Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2512/18.0T8PTM.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: PODERES DA RELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL
RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Data do Acordão: 02/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Quando o tribunal da Relação explica de forma suficientemente detalhada o sentido da sua convicção, à luz dos meios de prova cuja reapreciação havia sido solicitada, com alusão a cada um deles e seu conteúdo, está dado cumprimento à obrigação de realizar uma análise crítica dos meios de prova.

II - A convenção de irrevogabilidade aposta na procuração não implica que ela não possa ser revogada, a não ser que se demonstre a existência de uma relação subjacente que permita concluir que ela foi emitida no interesse do procurador, nomeadamente um mandato, sem cuja prova da sua realização não há obrigação de indemnizar.

Decisão Texto Integral:

Acórdão


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório

1. AA e mulher BB e CC e marido DD instauraram a presente ação, com processo comum, contra EE e mulher FF e filha destes, GG, pedindo que:

a) Os Réus sejam condenados a restituir aos Autores CC e marido o prédio rústico objeto dos autos, sito nos ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 11478/19991116, procedendo-se ao cancelamento do respetivo registo a favor da Ré GG.

Ou caso assim não se entendesse,

b) Os Réus sejam condenados a pagar aos Autores uma indemnização em quantia não inferior a €350.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Alegaram os Autores para sustentar as suas pretensões, em síntese, a seguinte factualidade: Os Autores venderam aos Réus EE e mulher três imóveis, identificados nos artigos 2º, 4º e 5º da petição inicial. Todavia, o Réu EE tinha interesse apenas na compra do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ...sob o nº 11532, pelo que ao adquirir os três imóveis acordou com os Autores a posterior transmissão dos outros dois prédios ao Autor AA.

Assim, alegam os Autores, embora formalmente fossem adquiridos pelos Réus EE e mulher três imóveis, verdadeiramente apenas era adquirido um, e por esse motivo os Autores CC e DD, pais do Autor AA, receberam menos dinheiro no negócio, porque iriam ficar com dois dos imóveis para a sua família.

Por força desse acordo, foi emitida pelos Réus EE e FF uma procuração irrevogável a favor do Autor AA, e subsequentemente teria lugar a venda dos dois imóveis rústicos a terceiros, conforme fosse o entendimento dos Autores.

Chegou mesmo a ser elaborado um contrato-promessa em que os Réus EE e FF prometiam vender os imóveis ao Autor AA.

Foram sempre os Autores quem cuidaram dos dois imóveis, à vista de toda a gente, continuadamente e sem qualquer oposição, mas não podendo, ao tempo, ter tais bens em seu nome, confiaram na existência da procuração irrevogável a favor do Autor AA, fizeram projetos para a futura venda dos imóveis, incluindo um contrato promessa para o prédio 11478, com a sociedade “E..., S.A.”, no valor de €275.000, e, bem assim, ainda promoveram a venda do mesmo em agências imobiliárias, anunciando o preço de €350.000.

No entanto, veio a suceder que os Réus EE e FF frustraram os objetivos que a outorga de procuração visava ao doarem o imóvel nº 11478 à sua filha GG, terceira Ré.

Alegam ainda os Autores que os Réus, com a emissão da procuração, quiseram transmitir os prédios para o Autor AA, e que o ato de doação, sabendo inclusivamente a terceira Ré da existência da dita procuração, equivaleu a uma revogação da mesma, injustificada e que lhes causa prejuízos (especificando que consideram não ter havido um contrato de mandato, mas simplesmente uma procuração irrevogável ) e pretendem reverter os efeitos da mesma ou ser indemnizados pela perda dos negócios que tinham em vista com a utilização da dita procuração.

2. Citados, os Réu vieram contestar, alegando, em suma, que: os imóveis que lhes foram transmitidos não pertenciam na altura aos Autores e seus familiares, tendo aliás corrido uma ação em que foram partes os Autores CC e DD bem como os Réus EE e FF, movida pelos adquirentes desses imóveis, que não os haviam atempadamente registado, ação que veio a improceder, posto que os adquirentes ora Réus eram terceiros de boa fé;

confirmando que o interesse do Réu EE e da Ré FF incidia apenas na aquisição do prédio misto identificado no artigo 5.º da petição inicial;

o que ocorreu foi que os Réus vieram a mandatar o Autor AA, em quem confiaram, para alienar os demais imóveis;

vindo a ocorrer que o referido AA alienou o imóvel 11477 sem nada comunicar aos Réus, não lhes entregando qualquer montante do preço dessa venda, e levando ainda a que os mesmos tivessem que pagar mais valias decorrentes da venda, para o que foram interpelados pelas Finanças;

consequentemente, tendo perdido a confiança no procurador e dada a circunstância de a sua filha GG carecer do imóvel para ali desenvolver atividade profissional, na sequência do termo da sua formação académica, entenderam doar o imóvel 11478 à sua filha, para não correrem o risco de que relativamente ao mesmo voltasse ocorrer a circunstância de ser alienado sem serem informados, visto que quanto ao imóvel 11477 só em sede de ação judicial lograram que o Autor AA lhes pagasse uma verba (na circunstância, em sede de ação judicial movida para o efeito, onde foi obtida transação, pagando o aqui Autor AA aos Réus EE e FF € 30.000 do preço de alienação do imóvel, € 38.000);

consideram os Réus ter existido justa causa para a revogação tácita da procuração, que reconhecem ter ocorrido, e que a mera convenção de irrevogabilidade desta não implica, sem mais, que a mesma não possa ser revogada, uma vez que não existia qualquer relação subjacente que justificasse o impedimento dessa revogação, concluindo que, existindo justa causa para a revogação, nada têm em dívida para com os Autores.

Terminam pedindo a improcedência de ação e a condenação dos Autores como litigantes de má-fé em multa de € 10.000 e indemnização de igual montante.

3. Os Autores vieram ainda responder, repudiando a invocação de existência de má-fé, mantendo o alegado na petição inicial.

4. Realizado o julgamento, veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, o tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e condena os réus EE e FF a pagar ao autor AA a quantia de € 63.000, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

No mais, absolvem-se os réus do contra si peticionado.

Julga-se não verificada a existência de litigância de má-fé, sem consequências tributárias.”

5. Inconformados com esta decisão, os Réus interpuseram recurso de apelação e os Autores recurso subordinado.

6. O Tribunal da Relação de Évora veio a proferir acórdão que culmina com o seguinte segmento dispositivo:

Pelo exposto, decide-se:

a) Julgar procedente a apelação interposta pelos RR, revogando a sentença recorrida na parte em que os condenou a indemnizar o A. AA.

b) Julgar totalmente improcedente o recurso subordinado interposto pelos AA., mantendo a sentença recorrida no respeitante à improcedência dos pedidos destes.

As custas em ambas as instâncias ficam a cargo dos AA, como parte vencida (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC)”.

7. Inconformado, o Autor AA veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

Da falta de análise crítica da prova produzida:

1.ª No acórdão posto em crise, decidiu-se dar como não provado a matéria ínsita em “19” dos factos provados que resultaram da 1ª instância.

2.ª Atendendo à prova produzida nos autos, quer documental (cfr. doc. 14 da p.i.), quer testemunhal (cfr. testemunha HH), tal alteração à matéria de facto não pode ser aceite, mostrando-se inadmissível.

3.ª O artigo 640º do CPC prevê um verdadeiro duplo grau de jurisdição, não deixando, porém, de garantir ao juiz de 1.ª instância a plena aplicação do princípio da oralidade e da livre apreciação da prova, conforme previsto pelo artigo 607º, n.º 5 do CPC.

4.ª De onde resulta, em sentido oposto que, ao Tribunal da Relação não assiste, pela própria natureza das coisas, o princípio da imediação, porquanto, a prova testemunhal e os depoimentos são irrepetíveis na sua originalidade.

5.ª Não pode o duplo grau de jurisdição subverter o princípio da livre apreciação da prova exclusivamente reservado à primeira instância, pois que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, porquanto a valoração de um depoimento é algo absolutamente impercetível na gravação/transcrição.

6.ª O Tribunal da Relação apenas pode proceder à reapreciação da matéria de facto, em casos de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto.

7.ª Não podendo, assim, ser encontradas razões bastantes para alterar a factualidade dada como provada se a 1.ª instância tiver feito a sua valoração da prova produzida, com a apresentação da respetiva motivação de facto, na qual explicitou não apenas os vários meios de prova – in casu, prova documental e prova testemunhal – que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção sobre dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro, como foi o caso dos autos

8.ª Caberia averiguar, concluindo-se negativamente, se o Tribunal de 1.ª instância teria incorrido, de facto, num erro manifesto na apreciação da prova, numa apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, em termos de se apurar se existia uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto.

9.ª Analisada a sentença da 1.ª instância não poderia ser outro senão o entendimento que não houve qualquer erro na apreciação da prova no que toca ao aludido ponto “19” dos factos provados, isto porque ao contrário da análise da prova efetuada pelo Tribunal da Relação, a testemunha HH, agente imobiliário, confirmou que o contrato de mediação foi acordado e efetuado, sendo que quem consigo contactou e ditou as condições a fazer constar do mesmo foi a Autora CC, incluindo o valor a fazer constar para a venda do imóvel de € 350.000,00.

10.ª Efetivamente, o referido “HH”, confrontado com o contrato de mediação em apreço, confirmou que o mesmo teve como objeto o imóvel dos presentes autos e que os manuscritos que dele constam foi ele que os colocou, incluindo o preço de € 350.000,00, sendo que muito embora tal valor tenha sido indicado pela Autora CC, aceitou colocar o mesmo no contrato porque o achou justo, sendo o valor de mercado, dadas as características do terreno, o qual tinha uma área para construção, nomeadamente para construção de um armazém, (cfr. passagens do depoimento da aludida testemunha prestado na audiência de julgamento realizada em 28/11/2019 que constam do acórdão recorrido e que, por facilidade, se indicam – 05m58s a 16m13s).

11.ª Da análise do depoimento de tal testemunha constata-se que foram praticados diversos atos pelas partes, incluindo encontro presencial para fornecimento de elementos e informação sobre o imóvel dos autos, que demonstram que o contrato de mediação em apreço existiu, como aliás existiram outros, (cfr. requerimento de fls. de 10/09/2019 e respetivos documentos aí juntos, e ata de fls. da sessão de julgamento realizada em 12/09/2019, na qual os documentos foram admitidos).

12.ª Salvo o devido respeito, o facto de tal contrato de mediação não se encontrar totalmente preenchido não permite concluir, por si só, que o contrato não foi celebrado, conforme bem entendeu o Tribunal de 1ª instância.

13.ª Mal andou o Tribunal da Relação ao dar como não provado tal facto ínsito em “19” dos factos provados, não tendo existido uma verdadeira análise crítica da prova, nomeadamente face ao que foi declarado nos autos pela testemunha “HH” e pela Autora “Desidéria” (cfr. acórdão recorrido) e ainda o que resulta do contrato de mediação de fls. em apreço.

14.ª Como é doutrinal e jurisprudencialmente pacífico e assente, para além de especificar os fundamentos que foram decisivos para convicção do julgador, a decisão tem de proceder à análise crítica das provas; Tal significa que, o juiz deve não só esclarecer quais as provas que o levaram a formar a sua convicção, mas deve ainda analisar criticamente as provas produzidas, explicando os motivos que o levaram a optar por uma determinada resposta.

15.ª Respeitante à convicção assente na prova testemunhal, salvo o devido respeito, o Tribunal da Relação não analisou crítica e corretamente o que foi declarado pela testemunha “HH”, em conciliação com o que resulta do correspondente contrato de mediação dos autos, pois que o mesmo existiu de facto, conforme supra explanado.

16.ª Mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que prova produzida, quer testemunhal, quer documental supra referida permite concluir que tal contrato de mediação imobiliária foi pelo menos acordado entre o referido “HH” e a Autora “Desidéria”, pelo que nunca seria de dar como não provado tal facto reproduzido em “19”, mas apenas uma alteração de redação, pois que o contrato existiu e foi acordado, incluindo naturalmente o valor da venda, resultando inequívoco que tal contrato se referia ao imóvel objeto dos autos, conforme a prova produzida o evidenciou, (cfr. acórdão recorrido, nas passagens do depoimento citadas no recurso de apelação e que, por facilidade, se indicaram).

17.ª Conclui-se não poder o acórdão recorrido manter-se no que toca à alteração da matéria de facto operada tendo como objeto o ponto “19”, uma vez que ao alterar nessa parte a factualidade da sentença proferida pela 1.ª instância incorreu em violação do disposto nos artigos 607º, n.º 4, ex vi 663º, n.º 2, e 662º, ambos do CPC.

18.ª Deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado e substituído por outro que conclua pela falta de análise crítica do depoimento da testemunha “HH”, das declarações de parte da Autora “CC” e do contrato de mediação de fls. junto com a p.i., este último que apesar de não totalmente preenchido, esse preenchimento resulta do que foi declarado pelos intervenientes.

19.ª Em consequência, deve ser alterada a decisão no que toca ao aludido ponto “19” da matéria de facto, o qual deve ser dado como provado, como acertadamente o fez o Tribunal de 1ª instância ou, caso assim não se entendesse, alterada a sua redação no sentido de o contrato de mediação ter sido acordado: “19 – Foi igualmente acordado um contrato de mediação imobiliária com o agente “HH”, acordado com a A. CC, mas em nome do Autor AA, tendo em vista a venda do referido prédio rústico n.o 11478/19991116 pelo preço de € 350.000,00 (resposta aos artºs 26º e 57º da p.i. e 42º e 44º da contestação).”, se necessário os autos mandados descer ao Tribunal da Relação para prolação de nova decisão.

– Da errada aplicação do Direito - do contrato de mandato:

20.ª Face aos factos, trechos e provas carreadas pelo Recorrente, conclui-se que o Tribunal a quo incorreu numa errada apreciação e aplicação do Direito, tendo em conta a factualidade que resultou provada nos autos.

21.ª Resulta da factualidade provada que durante 17 anos!!! os Réus EE e mulher não quiseram saber dos prédios “11477” e “11478” objeto da procuração dos autos, não tendo praticado qualquer ato em relação aos mesmos.

22.ª Estranha e coincidentemente, apenas quando o Autor AA, ora Recorrente, vendeu o primeiro prédio “11477” é que os Réus decidiram tomar uma atitude e revogar sem justa causa a procuração, através de uma doação.

23.ª O tempo decorrido e o comportamento dos Réus não deixam margem para dúvidas sobre a factualidade em causa, existindo motivo bastante para o Autor ser indemnizado pelos Réus EE e mulher, conforme determinado na sentença da 1ª instância.

24.ª Vistos os factos provados, e não obstante o alegado pelos Autores em sede de p.i., a verdade é que o Tribunal não está sujeito às alegacões das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5º, n.º 3 do CPC).

25.ª No caso dos autos, verifica-se que a decisão da 1ª instância alicerçou-se em fundamentos jurídicos distintos dos invocados pelo Autor na p.i., não obstante os factos serem os mesmos.

26.ª A sentença da 1ª instância considerou a existência de um contrato de mandato cuja revogação sem justa causa configura em si mesmo um dano indemnizável, e arbitrou a correspondente indemnização ao Autor AA.

27.ª Tal decisão conteve-se nos limites da causa de pedir invocada e do pedido formulado, tendo implicado unicamente um enquadramento jurídico parcialmente distinto do que foi efetuado pelos Autores, mas admitido e reclamado pelos Réus em sede de contestação, o qual é permitido face à faculdade conferida ao juiz pelo artigo 5º, n.º 3 do CPC; Preceito esse que confere liberdade de indagação, interpretação e aplicação das regras de Direito, dessa forma admitindo a correção da configuração jurídico normativa da pretensão, reconduzindo a matéria facto alegada ao quadro normativo que tenha por adequado.

28.ª No que importa para o presente recurso, cremos que o enquadramento jurídico efetuado pela 1ª instância é o correto e o que deverá prevalecer a final, por ser o que mais se compatibiliza com a factualidade dada como provada, sendo certo que a alteração da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação não é impeditiva de retomar a aludida configuração jurídica da 1ª instância.

29.ª Como resulta dos autos, não se olvide que foram os próprios Réus que alegaram, em sede de contestação, estar em causa um contrato de mandato celebrado com o Autor AA, (cfr. artigos 9º e 10º da contestação).

30.ª Os Réus alegaram que haviam constituído o Autor AA mandatário para vender os prédios, incluindo o dos presentes autos, e que tal fora feito com base na existência de uma relação de confiança.

31.ª Nos termos do artigo 1157º do CC, o mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra; o mandato pode ser simples, ou com representação previsto no artigo 1178º do CC, residindo a diferença em o mandatário passar a agir em nome do mandante, o que faz com que passem a coexistir as figuras do mandato e da representação.

32.ª A factualidade provada permite-nos concluir que o Autor AA agiu em nome dos Réus, incumbindo-lhe vender os imóveis objeto da procuração, entregar o respetivo preço àqueles e prestar-lhes contas (posto que não estava dispensado), tendo sido, aliás, o que os Réus confessaram nos autos.

33.ª Se é certo que dos factos provados resultou que a representação sempre terá havido, atendendo à outorga de uma procuração e o Autor AA interveio, no uso da mesma, em atos em nome dos Réus, não é menos verdade que resultou também suficientemente da matéria provada que houve entrega aos Réus, ainda que parcial, do preço do prédio “11477”, vendido pelo Autor AA a terceiro.

34.ª Muito embora tal entrega tenha resultado de uma ação judicial movida para o efeito, como bem decidido pela 1ª instância tal não altera relevantemente o sentido das consequências a extrair de sucessão de factos em causa.

35.ª Os Réus não quiseram saber dos prédios durante 17 anos e, o Autor AA, munido da procuração, interveio numa venda em nome dos Réus e entregou-lhes uma parte do preço, após concluída essa venda; a isto seguiu-se que os Réus EE e mulher doaram o prédio “11478” à Ré GG, qual tinha conhecimento da procuração, (cfr. “24” e “25” dos factos provados).

36.ª Citando Heinrich Horster, “[para] a qualificação jurídica de um negócio é decisiva, não a designação escolhida pelas partes ou o efeito jurídico desejado por elas, mas sim o conteúdo do negócio. Em caso de contradição entre o acordado e o realmente executado, prevalece a execução efectiva”.

37.ª Muito embora, as partes lhe tenham chamado de procuração o instrumento celebrado, a verdade é que o curso dos acontecimentos e os factos ocorridos evidenciam a existência de um verdadeiro mandato que foi revogado sem justificação.

38.ª Mostra-se totalmente acertado concluir-se que, com a doação à sua filha e Ré GG, os Réus revogaram a procuração outorgada a favor do Autor AA, a qual era irrevogável; se a doação implicou que os efeitos eventualmente a conseguir com a procuração não mais poderiam ser alcançados, houve de facto uma revogação tácita da procuração, com a outorga da escritura de doação.

39.ª Conclui-se da matéria de facto dos autos que no caso dos autos está em causa um mandato, como alegado pelos Réus, haverá que retirar consequências da revogação operada pelos mesmos, prevendo a lei a existência de responsabilidade civil quando ocorre a respetiva revogação (artigo 1172º do CC).

40.ª Face à conduta descrita nos autos dos Réus EE, há lugar a indemnização por facto lícito; existindo, como existiu, um mandato, e tendo sido convencionada a irrevogabilidade, há lugar a indemnização nos termos dos citados artigos 1170º e 1172º do CC.

41.ª O Tribunal da Relação não atentou no concreto regime que veio a ser consagrado no trajeto negocial decorrido entre as partes, isto porque olvidou que o Autor AA, a partir de certo momento, passou efetivamente atuar em nome dos Réus, nomeadamente quando, após a venda do prédio “11477” veio a entregar àqueles parte do preço recebido, concretamente, 79% do valor do referido imóvel.

42.ª Sendo certo que a mera remuneração do mandato não implica necessariamente que haja no mandato um interesse do mandatário, a verdade é que o mesmo entregou o produto da venda do imóvel aos Réus, pelo que ele próprio Autor AA aceitou que não havia verdadeiramente no negócio um interesse próprio seu, ao pondo de o legitimar a ficar com todo o produto da venda para si.

43.ª A matéria de facto é rica neste ponto, evidenciando que houve um interesse que foi reconhecido ao Autor AA, aqui Recorrente, posto que, sem ter sido convencionada uma concreta remuneração, o interesse da sua intervenção foi compensado com a atribuição de uma parcela do valor da venda do prédio “11477”, (cfr. “29” dos factos provados).

44.ª Divergindo da leitura dos factos e da aplicação do Direito operadas pelo Tribunal da Relação, mas convergindo com o invocado pelos Réus de que constituíram o Autor AA mandatário para vender os imóveis e que tal fora feito com base na existência de uma relação de confiança, tendo por certo que a revogação da procuração ocorreu, há lugar a indemnização ao Autor AA, tanto mais que o contrário só poderia ser sustentado na existência de justa causa para a revogação.

45.ª Discorda-se da interpretação e aplicação do Direito levadas a cabo pelo Tribunal da Relação, porquanto embora se tenha considerado nos autos que não assistia interesse próprio ao procurador na procuração, por falta de relação subjacente à emissão da mesma, tal não implica necessariamente que não possa ter existido um interesse próprio do mandatário na sua intervenção no processo de venda dos prédios, que seria em colher o dividendo possível do processo negocial; Resultou provado nos autos que as partes reconheceram ambas tal situação, verificando-se que o Autor AA, a partir de certo momento, passou efetivamente atuar em nome dos Réus, nomeadamente quando, após a venda do prédio “11477” veio a dar aos mesmos parte do preço recebido, reconhecendo estes, o direito do procurador a ficar com uma parcela do preço dessa venda, (cfr. “29” dos factos provados).

46.ª Alegaram os Réus terem perdido a confiança no Autor AA, por este não lhes ter dado logo conhecimento de que havia alienado um dos imóveis e os Réus terem sido notificados pelas Finanças, no sentido do pagamento de mais-valias pela transação efetuada; Porém, tal como decidido pela 1ª instância, que acompanhamos, tal facto só por si, atento o curso dos acontecimentos (e tendo presente que a segunda perspetiva de venda foi frustrada com a doação do imóvel “11478” entre os Réus) e segundo o que se retira da matéria provada, não consubstancia justa causa para revogação do mandato.

47.ª Veja-se que os Réus EE e mulher jamais tomaram a iniciativa de invocar a existência de justa causa e diligenciar pela revogação expressa da procuração junto do Autor AA, antes preferido doar o imóvel “11478” à sua filha e aqui Ré GG.

48.ª Como bem se concluiu na 1ª instância, tendo ocorrido a revogação do mandato sem justa causa pelos Réus, assiste direito de indemnização ao Autor AA, enquanto mandatário; Na doutrina e na jurisprudência vem sendo considerado estar-se perante uma indemnização por factos lícitos.

49.ª O Autor AA acompanha a sentença da 1ª instância quando refere o princípio de reconstituição natural através de indemnização que apele, nomeadamente, a um critério de equidade poderia afigurar-se adequado (artigo 566º, n.º 3 do CC).

50.ª Mas como bem deslindado pela 1ª instância, as próprias partes, nomeadamente os Réus EE e mulher e o autor AA fixaram já em tempos aquilo que eles próprios achavam equitativo em termos de uma compensação ao autor AA pela revogação da procuração.

51.ª Tal resulta patente da ação em que os ora Réus foram autores e em que fui acordado atribuir ao Autor AA um montante correspondente a 21% do preço da venda do prédio “11477”, ficando 79% do mesmo para os ali autores e aqui réus EE e FF.

52.ª Confirmando-se que o Tribunal da Relação mal andou ao dar como não provado a matéria relativa ao contrato de mediação ínsita em “19” dos factos provados da 1ª instância conforme se peticionou, com a consequente retoma aos factos provados de tal matéria, e tomando por base uma média efetuada entre o valor comprovado do contrato-promessa celebrado com a sociedade “E..., S.A.” (de II), € 275.000,00, e o referido contrato de mediação imobiliária que retratava uma expectativa dos Autores, de receber € 350.000,00, embora se possa também equacionar que, de acordo com as regras de experiência comum, esse valor se destinasse a ser negociado (e a baixar), cremos que se poderá tomar com o ponto de partida para a fixação de uma indemnização equitativa um prejuízo de € 300.000,00; assim, 21% do mesmo são € 63.000,00, montante no qual foi fixado pela 1ª instância o prejuízo do Autor AA, enquanto mandatário, pela revogação do mandato sem justa causa.

53.ª Tal condenação foi decidida na 1ª instância e encontra amparo na matéria de facto dada como provada, pelo que aqui se pugna por tal condenação dos Réus, por ser a mínima adequada a indemnizar o Autor AA.

54.ª Sem conceder, mesmo que assim não se pudesse entender em razão de se não dar como provada a aludida matéria ínsita em “19” dos factos provados, a verdade é que nem por isso se deverá excluir a condenação dos Réus a pagar uma indemnização ao Autor AA.

55.ª O raciocínio utilizado pela 1ª instância para o cálculo da indemnização arbitrada é apenas um dos vários critérios possíveis de utilizar; o contrato-promessa de compra e venda do prédio “11478”, no valor de € 275.000,00, que o Autor AA formalizou com a sociedade “E..., S.A.” (cfr. “16” e “18” dos factos provados) é mais um critério possível.

56.ª Muito embora a Relação tenha aditado à matéria de facto provada em “33” que o contrato-promessa foi dado por cancelado pelos Autores, a verdade é que o mesmo existiu e foi efetivo, o que não pode ser desvalorizado.

57.ª Tenha-se igualmente presente que por requerimento de fls. de 10/09/2019, os Autores juntaram aos autos mais dois contratos de mediação imobiliária, o primeiro datado de 09/05/2016 celebrado com a Imobiliária “V..., Lda.”, e o segundo de 19/09/2017 celebrado com a Imobiliária “I..., Lda.”, (cfr. requerimento de documentos de fls.); ambos os contratos encontram-se subscritos pelo Autor AA, e deles consta os valores projetados de venda do prédio “11478”, no primeiro contrato de € 299.000,00, e no segundo de € 318.450,00, (cfr. contratos de mediação imobiliária de fls.), os quais foram admitidos pelo Tribunal de 1ª instância na sessão de julgamento realizada no dia 12/09/2019, (cfr. ata de fls.).

58.ª O Tribunal dispunha, como dispõe, de suficientes elementos de prova que permitem calcular a indemnização devida pelos Réus EE e mulher ao Autor AA, pela revogação ilícita do mandato.

59.ª Para tanto, deve o Tribunal ad quem atender aos mesmos 21% fixados pela sentença da 1ª instância, por tal percentagem se mostrar atendível e demonstrada pela matéria de facto dada como provada conforme supra exposto, a qual deverá incidir sobre o mesmo valor de € 300.000,00, por tal se mostrar equitativo considerando o valor de € 275.000,00 do contrato-promessa de compra e venda, bem assim os valores de € 299.000,00 e de € 318.450,00 dos contratos de mediação imobiliária de fls..

60.ª Assim se alcançando o valor de € 63.000,00, montante no qual foi fixado pela 1ª instância o prejuízo do Autor AA, enquanto mandatário, pela revogação do mandato sem justa causa, que deverá ser recuperado por via do presente recurso.

61.ª Mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que nem por isso se deve absolver totalmente os Réus EE e mulher a pagar uma indemnização ao Autor AA.

62.ª Encontrando-se suficientemente concretizada e demonstrada a factualidade subjacente do direito do Autor AA a ser indemnizado pelos Réus, o valor de tal indemnização ser deverá ser alcançado por via da equidade nos termos do artigo 566º, n.º 3 do CC, conforme, aliás, evidenciado na sentença da 1ª instância.

63.ª Foram dados como provados factos sobre a ilicitude da conduta dos Réus e do direito do Autor a ser indemnizado em razão da revogação do mandato sem justa causa, pelo que concluindo-se pelo direito do Autor em face do comportamento dos Réus, e não sendo possível, por mera hipótese de raciocínio, quantificar a indemnização em valores certos face a factualidade provada, sempre deve este Tribunal recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no aludido artigo 566.º, n.º 3 do CC, em quantia não inferior a € 63.000,00.

64.ª Ou ainda, caso assim não se entendesse, sempre deve o Tribunal relegar a quantificação da indemnização devida ao Autor AA para liquidação ulterior em execução de sentença.

65.ª O que não se poderá manter é a total absolvição dos Réus do pedido, mostrando-se tal decisão desacertada, ilegítima e ilícita face à prova produzida nos autos.

66.ª Não deixa de ser sintomático, reitere-se, que durante 17 anos os Réus não tenham tomado qualquer medida ou iniciativa no sentido de revogar a procuração, fazendo-o apenas quando souberam da alienação do prédio “11477” pelo Autor.

67.ª As decisões judiciais não são apenas formalmente legais. São, necessariamente, substancialmente justas. Esta não é! Nem legal. Nem Justa!, impondo-se a sua revogação.

68.ª Estamos certos que, agora, com a análise dos factos devida e atento o curso dos acontecimentos que decorre das incidências processuais e dos factos provados se reporá a justiça.

69.ª Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido violou, entre outras, as normas dos artigos 1157º, 1170º, 1171º, 1172º, 1179º e 566º, n.º 3, todos do CC, resultando ainda numa ofensa à supra citada doutrina e jurisprudência, o que cumpre reparar.”

E conclui:

“Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o acórdão recorrido e, em consequência:

1) Declarada a falta de análise crítica da prova nos termos supra expostos, com a consequente alteração da decisão de facto no que toca ao ponto “19”, o qual deve ser dado como provado; ou, caso assim não se entenda, alterada a redação de tal ponto, no sentido de o contrato de necessário os autos mandados descer ao Tribunal da Relação para prolação de nova decisão.

2) Declarado que no caso dos autos estamos perante um mandato que foi ilicitamente revogado pelos Réus, com a consequente condenação dos mesmos a indemnizar o Autor AA em montante não inferior a € 63.000,00.”

7. Os Réus vieram contra-alegar, concluindo pela improcedência do recurso.

8. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Autor / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- saber se o Tribunal da Relação violou a lei na apreciação da impugnação da matéria de facto e no cumprimento dos seus deveres decorrentes do artigo 662.º do Código de Processo Civil;

- saber se nos autos se mostra provada a existência do mandato que foi ilicitamente revogado pelos Réus, com a consequente condenação dos mesmos a indemnizar o Autor AA em montante não inferior a €63 000,00.

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação assinaladas):

1.1. Os Autores CC e DD são pais do Autor AA (resposta ao artº 1ºda p.i.).

1.2. Por escritura pública de habilitação e compra e venda lavrada no Cartório Notarial de ..., em 24 de novembro de 2000, de folhas 131 a folhas 133 v, do Livro de Notas para escrituras diversas número 61E, os ora aqui RR., EE e FF, à data casados, adquiriram a JJ, KK, CC (ora aqui A.) e LL;

- Pelo preço de um milhão de escudos, o prédio rústico, com a área de 9640 m2, no sítio de ..., da freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 11477/991116, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 6 da secção Q (parte) e,

- Pelo preço de um milhão de escudos, o prédio rústico, com a área de 9960 m2, no sítio de ..., da freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 11478/991116, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 6 da secção Q (parte), e aí, na identificada escritura pública de habilitação e compra e venda, os referidos vendedores (incluindo a ora aqui A. CC e marido) declararam ter recebido do comprador o indicado preço e deram como efetuada a venda (resposta aos artºs 3º e 4º da p.i., 3º da contestação e 15º da resposta).

1.3. E, por escritura pública de compra e venda lavrada no Cartório Notarial de ..., em 07 de março de 2001, os ora RR., EE e FF, à data casados, adquiriram a JJ, KK, CC (ora A.) e LL, pelo preço de cinco milhões e setecentos mil escudos, o prédio misto, com a área de 5202 m2, no sítio de ..., da freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 11532/000103, inscrito nas respetivas matrizes: cadastral sob artigo 6 da secção Q (parte) e predial urbana sob o artigo 1392, sendo a parte rústica vendida pelo preço de três milhões de escudos e a parte urbana pelo preço de dois milhões e setecentos mil escudos, e aí, na identificada escritura de compra e venda, os referidos vendedores (incluindo a aqui A. CC e marido) declararam ter recebido do comprador o indicado preço, e deram como efetuada a venda, tendo os compradores, ora RR, registado a sua aquisição na Conservatória do Registo Predial de ... em 03 de abril de 2001 (resposta aos artºs 5º da p.i., 4º da contestação e 15º da resposta).

1.4. Pelas vendas referidas em 2 e 3 destes factos provados, não obstante o declarado nas respetivas escrituras, os vendedores receberam dos RR. um total de 17.000.000$00 (resposta aos artºs 53º e 54º da contestação).

1.5. Foi registada a favor dos Réus EE e mulher, pela AP. 16 de 10 de dezembro de 2001, a aquisição do prédio rústico sito nos ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 11478/19991116, feita à aqui Autora “CC” e a familiares desta, “JJ”, “KK” e “LL” (resposta ao artº 2º da p.i.).

1.6. O prédio nº 11532/000103 veio a ser, pelos RR. EE e FF, vendido, por escritura pública de compra e venda outorgada em 3 de fevereiro de 2003, a MM e mulher NN (resposta ao artº 4º da contestação).

1.7. Os Autores CC e marido e os seus familiares referidos em 2 e 3 destes factos provados não pretendiam, ao tempo dos negócios aí referidos, ter os imóveis 11477, 11478 e 11532 em seu nome (resposta aos artºs 12º da p.i. e 56º e 57º da contestação).

1.8. Não obstante o Réu EE ter manifestado interesse na compra apenas do prédio nº 11532/000103, os vendedores transmitiram-lhe que o negócio da venda só se concretizava com a compra dos três prédios (11477, 11478 e 11532), o que o réu EE aceitou, na condição de o acréscimo de preço (pela compra dos imóveis 11477 e 11478) vir a ser por si considerado aceitável, o que efetivamente sucedeu, vindo os RR. EE e FF a adquirir os três prédios em conjunto, por ser a única forma de adquirir o nº 11532, o único que realmente, ao tempo, interessava ao Réu EE, sendo que vendedores e compradores julgavam, à data, que os imóveis nºs 11477 e 11478 não tinham aptidão edificativa (resposta aos artºs 6º, 37º, 43º e 51º da p.i. e 16º, 18º e 34º da resposta).

1.9. Após a aquisição dos três prédios pelos Réus EE e FF, os Autores DD e CC acordaram com o Réu marido que os ditos Autores tratariam do destino a dar aos dois prédios rústicos, 11477 e 11478, uma vez que o interesse principal desse Réu era o prédio 11532, e o mesmo não tinha interesse em manter os outros terrenos, que não eram aptos para a agricultura nem para a construção, sendo que o A. DD tinha um gabinete de projetos e tinha conhecimentos na área do imobiliário, o que poderia passar pela futura compra dos imóveis pelos referidos Autores, pelo seu filho, o A. AA, ou pela venda a terceiro (resposta aos artºs 7º, 8º e 12º da p.i. e 17º da resposta).

1.10. Em 11 de dezembro do ano 2000, no Cartório Notarial de ..., os Réus EE e mulher emitiram a favor do Autor AA, à data solteiro e maior, a procuração cuja cópia se encontra junta à P.I. como documento nº 7, e aqui se dá por reproduzida, da qual consta, nomeadamente que lhe conferem: “os poderes para vender, inclusive ao próprio mandatário o prédio rústico sito em ..., da freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o 11 477, e o prédio rústico sito em ..., da freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o 11 478, receber os preços correspondentes, dar quitações, outorgar e assinar os contratos promessa e respetivas escrituras; para os representar junto de quaisquer Repartições Públicas, nomeadamente Conservatória do Registo Predial de ... onde poderá requerer quaisquer atos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamento, prestando declarações complementares se necessário.”, sendo ainda que não consta do texto da procuração que o mandatário fica dispensado de prestar contas (resposta aos artºs 13º, 14º, 15º, 19º, 41º e 47º da p.i., 10º, 21º e 59º da contestação e 13º, 19º, 28º e 30º da resposta).

1.11. Em 16 de Novembro de 2000 foi elaborado um contrato-promessa de compra e venda, cuja cópia se encontra junta como documento 8 da p.i., e aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual constava que, os Réus EE e mulher prometiam vender, e o Autor AA prometia comprar, livres de quaisquer ónus ou encargos, os dois prédios rústicos, 11477 e 11478, que o preço total da venda era de 2.300.000$00, o qual seria pago na data da realização da escritura pública de compra e venda, e que a escritura seria realizada no prazo de 90 dias a contar da data da assinatura do contrato, a marcar pelo A. AA, sendo ainda que a R. FF não outorgou o dito documento e que o próprio A. AA não executou nenhum ato previsto no mesmo, nomeadamente, não formalizou a escritura necessária à aquisição para si dos imóveis e não pagou o preço (resposta aos artºs 16º a 18º e 42º da p.i., 46º a 50º e 58º da contestação e 20º da resposta).

1.12. Posteriormente às vendas referidas em 2 e 3 destes factos provados, viram-se os RR. EE e FF confrontados com uma ação judicial intentada em 6 de maio de 2003, contra si e contra os vendedores, JJ, KK, CC (e marido) e LL, por terceiros, que invocavam ter comprado os imóveis nºs 11477, 11478 e 11532 a OO, mas não registado a aquisição, ação que correu seus termos no Tribunal Judicial de ... sob o nº 812/03.3... do extinto ...º juízo e foi registada na Conservatória do Registo Predial sobre os imóveis em causa, pela Ap 43, de 6 de setembro de 2005 (resposta aos artºs 5º e 7º da contestação).

1.13. Tal ação veio a improceder, em última instância por acórdão do STJ de 6 de novembro de 2012, junto aos autos como documento nº 2 da contestação, do qual consta, nomeadamente, que:

No Tribunal Judicial de ..., PP, QQ, RR, SS, e TT, intentaram acção declarativa com processo ordinário, contra JJ, KK, CC e marido DD, LL, EE e mulher FF, peticionando que:

a) Seja julgada ineficaz a transmissão mortis causa, por óbito de OO dos imóveis identificados na petição inicial;

b) Seja julgada nula a compra e venda feita a favor dos Réus EE e mulher FF e consequentemente sejam cancelados os registos das inscrições G-2, G-3, G-S e G-6, dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os números 11477/991116, 11478/991116 e 11532/000103;

c) Sejam os Autores declarados como únicos e legítimos proprietários dos referidos prédios;

d) Sejam os Réus EE e mulher FF condenados a restituir aos Autores os referidos prédios;

e) E a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a sua utilização por parte do Autores.

Como sustentáculo do peticionado alegam, em síntese:

Por escritura pública outorgada em 19/01/1981 os 1º, e Autores e ainda UU, VV e WW, pelo preço de 3.500.000$00, adquiriram, em comum e partes iguais, a OO, os prédios rústicos actualmente descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os números 11477/991116 e 11478/991116 e o prédio misto actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 11532/000103.

Por escritura pública outorgada em 18/12/1983 VV e WW e mulher XX, venderam, em comum e partes iguais a UU, e aos 1º, e Autores, o direito a 2/ de cada um dos prédios atrás indicados.

Por óbito, sucessivamente, de UU e da sua mulher YY, sucederam-lhe os descendentes, ora e Autores.

Em 23/11/1988 faleceu OO, sucedendo-lhe os filhos ZZ e AAA, os quais, tendo falecido, tiveram como sucessores, no caso do primeiro os ora e Réus, e no caso do segundo, os ora e Réus.

Por escritura pública de compra e venda outorgada a 24/11/2000, os 1°, 2°, e Réus venderam aos 5ºs Réus, os prédios acima identificados, os quais foram previamente inscritos no registo predial a favor de OO.

Na sequência dessa venda, os referidos prédios encontram-se actualmente inscritos a favor dos Réus.

Os Autores que por contrato de compra a venda adquiriram o direito de propriedade dos prédios a OO, viúvo, independentemente de não terem levado ao registo predial essa aquisição, razão porque nunca o referido OO poderia ter transmitido esse bem aos seus sucessores (transmissão essa que deverá ser qualificada como inexistente). Por isso, careciam os a Réus de legitimidade para venderem os prédios, venda essa que é nula, e não podendo ser aposta aos Autores por nenhum dos Réus ter a qualidade de terceiro para os efeitos previstos no art.º 5º, n.º 1, do Código de Registo Predial.

[…]

Os Réus EE e mulher FF para além de impugnarem parcialmente os factos, alegam que os Autores são partes ilegítimas, por estarem desacompanhados dos respectivos cônjuges e invocam a sua própria ilegitimidade, alegando que venderam o prédio misto.

Sustentam, também, que a compra feita pelos Autores é ineficaz, por a escritura ter sido outorgada pela Sr. Dr. BBB como gestor de negócios dos compradores e os gestidos VV e WW nunca terem ratificado o negócio. Do mesmo modo, no que respeita à venda feita em 1983, também não foi ratificada pelo Autor RR a gestão exercida por UU, assim como nessa escritura não outorgou, nem deu o consentimento à venda, a mulher de VV, que era casado sob o regime de comunhão de adquiridos.

Deverão ser considerados como terceiros e que adquiriram confiados no registo e agindo de boa-fé, sendo que os Autores nunca inscreveram a aquisição no registo predial, razão porque a compra que fizeram não lhes é oponível, não tendo também a presente acção sido instaurada no prazo de 3 anos contado da aquisição.

Também, vieram deduzir pedido reconvencional pedindo que se declare os Réus contestantes donos e legítimos proprietários dos prédios e válida a transmissão que depois os Réus contestantes fizeram, alegando para tanto que sempre adquiriram o direito por usucapião.

Por seu turno, os Réus JJ, KK, CC e marido DD, impugnam parcialmente a factualidade alegada pelos autores, salientando desconhecerem as aquisições a que se referem os Autores, sustentando que os prédios eram propriedade de OO desde 1965 e que o respectivo direito foi transmitido aos seus sucessores.

Salientam que os negócios ocorridos em 1981 e 1983 e indicados na petição inicial, são ineficazes por nem todos os gestidos terem ratificado a gestão de negócios feitas pelos gestores, acrescendo que em razão da falta de registo, as alegadas compras feitas pelos Autores são inoponíveis aos terceiros, qualidade que deverá ser atribuída aos Réus, que agiram de boa-fé.

[…]

Os Autores requereram a intervenção principal provocada de MM e mulher NN, alegando que os Requeridos adquiriram aos 5ºs Réus o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 11532/000103, pedindo a condenação destes nos termos formulados na petição inicial e ainda que seja julgada nula a compra e venda que fizeram do prédio descrito na C.R.P. de ... sob o 11532/000103, cancelando-se o respectivo registo, a qual veio a ser admitida por decisão de fls. 250 e 251.

Os Autores requereram, também, a intervenção principal provocada de CCC, DDD e EEE, em todos com fundamento na qualidade de cônjuges dos Autores, pretendendo suprir, assim, a invocada excepção de ilegitimidade activa invocada pelos Réus, o que foi admitido por decisão de fls. 25 e 251.

Os intervenientes MM e mulher NN vieram apresentar contestação impugnando parcialmente os factos alegados pelos autores, salientando que as compra e venda invocadas por estes, foram outorgadas por gestor de negócios, sem que todos os gestidos ratificassem a gestão, razão porque os negócios são ineficazes perante os compradores. Alegam também que deverão ser considerados como terceiros e de boa-fé, tendo adquirido o prédio confiados no registo predial e sem que tivesse sido instaurada ou registada a acção nos três anos subsequentes ao negócio, invocando, também, a aquisição do direito de propriedade por usucapião.

A título subsidiário, deduzem pedido reconvencional peticionando que sejam reconhecidos donos e legítimos possuidores do prédio que adquiriram e que seja declarada válida essa aquisição.

[…]

Antes de sua abordagem, vejamos quais os factos que as instâncias deram como provados:

1- Por contrato celebrado por escritura pública outorgada em 19/01/1981 OO, viúvo, declarou vender a PP, casado, QQ, casado, VV, casado, UU, casado, WW, casado c RR, casado, e FFF na qualidade de gestor de negócios dos atrás referidos declarou que para os seus gestidos aceitava o contrato, pelo preço de 3.500.000$00, os seguintes prédios:

a) Rústico, inscrito na matriz sob os artigos 3465 e 3466, a que corresponde na matriz cadastral actual o artigo 6 secção Q (parte), descrito na Conservatória do Registo Predial de... sob os números ...50, f1s. 7 v. e ...51, fls. 8, do livro B-17 (actual inscrição número 11477/991116 e 11478/991116, respectivamente);

b) Misto, inscrito na respectiva matriz, a parte urbana sob o artigo 1392 e rústica sob os artigos 3467 e 3468, actualmente, a parte rústica, sob o artigo secção Q (parte), descrito na mesma Conservatória sob o n. ...34, fls. 21 V., do livro B-4 (actual inscrição 1.53 000103).

2 - Os Autores não registaram tal aquisição.

3- Por instrumento de ratificação lavrado no Cartório Notarial de... em 11/05/1999, PP, QQ, UU e RR, declararam ratificar para todos os efeitos a gestão de negócios exercida pelo Dr. BBB na escritura pública de compra e venda outorgada em 19/1/1981, lavrada a fls. 146, do livro 119-C, do 1 Cartório Notarial de ....

4- por escritura pública de compra e venda, outorgada em 18 de Dezembro de 1983, no Cartório Notarial de ..., a fls. 56 a 58 do livro de notas para escrituras diversas 33-B, em que foi primeiro outorgante VV que outorgou por si e na qualidade de procurador de WW e mulher GGG e segundos outorgantes UU, que outorgou por si e na qualidade de gestor de negócios de PP e de QQ e RR declarou o primeiro outorgante vender aos segundos e aos seus gestidos, pelo preço de 1.160.000$00, que declarou ter recebido, duas fracções dos prédios que a seguir indica, e sitos no lugar de ..., freguesia e concelho de ..., de que os adquirentes são os restantes comproprietários;

- Dois sextos de um prédio rústico, constituídos por terra de semear com árvores, inscrito na respectiva matriz nos artigos 3.465 e 3.466, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.2 ...50 e ...51, respectivamente a fls. 7 V. e 81 do Iv. B-17;

- Dois sextos de um prédio misto, composto por uma morada de casas com vários compartimentos para habitação em ruínas, e terra de semear com árvores, inscrito na matriz predial urbana no artigo 1.392, e na rústica nos artigos 3.467 e 3.468, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.2 ...34, a fls. 21 do Iv. B-4;

Nessa escritura, pelos segundos outorgantes foi declarado que, nas qualidades em que outorga, aceita para ele e seus gestidos a venda.

Ainda nesta escritura pública consta que foi arquivada a procuração referida naquela.

5 - Por instrumento de ratificação lavrado no Cartório Notarial de ...

 em 3/05/1999, PP e QQ, declararam ratificar em todos os seus termos a escritura de compra e venda lavrada em 18/12/1983, a fls. 56, do Iv. 56, do Cartório Notarial de ..., em que outorgou como gestor de negócios UU.

6 - UU faleceu no dia .../01/2001.

7 - Por escritura pública de habilitação de herdeiros, outorgada em 10 de Setembro de 2001, no Cartório Notarial de ..., a fls. 80 e 80v., do livro de notas para escrituras diversas 155-F, HHH declarou que faleceu UU, sucedendo-lhe a declarante e os seus filhos SS e TT.

8 - HHH faleceu no dia .../03/2002.

9 - Por escritura pública de habilitação de herdeiros, outorgada em 19 de Junho de 2002, no 21 Cartório Notarial de ..., a fls. 59 e 59v., do livro de notas para escrituras diversas n.2 304-M, SS declarou que faleceu HHH, sucedendo-lhe o declarante e TT.

10 - Em .../11/1988 faleceu III, no estado de viúvo, sendo que, pelo menos AAA, era filho do atrás referido.

11 - Na relação de bens apresentada por óbito de OO não constam os prédios identificados na alínea A), sitos em ..., freguesia e concelho de ....

12 - Em 28/12/1998, a ora Ré, JJ, viúva de ZZ, apresentou uma relação adicional de bens, para ser junta ao Processo de imposto sucessório número 33.602, por óbito de OO.

13 - Em 22/09/99, a mesma JJ, vem novamente ao Processo de Imposto Sucessório número 33.602, para completar a relação de bens adicional apresentada em 28/12/98, apresentar nova relação adicional de bens.

14 - Desta nova relação adicional de bens constam dois prédios rústicos (verbas 1 e 2) e um prédio misto (verba 3), sitos em ..., freguesia e concelho de ..., inscritos na matriz cadastral respectiva, a parte rústica sob o artigo da secção Q e a parte urbana sob o artigo 1.392°.

15 - Os prédios rústicos relacionados sob as verbas 1 e 2, da referida relação de bens, encontram-se actualmente descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os números 11477/991116 e 11478/991116, respectivamente, (anteriormente sob os números ...50, fls. 7 e ...51, fls. 8 do livro B-17, respectivamente).

16 - O prédio misto relacionado sob a verba 3, encontra-se, actualmente, descrito na referida Conservatória sob o n.2 11532/000103, sendo que provém da descrição n.2 1234, fls.21 v. do livro B-4.

17 - Em 24.11.2000, por escritura de Habilitação e Compra e Venda, lavrada no Cartório Notarial de ..., no livro de notas para escrituras diversas n.9 61-E, de fls. 131 a 133 v., os ora Réus JJ, KK, na qualidade de únicos herdeiros de ZZ, CC e LL, na qualidade de únicas herdeiras de AAA, venderam aos ora também Réus, EE e mulher FF, o prédio rústico, no sítio dos ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.2 11477/991116, e inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo da secção Q (parte) bem como do prédio rústico, no referido sítio dos ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.9 211478/991116, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6 da secção Q (parte) pelos R.R. contestantes.

18 - Por escritura pública de habilitação de herdeiros e compra e venda, outorgada em 24 de Novembro de 2000, no Cartório Notarial de ..., a fls. 131 a 133 v. do livro de notas para escrituras diversas 61-E, JJ declarou que faleceu JJJ, sucedendo-lhe a declarante e o seu filho KK.

19 - A aquisição do prédio misto, no sítio de ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o 11532/000103, inscrito na respectiva matriz a parte rústica sob o artiqo 6 da secção Q (parte) e a parte urbana sob o artigo 1392 pelos R.R. EE e mulher FF, foi efectuada por escritura pública de compra e venda lavrada no Cartório Notarial de ..., em 07/03/2001, e foi inscrita a seu favor na Conservatória do Registo Predial de... em 03/04/2001.

20 - Tais prédios foram descritos na Conservatória do Registo Predial de... com aquisição a favor do Réu EE c. c. FF

, através das apresentações 16/20011210 e 13/20010403 (provisória por dúvidas), convertida pela apresentação 03/20010921, respectivamente.

21 - Os referidos imóveis estavam registados em nome dos R.R., vendedores, por sucessão na morte de OO.

22 - De acordo com os registos prediais, tais prédios foram inscritos a favor de OO, viúvo, através das apresentações 14/991116 e 08/20000103, por via da partilha por morte de sua mulher.

23 - O registo dos prédios rústicos em nome dos R.R. vendedores, foi efectuado em 16/11/1999 e do prédio misto em 3/01/2000.

24 - A aquisição a favor dos Réus EE e mulher FF dos dois prédios rústicos foi registada em 10.12.2001 e do prédio misto em 3.04.2001.[…] (resposta aos artºs 6º da contestação e 10º e 11º da resposta, em conjugação com o teor do documento nº 2 da contestação).

1.14. Os ora RR., EE e FF, foram nessa ação considerados terceiros de boa-fé, para efeitos de registo (por estarem convictos de que os imóveis que adquiriram aos herdeiros de OO, supra identificados, onde se inclui a ora A. CC, eram de propriedade destes, pois era o seu nome que figurava no registo predial como titulares dos imóveis, por sucessão hereditária), o que levou a que a ação judicial para reconhecimento do direito de propriedade, intentada por quem tinha comprado os imóveis a OO, mas não registado a aquisição, fosse julgada improcedente, referindo, designadamente o STJ que “Em suma, e ao contrário do que alegam os Recorrentes, os RR são terceiros para efeito de registo predial e nessa condição podem opor-lhes o negócio aquisitivo sobre aqueles prédios que inscreveram no registo em primeiro lugar.”, na última página do citado acórdão de 6 de novembro de 2012 (resposta aos artºs 6º da contestação e 10º e 11ºda resposta).

1.15. No uso da procuração referida em 10 destes factos provados, o A. AA vendeu, por €38.000 o prédio rústico n.º 11477 à sociedade “E..., S.A.”, aquisição registada pela AP. 2256 de 27 de julho de 2017 (resposta ao artº 20º da p.i.).

1.16. “Usando a mesma procuração irrevogável o Autor AA acordou com a mesma “E..., S.A.” a futura venda a essa sociedade, pelo preço de € 275.000,00, do prédio descrito na CRP de ... sob o n.º 11478/19991116, aí referido como rústico, através do contrato promessa de compra e venda de 26/05/2017, e subsequente aditamento de 29/05/2017, que se encontram juntos com a p.i. como documentos 12 e 13, onde o mesmo prédio é referido como composto de terreno para construção urbana, com potencialidade edificativa, sendo que as partes outorgantes no mencionado contrato-promessa nele não consignaram quaisquer consequências para a não celebração do contrato definitivo até 31/08/2017 (resposta aos artºs 25º da p.i., 35º a 37º e 44º da contestação e 21º e 24º da resposta).” (versão alterada pelo TRE)

1.17. Para compra do mencionado prédio rústico n.º 11477, a referida sociedade “E..., S.A.” emitiu a favor do Autor AA três cheques do Banco Santander Totta, datados de 28/11/2016, 14/12/2016 e 10/02/2017, nos valores de € 10.000,00, € 20.000,00 e de € 8.000,00 respetivamente, no total de € 38.000,00 (resposta aos artºs 21º da p.i. e 40º da contestação).

1.18. Da declaração anexa ao primeiro cheque emitido em 28/11/2016, no valor de € 10.000,00, constava o acordo das partes quanto ao valor de venda de cada um dos prédios rústicos, sendo que, quanto ao prédio rústico n.º 11477, por se tratar de um terreno agrícola, o valor acordado para a compra e venda foi € 38.000,00, mas, para o prédio rústico n.º 11478 o valor acordado para a compra e venda foi de € 275.000,00, por se tratar de um terreno que, à data do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a “E..., S.A.”, já tinha potencialidade para edificação, (resposta aos artºs 22º a 25º da p.i.).

1.19. (No recurso de apelação foi este ponto 19 julgado não provado).

1.20. Os Autores CC e marido colocaram uma placa de anúncio para venda dos terrenos 11477 e 11478 nos mesmos, à vista de toda à gente (resposta aos artºs 9º da p.i. e 60º da contestação).

1.21. O A. AA, procedeu à venda referida em 15 destes factos provados, passados 17 anos da data da outorga da procuração, estando ainda o prédio 11477 registado na Conservatória do Registo Predial de ... a favor dos vendedores, ora RR. EE e FF, sem nada ter dito a estes RR. durante todo esse tempo, e mais recebeu da compradora o preço declarado da venda e conferiu quitação, mas nada comunicou aos RR. acerca da venda (sendo que os outros AA. também não o fizeram) e condições da mesma, nem entregou aos mesmos o referido preço (resposta aos artºs 11ºa 14º e 38º da contestação).

1.22. E nem a compradora, sociedade “E..., S.A.”, contactou os RR., pelo que estes (que à data da venda eram titulares inscritos no registo do imóvel) tomaram conhecimento dessa venda através de um proprietário de um prédio vizinho, e foram também confrontados com uma ação judicial para o exercício do direito de preferência, que correu termos no Tribunal de ... sob o nº 1237/17.9..., na qual foram demandados como RR., intentada por um proprietário de prédio confinante, por não ter sido dado o direito de preferência na aquisição do identificado prédio rústico, a qual não contestaram (resposta aos artºs 15, 24º, 38º e 39º da contestação).

1.23. Os RR. ficaram preocupados com a possibilidade de virem a incorrer em infração fiscal, por não declaração em sede de IRS, dessa venda e da projetada venda futura do prédio nº 11478, e das mais-valias que teriam de pagar ao Estado pelas mesmas (resposta aos artºs 16º e 73º da contestação).

1.24. Os RR. EE e FF, em 15 de setembro de 2017, por escritura de doação, que se encontra junta como documento nº 9 da contestação, doaram o prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de ...sob o nº 11478, à sua filha, ora R. GG (que é engenheira biotecnológica, na área de seleção e reprodução de sementes), aquisição essa que se mostra registada pela AP 1098 de 18/09/2017 (resposta aos artºs 27º a 32º e 52º da p.i., 32º a 34º da contestação e 22º e 25º da resposta).

1.25. A Ré GG sabia, aquando da doação referida em 24 destes factos provados, da existência da procuração irrevogável que os seus pais haviam emitido ao A. AA (resposta aos artºs 34º e 35º da p.i.).

1.26. Os Réus EE e mulher nunca revogaram expressamente a procuração, nem invocaram junto do A. AA a existência de justa causa para tal (resposta aos artºs 48º da p.i. e 13º da resposta).

1.27. Por notificação judicial avulsa requerida pelos ora RR, EE e FF, em 2 de outubro de 2017, foi o A. AA notificado em 19 de outubro de 2017 para entregar aos RR. EE e FF a quantia de € 38.000,00, proveniente da venda do imóvel nº 11477 à “E..., S.A.” (resposta ao artº 26º da contestação).

1.28. Apesar de notificado, o A. AA não procedeu à entrega aos RR. da quantia referida (resposta ao artº 27º da contestação).

1.29. Pelo que foi intentada pelos RR. EE e FF, em 4 de dezembro de 2017, ação judicial contra os AA. AA e mulher para procederem à entrega da referida quantia de € 38.000, tendo a ação judicial corrido seus termos no Tribunal de ... sob o nº 1279/17.4..., do Juízo Local Cível, e terminado por transação, homologada por decisão proferida em 17 de abril de 2018, na qual os ora AA., AA e mulher acordaram com os RR. EE e FF pagar-lhes a quantia de €30.000, quantia que já pagaram (resposta ao artº 28º da contestação).

1.30. Imputando ao A. AA ter falsificado a assinatura do R. EE num requerimento apresentado na Câmara Municipal de ..., o R. EE apresentou queixa-crime contra aquele, dando origem ao inquérito que corre termos nos Serviços do Ministério Público de ... sob o nº 927/17.0... (resposta ao artº 30º da contestação).

1.31. Aquando da obtenção do acordo referido em 29 destes factos provados, o R. EE informou o processo de inquérito de que o A. AA já tinha entregue o preço da venda do imóvel, e assim desistia da queixa, mas o processo de inquérito continua pendente por se ter considerado também estar em causa um crime público (resposta ao artº 31º da contestação).

1.32. Os Autores CC e marido propõem-se devolver aos Réus EE e FF a quantia de um milhão de escudos que aqueles pagaram pelo prédio rústico n.º 11478 (resposta ao artº 56º da p.i.).

1.33. A escritura ou documento particular de compra e venda referente ao contrato promessa de compra e venda referido no ponto 16 dos factos provados não foi outorgada no prazo estipulado no contrato promessa, 31.08.2017, tendo os Autores dado a essa data o contrato por cancelado (aditado à matéria de facto pelo TRE).

1.34. Da declaração anexa ao segundo cheque emitido em 14.12.2016, no valor de € 20.000,00, constava o acordo das partes que esse valor era aumento de sinal para compra do prédio rústico, secção Q, artigo matricial 6 e prédio urbano com artigo matricial nº 892 do Serviço de Finanças de .... (aditado à matéria de facto pelo TRE).

1.35. Em 4.8.2016 foi apresentado na Câmara Municipal de ..., pedido para reapreciação do processo de viabilidade de construção, tendo como requerente EE e assinado por AA, para o prédio misto com a área de 5202 m2 sito em ..., correspondente ao artigo 6, secção Q (parte) e urbano 1392 da freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registo predial de ... sob o nº 1532. (aditado à matéria de facto pelo TRE).

2. E foi julgado como não provado o seguinte facto:

2.1. 2. Não provado:

(do anterior facto provado n.º 19 na 1ª instância)

– “Foi igualmente celebrado um contrato de mediação imobiliária com o agente HH, acordado com a A. CC, mas em nome do Autor AA, tendo em vista a venda do referido prédio rústico n.º 11478/19991116 pelo preço de €350.000,00 (resposta aos artºs 26º e 57º da p.i. e 42º e 44º da contestação).”

3. Reapreciação da matéria de facto

No Acórdão sob recurso, no que concerne à reapreciação da matéria de facto, decidiu-se alterar a matéria de facto dada como provado pelo Tribunal de 1ª instância, nomeadamente, e no que importa neste recurso, considerou como não provada a matéria de facto que o Tribunal de 1.ª instância havia dado como provada, quanto ao facto indicada sob o ponto 1.19..

O Autor/Recorrente insurge-se contra a posição assumida pelo Tribunal da Relação, por o Tribunal não ter feito uma reapreciação da prova, fazendo uma análise crítica de toda a prova, bem como ter procurado uma convicção própria para decidir sobre a matéria de facto impugnada, e não tendo atendido aos meios de prova produzidos em audiência final.

Consabido é que o Supremo Tribunal de Justiça, não "julga de facto" mas tão-só "de direito". Ou seja: por regra, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (cf. artigo 46º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, LOSJ, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 24 de outubro).

Nessa conformidade:

- Em regra, ao Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, compete somente a aplicação, em definitivo, do regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (cf. n.º 1 do artigo 682.º do Código de Processo Civil)

- À Relação comete-se o dever de modificar a decisão sobre a matéria de facto, sempre que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil.

- Assim, em caso de recurso com impugnação da decisão relativa à matéria de facto (nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil), em decorrência do que dispõe este n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, a Relação pode e deve formar e formular a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.

Ou seja, face a esta autonomia decisória, a Relação há-de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação de provas, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida.

Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo 662.º do Código de Processo Civil impõe o dever à Relação de, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

Todavia, excecionalmente, no recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça:

i) Pode corrigir qualquer "erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais da causa" se houver ofensa pelo tribunal recorrido de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova (prova tarifada ou legal), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 682.º, n.º 2, e 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil;

ii) Intervém na decisão sobre a matéria de facto, quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos do n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil;

iii) Tem intervenção na decisão sobre a matéria de facto se considerar que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, nos termos do referido n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil.

Em síntese:

- Às instâncias compete apurar a factualidade relevante;

- Com carácter residual, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça destina-se a averiguar da observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes.

Contudo, o STJ pode censurar o mau uso que o tribunal da Relação tenha eventualmente feito dos seus poderes sobre a modificação da matéria de facto, bem como pode verificar se foi violada ou feita aplicação errada da lei de processo (alínea b) do n.º1 do artigo 674.º do Código de Processo Civil.

Para fundamentar o erro que invoca no julgamento da matéria de facto o Recorrente convoca não só a regra jurídica da análise crítica da prova (n.º4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil), como a necessidade de o tribunal fazer o adequado confronto com os seguintes meios de prova: depoimento da testemunha HH” das declarações de parte da Autora “CC” e do contrato de mediação de fls. junto com a p.i..

Em resposta referem os Recorridos:

II -O Tribunal da Relação fez uso adequado dos seus poderes no julgamento da matéria de facto, decidindo dar como não provado o ponto 19 da matéria de facto, sendo legalmente inadmissível o recurso de revista interposto pelo Autor da decisão que alterou o ponto 19 da matéria de facto.

III-O Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, conforme dispõe o art. 662º, nº 1 do CPC.

VI-Sustentou o Tribunal da Relação a alteração da matéria de facto, no exame critico que fez da prova testemunhal e no documento n.º 14 junto à P.I., que são de sua livre apreciação, fundamentando de forma desenvolvida e analítica toda a prova produzida.

XIII- A pretensão veiculada pelo Autor/Recorrente de que o Tribunal da Relação não podia alterar o ponto 19 do acervo fáctico provado, não pode servir de fundamento ao recurso de revista, pois que o resultado descrito a que o Tribunal da Relação chegou, no uso e observância legal dos seus poderes, é insindicável pelo Tribunal Superior, face à limitação que emerge do disposto no art. 662º, nº 4 coadjuvado com o artigo 674.º n.º 3, ambos do CPC.

Ora,

Como referem os Recorridos, a questão aqui suscitada pelo Recorrente não comporta recurso de revista para o STJ, por força das disposições conjugadas do artigos 674.º, n.º3, e 682.º, n.º2, do Código de Processo Civil, quando estão em causa meios de prova sem força probatória tabelada, como os invocados – depoimento testemunhal, declarações de parte e documento particular.

Também não se acompanha a posição do Recorrente ao pretender que a questão seja conhecida com a alegação de que o Tribunal recorrido não fez uma análise crítica da prova, o que lhe facultaria o acesso ao recurso de revista por estarem em causa o mau exercício dos poderes do Tribunal recorrido no domínio da impugnação da matéria de facto, por via do artigo 662.º do Código de Processo Civil.

É que aqui basta ver a fundamentação do Acórdão recorrido para se compreender que não há factos que evidenciem que o Tribunal não fez essa análise crítica, já que explicou de forma suficientemente detalhada o sentido da sua convicção, à luz dos meios de prova cuja reapreciação havia sido solicitada, dizendo:

Consta do ponto 19 dos factos provados que:

“Foi igualmente celebrado um contrato de mediação imobiliária com o agente HH acordado com a A. CC, mas em nome do A. AA, tendo em vista a venda do referido prédio rústico nº 11478/19991116, pelo preço de € 350.000,00 (resposta aos art. 26º e 57º da p.i. e 42 e 44º da contestação).”

Porém, do depoimento em audiência da referida testemunha KKK o que resulta é que houve contactos entre ele e a A. CC, para efeitos de celebração desse contrato de mediação imobiliária, mas que o mesmo não chegou a ser celebrado. A testemunha diz que o abandonou, que o contrato ficou incompleto, porque não estava tudo claro. O valor que consta manuscrito no documento foi o indicado para a eventual venda pela A. CC.

Por seu lado, o A. AA disse que não tinha tido intervenção nenhuma nessa factualidade, não servindo as suas declarações para a confirmar.

E visto tal documento, o documento 14 junto com a petição, verifica-se que dele não consta a identificação do contraente, nem qual o objeto do contrato, nem o mesmo se encontra assinado por ninguém (consta apenas o preço, como indicado pela A. CC).

O documento 14 constitui apenas um modelo impresso de contrato de mediação imobiliário, com espaços em branco, que permaneceu por preencher, uma vez que só o espaço referente ao preço foi preenchido.

Afigura-se que laborou em equívoco a sentença recorrida quando a este respeito consignou que a “testemunha HH, como já se referiu, agente imobiliário, confirmou que os contratos de mediação foram feitos, mas quem consigo contactou e ditou as condições a fazer constar dos mesmos foi a demandante CC. Tal declaração inclui igualmente o valor a fazer constar para a venda do imóvel, de € 350.000.”

Na verdade, a testemunha explicou que estava interessado no negócio mas acabou por abandonar o projecto por a situação do imóvel não estar clara, não confirmando a celebração do contrato.

Portanto, em face do conteúdo do documento em apreço e das declarações a esse propósito da testemunha KKK, protagonista desses factos, julgamos procedente neste ponto a impugnação deduzida pelos RR. recorrentes, pelo que se julga não provado o facto identificado como n.º 19.”

Por outro lado, e contrariamente ao referido pelo Recorrente, e como já atrás afirmado, a Relação há-de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação de provas, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida.

Improcede, assim, a questão suscitada de ter existido falta de apreciação crítica dos meios de prova e da Relação não dever ter uma convicção própria.

4. Do mandato

O Autor/Recorrente pretende que, perante os factos provados, se encontra demonstrada a existência de mandato.

O Autor fundamentou, na petição inicial, a sua pretensão a uma indemnização, na existência de representação, tendo sido emitida uma procuração ao Autor AA para vender imóveis, procuração essa irrevogável e no interesse do mandatário.

Os Réus defenderam-se com a celebração de um contrato de mandato.

(Como referido na sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância)

O Tribunal de 1.ª instância considerou que não estava demonstrada a tese dos Autores, mas considerou a existência de um contrato de mandato e que este foi revogado sem justa causa, pelo que o Autor AA devia ser indemnizado, daí que condenou os Réus a pagarem ao Autor AA a quantia de €63 000,00.

O Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão recorrido, concluiu pela não existência de um contrato de mandato e que estávamos em presença de uma procuração, e não se tendo demonstrado o interesse próprio do procurador, e sendo a procuração revogada, a revogação não dá lugar a qualquer indemnização.

O Recorrente pretende, agora, que se reconheça a existência de um contrato de mandato, aceitando a posição das instâncias da não existência de uma procuração irrevogável.

Prescreve o artigo 1157.º do Código Civil que mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra.

O mandato é um contrato de prestação de serviços em que o prestador é o mandatário. Este age de acordo com as indicações e instruções do mandante quer quanto ao objeto quer quanto à própria execução; os serviços são prestados de acordo com o querido e programado pelo mandante; ao mandatário só é permitido deixar de executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas nos casos previstos no art. 1162.º

(LLL, Trib. Just., 1.º, n.ºs 8/9 – 14)

Segundo o Recorrente AA ocorreu ainda um erro de aplicação do direito aos factos provados, porquanto entende que houve procuração irrevogável e mandato, tendo a revogação da procuração sido efetuada sem motivo e com violação do mandato, pelo que se justifica a indemnização arbitrada ao Autor na sentença [ conclusão 39)Conclui-se da matéria de facto dos autos que no caso dos autos está em causa um mandato, como alegado pelos Réus, haverá que retirar consequências da revogação operada pelos mesmos, prevendo a lei a existência de responsabilidade civil quando ocorre a respetiva revogação (artigo 1172º do CC)].

E defende esta posição mesmo que não ocorra alteração no ponto 19 acima indicado, por entender que há outra justificação para se chegar à indemnização, como consta das seguintes conclusões:

54)Sem conceder, mesmo que assim não se pudesse entender em razão de se não dar como provada a aludida matéria ínsita em “19” dos factos provados, a verdade é que nem por isso se deverá excluir a condenação dos Réus a pagar uma indemnização ao Autor AA.

55)O raciocínio utilizado pela 1ª instância para o cálculo da indemnização arbitrada é apenas um dos vários critérios possíveis de utilizar; o contrato-promessa de compra e venda do prédio “11478”, no valor de € 275.000,00, que o Autor AA formalizou com a sociedade “E..., S.A.” (cfr. “16” e “18” dos factos provados) é mais um critério possível.

56)Muito embora a Relação tenha aditado à matéria de facto provada em “33” que o contrato-promessa foi dado por cancelado pelos Autores, a verdade é que o mesmo existiu e foi efetivo, o que não pode ser desvalorizado.

Em último recurso, faz apelo ao critério da equidade, para se definir o quantum indemnizatório.

Quer isto dizer que a posição do Recorrente se funda nos seguintes argumentos:

- Houve um contrato de mandato, tendo sido mal apreciada a impugnação da matéria de facto e a prova desse contrato é o ponto 19, dos factos que foram provados na 1ª instância;

- Mesmo que não se entenda que existiu esse contrato de mandato, ainda assim o mandato está demonstrado por relação a outros negócios realizados pelo Autor com a utilização da procuração, para outros bens imóveis;

- O montante do dano está demonstrado por referência a comissões acordadas e, se não se usar esse critério, sempre seria devida a indemnização com fixação através do recurso à equidade.

Em resposta a esta questão alegam os Recorridos:

“XXX- Não foi provada nem alegada a existência de qualquer relação jurídica entre os Réus, ora recorridos e o Autor AA, que obrigasse este a praticar atos jurídicos por conta daqueles.

XXXI- Contrariamente ao ora proclamado pelo Autor/recorrente, não invocaram os Réus, e mais, nem resulta da matéria de facto provada, terem celebrado um contrato de mandato com o Autor AA.

O que resulta dos autos é que os RR. nunca o conheceram nem falaram com ele como o próprio confessa, aliás o Autor AA confirmou não ter tido parte na feitura da procuração em questão nos autos e nunca ter tido qualquer contacto com os réus EE e mulher, como é referido na decisão da primeira instância.

XXXII- Os próprios Autores sempre negaram qualquer contrato de mandato, tanto que, passados 6 meses de terem devolvido aos RR., ora recorridos, a quantia de 30 000€, vieram intentar a presente ação, com fundamento na procuração irrevogável, e negando expressamente na ação, ( art. 44 da p.i.) qualquer relação de mandato, assim como no recurso subordinado que interpuseram da sentença da primeira instancia.

XXXIX- Do facto de A. AA ter pago aos RR. a quantia de 30 000€ dos 38 000€ que recebeu do preço da venda, tendo para o efeito os RR. intentado uma ação de processo comum, pedindo a condenação do mesmo, a pagar a quantia em dívida de 38 000€, não pode concluir-se como a primeira instância fez, de tal configurar que há 17 anos as partes celebraram um mandato.

Desta atuação do A. AA passados 17 anos, da outorga da procuração, não se retira que há 17 anos atrás foi celebrado entre as partes um contrato de mandato, como a primeira instância assim concluiu, e o Autor/recorrente reproduz no seu recurso, sendo tal conclusão abusiva como bem referido no douto Acórdão recorrido.

XLIII- À cautela e por mero dever de prudente patrocínio, sempre se dirá que, além de não ter existido mandato, muito menos existiria um mandato conferido no interesse do mandatário.

LIV- Contrariamente ao alegado pelo A/recorrente, o que resulta da factualidade provada, não é, que os Réus durante 17 anos não quiseram saber dos prédios, mas sim, e conforme consta dos fatos provados, o A. AA, passados 17 anos da data da outorga da procuração, sem nada ter dito aos RR, Recorridos, durante todo esse tempo, vendeu o prédio 11477, nada comunicou aos RR acerca da venda, (sendo que os outros AA. também não o fizeram), e condições da mesma, nem entregou aos mesmos o preço.

LXX- Eram os AA. que teriam que alegar, os pressupostos do seu direito à indemnização, nos termos do art.342º, nº1, do CC; o que inclui necessariamente a alegação dos factos que integram o prejuízo, qual o prejuízo efetivamente sofrido, em conformidade com a exigência da teoria da diferença.

LXXI- Os Autores não cumpriram o ónus de alegação, pelo que não podia a primeira instância suprir essa omissão, nem oficiosamente alterar a causa de pedir e o pedido, da pretensão dos AA., para o mandato, que aliás, os Autores expressamente nos seus articulados, nunca aceitaram a existência de mandato, nem recorrer à equidade pois nem se trata de insuficiência de factualidade alegada.”

No Acórdão recorrido as questões suscitadas foram, todas elas, assim tratadas:

“Constata-se que a sentença revidenda após expor as dúvidas existentes quanto à qualificação da representação em apreço passou a raciocinar tendo como referência o contrato de mandato, se bem se compreende mandato com representação, que considerou revogado tacitamente sem justa causa, fundando nessa revogação a indemnização que arbitrou.

Em face da factualidade disponível, e com todo o respeito pela sentença em apreciação, aliás abundante na citação de jurisprudência e doutrina pertinente, julgamos não ocorrer no caso nenhum contrato de mandato.

Recordamos que o mandato é uma modalidade do contrato de prestação de serviço (cfr. art. 1155º do Código Civil), e que este se define como “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” (art. 1154º).

Tendo presentes estas normas, que antecedem, compreende-se mais facilmente o disposto no art. 1157º (“mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra”) e a sua inaplicabilidade ao caso em análise.

Desde logo, o mandato é um contrato, e um contrato bilateral. Como é próprio da natureza dessas figuras jurídicas, elas nascem do encontro de duas ou mais declarações de vontade contrapostas.

Ora no caso vertente o A. AA não teve qualquer intervenção na outorga do instrumento em questão, nem a sua vontade foi tida em conta na elaboração do documento.

Na realidade, como consta da matéria provada, a outorga desta procuração foi combinada entre os RR. e os pais do referido A. AA, no âmbito do acordado entre eles a propósito de um negócio de compra e venda de três imóveis, em que os RR. intervieram como compradores e a A. CC, mãe do A. AA, foi uma das vendedoras.

O A. AA não teve intervenção naquele acto, e posteriormente nunca agiu seguindo instruções ou quaisquer indicações dos hipotéticos mandantes (pelo contrário, fez questão de actuar à revelia e sem o conhecimento deles, sustentando ainda agora que é esse tipo de representação, sem mandato, o que está de acordo com a procuração em análise).

Assim sendo, não estamos perante um contrato de mandato, restando a figura da procuração irrevogável, de acordo, aliás, com a qualificação defendida pelos próprios AA.

O mandato é um contrato, a procuração é um negócio jurídico unilateral autónomo. O mandato impõe a obrigação de praticar actos jurídicos por conta de outrem (art. 1157º), enquanto a procuração confere o poder de os celebrar em nome de outrem (art. 262º, n.º 1), como aconteceu na situação dos autos com a venda realizada pelo A. AA referente ao prédio 11 477.

(…)

Concluindo, neste ponto divergimos da sentença impugnada e julgamos não existir no caso em apreço nenhum contrato de mandato, mas estarmos antes perante uma procuração irrevogável, tal como defenderam os AA. desde a petição inicial.

Sendo assim, deve a acção ser julgada à luz das normas pertinentes à figura da procuração, matéria esta em que, diga-se, acompanhamos os considerandos tecidos a propósito pela sentença sub judice (antes dos parágrafos finais em que paradoxalmente acaba por reconhecer direito a uma indemnização ao A. AA, pela revogação da procuração, ficcionando um mandato inexistente).

Nomeadamente, haverá que ter em conta o disposto no art. 265º do CC:

“1- A procuração extingue-se quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, excepto se outra for, neste caso, a vontade do representado.

2- A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.

3- Mas, se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.”

Ou seja, para decidir do eventual direito a indemnização, como pedido pelos AA. e foi reconhecido ao A. AA, haveria que demonstrar, e isso cabia aos AA, qual a relação subjacente à outorga da procuração, de modo a concluir que existia efectivamente um interesse próprio do procurador, e quais os prejuízos sofridos por este, em consequência da revogação tácita ocorrida.

Conclui a sentença em apreço, e bem, que com a doação efectuada pelos RR. EE e FF à filha GG do prédio identificado com o n.º 11 478, único que restava dos dois aludidos na procuração, ocorreu a revogação tácita da mesma: “se a doação implicou que os efeitos eventualmente a conseguir com a procuração não mais poderiam ser alcançados, houve uma revogação tácita da procuração, com a outorga da escritura de doação.”

A cláusula de irrevogabilidade enfaticamente proclamada na procuração não é obstáculo a que opere essa revogação tácita: “a doutrina e jurisprudência dizem que a mera declaração nesse sentido resulta, em geral, insuficiente para garantir a irrevogabilidade da procuração. Para tal é necessário haver uma relação subjacente que o justifique”.

(…)

Por outras palavras, apesar da convenção da irrevogabilidade, e face à ausência de prova da relação subjacente que integrasse o interesse próprio do procurador, é forçoso concluir que a procuração em causa foi revogada tacitamente, com a consumação da doação do imóvel n.º 11 478.

Como acaba por dizer a sentença que vimos seguindo, “a tese da existência de um negócio subjacente de alienação dos móveis não resultou, no presente caso, demonstrada”; e “o princípio geral, em face da lei, é o seguinte: havendo apenas uma procuração, se há interesse do mandatário, não se poderá revogar a mesma. Se não houver interesse do mandatário, a procuração é livremente revogável e a revogação não dá lugar a qualquer indemnização”.

É efectivamente o que decorre do art. 265º do Código Civil: não se comprovando o interesse próprio do procurador, e sendo a procuração revogada, a revogação não dá lugar a qualquer indemnização.

Concordamos, pois, com a douta sentença revidenda quando conclui, nesta linha de raciocínio, que “em prejuízo da tese dos autores, sobre os quais impedia o ónus de demonstrar matéria que permitisse concluir pelo carácter efetivamente irrevogável da procuração, não se logrou colher matéria factual que permita concluir pela existência de uma relação subjacente à emissão da procuração, fosse ela qual fosse” e “assim, não pode, num primeiro momento, fundamentar-se na mera revogação da procuração através da doação em causa (dos RR. EE e FF à R. GG) a atribuição de qualquer direito aos autores e consequentemente, partindo daí, condenar nalguma medida os réus.”.

Obviamente não podemos acompanhar os parágrafos seguintes, em que, contrariando as conclusões supra expostas, a sentença acaba por decidir em sentido contrário, argumentando com o ocorrido no processo referente ao imóvel 11.477, vendido pelo A. AA sem conhecimento dos RR, em que estes demandaram depois o referido A. e que veio a terminar por transacção em que este aceitou entregar aos RR a quantia de €30.000 do preço total do negócio, que tinha sido de €38.000, ficando para si com os restantes €8.000.

Não é possível ver aqui o reconhecimento por parte dos RR de que o A tinha agido como seu mandatário, nem que tinha direito a uma remuneração por isso. Tal conclusão parece abusiva, sabendo-se que um acordo num processo que versa sobre direitos disponíveis em regra resulta de cedências recíprocas entre as partes, em que avultam por exemplo as considerações sobre o risco processual.

E sobretudo não tem a factualidade relativa a esse processo a virtualidade de afastar as conclusões acima exaradas, em que, atentas as normas jurídicas aplicáveis e os factos a considerar, ficou excluído o direito a indemnização ao A, face à não demonstração da relação subjacente à procuração, que concretize o interesse próprio aludido no art. 265º, n.º 3, do CC.

Ficam prejudicadas, assim, outras questões logicamente posteriores, como seria v. g. a demonstração dos prejuízos a indemnizar ou a quantificação deles, onde também se afigura faltar matéria fáctica que apoie a decisão impugnada.

Diremos, a concluir, que a decisão de condenar os réus EE e FF a indemnizar o autor AA, como consta da decisão impugnada, teve como pressupostos tanto a existência de um contrato de mandato com representação, como a revogação tácita deste sem justa causa (apesar da comprovada venda do outro imóvel objecto da procuração inteiramente à revelia dos representados), como ainda pressupõe a eventual venda futura do imóvel em discussão, pelo autor AA e pelo preço de €300.000, e o direito deste autor a ser remunerado por esse acto, futuro e incerto, na proporção de 21% desse preço, de modo a concluir pela atribuição a este da indemnização de €63.000 (lucros cessantes). Considerando conjuntamente as normas jurídicas pertinentes e a factualidade apurada nos autos não encontramos fundamento para acolher tais pressupostos, pelo que a condenação recorrida não pode subsistir.

Terminamos, portanto, a apreciação do recurso dos RR concluindo que o mesmo é procedente, pelo que deve ser revogada a condenação decretada.”

Analisando.

Para se responder às questões colocadas pelo Recorrente, além da justificação dada no Acórdão recorrido, importa igualmente conferir se os factos provados as podem sustentar.

E esses factos (relevantes) são os seguintes:

1.9 - Após a aquisição dos três prédios pelos Réus EE e FF, os Autores DD e CC acordaram com o Réu marido que os ditos Autores tratariam do destino a dar aos dois prédios rústicos, 11477 e 11478, uma vez que o interesse principal desse Réu era o prédio 11532, e o mesmo não tinha interesse em manter os outros terrenos, que não eram aptos para a agricultura nem para a construção, sendo que o A. DD tinha um gabinete de projetos e tinha conhecimentos na área do imobiliário, o que poderia passar pela futura compra dos imóveis pelos referidos Autores, pelo seu filho, o A. AA, ou pela venda a terceiro (resposta aos artºs 7º, 8º e 12º da p.i. e 17º da resposta).

1.10 - Em 11 de dezembro do ano 2000, no ..., os Réus EE e mulher emitiram a favor do Autor AA, à data solteiro e maior, a procuração cuja cópia se encontra junta à P.I. como documento nº 7, e aqui se dá por reproduzida, da qual consta, nomeadamente que lhe conferem: “os poderes para vender, inclusive ao próprio mandatário – o prédio rústico sito em ..., da freguesia e concelho de ..., descrito na ... sob o nº 11 477, e o prédio rústico sito em ..., da freguesia e concelho de ..., descrito na ... sob o nº 11 478, receber os preços correspondentes, dar quitações, outorgar e assinar os contratos promessa e respetivas escrituras; para os representar junto de quaisquer Repartições Públicas, nomeadamente ... onde poderá requerer quaisquer atos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamento, prestando declarações complementares se necessário.”, sendo ainda que não consta do texto da procuração que o mandatário fica dispensado de prestar contas (resposta aos artºs 13º, 14º, 15º, 19º, 41º e 47º da p.i., 10º, 21º e 59º da contestação e 13º, 19º, 28º e 30º da resposta).

1.21 - O A. AA, procedeu à venda referida em 15 destes factos provados, passados 17 anos da data da outorga da procuração, estando ainda o prédio 11477 registado na ... a favor dos vendedores, ora RR. EE e FF, sem nada ter dito a estes RR. durante todo esse tempo, e mais recebeu da compradora o preço declarado da venda e conferiu quitação, mas nada comunicou aos RR. acerca da venda (sendo que os outros AA. também não o fizeram) e condições da mesma, nem entregou aos mesmos o referido preço (resposta aos artºs 11ºa 14º e 38º da contestação).

Também releva aqui o facto não provado (anterior ponto 19) e que tem a seguinte redação:

– “Foi igualmente celebrado um contrato de mediação imobiliária com o agente HH, acordado com a A. CC, mas em nome do Autor AA, tendo em vista a venda do referido prédio rústico n.º 11478/19991116 pelo preço de € 350.000,00 (resposta aos artºs 26º e 57º da p.i. e 42º e 44º da contestação).

À luz destes factos não há dúvidas de que não se pode afirmar ter existido um contrato de mandato entre os Réus e o A. AA, mas tão só a outorga de uma procuração.

E nos factos provados não existe nenhum elemento que demonstre ter existido uma qualquer relação contratual entre o Autor AA e os Réus que justificasse a outorga da procuração, e muito menos de uma procuração irrevogável, pelo que a revogação da procuração podia ser realizada sem que ocorra um dever de indemnizar.

Assim, não existindo uma base fática de apoio a qualquer das pretensões do Recorrente, e com os factos apurados, e pelos motivos apresentados no Acórdão recorrido, é de confirmar a decisão aí firmada: não há lugar a qualquer indemnização pela revogação da procuração, e não há que apreciar a questão da quantificação dos danos, porque não há facto a justificar a atribuição daquela.

Deste modo, o recurso tem de improceder.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 27 de fevereiro de 2024

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Jorge Leal

Jorge Arcanjo