Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
571/20.5T8LAG.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
FATURA
RECIBO DE QUITAÇÃO
CONDIÇÃO
IMPOSTO
INTERPELAÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
VENCIMENTO DA DÍVIDA
REMUNERAÇÃO
CLÁUSULA ACESSÓRIA
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
DEVEDOR
CREDOR
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
Sumário :

A emissão e apresentação-entrega de factura (ou factura-recibo sem pagamento) junto do devedor da remuneração correspondente a contrato de prestação de serviços, sem prejuízo de ser uma obrigação legal imposta em sede do imposto IVA (arts. 1º, 1, a), 2º, 1, a), 4º, 1, 7º, 1, b), 8º, 1 e 2, 29º, 1, b), e 36º, 1 e 5, do CIVA), uma vez convencionada pelas partes (quanto ao momento da execução contratual), configura um ónus necessário (traduzido em “interpelação”) para o credor, com o significado de se assumir como uma condição de exigibilidade da (constituída e eficaz) obrigação negocial de pagamento do serviço, assim susceptível de vencimento, nos termos da vinculação a que respeitam os arts. 762º, 1, 763º, 1, 777º, 1 e 2, e 817º do CCiv.

Decisão Texto Integral:

Processo 571/20.5T8LAG.E1.S1


Revista – Tribunal recorrido: Relação de Évora, … Secção


Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I) RELATÓRIO


1. AA intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra «Golden Village Resort Limited», sociedade comercial de direito inglês, alegando o incumprimento por falta de pagamento de um contrato de prestação de serviços (“contract of engagement”) celebrado como consultor imobiliário e facturado junto da Ré.


Pede a condenação da Ré ao pagamento ao Autor do seguinte:


“a) - a quantia de € 33.242,45 (trinta e três mil duzentos e quarenta e dois euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento, calculando-se nesta data os já vencidos em € 1.039,09 (mil e trinta e nove euros e nove cêntimos);


b) - a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.”


2. A Ré apresentou Contestação, invocando ilegitimidade passiva, inimputabilidade da obrigação e impugnando os factos; pediu a absolvição da instância e a absolvição do pedido; subsidiariamente, a improcedência da acção.


3. Foi realizada audiência prévia, no qual foi fixado o valor da causa (€ 36.281,54) e julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva, sendo a Ré considerada parte legítima.


4. Realizada audiência final de discussão e julgamento, o Juiz ... do Juízo de Competência Genérica de ... proferiu sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:


“a) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia total de € 11.546,07 – por referência ao valor das faturas referidas em i) e ii), da factualidade tida por assente em 10. –, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde a data de citação da Ré para os termos da presente ação até efetivo e integral cumprimento;


b) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia total de € 21.696,38 – por referência aos valores individualmente referidos em iii), iv) e v) da factualidade tida por assente em 10. –, mas apenas após/contra a apresentação das competentes faturas;


c) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 600,00, a título de indemnização por danos morais;


d) Absolver a Ré do demais peticionado;


e) Condenar Autor e Ré nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento.”


5. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora (TRE), que conduziu a ser proferido acórdão, no qual se julgou improcedente a impugnação da decisão sobre a legitimidade processual da Ré, se julgou nula a decisão recorrida por excesso de pronúncia quanto à “condenação no pagamento do montante de € 21.96,38 sujeita a condição de apresentação das competentes faturas”, nos termos do art. 615º, 1, d), do CPC e se confirmou o acórdão recorrido na condenação efectuada, com excepção do excerto que exige a apresentação de facturas, formulando o seguinte dispositivo:


“(…) acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, manter a decisão proferida à excepção de b), que passa a ser do seguinte teor:


b) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia total de € 21.696,38 – por referência aos valores individualmente referidos em iii), iv) e v) da factualidade tida por assente em 10.”


6. Novamente sem se resignar, a Ré interpôs recurso de revista para o STJ, pedindo a declaração de nulidade do acórdão recorrido por “excesso de pronúncia” e por “erro de interpretação e aplicação da lei, nomeadamente os artigos 805º, nº 1 do Código Civil e 29.º, n.º 1, alínea b) e 36.º, n.º 1 do CIVA”, e finalizando as suas alegações com as seguintes Conclusões:


“1 – É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4, 639.º e 608, n.º 2, in fine, todos do Código de Processo Civil;


2 – Não se compreende o porquê da alteração da sentença retirando a obrigação legal de emissão e apresentação de fatura, uma vez que tal pedido não consta das conclusões do recurso apresentado pela Ré e não se trata de matéria de conhecimento oficioso;


3 – O Tribunal “ad quo” tomou conhecimento de questão que não poderia conhecer havendo um claro excesso de pronúncia;


4 – O excesso de pronúncia tem como consequência a nulidade da sentença, o que desde já se requer a esse douto Tribunal que declare;


5 – O Tribunal “ad quo” decidiu “contra legem”, que a obrigação da Ré para com o Autor não dependia da emissão e apresentação de tais facturas, pois nos termos do artigo 805º, nº 1 do Código Civil, enquanto a fatura não for preenchida e interpelado o devedor para o seu pagamento a obrigação não se pode considerar vencida e exigível;


6 – fez assim uma errónea interpretação e aplicação da lei, decidindo contra lei expressa, tendo assim sido violado o disposto nos artigos 805º, nº 1 do Código Civil e 29.º, n.º 1, alínea b) e 36.º, n.º 1 do CIVA, o que tem como consequência a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615 nº 1 al. c), do Código de Processo Civil o que desde já se requer que este Tribunal “ad quem” decrete com todas as legais consequências daí advindas;


7 – No caso “sub judice”, o Autor não procedeu à emissão de fatura em nome da Ré relativamente à remuneração dos serviços por si prestados e por essa razão o pagamento por parte da Ré apenas pode ser exigido após e contra a apresentação da competente fatura, pois é direito do devedor saber o que está a pagar, mesmo para se poder proteger de uma eventual duplicação de pagamentos pelos mesmos serviços, como aliás bem tinha decidido o Tribunal de 1ª instância;


8 – a emissão obrigatória de fatura funciona como uma “implícita” condição legal (cfr. art. 270.º do Código Civil), que, enquanto não preenchida, determina não poder considerar-se vencida e exigível a obrigação - toda ela, remuneração efetiva do serviço e imposto IVA, havendo, por isso, lugar à aplicação do artigo 610.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Processo Civil;


9 – os valores supra descritos em iii), iv) e v) da factualidade tida por assente em 10, no dispositivo da decisão da 1ª instância, no montante total de €21.696,38 – englobando capital e I.V.A. –, apenas são/serão exigíveis contra a apresentação da respetiva fatura”.


7. Em conferência, o TRE proferiu acórdão em que julgou não verificada a nulidade arguida pela Recorrente e manter o acórdão proferido nos seus exactos termos.





Colhidos os vistos nos termos legais, e sendo regular a instância, cumpre apreciar e decidir.


II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS

1. Admissibilidade e objecto do recurso

1. Estão verificados os requisitos gerais e especiais de admissibilidade da revista normal enquanto espécie (arts. 629º, 1, 631º, 1, 671.º, 1, 674º, 1, CPC).

2. Vistas as Conclusões que delimitam o objecto do recurso, as questões recursivas são:

i. nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia (art. 615º, 1, d), CPC);

ii. nulidade do acórdão por vício na fundamentação (art. 615º, 1, c), CPC);

iii. interpretação e aplicação da lei quanto à (não) exigência de emissão e entrega de factura como condição da exigibilidade de obrigação de pagamento do montante a que a Ré foi condenada no segmento decisorio b) da sentença de 1.ª instância.

2. Factualidade


2.1. Foram considerados provados os seguintes factos:


1. O Autor, AA, exerce a atividade profissional de consultor imobiliário, nomeadamente fazendo coordenação, promoção de empreendimentos imobiliários, prospeção, angariação, venda e acompanhamento de clientes interessados na aquisição de imóveis.


2. A Ré, Golden Village Resort Limited, é uma sociedade comercial de direito inglês, registada no “Companies House”, com o número ......92.


3. A L....... ....... é uma sociedade comercial de direito inglês, registada no “Companies House” sob o número ......05.


4. Em 20.09.2018, entre o Autor e BB – outorgando este último por/em nome da Ré e da sociedade comercial L....... ....... – foi celebrado um acordo por escrito, que denominaram “Contract of Engagement”, e cujo objeto correspondia à prestação de serviços pelo Autor na região do ..., nomeadamente, o controlo do projeto da Ré no loteamento do empreendimento “G..... .....”, sito na Quinta da ..., mediante: a prestação de assistência aos membros da equipa contratados para o seu desenvolvimento; a realização de visitas ao local, sempre que tal lhe fosse solicitado; a respetiva promoção, venda ou alienação dos correspondentes lotes; a colaboração com o diretor de marketing nas vendas e desenvolvimento de oportunidades de negócio; a criação quer de uma nova plataforma de financiamento imobiliário crowdfunding, quer de novos projetos imobiliários, listando-os na internet, quer, ainda, de um banco de dados de investidores numa plataforma digital – cf. documento número 3 junto com a petição inicial cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.


5. O sobredito acordo foi celebrado pelo prazo de 6 meses, com início no dia 01.08.2018 e termo no dia 31.01.2019, podendo ser revisto após 4 meses, mediante uma notificação efetuada com 2 meses de antecedência.


6. Ficou, ainda, estabelecido que em caso de incumprimento do acordado por qualquer das partes, a parte não faltosa podia fazer cessar, de imediato, o referido acordo, desde que notificasse a parte faltosa com 60 dias de antecedência.


7. Como contraprestação pelos serviços prestados nos termos supra descritos em 4., as partes no mencionado acordo, nomeadamente a Ré, acordaram pagar ao Autor uma remuneração mensal fixa no montante total de £5.000,00 – convertido para euros, ao câmbio do mês a que respeitava –, bem como uma remuneração variável/comissão de 5% ou 6% do preço da venda dos imóveis do empreendimento “G..... .....”, consoante o Autor lograsse vender o “projeto” ou os lotes, individualmente.


8. As faturas referentes à remuneração mensal fixa eram emitidas em nome da Ré.


9. O acordo acima mencionado renovou-se duas vezes, designadamente nos dias 01.01.2019 e 01.07.2019, tendo cessado os seus efeitos no dia 31.01.2020.


10. A Ré deixou de efetuar o pagamento ao Autor da remuneração mensal fixa acordada (nos termos supra descritos em 7.) desde o mês de setembro de 2019, permanecendo em dívida os seguintes montantes:


i) parte da remuneração do mês de setembro de 2019, correspondente à fatura n.º 20, datada de 30.09.2019, no valor global de € 4.404,84, ao câmbio do dia 31.08.2019;


ii) a remuneração do mês de outubro de 2019, correspondente à fatura n.º 21, datada de 22.10.2019, no valor global de €7.141,23, ao câmbio do dia 30.09.2019;


iii) a remuneração do mês de novembro de 2019, no valor global de € 7.212,70, ao câmbio do dia 30.11.2019;


iv) a remuneração do mês de dezembro de 2019, no valor global de € 7.202,22, ao câmbio do dia 31.12.2019;


v) a remuneração do mês de janeiro de 2020, no valor global de € 7.281,46, ao câmbio do dia 30.01.2020.


11. O Autor, que até ao dia 31.01.2020 continuou a prestar à Ré os serviços supra descritos em 4., solicitou-lhe o pagamento das remunerações em dívida, mas sem sucesso.


12. Ainda assim, o Autor teve de entregar o I.V.A. referente às faturas que emitiu nos termos supra descritos em 10., alíneas i) e ii), passando por dificuldades financeiras, nomeadamente relativas ao pagamento dos impostos referentes ao ano de 2019.


13. O Autor foi a face visível do fracasso do projeto “G..... .....”, por razões de natureza financeira da Ré, tendo, assim, enfrentado terceiros e pessoas envolvidas no desenvolvimento do mesmo, sentindo-se, por isso, defraudado, envergonhado e descredibilizado perante os investidores, agências imobiliárias e credores da Ré.


2.2. Foram considerados não provados os factos que se elencam:


A. As faturas referentes à remuneração fixa mensal do Autor eram emitidas em nome da Ré a pedido da mesma e da sociedade comercial L....... ........


B. Em virtude das circunstâncias supra descritas em 13. e, bem assim, tendo divulgado o sobredito projeto “G..... .....” junto de imobiliárias e investidores locais, convencendo-os de que se tratava de um projeto já em fase de conclusão dos trabalhos de infraestruturas e incentivando-os a promover e venderem aos seus clientes/investidores os respetivos lotes e moradias, a reputação e bom-nome profissionais do Autor foram afetados.


2.3. Para a decisão da causa, resulta ainda pertinente atender aos seguintes factos resultantes dos autos (arts. 607º, 4, 663º, 2, 679º, CPC):

i. No contrato referido no facto provado 4., na cláusula relativa à “remuneração” e em referência à remuneração mensal fixa referida no facto provado 7., consta (1.º parágrafo):


“Estes valores serão pagos após receção da fatura mensal. (…) É da responsabilidade dos Consultores o pagamento de impostos e Segurança Social nos seus países de residência.”

ii. No contrato referido no facto provado 4., na cláusula relativa à “remuneração”, consta (4.º e último parágrafo):


“O Consultor aceita o risco legal referente à responsabilidade civil e para tal irá providenciar um seguro de cobertura indispensável e pagar os prémios associados.”

iii. No contrato referido no facto provado 4., na cláusula relativa a “impostos e segurança social”, consta:


“O Consultor é inteiramente responsável pelos procedimentos com seu próprio imposto sobre Rendimentos, Segurança Social e contabilidade.”

3. Fundamentação de direito

1. Nulidades do acórdão recorrido


3.1.1. O art. 615º, 1, d), do CPC sanciona com nulidade as sentenças e acórdãos em que o julgador «deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

A omissão e o excesso de pronúncia são o verso e o reverso do mesmo poder-dever do julgador que, concretamente em sede de recursos, deve cingir-se ao objecto recursivo mas deve sempre julgar esse mesmo objecto recursivo, tal como delimitado na pretensão recursiva, prolongando-se para as instâncias recursivas o princípio reitor do art. 608º, 2, 1ª parte, do CPC, nos termos do qual «[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Este ónus processual implica, como corolário do “princípio da disponibilidade objectiva” (traduzido no art. 5º do CPC/2013), que “o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões” 1, assim como deve abster-se de conhecer de matéria ou pedido em condições em que está impedido de o fazer2.


Em particular, sabemos que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e que possam ser apreciadas na instância recursiva em causa, assim como as questões de conhecimento oficioso, mas não obriga a que se discutam todos os argumentos e posições revelados na pretensão do recorrente. O ónus processual de decisão, em sede de recurso, fica cumprido se ficarem apreciadas a questão ou questões delimitadas em concreto nas Conclusões das alegações recursivas (arts. 635º, 3 e 4, 639º, 1 e 2, e 640º do CPC) e no próprio requerimento de interposição do recurso (art. 635º, 2, CPC); não se encontra violado se não são apreciados e/ou discutidos todos os argumentos, considerações, motivos, pressupostos, juízos de valor(es) ou raciocínios utilizados pelas partes e/ou tribunal recorrido para a resolução da questão ou questões que efectivamente se delimitam e cumpre apreciar (tanto mais que o art. 5º, 3, do CPC estatui que «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”). Não se impõe, por isso, que o tribunal decisor aprecie ou responda ponto por ponto a todos os argumentos e razões invocados para sustentação (“‘Argumentos’ não são ‘questões’”), exigindo-se antes que indique e desenvolva a fundamentação atinente às questões que integram o objecto do recurso e que constituem o propósito legal da actividade judicativa do tribunal “ad quem”3. Só a ausência de apreciação dessas questões é determinante da nulidade em referência.


Em suma: “não constitui nulidade da sentença [ou acórdão], por omissão de pronúncia, a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocaram tendo em vista obter a (im)procedência da ação. Questões e argumentos não se confundem, sendo que o dever de decisão é circunscrito à apreciação daquelas, tanto mais que, com muita frequência, as partes são prolíficas num argumentário cuja medida é inversamente proporcional à pertinência das questões”4.5


Por seu turno, o excesso do julgamento acontece quando se apreciem questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas e que não sejam de conhecimento oficioso, ferindo a decisão.


Na verdade, a lei censura, ainda como efeito do referido princípio da “disponibilidade objectiva”, que “o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, nomeadamente ao utilizar, como fundamento da decisão, causas de pedir não alegadas ou excepções que não sejam de conhecimento oficioso, ou a condenar ou absolver em pedido não formulado ou diverso do pedido ou a condenar em quantidade superior a esse mesmo pedido6. Mais uma vez, no âmbito dos recursos, o essencial é mobilizar a questão ou as questões identificadas nas conclusões dos recorrentes e assim delimitadas pelo julgador, sendo pronúncia indevida aquela em que o julgador “se ocupe de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso”7.


É precisamente este o vício, coberto pela 2.ª parte do art. 615º, 1, d), do CPC, que a Recorrente invoca:


“Não se compreende o porquê da alteração da sentença retirando a obrigação legal de emissão e apresentação de fatura, uma vez que tal pedido não consta das conclusões do recurso apresentado pela Ré e não se trata de matéria de conhecimento oficioso”.





Ainda que de forma pouco clara e concisa, a aqui Recorrente, na Apelação interposta junto da Relação, arguiu a nulidade da sentença recorrida nos termos do art. 615º, 1, d), do CPC, em referência à fundamentação e consideração como provado do facto 7. (em termos de violação do art. 607º, 5, do CPC) e à inexigibilidade das obrigações de pagamento a que foi condenada (com socorro do art. 610º do CPC).


Neste contexto, a Apelante não colocou como questão recursiva a existência de condição para se perfeccionar a condenação no pagamento referido no segmento b) do dispositivo decisório de 1.ª instância: “Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia total de € 21.696,38 – por referência aos valores individualmente referidos em iii), iv) e v) da factualidade tida por assente em 10. –, mas apenas após/contra a apresentação das competentes faturas”.


Porém, bem vistas as conclusões, a Apelante pretendeu e pediu a pura e simples revogação da condenação por ser inexigível a obrigação invocada pelo Autor na acção, fosse ou não fosse condicionada à emissão e apresentação das facturas respectivas – sendo esta a “parte recorrida” para efeitos de aplicação dos n.os 3 a 5 do art. 635º do CPC e consequente (não) formação de caso julgado material sobre a reapreciação de tal segmento decisório in totum.


O que fez o acórdão recorrido?


Fundamentou assim:


“Vem invocada a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.


A sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.


A recorrente entende, além do mais, que o Tribunal não a deveria ter condenado a efectuar o pagamento, porque não é devido pela Ré, nem mesmo após a apresentação das facturas.


Quanto à condenação no pagamento, este é o resultado da prova produzida e da aplicação do direito ao contrato efectuado entre o A. e a Ré.


É o resultado do pedido efectuado.


O Autor prestou o serviço que foi acordado e a Ré não procedeu ao respectivo pagamento.


O que importa apreciar para saber se existe omissão/excesso de pronúncia é verificar se o tribunal se pronunciou sobre todos os pedidos formulados pelas partes, não indo além daquilo que devia apreciar.


A sentença condena, além do mais, a Ré a pagar ao Autor a quantia total de € 21.696,38 – por referência aos valores individualmente referidos em iii), iv) e v) da factualidade tida por assente em 10. –, mas apenas após/contra a apresentação das competentes faturas.


Não questionando todas as obrigações a que fica sujeito o credor, após o recebimento daquilo que foi decidido por ter esse direito, quer de natureza fiscal, quer de outra, cremos que, neste aspecto em concreto, a decisão excedeu-se, pois, tratou de questão que só em momento posterior pode/deve ser apreciada, se tiver que o ser.


Esta condenação no pagamento do montante de € 21.696,38 sujeita a condição, de apresentação das competentes faturas não consta de qualquer pedido, não se impõe por dispositivo legal, não devendo, por isso ser objecto de apreciação e menos ainda a fazer parte do dispositivo condenatório.


Diferente seria a situação se estivesse em causa um pagamento de valor correspondente a IVA, ainda que incluído com outro montante no pedido, sem que tivesse sido emitida a competente factura.


No nosso caso, temos uma prestação de serviço que foi efectuada, não tendo sido paga a contrapartida respectiva e o tribunal condenou no pagamento que foi peticionado.


Nada cumpre alterar quanto à condenação efectuada, à excepção do excerto que exige a apresentação de facturas.”


Assim sendo, julgamos que o tribunal em 2.ª instância não se excedeu no julgamento, uma vez que se pronunciou sobre a questão jurídica submetida a julgamento, nos limites do pedido e da causa de pedir, de acordo com a qualificação jurídica que tinha sido adoptada pelo tribunal de 1.ª instância para o segmento decisório b) da sentença sob escrutínio.


O tribunal “ad quem” não se pronunciou sobre questão que não se integrasse no objecto da causa tal como foi apresentada na 1.ª instância e, mais do que isso, não se viu confrontado apenas com a questão de saber se a condenação do segmento b) estava ou não sujeito a condição para a produção de efeitos da obrigação de pagamento da remuneração. E, ao mesmo tempo (depois de julgar o “excesso de pronúncia” imputável à sentença de 1.º grau), ao abrigo da liberdade de julgamento que lhe assiste ao abrigo do art. 5º, 3, do CPC rejeitou no segmento decisório escrutinado o entendimento da 1.ª instância, “libertando” da exigibilidade da obrigação o facto correspondente à emissão das facturas; assim chegando a nova decisão sobre tal segmento b), colocado em crise pelo Apelante como questão recursiva no seu todo (e não só em parte: cfr. Conclusões 9., 10., 16., 2), 17. e 18. da Apelação).


Não se cometeu, portanto, excesso de pronúncia, falecendo as Conclusões 2. a 4. da revista.


3.1.2. A al. c) do art. 615º, 1, do CPC comina com a nulidade a oposição dos fundamentos de facto ou de direito com a decisão ou a ininteligibilidade da decisão por força de ambiguidade ou obscuridade.


Veja-se a parcela relevante da decisão recorrida:


“Não questionando todas as obrigações a que fica sujeito o credor, após o recebimento daquilo que foi decidido por ter esse direito, quer de natureza fiscal, quer de outra, cremos que, neste aspecto em concreto, a decisão excedeu-se, pois, tratou de questão que só em momento posterior pode/deve ser apreciada, se tiver que o ser.


Esta condenação no pagamento do montante de € 21.696,38 sujeita a condição, de apresentação das competentes faturas não consta de qualquer pedido, não se impõe por dispositivo legal, não devendo, por isso ser objecto de apreciação e menos ainda a fazer parte do dispositivo condenatório.


Diferente seria a situação se estivesse em causa um pagamento de valor correspondente a IVA, ainda que incluído com outro montante no pedido, sem que tivesse sido emitida a competente factura.


No nosso caso, temos uma prestação de serviço que foi efectuada, não tendo sido paga a contrapartida respectiva e o tribunal condenou no pagamento que foi peticionado.


Nada cumpre alterar quanto à condenação efectuada, à excepção do excerto que exige a apresentação de facturas.”


Assim, afigura-se claro que não se violou o dever de motivação da decisão tomada sobre a questão jurídica em causa, seja por contradição com o resultado final obtido, seja por falta de inteligibilidade do discurso seguido para esse mesmo resultado; outro ponto é a bondade da fundamentação para alterar a decisão de 1.ª instância, o que se seguirá como objecto de discussão da revista.


Improcedem, sem mais, as Conclusões 5. a 6. (em parte) da revista.

2. Obrigação de pagamento da quantia objecto de condenação no segmento decisório b) da sentença


Confrontando-se com a condenação expressa no segmento decisório b) da sentença, a Recorrente considera que o acórdão recorrido errou ao ignorar que “a emissão obrigatória de fatura funciona como uma “implícita” condição legal (cfr. art. 270.º do Código Civil), que, enquanto não preenchida, determina não poder considerar-se vencida e exigível a obrigação”.


Vejamos.


3.2.1. O art. 270º do CCiv. determina a noção de “condição”:


«As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução; no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.»


Neste caso, a condição própria corresponde a uma cláusula acessória incluída pelas partes no negócio como evento futuro, incerto e condicionante da produção dos efeitos (típicos e primários, em primeira linha) do negócio.


A emissão de factura da remuneração pelo Autor como prestador de serviços não foi integrada a título convencional (por vontade das partes) no contrato que consta dos autos como condição para a constituição da relação jurídica da prestação de serviços – nem isso resulta dos factos provados 4. a 8, nem do facto (i) considerado nesta instância.


Nem se afigura tal emissão de factura como condição que, por si só, a natureza e o regime jurídico da prestação de serviço exija como requisito de eficácia (condição imprópria) deste tipo contratual, tendo em conta o art. 1154º do CCiv.


Sem prejuízo.


3.2.2. O valor global e final da prestação de preço devida inclui a remuneração efectiva do serviço e o acréscimo do imposto IVA, este nos termos da obrigação legal tributária prescrita pelos arts. 29º, 1, b)8, e 36º, 19 e 510, do CIVA (sem olvivar o art. 7º, 1, b)11) – a obrigação de pagamento do imposto torna-se exigível, por regra, com a emissão do documento contabilístico correspondente, ou seja, a respectiva factura (nos termos do art. 8º, 1, do CIVA, com as suas excepções12)13; o IVA é exigível pela prestadora do serviço à beneficiária-utilizadora do serviço (quem o vai suportar como contribuinte devedor junto do Fisco) após a emissão obrigatória da factura; o IVA faz parte integrante da totalidade do débito-crédito originário de um negócio cuja ou cujas prestações estão sujeitas a IVA nos termos dos arts. 1º, 1, a) («prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal»), 2º, 1, a), 4º, 1, do CIVA.


Acresce que a factura – “simples”, na solicitação e pressuposto de pagamento posterior (“válido como recibo após boa cobrança”), assim como a “factura-recibo”, em princípio (mas nem sempre, gerador de possível “contra-prova”) com pagamento contemporâneo (“pronto pagamento”), equivalentes nessas circunstâncias ao “recibo” (típico como declaração) posterior e comprovativo do pagamento14-15 – é ainda (ou pode ser) um documento de “quitação” (enquanto prova de realização da prestação) para o efeito de aplicação do art. 787º do CCiv., no qual, com o pagamento devido, o credor declara ter recebido a prestação, incluindo o imposto devido. Como tal, é ainda (ou pode ser) um documento incluído nessa previsão como uma declaração “ampla” na qual o solvens certifica já nada dever ao accipiens, seja a título de crédito extinto, seja a qualquer outro título16 (que abrange a subjacente obrigação tributário-fiscal). E – o ponto do regime que mais interessa aqui – no respectivo n.º 2, 1.ª parte, estatui-se sem mais que «o autor do cumprimento pode recusar a prestação enquanto a quitação não for dada», ou seja, o devedor pode, se a quitação lhe não for dada, recusar o cumprimento (abrangendo desde logo a “simples” factura para pagamento) – o que só se justifica como causa legítima de justificação ou exclusão da ilicitude da recusa de cumprimento17 tendo por base essa declaração de certificação da realização e recebimento da prestação devida.


Esta confluência de regimes civil e fiscal – com relevância jusnormativa – tem conduzido justamente a nossa jurisprudência a encontrar neste acto jurídico – prestação de serviço sujeita ao imposto IVA18 – e noutros equivalentes uma verdadeira condição legal imprópria (também dita “implícita”) enquanto requisito de eficácia da obrigação negocial de pagamento da remuneração acordada como contrapartida da prestação do serviço contratado19: a emissão e apresentação junto do devedor da factura (ou, acrescentemos, factura-recibo se ainda sem pagamento).20


3.2.3. Acontece que, visto o que o processo nos oferece e a liberdade de julgamento proporcionada pelo art. 5º, 3, do CPC, julgamos que não precisamos de tal construção – e sobre ela tomar posição – para lograr a solução do caso – aventada pela 1.ª instância e recusada pela Relação.


Na verdade.


É o próprio acordo das partes relativo ao momento da execução contratual que nos oferece a solução, quando se refere à “remuneração” devida pela beneficiária da prestação dos serviços, aqui Ré:


os pagamentos são apenas devidos com a “recepção” da factura mensal emitida e entregue pelo Autor “consultor”;


é da responsabilidade do “consultor” o pagamento dos impostos devidos pela tributação do serviço prestado (o que naturalmente inclui o IVA) – cfr. factos (i) e (iii) do ponto 2.3. da factualidade.


Claro que estas características do consenso das partes pressupõem que esteja demonstrada previamente a constituição da obrigação de pagamento do preço sobre que incide o imposto gerador de facturação obrigatória21 – o que aqui não se discute.


E tais características devem ser aferidas de acordo com o sentido negocial que possa ser decifrado à luz dos arts. 236º, 1 e 2, e 238º do CCiv. (regras de interpretação da declaração negocial), orientadas pelo critério geral da impressão do destinatário e pela exigência de «um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso» (art. 238º, 1, CCiv.). Para isso, estarão disponíveis para uso do intérprete um conjunto de elementos que possam ajudar a decifrar o que corresponde ao que um declaratário normal, medianamente instruído, diligente e perspicaz, colocado na posição do(s) declaratário(s) concretos no negócio, atribuiria com razoabilidade e perspicácia a essa declaração negocial, ainda que imperfeita, sobre o valor da emissão da factura pelo prestador de serviços, sem que os intervenientes no negócio pudessem deixar de contar com esse sentido como acessível à sua compreensão. Ou destinados a, antes disso, encontrar a vontade real conhecida e aceite por ambos os contraentes (vontade comum subjectiva), de acordo com o art. 236º, 2, do CCiv. (falsa demonstrativo non nocet).


Ora, vendo as claúsulas pertinentes, não podemos deixar de interpretar tal emissão e apresentação-entrega como um ónus necessário (traduzido em “interpelação”) para que o credor possa realizar o interesse de se confrontar com um direito exigível e vencido22, com o significado de se assumir como uma verdadeira condição de exigibilidade23 da remuneração devida em face da (constituída e eficaz) obrigação negocial de pagamento do serviço24


Ainda para mais se, no caso concreto, atendermos complementarmente a uma outra manifestação de vontade das partes, tendo em vista chegarmos ao sentido negocial decisivo. De facto, tal conduta solicitada ao prestador de serviços, credor da remuneração pelo serviço prestado, está desenhada para um quadro de observância pelas partes do sinalagma funcional que caracteriza o contrato bilateral25; e não terá lógica se, numa relação continuada e prolongada no tempo (cfr. factos provados 5. e 9.), houver sucessivas emissões de factura e pagamentos tributários sem o pagamento correspondente, em prejuízo de quem precisa de cumprir tal ónus (contratual, assim como dever legal) – o caso evidencia, nos factos provados 10. a 12. um cenário com tal suporte. O certo, porém, é que é o próprio contrato que faz com que o prestador de serviços (“consultor”) suporte o risco de incumprimento do devedor da remuneração após a emissão da factura – as partes convencionaram que o prestador de serviços aceita tal risco (“de responsabilidade civil”) e incumbe-o de providenciar pela contratação de seguro que cubra esse mesmo risco (cfr. facto (ii) do ponto 2.3. da factualidade).


Além do mais, este ónus-condição de exigibilidade, enquanto cláusula negocial acessória livremente fixada pelas partes26, é perfeitamente válida à luz do art. 405º, 1, do CCiv., uma vez que se integra – de acordo com o anteriormente sustentado – na faculdade prevista no aludido n.º 2 do art. 787º do CCiv.: «O autor do cumprimento pode recusar a prestação enquanto a quitação não for dada… .».


Em síntese.


De acordo com a vontade das partes, enquanto essa factura não for objecto de preenchimento, emissão e entrega pelo credor do preço do serviço prestado, a obrigação de pagamento não se encontra exigível e susceptível de vencimento nos termos da vinculação a que respeitam os arts. 762º, 1, 763º, 1, 777º, 1 e 2, e 817º do CCiv27.


Razão pela qual merece ser sufragada a decisão de 1.ª instância, usando, como usou, da faculdade processual dos arts. 274º e 610º, 1, e 2, a), do CPC28, em articulação com os arts. 813º e 814º, 2, do CCiv., ainda que utilizando-se nesta instância de uma motivação diversa, de acordo com a factualidade provada por documento não impugnado.


Procedem, assim e mesmo que com tal motivação, as Conclusões 6. (em parte) e 7. a 9. da revista.


III) DECISÃO


Em conformidade, julga-se parcialmente procedente a revista, revogando-se o acórdão recorrido no dispositivo de deferimento parcial da apelação e, assim, ainda que com fundamentação diversa, repristinando-se o segmento decisório b) da sentença proferida pelo tribunal em 1.ª instância, que se mantém na íntegra.


Custas da revista pelo Recorrido, na proporção do decaimento (art. 527º, 1 e 2, CPC).


STJ/Lisboa, 22 de Fevereiro de 2024


Ricardo Costa (Relator)


Maria Amélia Ribeiro


António Barateiro Martins


SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).


__________________________________________________

1. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “As formas de composição da acção”, Estudos sobre o novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 219-220.↩︎

2. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “As formas de composição da acção”, loc. cit., pág. 222.↩︎

3. V., entre os mais significativos, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, 1952, 3.ª ed., reimp. 2012, Coimbra Editora, Coimbra, sub art. 668º, pág. 143; ANTUNES VARELA, “Acórdão do STJ de 25 de Maio de 1985 – Anotação”, RLJ, ano 122º, 1989, n.º 3781, pág. 112; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “As formas de composição da acção”, loc. cit., págs. 220-221 (“O tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa”: sublinhado nosso); RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III (Arts. 467.º a 800.º), 3.ª ed., do Autor, Lisboa, 2001, sub art. 660º, págs. 180-181; ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 635º, pág. 116, a quem pertence a transcrição; ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 615º, pág. 738.↩︎

4. ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado cit., sub art. 608º, pág. 727, sublinhado da nossa responsabilidade.↩︎

5. Na jurisprudência do STJ, v., para exemplo do amplo consenso obtido, os Acs. de 1/3/2012, processo n.º 353/2000.E1.S1, Rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA, 27/3/2014, processo n.º 555/2002.E2.S1, Rel. ÁLVARO RODRIGUES, ("Para efeitos de nulidade de sentença/acórdão há que não confundir «questões» com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada, sem como isso incorrer em omissão de pronúncia.” – ponto I. do Sumário), e 27/6/2019, processo n.º 1346/15.9T8CHV.G2.S1, Rel. FERNANDO SAMÕES (“(…) a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras)”); sempre in www.dgsi.pt.↩︎

6. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “As formas de composição da acção”, loc. cit., págs. 222-223 (a quem pertence a transcrição), FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pág. 437.↩︎

7. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Vol. V cit., sub art. 668º, pág. 143.↩︎

8. «Emitir obrigatoriamente uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, (…), independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, ainda que estes não a solicitem, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efetuados antes da data da tansmissão de bens ou da prestação de serviços.»↩︎

9. «A fatura referida na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º deve ser emitida: a) O mais tardar no 5.º dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º; b) O mais tardar no 15.º dia do mês seguinte àquele em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º, no caso das prestações intracomunitárias de serviços que sejam tributáveis no território de outro Estado membro em resultado da aplicação do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º; c) Na data do recebimento, no caso de pagamentos relativos a uma transmissão de bens ou prestação de serviços ainda não efetuada, bem como no caso em que o pagamento coincide com o momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º.»↩︎

10. «As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos: a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como os correspondentes números de identificação fiscal; b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução; c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável; d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido; e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso; f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura. No caso de a operação ou operações às quais se reporta a factura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.»↩︎

11. «Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o imposto é devido e torna-se exigível: Nas prestações de serviços, no momento da sua realização; (…).»↩︎

12. «Não obstante o disposto no artigo anterior e sem prejuízo do previsto no artigo 2.º do regime do IVA de caixa, sempre que a transmissão de bens ou a prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir uma fatura nos termos do artigo 29.º, o imposto torna-se exigível: a) Se o prazo previsto para a emissão da fatura for respeitado, no momento da sua emissão; b) Se o prazo previsto para a emissão não for respeitado, no momento em que termina; c) Se a transmissão de bens ou a prestação de serviços derem lugar ao pagamento, ainda que parcial, anteriormente à emissão da fatura, no momento do recebimento desse pagamento, pelo montante recebido, sem prejuízo do disposto na alínea anterior.» (O n.º 2 acrescente: «O disposto no número anterior é ainda aplicável aos casos em que se verifique emissão de fatura ou pagamento, precedendo o momento da realização das operações tributáveis, tal como este é definido no artigo anterior.»).↩︎

13. GLÓRIA TEIXEIRA, Manual de Direito Fiscal, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2021 (reimp. 2022), págs. 236-237.↩︎

14. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 787º”, Código Civil comentado, II, Das obrigações em geral (artigos 397.º a 873.º), Almedina, Coimbra, 2021, pág. 995.↩︎

15. As facturas que se referem no facto provado 10., i) e ii), correspondem a “fatura-recibo” emitida no sistema disponibilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (v. docs. 12 e 13 anexos à petição inicial).↩︎

16. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Artigo 787º”, Código Civil anotado, Volume II (Artigos 762.º a 1250.º), 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 39.↩︎

17. ANA TAVEIRA DA FONSECA, “Artigo 787º”, Comentário ao Código Civil. Direito das obrigações – Das obrigações em geral, coord.: José Brandão Proença, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, pág. 1080.↩︎

18. Quando temos “isenção” de IVA (v. arts. 9º, 13º, 14º, 15º e 53º a 59º do CIVA), já a solução a adoptar sob este prisma merecerá (mereceria) outras especificidades…↩︎

19. V., para um possível enquadramento na figura da condição “imprópria”, CARLOS MOTA PINTO, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 562 (“circunstâncias posteriores a um negócio, que a lei exige (não a vontade das partes) como requisito de eficácia”), e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Introdução (270º.º a 279.º)”, pág. 790, “Artigo 270º”, pág. 793, Código Civil comentado, I, Parte geral (artigos 1.º a 396.º), Almedina, Coimbra, 2020.↩︎

20. Em sentido favorável a esta construção, v. Acs. do STJ de 20/6/2023, processo n.º 5364/20, Rel. MANUEL CAPELO (pontos III. e IV. do Sumário: “A emissão e apresentação de fatura respeitante a um serviço prestado constitui uma obrigação legal imposta pelos arts. 29.º, n.º 1, al. b), e 36.º, n.º 1, do CIVA, mas é também condição de cuja verificação depende a exigibilidade do pagamento. / A emissão da fatura como condição legal (cfr. art. 270.º do CC) determina que enquanto não se verificar não pode considerar-se vencida e exigível a obrigação litigada, sendo nesse caso de aplicação o disposto no art. 610.º, n.º 1, e n.º 2, al. a), do CPC.”) e 22/4/2004, processo n.º 837/04, Rel. OLIVEIRA BARROS (ponto V. do Sumário); nas Relações, os Acs. do TRÉvora de 30/6/2022, processo n.º 3414/20, Rel. MARIA DOMINGAS SIMÕES, do TRPorto de 17/5/2022, processo n.º 5631/18, Rel. RODRIGUES PIRES (pontos II. e III. do Sumário), e do TRCoimbra de 16/12/2015, processo n.º 162/12, Rel. ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS (ponto 4. do Sumário); sempre in www.dgsi.pt.↩︎

21. Ac. do STJ de 26/11/2015, processo n.º 1829/10, Rel. TOMÉ GOMES, in www.dgsi.pt.↩︎

22. No âmbito da relação obrigacional complexa, ónus é “a necessidade de adopção de um comportamento para realização de um interesse próprio. O onerado não deve; pode livremente praticar ou não um certo acto, mas se o não praticar não realizará certo interesse (…). O onerado, se não acatar o ónus, não infringe nenhum dever, nem a sua conduta é ilícita, mas perde ou deixa de obter uma vantagem.” (CARLOS MOTA PINTO, Teoria geral… cit., pág. 188).↩︎

23. Assim definida: “a determinação do momento a partir do qual o credor pode exigir a realização da prestação devida” (ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume II, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997 (reimp. 2009), pág. 41.↩︎

24. O que também ajuda a deixar claro a imprestabilidade de ser aqui seguido o enquadramento dogmático-interpretativo da “excepção de não cumprimento” (art. 428º, 1, CCiv.).↩︎

25. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2000 (reimp. 2005), págs. 396-397 (“durante todo o período de execução do negócio e em todas as vicissitudes registadas ao longo da existência das obrigações”; “as obrigações têm de ser exercidas em paralelo (visto que a execução de cada uma delas constitui, na intenção dos contraentes, o pressuposto lógico do cumprimento da outra) e ainda para o pensamento de que todo o acidente ocorrido na vida de uma delas repercute necessariamente no ciclo vital da outra”).↩︎

26. CARLOS MOTA PINTO, Teoria geral… cit., pág. 384.↩︎

27. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 777º”, Código Civil comentado, II cit., págs. 973-975, para a tríade constituição/exigibilidade/vencimento das obrigações.↩︎

28. V. ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 682-683.↩︎