aos riscos existentes e não discrimine em razão da nacionalidade. É nisso que consiste a equidade.

5. O BdP exerceu um poder-dever legal que se prende com a definição do perímetro do NB e, no que respeita à seleção de passivos a transmitir, uma ponderação difícil, na qual era impossível acomodar favoravelmente todos os interesses em jogo – uma ponderação típica da discricionariedade administrativa, na qual o BdP considerou, em juízos de equidade e de proporcionalidade, dimensões tão importantes do interesse público como a estabilidade e a confiança no sistema bancário português e as regras de alocação de perdas de um banco resolvido.

6. O BdP tinha de proceder à harmonização prática entre a proteção da confiança e da segurança jurídica dos depositantes, dos contribuintes e, também, do sistema financeiro, de um lado e, de outro, os interesses, designadamente, dos credores da instituição resolvida cujos créditos se mantêm nesse balanço.

7. A resolução bancária constitui um domínio típico em que é exigido ao BdP, enquanto Autoridade de Resolução, a elaboração de valorações e juízos próprios do exercício da função administrativa, e onde, portanto, o princípio da separação de poderes impõe limites à função judicial de fiscalização. Na verdade, pela enorme tecnicidade das questões financeiras que suscita, pela urgência que necessariamente rodeia a adoção de medidas no contexto da resolução, pela natureza extremamente sensível do setor em causa e as repercussões que o mesmo tem sobre o funcionamento da economia em geral, pela constante necessidade de ponderar efeitos e implicações de interesse público em domínios tão importantes e sensíveis como a estabilidade do sistema financeiro ou a confiança nele depositada pela generalidade dos operadores económicos, nomeadamente pelos depositantes, a lei atribuiu ao BdP uma ampla e justificada discricionariedade decisória.

8. Devem, nesta sede, recordar-se as finalidades da adoção de medidas de resolução (art. 145.º-A do RGICSF, na versão então em vigor). Depois, os riscos com que o BdP se debateu no contexto da concreta decisão de seleção dos ativos e passivos a (re)transferir entre o BES e o NB eram riscos sérios e iminentes, com efeitos em todo o sistema financeiro. O NB foi criado, e a generalidade dos ativos e passivos do BES para ele transmitidos, para proteger os interesses de milhares de depositantes e clientes do banco, para permitir que a generalidade da sua atividade bancária pudesse continuar e, por conseguinte, para impedir que uma situação de risco sistémico se propagasse pelos restantes bancos portugueses, acarretando a instabilidade ao sistema financeiro nacional, com as consequências desastrosas que isso implicaria.

9. O Autor enquadra-se na categoria de credores comuns, categoria que partilha com os depositantes, com os credores de retalho, com as contrapartes interbancárias, com os fornecedores do banco, etc.. Não são assim são difíceis de perceber as razões pelas quais o BdP decidiu não impor as perdas do BES a tais credores, ou seja, aos restantes credores comuns, ao contrário do que sucedeu, inter alia, com os credores de indemnização resultante da responsabilidade civil do BES enquanto intermediário financeiro. A não transferência para o NB daqueles créditos afigura-se frontalmente contraditória com as próprias finalidades de uma medida de resolução (art. 145.º-A do RGICSF).

10. Deste modo, justifica-se o tratamento diferenciado – mas não iníquo – do Autor por razões de interesse público. É também clara a proporcionalidade da decisão face aos riscos em causa, precisamente por ser esta a mais idónea das opções para impedir a verificação efetiva dos riscos da insustentabilidade do NB.

11. Não se verifica, por conseguinte, a invalidade e a inconstitucionalidade das diversas Deliberações referidas pelo Autor por violação da proibição de tratamento desigual de credores da mesma classe. A proibição de tratamento desigual de credores não tem consagração legal nos termos em que o Autor a configura, de um lado e, de outro, a lei admite expressamente o tratamento diferenciado de credores da mesma classe, desde que se verifiquem determinados requisitos – proteção do interesse público e proporcionalidade da decisão face aos riscos em causa – que legitimam e um tratamento não igualitário, mas equitativo.

12. Por último, no caso de não se entender que se traduz tão somente numa interpretação das Deliberações de 3 e de 11 de agosto de 2014, a Deliberação Perímetro terá de ser percebida como tendo procedido à sua reforma (art. 164.º, n.º 2, do CPA, que prevê a possibilidade de reforma de atos nulos). Deste modo, a alegada desigualdade de tratamento dos credores sempre estará sanada ao ficar clarificado que estão excluídas da transferência para o NB as responsabilidades pela intermediação financeira de instrumentos de dívida emitidos por quaisquer entidades e não só pelas entidades pertencentes ao GES. Está assim, indiscutivelmente, restaurada a equidade enquanto limite respeitante ao plano da relação entre credores que o exercício do BdP do poder de seleção deve respeitar.

13. A equidade constitui um limite aos poderes que lei confere à Autoridade de Resolução no âmbito da seleção entre os credores em ordem à realização dos fins da resolução. Sendo um limite, o ónus da prova recai sobre os credores que, por isso, arcam com o risco de o não cumprirem.

14. À Autoridade de Resolução compete a escolha dos meios para alcançar os fins da resolução. A discordância do critério adotado não pode confundir-se com a legalidade da atuação da autoridade de resolução, nem com a ofensa à equidade no tratamento dos credores do banco resolvido.

15. Na medida em que não se aplica o princípio da par conditio creditorum, mas antes se convoca a equidade, a não igualdade (formal) entre credores não determina a ilegalidade da resolução.

16. O BdP podia selecionar, de entre os diferentes tipos de credores comuns do BES, e do NB, uma categoria inteira de credores para os submeter a um tratamento diferenciado, assim como lhe era permitido selecionar, dentro dessa mesma categoria, os créditos a transmitir, ou a retransmitir: ambos os poderes podiam ser exercidos para obter uma justiça individualizadora. Quando a lei confere a uma entidade o poder de decidir ou determinar efeitos segundo a equidade não restringe, salvo indicação em contrário, o que possa realizar a justiça individualizadora que pretende alcançar.

Princípios da adequação e proporcionalidade

1. No que respeita à invalidade das Deliberações do BdP em apreço por violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade (art. 139.º, n.º 2, do RGICSF tanto na versão em vigor ao tempo da Deliberação Resolução como naquela atualmente em vigor), impõe-se considerar a deliberação do BdP como um ato normativo regulamentar conforme à ordem jurídica nacional e da União Europeia, por ter sido tomada para fazer face a uma situação de insolvência iminente do BES e para evitar as consequências desastrosas que daí resultariam para o sistema financeiro nacional.

2. A criação do NB - banco de transição - corresponde a solução adequada para realizar os objetivos de estabilidade do sistema financeiro, é necessária e proporcional stricto sensu. Estas são as três dimensões que o princípio da proporcionalidade assume. Em prol da estabilidade do sistema financeiro, a iminência do colapso do BES impunha a intervenção do BdP, que se mostrava adequada ao fim contemplado (adequação) e exigível (necessidade), não ficando aquém ou além do exigido para obter o resultado devido (racionalidade ou proporcionalidade stricto sensu)[4].

3. A adequação proíbe a adoção de condutas administrativas que não sejam adequadas para a prossecução do fim que concretamente visam atingir; a necessidade proíbe a adoção de condutas administrativas que não sejam indispensáveis para a prossecução do fim que concretamente visam atingir, impondo, portanto, que, de entre diversos meios igualmente adequados, seja escolhido o menos lesivo para os interesses públicos e/ou privados envolvidos; a proporcionalidade stricto sensu ou razoabilidade proíbe que os custos da atuação administrativa escolhida como meio de prosseguir um determinado fim sejam manifestamente superiores aos benefícios que sejam de esperar da sua utilização. Segundo o art. 145.º-A do RGICSF, na redação em vigor ao tempo da aplicação da medida de resolução, visa “a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais; b) Acautelar o risco sistémico; c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público; d) Salvaguardar a confiança dos depositantes.” Por sua vez, o art. 145.º-C, n.º 1, prevê como pressuposto de aplicação da medida de resolução, que a “instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade”, e entendendo-se estar em tal situação, “entre outros factos atendíveis, cuja relevância o Banco de Portugal apreciará à luz das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A”, “a instituição de crédito tiver tido prejuízos ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo possa vir a ter prejuízos susceptíveis de consumir o respectivo capital social” ou “os activos da instituição de crédito se tornem inferiores ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo se tornem inferiores às respectivas obrigações” ou “a instituição de crédito estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações, ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo o possa ficar”. Por último, ainda como pressuposto da aplicação da medida de resolução, não deve ser expectável ou “previsível que a instituição de crédito consiga, num prazo apropriado, executar as acções necessárias para regressar a condições adequadas de solidez e de cumprimento dos rácios prudenciais” (art. 145.º-C, n.º 2, do RGICSF). De resto, de acordo com art. 145.º-C, n.º 4, do RGICSF, ”a aplicação de medidas de resolução não depende da prévia aplicação de medidas de intervenção correctiva”. Ainda que a resolução seja, na prática, a medida de último recurso, não significa que o cenário alternativo não seja ainda pior, o da liquidação imediata e desordenada do banco com insuficiência de capital, pois que será sempre menos gravosa uma tentativa de tentar evitar a produção das consequências daí resultantes, designadamente a concretização do risco sistémico.

4. Foi de acordo com estes critérios que o BdP adotou as Deliberações referidas supra ao selecionar os passivos que deveriam ser transferidos do BES para o NB. Incluiu no âmbito dos passivos a transferir aqueles cuja não transferência seria suscetível de provocar danos irreversíveis na estabilidade de todo de todo o sistema bancário: os depositantes, os fornecedores e outros credores comerciais, as contrapartes de derivados e outros credores comuns, e, entre as obrigações, as obrigações emitidas para o retalho. A seleção dos passivos transferidos obedeceu a um critério sério e justificado à luz da proporcionalidade e do interesse público. A conjugação de diferentes interesses à luz do interesse público implica, muitas vezes, o sacrifício de alguns deles. E não se ignora que as responsabilidades não transferidas representam um esforço financeiro para o Autor que, todavia, não será superior ao que o Autor suportaria se o BES tivesse sido liquidado. Prevaleceu, no entanto, o imperativo de estabilidade do sistema financeiro português.

5. O regime da resolução bancária, compreendendo a transferência seletiva e criteriosa, para um banco de transição – o NB -, de certos ativos e passivos do banco resolvido – o BES -, afigura-se conforme com os princípios da proporcionalidade e da adequação e, por isso, não se pode censurar ao Tribunal recorrido no que respeita à interpretação que fez do art. 139.º, n.º 2, do RGICSF.

6. Sem que se possa afirmar que, caso não fosse adotada a referida medida de resolução, o BES responderia perante o Autor pelos prejuízos sofridos por este, em medida superior à que decorre da medida de resolução (já que é desse conjunto de realidades paralelas que decorreria a afirmação da diminuição patrimonial do Autor, em que o mesmo funda a invocação da violação do princípio da adequação e da proporcionalidade da mesma medida de resolução).

7. Id est, a interpretação e aplicação das normas do RGICSF, nos termos constantes das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, não corresponde à eliminação ou restrição dos direitos patrimoniais reconhecidos ao Autor, tanto mais que do art. 145.º-B, n.º 1, al. c), (na redação então em vigor) decorre que, em caso de aplicação de medidas de resolução, “nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação”, dispondo o n.º 3 que “caso se verifique, no encerramento da liquidação da instituição de crédito objecto da medida de resolução, que os credores dessa instituição cujos créditos não tenham sido transferidos para outra instituição de crédito ou para um banco de transição assumiram um prejuízo superior ao montante estimado, nos termos da avaliação prevista no nº 6 do artigo 145 F e no nº 4 do artigo 145-H, que assumiriam caso a instituição tivesse entrado em processo de liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, têm os credores direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução”.

8. Pode afirmar-se que, conforme o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a alegada restrição ou eliminação dos direitos patrimoniais do Autor decorrerá da sua própria posição de credor do BES, e não da interpretação e aplicação, pelo BdP, das normas do RGICSF, em violação de princípios e normas, legais e constitucionais, que o Autor nem tão pouco indica. Na verdade, não está em causa a exclusão da responsabilidade do BES, mas apenas a permanência do crédito indemnizatório na instituição resolvida, o que não se afigura ilegítimo[5]: os direitos de crédito (não transferidos ou retransmitidos) sobre o BES deviam ser deduzidos e exercidos sobre a massa respetiva insolvente, no processo de liquidação desse banco.

9. Naturalmente que o valor da massa insolvente do BES se reduziu substancialmente em virtude da transferência dos seus ativos para o NB, com a consequente diminuição da garantia patrimonial do devedor. Contudo, também se transferiu para o NB a grande maioria do passivo do BES e, portanto, os seus titulares não viriam reclamá-los no processo de liquidação, deixando mais património para a realização dos créditos não transferidos ou retransmitidos. Recorde-se também que o art. 145º-B, n.º 3, do RGICSF, garante aos credores cujos créditos e depósitos tiverem ficado no BES, que, se se verificar, no encerramento do respetivo processo de liquidação, que receberam por conta dos seus direitos um valor inferior ao que receberiam – de acordo com a avaliação independente realizada por imposição do art. 145.º-F, n.º 5, do mesmo diploma – se o BES tivesse entrado em processo de liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, receber o valor correspondente à respetiva diferença por parte do FR.

10. Os preceitos dos arts. 145.º- G, n.º 1, e 145.º-H, n.º 1, do RGICSF (na versão em vigor ao tempo da Deliberação Resolução) foram interpretados e aplicados respeitando os princípios da proporcionalidade e da adequação, tendo em conta o risco de incumprimento por parte do BES e a gravidade das consequências de cada uma das medidas legalmente previstas (intervenção corretiva, administração provisória ou resolução) em relação às finalidades prosseguidas. Note-se, aliás, que a adoção de cada uma dessas medidas depende da verificação, no caso concreto, dos respetivos pressupostos.

11. Em ordem a salvaguardar o interesse público, não poderia o BdP simplesmente transferir para o NB todos os ativos e passivos do BES, sob pena de total ineficácia da medida de resolução aplicada. De outro modo não se asseguraria a estabilidade e viabilidade do NB e, portanto, gorar-se-iam os próprios objetivos da resolução do BES.

12. Aliás, a eficácia da medida de resolução depende da capacidade que o BdP tenha de poder conformar livremente o seu conteúdo. No que respeita à transferência de parte dos ativos e passivo para o NB, afigurava-se essencial que o BdP pudesse selecionar com base na determinação do valor do passivo e do ativo os créditos e obrigações a transferir. O BdP, na sua modelação, respeitou a teleologia do regime da resolução e os princípios normativos.

13. Por conseguinte, a transferência dos ativos do BES, desacompanhada de alguns dos seus passivos, determinada pelo BdP ao abrigo das suas competências próprias e exclusivas e poderes funcionais, com base nas normas legais, não constitui, em si, qualquer tipo de supressão ou alteração dos meios ou instrumentos essenciais à tutela da garantia patrimonial do Autor. Este sempre poderia ter reclamado os seus créditos no âmbito da verificação e reconhecimento dos créditos na liquidação/insolvência do BES. De resto, não havendo “as responsabilidades assumidas (pelo BES) na comercialização, intermediação financeira e distribuição dos instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o GES” sido transferidas para o NB, parece que a situação em que o Autor fica é a mesma em que ficaria se tivesse sido decidida a liquidação imediata do BES. Tal como nesta situação hipotética, restava-lhe a possibilidade de reclamar os seus créditos no processo de liquidação do BES. Reitere-se que, no caso de se verificar que o sujeito sofre um prejuízo superior àquele que sofreria na hipótese de liquidação, tem lugar a indemnização pela diferença a expensas do FR (arts. 145.º-B, n.os 1 e 3 do RGICIF, na versão então em vigor).

14. Em abstrato – independentemente da questão de saber se isso seria ou não válido à luz do quadro legal vigente –, poderiam ter arcado com as referidas responsabilidades o NB, o FR, enquanto seu acionista único (o seu capital é totalmente detido pelo FR, nos termos do art. 145.º-G, n.º 3, na redação então em vigor), ou o Estado Português (direta ou indiretamente) e os contribuintes. Todavia, havia que respeitar o princípio subjacente ao art.145.º-B do RGICSF, que impõe que as perdas verificadas não pudessem deixar de recair sobre os credores do BES, o banco resolvido, não podendo recair sobre o FR ou sobre o Estado.

15. Por outro lado, a prova da desproporcionalidade pertencia ao Autor – o que não fez. Acresce que apenas nos casos de manifesta desproporcionalidade é consentido aos Tribunais censurar e sancionar as opções fundadas em juízos tipicamente associados ao exercício da função administrativa.

16. A atuação do BdP foi desenvolvida no âmbito da sua esfera de competência própria, gozando do imprescindível respaldo legal, não lhe devendo ser dirigido qualquer pretenso juízo de ilegalidade ou inconstitucionalidade por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.

17. A resolução em apreço, tendo em conta todo o circunstancialismo factual que a rodeou, respeitou os princípios gerais da adequação, necessidade e proporcionalidade, encontrando-se em estreita conformidade com o princípio constitucional ínsito no art.18.º, n.º 2, da CRP, segundo o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo a restrição limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

18. Não se vislumbra, por isso, que nos critérios adotados pelo BdP se mostre violado qualquer preceito constitucional.

19. E por isso é que, perante a consideração da ausência de qualquer violação dos princípios constitucionais e legais da proporcionalidade e da adequação, na adoção da medida de resolução do BES pelo BdP, não podia o acórdão recorrido interpretar a mesma de modo distinto daquele por que o fez. Daí a idoneidade dos vários atos que compõem o processo complexo de resolução do BES para manter na respetiva esfera jurídico-patrimonial as suas responsabilidades perante o Autor, e sem que daí se possa concluir que os direitos de crédito do Autor sofreram uma (des)protecção distinta daquela que sofreram os direitos de outros credores do BES e, por isso, ilegal.

Responsabilidades (in)contingentes

1. Por outro lado, e relativamente à invocada impossibilidade de considerar a obrigação do BES de reembolso do Autor como “contingente”, tendo presente a constituição da provisão respetiva e a sua manutenção no balanço do NB, importa apenas ponderar que, muito diferentemente do o Autor inculca, não está dado como provado que a provisão de 588,6 milhões de euros que o BdP determinou fosse constituída pelo BES, para cobertura da dívida do GES subscrita por clientes do retalho, tenha transitado para o balanço previsional do NB. Nem tão pouco está dado como provado que o BdP confirmou a existência de uma provisão nas contas do NB, destinada ao reembolso dos montantes aplicados em títulos de dívida emitidos por entidades do GES.

2. A ausência de demonstração dessa provisão, transitada do acervo do BES para o do NB (ou mesmo constituída ex novo na esfera jurídico-patrimonial do último), por força das sucessivas deliberações tomadas pelo BdP, impede que se afirme o reconhecimento, pelo NB, do crédito detido pelo Autor sobre o BES. Deve antes afirmar-se a natureza contingente das responsabilidades correspondentes do BES, para efeitos da consideração da sua não transmissão do acervo de ativos e passivos do BES para o do NB, em razão do alcance da medida de resolução aplicada.

3. Além disso, nas deliberações de 29 de dezembro de 2015, o BdP não se limitou a clarificar que não foram transferidos do BES para o NBquaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos”, porquanto acrescentou “(incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES”, “Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no Anexo I” e “Na medida em que, não obstante as clarificações acima efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecidos na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014”.

Assunção cumulativa de dívida, promessa pública ou prestação de outra garantia pessoal pelo NB

1. Segundo o art. 595.º (“Assunção de dívida”) do CC, “1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se: a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; b) Por contrato entre o novo devedor e no credor, com ou sem consentimento do antigo devedor. 2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”

2. A assunção cumulativa de dívida é um contrato mediante o qual um terceiro aceita responder solidariamente com o devedor, na qualidade de um segundo devedor independente, mas a ele equiparado. Diferentemente do que se verifica na assunção liberatória, em que apenas tem lugar uma mudança de devedor, na assunção cumulativa o credor obtém um novo devedor que responde solidariamente com o devedor originário, beneficiando, por conseguinte, de um reforço da garantia patrimonial. A assunção cumulativa de dívida consubstancia-se numa forma de estabelecimento da solidariedade passiva e, por isso, é uma garantia do cumprimento das obrigações[6].

3. O Autor/Recorrente não explicita quais as declarações emitidas pelo NB, os factos com base nos quais, a provarem-se, permitiriam concluir que este assumiu, já depois da Deliberação Resolução do BdP, de 3 de agosto de 2014, a obrigação de reembolso do capital por aquele concretamente investido em obrigações, e de pagamento dos respetivos juros.

4. Por seu turno, conforme o art. 232.º do CC, “O contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo.”

5. Também não alega o Autor/Recorrente factualidade que permita concluir estarem preenchidos os pressupostos do art. 234.º do CC, de acordo com o qual “Quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensável a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta

6. Não se encontram, por conseguinte, nas alegações de recurso, factos suscetíveis de ilustrar a existência de um acordo de vontades (entre o BES e o NB, ratificado pelo Autor, ou entre o NB e o Autor, com ou sem o consentimento do BES, conforme o art. 595.º, n.º 1) subsumível ao tipo contratual da assunção de dívida.

7. De resto, verifica-se a tendência para sujeitar a assunção cumulativa de dívida a forma escrita sempre que ela resultar de um contrato obrigacional unilateral, como seria o caso dos autos, se tal negócio existisse[7].

8. Também não se encontra nas alegações de recurso factualidade passível de demonstrar a existência de uma promessa pública unilateral de reembolso do capital investido, em virtude da falta de concretização das alegadas declarações públicas do NB.

9. Com efeito, segundo o art. 459.º do CC, “1. Aquele que, mediante público, prometer uma prestação a quem se encontre em determinada situação ou pratique certo facto, positivo ou negativo, fica vinculado desde logo à promessa. 2. Na falta de declaração em contrário, o promitente fica obrigado mesmo em relação àqueles que se encontrem na situação prevista ou tenham praticado o facto sem atender à promessa ou na ignorância dela.”

10. Não pode, na verdade, afirmar-se a existência de uma promessa pública (declaração negocial não recipienda), dotada de publicidade, de uma prestação feita pelo NB a quem se encontrasse na situação (independentemente de o beneficiário se haver nela colocado (in)voluntariamente) em que o Autor está. De resto, uma promessa pública gratuita – como seria aquela inculcada pelo Autor - traduzir-se-ia numa liberalidade, cuja realização se encontra, via de regra, vedada às instituições de crédito. Não lhes é consentido pretender pura e simplesmente beneficiar terceiros[8].

11. Todavia, ainda que se pudesse entender que o NB havia feito uma promessa pública de reembolso, esta teria de se considerar como que revogada (podendo, in casu, sê-lo ad nutum e a todo o tempo, porquanto teria sido celebrada sem prazo de validade) com a contestação apresentada nestes autos. Na verdade, conforme o art. 461.º do CC, “1. Não tendo prazo de validade, a promessa pública é revogável a todo o tempo pelo promitente; se houver prazo, só é revogável ocorrendo justa causa. 2. Em qualquer dos casos, a revogação não é eficaz, se não for feita na forma da promessa ou em forma equivalente, ou se a situação já se tiver verificado ou se o facto já tiver sido praticado.

12. Tudo o que foi referido supra se aplica, evidentemente, à alegada - pelo Autor - prestação de garantia pessoal, típica ou atípica, pelo NB, do cumprimento das obrigações dos emitentes dos instrumentos financeiros subscritos.

8. Por último, tanto a assunção cumulativa de dívida, como a promessa pública ou a prestação de garantia pessoal, típica ou atípica, seriam suscetíveis de frustrar as finalidades subjacentes à resolução bancária e de violar os princípios que a regem.


(In)constitucionalidades

1. O Autor alega que “Em face de tudo o exposto, entendemos que deverá ser revogado, com todas as consequências legais, o Acórdão recorrido, que absolveu o Réu NB do pedido, uma vez que viola, entre outros, o disposto nos artigos 2.° e 205.°, n.° 2, ambos da CRP, sendo, por isso, ademais, inconstitucional.”

2. Não suscita, pois, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa especificamente dirigida a uma concreta norma jurídica, conforme lhe era exigido pelo art. 72.º, n.º 2, da LTC. Com efeito, nunca individualizou uma específica norma jurídica cuja inconstitucionalidade pudesse ser apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3. A mera invocação de uma norma ou princípio constitucional – arts. 2.º e 205.º da CRP -, ou de um direito fundamental, não configura uma suscitação processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa. Impunha-se ao Autor identificar qual a específica norma jurídica ordinária que estaria em contradição com as normas ou princípios constitucionais invocados, mais detalhando o conteúdo e a extensão da interpretação normativa alegadamente inconstitucional. O Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da inconstitucionalidade de “normas jurídicas” ou de “interpretações normativas” (art. 277.º, n.º 1, da CRP), não se encontrando instituído um sistema de fiscalização das próprias decisões jurisdicionais e, por isso, não se aprecia a (des)conformidade com a Constituição das próprias decisões judiciais.

4. Na verdade, o Autor não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se a manifestar a sua divergência com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no mero plano da aplicação da lei.  Trata-se de uma discordância com a aplicação do Direito – e não com a conformidade constitucional de certas normas (ainda que numa certa interpretação).

5. O que o Autor questiona não são as normas, interpretadas em desarmonia com a Constituição, mas antes a decisão judicial que, inconstitucionalmente, na sua perspetiva, o teria prejudicado.

6. Não se encontra igualmente desrespeitado o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva traduzidos no direito das partes de verem as suas pretensões apreciadas por uma instância, nomeadamente, por um tribunal, e de a estas corresponder uma ação adequada.


IV - Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto por AA, confirmando-se o acórdão recorrido.           

Custas pelo Recorrente.

           

Lisboa, 23 de março de 2021.


Sumário: 1. Encontram-se exaustivamente indicadas as responsabilidades do BES que não se consideraram transferidas para o NB, nelas se incluindo as responsabilidades do BES decorrentes da violação de disposições ou determinações regulatórias. 2. A análise de validade das várias Deliberações do BdP deve ter lugar à luz da lei que se encontrava em vigor à data da resolução. 3. A resolução constitui uma medida de último recurso para evitar a revogação da autorização para o exercício da atividade bancária e consequente entrada em liquidação (desordenada) de um banco cujo colapso inesperado seria catastrófico para os depositantes, as empresas, os outros bancos, a economia e os contribuintes. 4. Na aplicação das medidas de resolução, compete ao BdP selecionar discricionariamente “os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição” (art. 145.º-H, n.º 1 do RGICSF). 5. A seguir aos acionistas, as perdas são suportadas pelos credores subordinados e, depois, pela generalidade de outros credores. Os credores de uma mesma classe ou categoria devem ser tratados de forma equitativa. O legislador convoca juízos de equidade e não de igualdade estrita. 6. Na medida em que se consubstancia numa garantia indemnizatória dos credores do banco resolvido e não num requisito de validade e de eficácia da medida de resolução, o princípio “no creditor worse off” corrobora a permissão para a diferenciação entre credores, abdicando do seu tratamento igualitário. 7. As Deliberações de 11 e de 14 de agosto de 2014, de 13 e de 29 de dezembro de 2015 não violam os princípios da adequação e da proporcionalidade. Nem as Deliberações subsequentes àquela de resolução violam o princípio da confiança e da segurança jurídica. 8. A criação do NB - banco de transição - corresponde a solução adequada para realizar os objetivos de estabilidade do sistema financeiro, é necessária e proporcional stricto sensu. 9. Não está em causa a exclusão da responsabilidade do BES, mas apenas a permanência do crédito indemnizatório na instituição resolvida, o que não se afigura ilegítimo. 10. Foram respeitados os princípios da proporcionalidade e da adequação, tendo em conta o risco de incumprimento por parte do BES e a gravidade das consequências de cada uma das medidas legalmente previstas (intervenção corretiva, administração provisória ou resolução) em relação às finalidades prosseguidas. 11. Além de não haverem sido celebrados, sempre se poderia dizer que o contrato de assunção cumulativa de dívida, a promessa pública ou o contrato de prestação de garantia pessoal, típica ou atípica, pelo NB seriam suscetíveis de frustrar as finalidades subjacentes à resolução bancária e de violar os princípios que a regem. 12. A mera invocação de uma norma ou princípio constitucional – arts. 2.º e 205.º da CRP -, ou de um direito fundamental, não configura uma suscitação processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa.


Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).


Maria João Vaz Tomé (relatora)

______

[1] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de setembro de 2017 (Ana Paula Boularot), proc. n.º 3499/16.0T8VIS.S1; de 2 de novembro de 2017 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 11674/16.0T8LSB.S1; de 22 de maio de 2018 (José Raínho), proc. n.º 31476/15.0T8LSB.L1.S1 (Maria do Rosário Morgado); de 22 de março de 2018, proc. n.º 220/16.6T8PVZ.P1.S1 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[2] O que, aliás, já foi objeto de esclarecimento pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia. Na verdade, não faria qualquer sentido interpretar obrigatoriamente uma disposição de Direito nacional em função de disposições de uma Diretiva que aquela norma nacional não visou transpor e num momento em que tais normais da Diretiva não vinculam o Estado Português, por não se encontrar ainda esgotado o prazo de transposição.
[3] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de 26 de setembro de 2017 (Ana Paula Boularot), proc. n.º 3499/16.0T8VIS.S1 - disponível para consulta in em www.dgsi.pt.
[4] Cf. Eduardo Paz Ferreira/Ana Perestrelo de Oliveira, “Fundamentos de resolução bancária: a propósito do caso BES e da legitimidade da deliberação de resolução”, in Revista de Direito das Sociedades Comerciais, 2017, n.º 2, p. 311.
[5] Cf. Mafalda Miranda Barbosa, “Os limites da medida de resolução”, in Boletim de Ciências Económicas, setembro 2016, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p.39 – disponível para consulta in https://www.ij.fd.uc.pt/publicacoes/bce/wp_15/wp_015.pdf.
[6] Cf. Luís Telles de Menezes Leitão, Garantias das obrigações, Coimbra, Almedina, 2012, p.161-162.
[7] Cf. Luís Telles de Menezes Leitão, Garantias das obrigações, Coimbra, Almedina, 2012, p.161-162.
[8] Cf. Fernando Oliveira e Sá, “Anotação ao Artigo 459.º”, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2018, pp.218-220.