Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
923/09.1T3SNT.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EXAME PRELIMINAR
DESPACHO DE PROSSEGUIMENTO
CONFERÊNCIA
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
NULIDADE DE DESPACHO
NULIDADE DE SENTENÇA
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ACLARAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
I - Não é admissível reclamação para a conferência de decisão tomada em acórdão que julga o recurso em conferência e indefere a pretensão do julgamento em audiência.

II - Sendo requerida a realização de audiência nos termos do art. 411.º, n.º 5, do CPP, não sofre de nulidade o despacho do relator, no exame preliminar a que se refere o art. 417.º do CPP, que determina o prosseguimento do recurso para a conferência.

III - Ao decidir, como decidiu, conhecendo, de forma concentrada, de todas as questões suscitadas, incluindo as que poderiam ser conhecidas pelo relator em exame preliminar, com possibilidade de reclamação para a conferência, a julgar conjuntamente com o recurso (art. 417.º, n.º 8 e 10, do CPP), e sendo da conferência a competência para, em último caso, decidir desta matéria, a decisão em conferência em nada afetou qualquer direito do recorrente, não feriu as normas de competência do tribunal [art. 119.º, al. e, do CPP), que não se refere a formalidades para o exercício da competência], nem o direito ao processo equitativo, garantido no recurso, e não violou qualquer norma de que possa resultar nulidade ou invalidade do acórdão nesta parte.

IV - Mesmo admitindo a prática de acto irregular, por inobservância, nos seus precisos termos, do disposto no art. 417.º do CPP, nomeadamente na parte que respeita à rejeição [n.º 6, al. b)] por decisão individual do relator, com possibilidade de reclamação para a conferência, em que o relator participa (art. 419.º, n.º 2, do CPP), tal irregularidade não é suscetível de gerar qualquer nulidade ou invalidade do próprio acto ou de acto subsequente (art. 118.º e 123.º do CPP), nomeadamente do acórdão, cujo regime de nulidades é o que consta do art. 379.º do CPP (ex vi art. 425.º, n.º 4).

V - Indeferem-se, assim, o requerimento de reclamação do despacho do relator para a conferência e a arguição de nulidade do acórdão.

Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I.  Relatório

1. Por requerimentos apresentados em datas posteriores ao acórdão de 2 de Dezembro de 2021, que julgou o recurso, em 3 e em 9 de Dezembro, respetivamente, vem o arguido:

a) Apresentar reclamação para a conferência do despacho do relator proferido em exame preliminar em que, não deferindo o pedido de realização da audiência, nos termos do artigo 411.º, n.º 5, do CPP, se enviou o recurso para julgamento em conferência, pedindo a declaração de nulidade desse despacho, por incompetência material para decidir do requerimento de realização de audiência, com todas as consequências legais da mesma nulidade, e que seja deferido o pedido de realização de audiência, com agendamento desta, seguindo o processo os seus termos legais;

b) Requerer que seja declarada a nulidade de tal despacho, ou, subsidiariamente, a sua invalidade por mera irregularidade; declarada a nulidade do acórdão de 2 de dezembro de 2021, ou, subsidiariamente, a sua invalidade por mera irregularidade; e a realização das diligências necessárias à sanação destes alegados vícios, nomeadamente, a realização de audiência de recurso e a prolação de novo acórdão.

2. Diz no primeiro requerimento:

1. No âmbito dos presentes autos, o Recorrente veio interpor dois recursos, respectivamente dos Acórdãos de 25 de Fevereiro de 2021 e de 29 de Abril de 2021.

2. A esses Recursos respondeu o Digníssimo Magistrado do Ministério Público AA.

3. Seguidamente, o mesmo Magistrado do Ministério Público, agora Digníssimo Procurador-Geral Adjunto AA emitiu Parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos, Parecer ao qual o Recorrente respondeu.

4. Ora, no Recurso interposto do Acórdão de 25 de Fevereiro de 2021, o Recorrente pediu a realização de audiência nos termos que passamos a transcrever:

“Nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, requer- se a realização de audiência perante o Tribunal da Relação de ..., com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos III a X da motivação.

5. E, por Despacho de 22 de Novembro de 2021, elaborado pelo Ex.mo Juiz-Conselheiro Relator, foi o mesmo pedido indeferido nos seguintes termos:

“4. É manifesto que, no seu requerimento, ao fazer uma remissão genérica, “com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos III a X da motivação”, o recorrente não satisfaz a exigência de especificação imposta pelo n.º 5 do artigo 411.º do CPP.

Acresce que, sendo o recurso limitado pelas conclusões da motivação, se mostra realizado o contraditório, neste STJ, pelo parecer do Ministério Público emitido nos termos do artigo 416.º do CPP e pela resposta apresentada pelo arguido.

5. Pelo exposto, o recurso prosseguirá para julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP, ficando sem efeito o anterior despacho na parte em que ordenou a apresentação do processo ao Exmo. Presidente da Secção nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 421.º.”

6. É, no entanto, firme convicção do ora Reclamante que, não só satisfez as exigências de especificação constantes no n.º 5 do artigo 411.º do CPP, como não poderia o Ex.mo Juiz-Conselheiro Relator ter indeferido o seu pedido nos termos em que o fez.

Ora vejamos,

II – Do Despacho do Juiz Relator

7. Em primeiro lugar, e antes mesmo de se tecer considerações sobre o mérito do pedido de realização de audiência, cabe sublinhar que, embora tenha sido o Ex.mo Juiz-Conselheiro Relator apreciar o mesmo, não tinha este competência para tal.

8. Desde logo, não faz (nem conseguiria fazer) o Ex.mo Juiz-Conselheiro Relator referência às disposições legais ao abrigo das quais se vem pronunciar sobre esta questão.

9. A intervenção do Juiz-Relator neste momento processual é prevista pelo artigo e 417.º do CPP.

10. Ora, nos termos dos n.ºs 6 e 7 do mesmo:

“6 - Após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que:

a) Alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso;

b) O recurso dever ser rejeitado;

c) Existir causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso; ou

d) A questão a decidir já tiver sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado.

7 - Quando o recurso não puder ser julgado por decisão sumária, o relator decide no exame preliminar:

a) Se deve manter-se o efeito que foi atribuído ao recurso;

b) Se há provas a renovar e pessoas que devam ser convocadas”

11. Constatamos que em nenhum caso se prevê que o relator intervenha para decidir da (não) realização de audiência a pedido do Recorrente.

12. Ora, e não havendo cabimento na letra da lei, não se compreende como é que o Ex.mo Juiz-Conselheiro Relator pode vir decidir uma questão para a qual não lhe foi dada competência, sendo que, nos termos da lei, o relator apenas interviria em sede de eventual decisão sumária, decisão essa especificamente delimitada e cujo âmbito não abrange o Despacho de que ora se reclama.

13. Assim, e ao abrigo do princípio da legalidade, não poderia ser feita outra interpretação dos n.ºs 6 e 7 do artigo 417.º do CPP, sendo aliás esta a interpretação que melhor se coaduna com as garantias de defesa do arguido no processo penal.

14. Aliás, o artigo 419.º, n.º 3, não prevê sequer que, nos casos em que tenha havido pedido de realização de audiência, este já tenha sido decidido no momento em que os autos são remetidos à conferência.

15. Leia-se a alínea c) do mesmo artigo:

“3 - O recurso é julgado em conferência quando:

[…]

c) Não tiver sido requerida a realização de audiência e não seja necessário proceder à renovação da prova nos termos do artigo 430.º.”

16. Este artigo faz depender o julgamento em conferência do mero pedido de realização de audiência, e não do diferimento do mesmo. Ou seja, havendo requerimento de audiência, e por efeito da sua simples existência, o recurso (e com ele o mérito do pedido) deverá ser julgado pela conferência do tribunal, não só independentemente de decisão prévia pelo relator, como não devendo esta já ter tido lugar.

17. Por outras palavras, não se encontra, nem no artigo 417.º, nem no artigo 419.º qualquer referência à possibilidade de o relator, ao abrigo da figura da decisão sumária (ou de qualquer outra), poder (in)deferir o requerimento de realização de audiência feito pelo recorrente.

18. Estamos, assim, perante uma nulidade insanável de conhecimento oficioso, por violação de regras de competência, nos termos da alínea e), do artigo 119.º do CPP.

19. Razão pela qual o Despacho do Ex.mo Juiz-Conselheiro Relator deve, desde logo, ser declarado inválido, nos termos do n.º 1 do artigo 122.º do CPP.

Mais,

20. Admitindo que o Ex.mo Juiz-Conselheiro Relator pudesse decidir do requerimento de realização de audiência, o que por mero dever de patrocínio se equaciona, ainda assim não se compreende que o mesmo requerimento tenha sido indeferido.

21. Desde logo, porque o pedido do Reclamante estava devidamente especificado, não tendo assim, o tribunal, margem para justificar o seu indeferimento.

22. Transcrevemos do Recurso o excerto em causa:

“Nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, requer-se a realização de audiência perante o Tribunal da Relação de ..., com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos III a X da motivação.” (realce no original).

23. Veja-se ainda o n.º 5 do artigo 411.º do CPP:

“5 - No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.”

24. Em primeiro lugar, decorre da formulação do presente artigo que a especificação dos pontos a debater em sede de audiência não constitui condição necessária para a realização da audiência.

25. Sobre este tema, afirma Paulo Pinto de Albuquerque que “O recurso não pode ser julgado por decisão sumária quando uma audiência deva ter lugar, por o recorrente ter manifestado a sua vontade nesse sentido. Pode fazê-lo em dois casos: quando, no requerimento de interposição do recurso, pede que a audiência se realize, indicando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos (artigo 411.º, n.º 5), ou quando, na motivação, pede a renovação da prova (artigo 412.º, n.º 3, al. c). Aquele é um direito discricionário de cada recorrente: nem o recorrido se pode opor ao pedido, nem o tribunal de recurso pode negar a pretensão do recorrente. Este é um direito vinculado, cujo exercício é controlado pelo relator no exame preliminar, com reclamação para a conferência (artigo 417.º, n.º 7, al.ª b), e n.º 8).” (realce no original, sublinhado nosso).

26. Ainda assim, e mesmo que a falta de especificação dos pontos que o Recorrente pretende ver debatidos em audiência obstasse à realização da mesma, é manifesto que o Recorrente, ora Reclamante especificou suficientemente os temas que quer ver abordados na audiência, pois explicitou exatamente a que Capítulos do Recurso se referia, não constituindo os mesmos a integralidade do Recurso.

27. Aliás, e no intuito de argumentar pela falta de especificação por parte do Recorrente, o Ex.mo Juiz-Conselheiro Relator começa o seu Despacho com um elenco simples e exemplificativo das mesmas, elenco esse que não faz senão pôr por extenso uma parte considerável do que o Recorrente tinha sucinta e claramente feito constar do seu requerimento.

28. Assim sendo, e perante a evidência de que o tribunal é perfeitamente capaz de compreender e elencar os pontos do Recurso aos quais se refere o requerimento de realização de audiência, não se compreende de onde surge a tese de que a especificação por parte do Recorrente não foi suficiente. O mero Despacho do Ex.mo Juiz-Conselheiro Relator basta para demonstrar o contrário.

29. Mais se refere, que, ter requerido que fosse debatida uma pluralidade de pontos não equivale a não ter especificado os mesmos. O n.º 5 do artigo 411.º não impõe limites quantitativos ao âmbito do requerimento de realização de audiência, pelo que não pode o relator indeferir este com base em suposta falta de especificação por parte do recorrente, simplesmente porque este pediu que fosse debatida em audiência uma pluralidade de questões.

30. Em síntese, o Recorrente e ora Reclamante explicitou os pontos que pretendia ver debatidos de forma clara e específica, preenchendo plenamente o que lhe poderia eventualmente ser exigido ao abrigo do n.º 5 do artigo 411.º do CPP.

31. Pelo que, a restrição que o Ex.mo Juiz-Conselheiro Relator está a aplicar ao presente caso não cabe no âmbito da lei, cujo intuito foi o de dar ao Recorrente um direito discricionário, no sentido de proteger as suas garantias de defesa.

Mais ainda,

32. No seu Despacho, considera ainda o Ex.mo Juiz-Conselheiro Relator que o indeferimento da realização de audiência no presente caso visa evitar “atos processuais supérfluos”.

33. Ora, em primeiro lugar discorda-se da superfluidade deste mesmo ato. Aliás, e como afirma Germano Marques da Silva:

“A audiência de julgamento do recurso tem sido muito criticada por magistrados e advogados, considerando-a inútil, mas trata-se de incompreensão do sistema, agravada pela frequente má prática. Frequentemente se confunde a função da motivação com a das alegações, mas são diferentes.

A audiência não se destina a repetir o conteúdo da motivação; esse já foi analisado pelo tribunal. Também não se destina a alterar o âmbito do recurso, já fixado pelas conclusões da motivação do recurso, mas essencialmente a analisar as questões que o tribunal entende merecerem exame especial.

Frequentemente sucede que da análise da motivação e da resposta não se suscitam questões a merecerem exame especial e, por isso, é natural que o relator elabore desde logo o respectivo projecto de acórdão. Será mesmo o caso mais frequente, pois a motivação do recurso e a resposta à motivação devem escalpelizar todas as questões que constituem o seu objecto.

Com dizer-se que as alegações se destinam essencialmente a analisar as questões que o tribunal entende merecerem exame especial não se significa a sua limitação; as alegações podem abarcar todas as questões suscitadas no recurso e que constituem o seu objecto. Questão é apenas a da sua utilidade, quando se limitam a repetir o que já foi escrito na motivação ou na resposta à motivação, mas mesmo a repetição pode ser útil, dependendo muito da forma como se repete.”

34. Em segundo lugar, e independentemente da utilidade objectiva do ato em causa, se o legislador conferiu ao Recorrente um direito discricionário, não é ao julgador que cabe vir retirar esse mesmo direito através da restrição excessiva do mesmo na prática, por considerar a sua concretização um acto processual supérfluo

35. Afirma ainda o Ex.mo Juiz-Conselheiro Relator que “sendo o recurso limitado pelas conclusões da motivação, se mostra realizado o contraditório, neste STJ, pelo parecer do Ministério Público emitido nos termos do artigo 416.º do CPP e pela resposta apresentada pelo arguido”.

36. Ora, em primeiro lugar, nem o Parecer do Ministério Público, nem a Resposta ao mesmo trataram de todos os temas que se pretendiam ver discutidos em sede de audiência.

37. Refira-se ainda que, conforme previamente afirmado em sede de Resposta, este Parecer, na medida em que foi redigido pelo mesmo Magistrado do Ministério Público que já tinha anteriormente respondido ao Recurso, constitui um grave atentado à garantia da imparcialidade.

38. Em segundo lugar, ao justificar a não realização de audiência através da prévia realização do contraditório por parecer do Ministério Público e subsequente resposta, o Despacho em causa introduz uma condição ao diferimento do requerimento de audiência que não constava na letra da lei.

39. Assim, e levando até ao seu fim lógico a argumentação do Despacho de que ora se reclama, extrai-se a regra de que deve ser indeferido o requerimento de realização de audiência quando tenha havido parecer do Ministério Público e subsequente resposta, por já se ter concretizado o contraditório em medida suficiente.

40. Ora, o artigo 411.º, n.º 5 não prevê essa condicionante, não tem em conta a existência de parecer e resposta prévios, e não menciona sequer a eventualidade de realização prévia do contraditório.

41. Assim sendo, não se pode aceitar que a prévia existência de parecer e resposta ao dito tenham qualquer influência na decisão de um requerimento para o qual a única condição legal se afigura preenchida.

Concluindo,

42. Ao indeferir a realização de audiência requerida pelo Reclamante (e à qual este tinha direito, tendo especificado os pontos que pretendia ver debatidos) o Ex.mo Juiz-Conselheiro Relator está a retirar ao recorrente um direito discricionário, contra o espírito da lei que o conferiu.

43. Nessa medida, o artigo 411.º, n.º 5 do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que, no seu requerimento, ao fazer uma remissão genérica para capítulos do recurso, o recorrente não satisfaz a exigência de especificação imposta para a realização da audiência é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da garantia de acesso aos tribunais, do processo justo e equitativo, da legalidade criminal e do direito ao recurso, com consagração expressa nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, n.º 5 e n.º 10, todos da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

44. Antecipa-se ainda que não tem aplicação no presente caso o Acórdão n.º 163/2011 do Tribunal Constitucional , onde as questões que se põem são as de saber se “a fixação de um ónus de indicação dos pontos da motivação de recurso cuja discussão oral se pretende, no próprio requerimento de interposição de recurso, coloca em crise o direito fundamental de se fazer assistir por advogado em todos os actos processuais (artigo 32º, n.º 3, da CRP)”, “se a fixação de tal condição viola o direito ao recurso e as demais garantias de defesa do arguido (artigo 32º, n.º 1, da CRP).”, e se há inconstitucionalidade “das normas extraídas dos artigos 411º, n.º 5, e 419º, n.º 3, alínea c), ambos do CPP, quando interpretadas no sentido de não haver lugar a convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, mediante indicação dos pontos da motivação que o recorrente pretende que sejam alvo de alegações orais.” (sendo que neste caso se põe em causa o direito fundamental à assistência por advogado).

Por isto, e por tudo o mais,

45. Deve a presente Reclamação ser julgada procedente, e, em consequência, ser realizada audiência com vista à discussão de todos os pontos mencionados pelo Recorrente no seu requerimento.

Termos em que, e nos mais de Direito, deverão V. Exas:

A) Decretar a nulidade do Despacho do Exmo. Senhor Juiz-Conselheiro Relator por incompetência material do mesmo para decidir do Requerimento de realização de audiência com todas as consequências Legais da mesma nulidade,

B) Deferir o pedido de realização de audiência e proceder ao agendamento da mesma, seguindo o processo os seus termos legais.”

3. Diz no segundo requerimento:

“I – Enquadramento

1. No âmbito dos presentes autos, o Arguido veio interpor dois recursos, respectivamente dos Acórdãos do Tribunal da Relação de ... de 25 de Fevereiro de 2021 e de 29 de Abril de 2021.

2. No Recurso interposto do Acórdão de 25 de Fevereiro de 2021, o Arguido pediu a realização de audiência, de acordo com o n.º 5 do artigo 411.º do CPP.

3. Por Despacho de 22 de Novembro de 2021, elaborado pelo Exmo. Juiz-Conselheiro Relator, foi o mesmo pedido indeferido nos seguintes termos:

“4. É manifesto que, no seu requerimento, ao fazer uma remissão genérica, “com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos III a X da motivação”, o recorrente não satisfaz a exigência de especificação imposta pelo n.º 5 do artigo 411.º do CPP.

Acresce que, sendo o recurso limitado pelas conclusões da motivação, se mostra realizado o contraditório, neste STJ, pelo parecer do Ministério Público emitido nos termos do artigo 416.º do CPP e pela resposta apresentada pelo arguido.

5. Pelo exposto, o recurso prosseguirá para julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, al. C), do CPP, ficando sem efeito o anterior despacho na parte em que ordenou a apresentação do processo ao Exmo. Presidente da Secção nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 421.º.”

4. Deste Despacho reclamou o Arguido tempestivamente, pois não só o seu requerimento satisfez as exigências de especificação constantes do n.º 5 do artigo 411.º do CPP, como não poderia o Exmo. Juiz-Conselheiro Relator ter indeferido o seu pedido nos termos em que o fez.

5. Ora, antes mesmo do término do prazo para a dita Reclamação, o Arguido foi notificado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Dezembro de 2021.

6. Este Acórdão, para além de inválido por ter sido proferido antes de o Arguido ter tido hipótese de reclamar do Despacho que (ilegitimamente) indeferiu a realização da audiência requerida, encontra-se contaminado pelos vícios que previamente afectavam a validade do Despacho que o precedeu.

Vejamos,

II – Da Irregularidade decorrente da preterição do princípio do contraditório.

7. Em primeiro lugar, é de sublinhar, que, ao ter sido proferido a 2 de Dezembro de 2021, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça viola a garantias de defesa do Arguido na vertente do contraditório.

8. De acordo com a regra geral do artigo 105.º do CPP, o prazo para a prática de acto processual é de dez dias. Deste modo, não havendo – como não há – regra especial que estabeleça prazo diferente, o Arguido dispunha de dez dias para reclamar do Despacho do Exmo. Juiz-Conselheiro Relator.

9. Ora, tendo a notificação data de elaboração de 23 de Novembro de 2021, e, por conseguinte, presumindo-se o Arguido notificado no dia 26 de Novembro de 2021, sempre se terá de concluir que terminava no dia 6 de Dezembro de 2021 o prazo do Arguido para, querendo (como quis), reclamar do mesmo, assim exercendo o seu direito ao contraditório.

10. Pelo que, nenhuma dúvida resta de que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi proferido antes mesmo do término do prazo de que o Arguido dispunha para se pronunciar sobre o Despacho que indeferiu a realização da audiência por si requerida.

11. O que significa que o Tribunal suprimiu, na prática, a oportunidade que o Arguido tinha de exercer o direito ao contraditório previamente à prolação do Acórdão, comprimindo assim injustificadamente a garantias de defesa deste.

12. Termos em que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça incorre numa irregularidade por desrespeito pelo princípio do contraditório, conforme constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, o que, ao abrigo do disposto no artigo 123.º, n.º 1, do CPP, aqui se invoca expressamente para todos os efeitos legais.

13. Sendo que, os artigos 118.º, n.º 2, e 123.º do CPP, interpretados e aplicados no sentido de que a prolação de acórdão final, em recurso, antes de decorrido o prazo para reclamação do despacho que indeferiu a realização da audiência não constitui irregularidade, é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da garantia de acesso aos tribunais, do processo justo e equitativo, do contraditório, da legalidade criminal e do direito ao recurso, com consagração expressa nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, n.º 5 e n.º 10, todos da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Acresce que,

III – Da Irregularidade decorrente da não realização de audiência de recurso

14. Admitindo que coubesse ao Exmo. Juiz-Conselheiro Relator decidir do requerimento de realização de audiência, o que, conforme se verá seguidamente, não se pode conceder, ainda assim não se compreende que o mesmo requerimento tenha sido indeferido.

15. Em primeiro lugar, decorre da formulação do presente artigo que a especificação dos pontos a debater em sede de audiência não constitui condição necessária para a realização da audiência.

16. Veja-se o n.º 5 do artigo 411.º do CPP:

“5 - No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.”

17. Sobre este tema, afirma PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE que “O recurso não pode ser julgado por decisão sumária quando uma audiência deva ter lugar, por o recorrente ter manifestado a sua vontade nesse sentido. Pode fazê-lo em dois casos: quando, no requerimento de interposição do recurso, pede que a audiência se realize, indicando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos (artigo 411.º, n.º 5), ou quando, na motivação, pede a renovação da prova (artigo 412.º, n.º 3, al.ª c). Aquele é um direito discricionário de cada recorrente: nem o recorrido se pode opor ao pedido, nem o tribunal de recurso pode negar a pretensão do recorrente. Este é um direito vinculado, cujo exercício é controlado pelo relator no exame preliminar, com reclamação para a conferência (artigo 417.º, n.º 7, al.ª b), e n.º 8).” (realce no original, sublinhado nosso).

18. Ou seja, o pedido de realização de audiência constitui um direito discricionário do recorrente, pelo que o tribunal não deve negá-lo.

19. Em segundo lugar, e ainda que a falta de especificação dos pontos que pretende ver debatidos em audiência obstasse à realização da mesma, é manifesto que o Arguido especificou suficientemente os temas que quer ver abordados na audiência, pois explicitou exactamente a que Capítulos do Recurso se referia, não constituindo os mesmos a integralidade do Recurso.

20. Transcrevemos do Recurso o excerto em causa:

“Nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, requer-se a realização de audiência perante o Tribunal da Relação de ..., com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos III a X da motivação.” (realce no original).

21. O ónus processual que o n.º 5 do artigo 411.º impõe ao recorrente afigura-se cumprido, na medida em que é claramente perceptível para o tribunal o elenco de questões sobre as quais o recorrente deseja ver recair a audiência que solicitou.

22. Aliás, e no intuito de argumentar pela falta de especificação por parte do Arguido, o Exmo. Juiz-Conselheiro Relator começa o seu Despacho com um elenco simples e exemplificativo das mesmas, elenco esse que não faz senão pôr por extenso uma parte considerável do que o Arguido tinha sucinta e claramente feito constar do seu requerimento.

23. Assim sendo, e perante a evidência de que o Tribunal é perfeitamente capaz de elencar e compreender os pontos do Recurso aos quais se refere o requerimento de realização de audiência, não se compreende de onde surge a tese de que a especificação por parte do Arguido não foi suficiente. O mero Despacho do Exmo. Juiz-Conselheiro Relator basta para demonstrar o contrário.

24. Em terceiro lugar, não se pode deixar de referir, que, ter requerido que fosse debatida uma pluralidade de pontos nem constitui fundamento legal de indeferimento da pretensão do Arguido, nem equivale a não ter especificado esses mesmos pontos.

25. O n.º 5 do artigo 411.º não impõe limites quantitativos ao âmbito do requerimento de realização de audiência, pelo que não pode o relator indeferir este com base em suposta falta de especificação, simplesmente porque está em causa o debate em audiência de uma pluralidade de questões.

26. Em síntese, o Arguido explicitou específica e suficientemente os pontos que pretendia ver debatidos, preenchendo plenamente o que lhe poderia eventualmente ser exigido ao abrigo do n.º 5 do artigo 411.º do CPP.

27. Pelo que, a restrição feita pelo Exmo. Juiz-Conselheiro se encontra fora do espírito da lei, na medida em que compromete o intuito de conferir ao Arguido um direito discricionário que proteja as suas garantias de defesa.

28. Em quarto lugar, rejeita-se a tese do Exmo. Juiz-Conselheiro Relator, de acordo com a qual o que o indeferimento da realização de audiência no presente caso visa evitar “atos processuais supérfluos”.

29. Por um lado, discorda-se da superfluidade deste mesmo acto. Aliás, e como afirma GERMANO MARQUES DA SILVA :

“A audiência de julgamento do recurso tem sido muito criticada por magistrados e advogados, considerando-a inútil, mas trata-se de incompreensão do sistema, agravada pela frequente má prática. Frequentemente se confunde a função da motivação com a das alegações, mas são diferentes.

A audiência não se destina a repetir o conteúdo da motivação; esse já foi analisado pelo tribunal. Também não se destina a alterar o âmbito do recurso, já fixado pelas conclusões da motivação do recurso, mas essencialmente a analisar as questões que o tribunal entende merecerem exame especial.

2. De acordo com o despacho de que se reclamou, expressão proveniente da proposta de lei 109/X/2, DARII-A-23.12.2006.

Frequentemente sucede que da análise da motivação e da resposta não se suscitam questões a merecerem exame especial e, por isso, é natural que o relator elabore desde logo o respectivo projecto de acórdão. Será mesmo o caso mais frequente, pois a motivação do recurso e a resposta à motivação devem escalpelizar todas as questões que constituem o seu objecto.

Com dizer-se que as alegações se destinam essencialmente a analisar as questões que o tribunal entende merecerem exame especial não se significa a sua limitação; as alegações podem abarcar todas as questões suscitadas no recurso e que constituem o seu objecto. Questão é apenas a da sua utilidade, quando se limitam a repetir o que já foi escrito na motivação ou na resposta à motivação, mas mesmo a repetição pode ser útil, dependendo muito da forma como se repete.”

30. Por outro lado, e independentemente da utilidade objectiva do acto em causa, se o legislador conferiu ao Arguido um direito discricionário, não é ao julgador que cabe vir retirá-lo através da excessiva restrição prática do mesmo, por considerar a sua concretização um acto processual supérfluo.

31. Tratando-se de um direito discricionário do Arguido, a utilização do mesmo não carece de justificação.

32. E, sobretudo, nada na letra da lei permite uma interpretação no sentido de que o direito consagrado no n.º 5 do artigo 411.º do CPP exige a fundamentação da utilidade da realização da audiência em causa. Em direito processual penal português. Do procedimento (marcha do processo), Volume III, ..., UC editora, 2014, p. 348.

33. Em quinto lugar, não tem cabimento legal a interpretação do artigo 422.º, n.º 5 que considere que, tendo havido lugar a parecer do Ministério Público e subsequente resposta do recorrente, não deve haver lugar a audiência por realização prévia do contraditório.

34. Assim, considera o Exmo. Juiz-Conselheiro Relator, que, “sendo o recurso limitado pelas conclusões da motivação, se mostra realizado o contraditório, neste STJ, pelo parecer do Ministério Público emitido nos termos do artigo 416.º do CPP e pela resposta apresentada pelo arguido”.

35. Ora, nem o Parecer do Ministério Público, nem a Resposta ao mesmo trataram de todos os temas que se pretendiam ver discutidos em sede de audiência.

36. Mais, e conforme previamente afirmado em sede de Resposta, este Parecer, na medida em que foi redigido pelo mesmo Magistrado do Ministério Público que já tinha anteriormente respondido ao Recurso, constitui um grave atentado à garantia da imparcialidade.

37. Ora, fundamentalmente, e ao justificar a não realização de audiência através da prévia realização do contraditório por parecer do Ministério Público e subsequente resposta, o Exmo. Juiz-Conselheiro Relator introduz uma condição ao diferimento do requerimento de audiência que não constava na letra da lei.

38. Assim, e levando a argumentação do Despacho reclamado até ao seu fim lógico, extrai-se a regra de que deve ser indeferido o requerimento de realização de audiência quando tenha havido parecer do Ministério Público e subsequente resposta, por já se ter concretizado o contraditório em medida suficiente.

39. Sendo que o artigo 411.º, n.º 5 não prevê essa condicionante, não tem em conta a existência de parecer e resposta prévios, e não menciona sequer a eventualidade de realização prévia do contraditório.

40. Assim sendo, não se pode admitir que a prévia existência de parecer e resposta ao dito tenham qualquer influência na decisão de um requerimento para o qual a única condição legal se afigura preenchida.

Concluindo,

41. Ao indeferir a realização da audiência requerida (e à qual o Arguido tinha direito, tendo satisfeito o único ónus de que dependia o seu direito) o Exmo. Juiz-Conselheiro Relator retirou ao Arguido um direito discricionário, contra o espírito da lei que o conferiu e restringindo injustificada e inadmissivelmente as garantias de defesa do arguido consagradas, nomeadamente, pelo n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

42. Nessa medida, o artigo 411.º, n.º 5 do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que, no seu requerimento, ao fazer uma remissão genérica para capítulos do recurso, o recorrente não satisfaz a exigência de especificação imposta para a realização da audiência é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da garantia de acesso aos tribunais, do processo justo e equitativo, da legalidade criminal e do direito ao recurso, com consagração expressa nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, n.º 5 e n.º 10, todos da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

43. Antecipa-se ainda que não tem aplicação no presente caso o Acórdão n.º 163/2011 do Tribunal Constitucional , onde as questões que se põem são as de saber se “a fixação de um ónus de indicação dos pontos da motivação de recurso cuja discussão oral se pretende, no próprio requerimento de interposição de recurso, coloca em crise o direito fundamental de se fazer assistir por advogado em todos os actos processuais (artigo 32º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa)”, “se a fixação de tal condição viola o direito ao recurso e as demais garantias de defesa do arguido (artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).”, e se há inconstitucionalidade “das normas extraídas dos artigos 411º, n.º 5, e 419º, n.º 3, alínea c), ambos do CPP, quando interpretadas no sentido de não haver lugar a convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, mediante indicação dos pontos da motivação que o recorrente pretende que sejam alvo de alegações orais.” (sendo que neste caso se põe em causa o direito fundamental à assistência por advogado).

44. Deste modo, tendo sido a realização de audiência devidamente requerida pelo Arguido, a sua não realização traduz a omissão de um acto legalmente obrigatório, no qual deveriam comparecer o Arguido e o seu Defensor.

45. Em consequência, e por ter sido prolatado sem que tivesse havido comparência em audiência (necessariamente prévia ao acórdão) do Arguido e respectivo Defensor, na medida em que esta não teve lugar, o presente Acórdão é nulo, com as devidas consequências legais nos termos do artigo 119.º, alínea c), e 122.º, n.os 2 e 3 do CPP.

Processo nº. 459/10, disponível em ... .

46. Ainda que assim não se entenda, estar-se-ia sempre perante uma irregularidade do Despacho do Exmo. Juiz-Conselheiro Relator, nos termos e para os efeitos do artigo 123.º do CPP, por ter decidido de forma contrária à lei aplicável, irregularidade essa que necessariamente afecta o Acórdão sob escrutínio, por este ter sido prolatado sem que tenha havido audiência, devendo este também considerar-se irregular, o que aqui se invoca, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 123.º, n.º 1 do CPP.

Adicionalmente,

IV – Da competência do Exmo. Juiz-Conselheiro Relator para decidir da realização de audiência

47. Conforme, supramencionado, o Despacho de 22 de Novembro de 2021, que indeferiu a pretensão do Arguido à realização de audiência de recurso, foi proferido pelo Exmo. Juiz-Conselheiro Relator.

48. Ora, não tinha este competência para tal.

49. Desde logo, não faz (nem conseguiria fazer) no seu .... Juiz-Conselheiro Relator referência às disposições legais ao abrigo das quais se vem pronunciar sobre esta questão.

50. Assim, a intervenção do juiz relator no momento processual em causa é prevista pelo artigo e 417.º do CPP.

51. Nos termos dos n.os 6 e 7 do mesmo:

“6 - Após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que:

a) Alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso;

b) O recurso dever ser rejeitado;

c) Existir causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso; ou

d) A questão a decidir já tiver sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado.

7 - Quando o recurso não puder ser julgado por decisão sumária, o relator decide no exame preliminar:

a) Se deve manter-se o efeito que foi atribuído ao recurso;

b) Se há provas a renovar e pessoas que devam ser convocadas.”

52. Constatamos que em nenhum caso se prevê que o relator intervenha para decidir da (não) realização de audiência a pedido do recorrente.

53. Aliás, e nos termos da lei, o relator apenas interviria em sede de eventual decisão sumária, decisão essa especificamente delimitada e cujo âmbito não abrange o Despacho em causa.

54. Assim, e ao abrigo do princípio da legalidade, deve ser feita interpretação dos n.os 6 e 7 do artigo 417.º do CPP no sentido de não permitir a intervenção do relator fora dos casos previstos, sendo esta a interpretação que melhor se coaduna com as garantias de defesa do arguido no processo penal.

55. Por outras palavras, não se encontra, nem no artigo 417.º qualquer referência à possibilidade de o relator, ao abrigo da figura da decisão sumária (ou de qualquer outra), poder (in)deferir o requerimento de realização de audiência feito pelo recorrente.

56. Pelo que não pode o Exmo. Juiz-Conselheiro Relator decidir uma questão para a qual não lhe foi dada competência legal.

57. Estamos, assim, perante uma nulidade insanável de conhecimento oficioso, por violação de regras de competência, nos termos da alínea e), do artigo 119.º do CPP.

58. Razão pela qual o Despacho do Exmo. Juiz-Conselheiro Relator deve, desde logo, ser declarado inválido, nos termos do n.º 1 do artigo 122.º do CPP, tal como foi expressamente invocado na Reclamação apresentada pelo Arguido e aqui se reitera.

59. Sendo que, por efeito do mesmo artigo, e na medida em que o Acórdão de 2 de Dezembro de 2021 foi prolatado sem que tivesse havido lugar a audiência, foi este irremediavelmente afectado pelo Despacho nulo em causa, devendo assim a invalidade do segundo ferir também o primeiro, o que aqui também se deixa invocado, para todos os efeitos legais.

V – Da irregularidade resultante da decisão de rejeição parcial do recurso do Acórdão de 25 de fevereiro de 2021

60. Não obstante a questão da irrecorribilidade parcial do Acórdão do Tribunal da Relação de ... de 25 de Fevereiro de 2021 ter sido, por duas vezes, suscitada nestes autos pelo Ministério Público, e de o Arguido já se ter pronunciado sobre a mesma, o Supremo Tribunal de Justiça não emitiu qualquer decisão acerca de tal questão senão em sede de Acórdão proferido no passado dia 2 de Dezembro de 2021.

61. Ou seja, apenas quando chamado a pronunciar-se acerca do mérito do Recurso é que o Supremo Tribunal de Justiça concluiu que, afinal, este era, em larga medida, inadmissível.

62. Vejam-se os pontos 36. e 39. do Acórdão em causa:“36. […] Em função do exposto, tendo em conta que a decisão que admitiu o recurso do acórdão de 25 de fevereiro de 2021 não vincula o tribunal superior (n.º 3 do artigo 414.º do CPP), é o presente recurso rejeitado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 671.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, e dos artigos 400.º, n.º 3, 420.º, n.º 1, al. b), e 432.º, todos do CPP.”

“39. Em conformidade com o que vem de se expor, tendo em conta as conclusões dos recursos, há apenas que apreciar e decidir das questões de direito (artigo 432.º, n.º 1, al. b), e 434.º do CPP) relacionadas com a pena única aplicada ao arguido – supra 11.1, pontos 7, 8, 25 e 26 (conclusões 32 a 35, 158 a 163 e 165 a 171 do recurso) –, da competência deste tribunal [artigos 399.º e 400.º, n.º 1, al. f), a contrario, do CPP]. Como se decidiu no “assento” 10/92, DR I-A, de 6.8.1992: “Formuladas várias pretensões no recurso, podem algumas rejeitar-se em conferência, prosseguindo o recurso quanto às demais, em obediência ao princípio da cindibilidade”.”

63. Os trechos da decisão transcritos supra não encerram qualquer apreciação de mérito, antes se traduzindo na afirmação de um (suposto) obstáculo de natureza processual ao conhecimento da impugnação deduzida pelo Arguido ao Acórdão do Tribunal da Relação de ... de 25 de Fevereiro de 2021.

64. Ora, uma tal decisão a ser proferida, teria de sê-lo em momento anterior àquele em que este Supremo Tribunal conheceu do mérito do Recurso.

65. E o momento próprio para tal decisão deveria ser, nos termos do disposto nos artigos 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, alínea b) e 420.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, todos do CPP, após o exame preliminar, altura em que o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator deveria ter proferido decisão sumária mediante a qual rejeitasse parcialmente o Recurso interposto pelo Arguido.

66. A este propósito, atentem-se nas palavras dos Conselheiros Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques:

“No exame preliminar a que procede, e para determinar se é caso de prolação de decisão sumária, o relator verifica: […] se, de acordo com o art.º 420.º, o recurso deve ser rejeitado, por ser manifesta a sua improcedência ou se concorre causa que deveria ter determinado a sua não admissão nos termos do art.º 414.º, n.º 2 (irrecorribilidade da decisão, intempestividade do recurso, falta de condições para recorrer ou falta de motivação)” (realces no original)5.

67. A justificação para a solução legal assim delineada assenta na possibilidade de apresentação de reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 8, do CPP, caso fosse proferida decisão sumária de rejeição do Recurso, ainda que parcial.

68. Assim, e por força da cindibilidade do objecto do Recurso, a parte do Recurso que se entenda (ainda que erradamente) dever ser rejeitada deverá ser assim decidida, em conferência, caso seja apresentada reclamação da decisão sumária a ser proferida pelo Exmo. Senhor Conselheiro Relator, sem prejuízo do prosseguimento do recurso propriamente dito no que concerne aos seus

segmentos admissíveis (e admitidos).

(5) Manuel Simas Santos/Manuel Leal-Henriques, recursos penais, 8ª edição, Rei dos Livros, 2011, p. 120.

69. É que se não se proceder de acordo com a tramitação assim descrita, o recorrente vê-se impedido de se socorrer de um mecanismo processual que lhe é legalmente atribuído e que corresponde à possibilidade de reclamar (exercendo o contraditório) para a conferência de decisão sumária que determine a rejeição parcial do objecto do recurso, nos termos da conjugação dos artigos 417.º, n.º 6, alínea b), e n.º 8, e 420.º, n.º 1, todos do CPP.

70. E é precisamente essa a situação processual em que se encontra o Arguido, o qual apenas se deparou com a decisão de rejeição parcial do Recurso por si interposto quando da prolação do acórdão sob escrutínio.

71. Ora, é preciso notar que os princípios do contraditório e do processo justo e equitativo proíbem a prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir quaisquer questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada aos sujeitos processuais a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

72. Em suma: a decisão de rejeição, total ou parcial deve ter lugar após o exame preliminar, em sede de decisão sumária, sendo a decisão que decidir rejeitar, total ou parcialmente o recurso passível de reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 8, do mesmo Código.

73. Neste sentido, ao ter relegado a decisão de rejeição parcial (e, em rigor, quase total) do Recurso interposto pelo Arguido para o Acórdão final, este Supremo Tribunal incorreu em irregularidade, por violação do disposto no artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do CPP, assim proferindo uma decisão surpresa e vedando ao Arguido a possibilidade de exercer o contraditório e fazer intervir a conferência para se pronunciar sobre a decisão de rejeição parcial do Recurso, prevista no n.º 8, do mesmo artigo, irregularidade que, ao abrigo do disposto no artigo 123.º, n.º 1, do CPP, se deixa expressamente invocada para todos os efeitos legais.

74. Qualquer interpretação do disposto nos artigos 417.º, n.º 6, alínea b), 417.º, n.º 8 e 420.º, n.º 1, alínea b), todos do CPP, no sentido segundo o qual, identificando o Tribunal ad quem uma irrecorribilidade parcial da decisão recorrida, não tem de conhecer dessa irrecorribilidade em sede de decisão sumária, sempre redundará em norma materialmente inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdade e garantias, do direito a um processo equitativo e do direito de defesa e ao exercício do contraditório por parte do Arguido, decorrentes, respectivamente, do disposto nos artigos 2.º, 18.º n.º 2, 20.º, n.º 2 e 32.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa inconstitucionalidade que, para todos os efeitos legais, se deixa expressamente invocada.

VI – Da irregularidade resultante da decisão de rejeição integral do Recurso do Acórdão de 29 de abril de 2021

75. Relativamente à decisão de inadmissibilidade integral do Recurso do Acórdão de 29 de Abril de 2021, são válidos, com as devidas alterações, os argumentos expostos supra, em relação ao Recurso do Acórdão de 25 de Fevereiro de 2021.

76. O Supremo Tribunal de Justiça não emitiu qualquer decisão acerca da recorribilidade do Recurso do Acórdão de 29 de Abril de 2021, não obstante observações do Ministério Público relativas às questões a que este dizia respeito, senão em sede do Acórdão proferido no passado dia 2 de Dezembro de 2021, ou seja,

77. Apenas quando chamado a pronunciar-se acerca do mérito do Recurso é que concluiu que, afinal, este era, na sua integralidade, inadmissível.

78. Vejam-se os pontos 36. E 37. do Acórdão em causa:

“36. […] Em função do exposto, tendo em conta que a decisão que admitiu o recurso do acórdão de 25 de fevereiro de 2021 não vincula o tribunal superior (n.º 3 do artigo 414.º do CPP), é o presente recurso rejeitado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 671.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, e dos artigos 400.º, n.º 3, 420.º, n.º 1, al. b), e 432.º, todos do CPP.”

“37. Idêntica conclusão sobre a admissibilidade do recurso, embora com fundamento diverso, se deve extrair quanto ao recurso do acórdão de 29 de abril de 2021.”

79. Os trechos da decisão transcritos supra não encerram qualquer apreciação de mérito do Recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de ... de 29 de Abril de 2021, antes se traduzindo na afirmação de um (suposto) obstáculo de natureza processual ao conhecimento do mesmo.

80. Ora, como se viu supra, o momento processual para proferir a decisão de rejeição parcial do Recurso teria, forçosamente, de ser anterior ao momento em que este Supremo Tribunal de Justiça conheceu do mérito do Recurso propriamente dito — momento esse que, nos termos dos artigos 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, alínea b), e 420.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, todos do CPP, corresponderia a eventual decisão sumária a ser proferida pelo Exmo. Senhor Conselheiro Relator, após exame preliminar.

81. Neste sentido, ao ter relegado a decisão de rejeição total do Recurso interposto pelo Arguido para o Acórdão final, este Supremo Tribunal incorreu em irregularidade, por violação do disposto no artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do CPP, assim proferindo uma decisão surpresa e vedando ao Arguido a possibilidade de fazer intervir a conferência para se pronunciar sobre a decisão de rejeição do Recurso, prevista no n.º 8, do mesmo artigo, irregularidade que, ao abrigo do disposto no artigo 123.º, n.º 1, do CPP, se deixa expressamente invocada.

Termos em que, e nos mais de Direito, deverão V. Exas.:

a) Declarar a nulidade do Despacho do Exmo. Juiz – Conselheiro Relator de 22 de novembro de 2021, ou, subsidiariamente, a sua invalidade por mera irregularidade,

b) Declarar a nulidade do Acórdão de 2 de dezembro de 2021, ou, subsidiariamente, a sua invalidade por mera irregularidade,

c) Realizar as diligências necessárias à sanação dos vícios ora em causa, e, nomeadamente, a realização de audiência de Recurso e prolação de novo Acórdão.”

4. No acórdão de 2 de Dezembro consignou-se o seguinte:

“No requerimento de interposição de recurso veio o arguido requerer a realização de audiência, nos termos do artigo 411.º, n.º 5, do CPP “com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos III a X da motivação”.

Por despacho do relator de 22.11.2021 foi determinado que o recurso prosseguisse para julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP, por o requerimento de realização da audiência não satisfazer a exigência de especificação imposta pelo n.º 5 do artigo 411.º do CPP, estar realizado o contraditório no recurso e por respeito ao princípio de limitação de atos aos preordenados à realização da finalidade do processo (artigo 130.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP).

É do seguinte teor o despacho proferido:

1.   No requerimento de interposição de recurso, veio o arguido requerer a realização da audiência, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 411.º do CPP, “com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos III a X da motivação”.

2.    Analisada a motivação, verifica-se que, nos respetivos “Capítulos III a X”, o arguido, em detalhada e longa argumentação, indica uma grande multiplicidade de pontos e questões que pretende ver examinadas em recurso.

No “Capítulo III”, sob a epígrafe “Nulidades do Acórdão recorrido”, argui um conjunto de nulidades e irregularidades por motivos relacionados com a alteração dos factos e com a alteração da qualificação jurídica dos factos e por falta de fundamentação da medida das penas parcelares e de determinação da pena única, e inconstitucionalidades da norma que resulta da conjugação dos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP.

No “Capítulo IV”, sob a epígrafe “Da errada decisão do Tribunal da Relação de ... quanto à questão da alteração dos factos”, alega, designadamente, que o acórdão recorrido deveria ter absolvido o arguido ou, pelo menos, declarado a nulidade da decisão de 1.ª instância, que houve violação das regras dos artigos 358.º e 359.º do CPP, que, quanto à alteração dos factos referente ao caso VIII), o tribunal de 1.ª instância, o Tribunal a quo deveria ter declarado a invocada nulidade da sentença, que também o acórdão recorrido deve ser declarado nulo, e que a matéria de facto assente é omissa quanto aos factos integradores do tipo subjetivo do crime de abuso de confiança.

No “Capítulo V”, sob a epígrafe “Da errada decisão do Tribunal da Relação de ... quanto à nulidade decorrente da preterição de diligência essencial para a descoberta da verdade: as perícias grafológicas”, alega, nomeadamente, que a omissão da realização de tais perícias configura uma nulidade processual, que a matéria de facto assente é completamente omissa quanto aos factos integradores do tipo subjetivo do crime de abuso de confiança, o que, a seu ver, impõe, sem mais, a absolvição, e que se impõe concluir que também o acórdão recorrido deve ser declarado nulo.

No “Capítulo VI”, sob a epígrafe “Da ausência de preenchimento dos tipos legais de crimes imputados”, questiona o enquadramento jurídico da factualidade provada na 1.ª instância, o preenchimento dos tipos de crime de burla, de falsificação e de abuso de confiança e a constitucionalidade das normas incriminadoras na interpretação que entende lhes estar subjacente.

No “Capítulo VII” sob a epígrafe “Da aplicação da figura do crime continuado, nos termos do artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal”, alega que se verificam os pressupostos do crime continuado, que apenas pode sancionado com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.

No “Capítulo VIII”, sob a epígrafe “Da unidade vs pluralidade de crimes”, alega que, não se subsumindo os comportamentos à figura do crime continuado, então deverá, pelo menos, corrigir-se o número de vezes que cada tipo legal de crime (burla e/ou falsificação de documento) se considera preenchido, nos agrupamentos de factos (os denominados “casos”) em que o acórdão recorrido conclui pelo preenchimento do mesmo tipo legal mais do que uma vez.

No “Capítulo IX”, sob a epígrafe “Das penas aplicadas e a aplicar” alega que, a concluir-se que o arguido praticou ilícitos penais e que deve ser sancionado, deverá sê-lo pela prática de um crime continuado, que a pena deverá ser fixada em limite não superior a cinco anos de prisão, suspensa na sua execução, e que não foram observados os critérios de fixação das penas parcelares e da pena única, devendo ser reformulado o cúmulo jurídico.

No “Capítulo X”, relativo aos “pedidos de indemnização civil”, alega que deve ser absolvido dos pedidos e que, se assim não se entender, em caso de condenação, devem ser reduzidos, por os montantes serem excessivos.

3.    Dispõe o artigo 411.º, n.º 5, do CPP que “[n]o requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos”. Não basta, pois, que o recorrente requeira a realização de audiência, para que esta deva ter lugar; necessário se torna que o faça especificando, isto é, indicando, particularizando, os pontos da motivação que pretende que sejam debatidos em audiência.

Por sua vez, o artigo 419.º, n.º 3, al. c), estabelece o que o recurso é julgado em conferência quando não tiver sido requerida audiência e não seja necessário proceder à renovação da prova nos termos do artigo 430.º, segundo o qual a renovação da prova é admissível quando o tribunal da relação deva conhecer de facto e de direito, se se verificarem os vícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º e houver razões para crer que a renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo.

Assim, sem que seja posto em causa o dever de o tribunal de recurso conhecer de todas as questões suscitadas pelo recorrente e indicadas nas conclusões da motivação (artigo 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso em matéria de direito, conforme se tem repetido em jurisprudência constante deste tribunal, e em conformidade com o princípio da limitação dos atos aos preordenados à realização da finalidade do processo (artigo 130.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP), assegurada a garantia do contraditório e dos direitos de defesa, enquanto dimensão fundamental do processo equitativo (como afirmado no acórdão de 20.12.2017, proc. 10/16.6YGLSB.S1, sumário publicado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/criminal_sumarios _2017.pdf), o regime de julgamento do recurso submete a realização de audiência a estritos requisitos.

Dada a sua natureza excecional em resultado da inversão da anterior regra da oralidade que conduziu à instituição do regime-regra de julgamento em conferência, no sentido de evitar a realização de “atos processuais supérfluos” (cfr. Proposta de Lei 109/X/2, DAR II-A. 23.12.2006), prevê agora o n.º 5 do artigo 411.º que o recorrente requeira a realização da audiência, mas sujeitando-o ao ónus de especificação dos pontos que pretende ver debatidos [salientando este ponto, Pereira Madeira, comentário ao artigo 411.º, Código de Processo Penal comentado, Henriques Gaspar et alii, 2.ª ed., Almedina, 2016, p. 1291, e acórdão de 1.7.2020, proc. 301/19.4T8LSB.L1.S1(Nuno Gonçalves), em https://www.direitoemdia.pt /search/show/2688dbcb025ef9057d3d16a6162f0b8148ade172b6604893a54e453516f3c98e] .

4.    É manifesto que, no seu requerimento, ao fazer uma remissão genérica, “com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos III a X da motivação”, o recorrente não satisfaz a exigência de especificação imposta pelo n.º 5 do artigo 411.º do CPP.

Acresce que, sendo o recurso limitado pelas conclusões da motivação, se mostra realizado o contraditório, neste STJ, pelo parecer do Ministério Público emitido nos termos do artigo 416.º do CPP e pela resposta apresentada pelo arguido.

5.    Pelo exposto, o recurso prosseguirá para julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP, ficando sem efeito o anterior despacho na parte em que ordenou a apresentação do processo ao Exmo. Presidente da Secção nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 421.º.”

Considerou-se subjacente o entendimento de que a invocada “falta de imparcialidade” do Ministério Público, por ser representado pelo mesmo senhor magistrado no Tribunal da Relação e, agora, no Supremo Tribunal de Justiça, nada o impedindo (cfr. artigo 40.º, ex vi artigo 54.º do CPP, que, na parte relativa a atos e intervenções judiciais, se deve entender como limitada a impedimento do juiz – assim, Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, p. 169), não é matéria que deva ser conhecida neste recurso (trata-se de matéria a ser apreciada e decidida pelo Ministério Público, por via hierárquica – artigo 54.º, n.º 2, do CPP).

Considera-se também não proceder a alegação da inadmissibilidade de parecer escrito do Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 416.º do CPP, nos casos em que vem requerida audiência. Para além de tal cominação não resultar da lei, o n.º 2 do artigo 417, º sugere a não exclusão dessa possibilidade, não obstante o disposto no n.º 2 do artigo 416.º (neste sentido, Simas Santos/Leal-Henriques, Recursos Penais, 9.ª ed., Rei dos Livros, 2020, p. 119), impondo a realização do contraditório sempre que o Ministério Público “não se limitar a apor o seu visto”, o que, como se disse, se mostra efetuado.”

Concluindo-se, a este respeito:

“Assim, não devendo realizar-se audiência, colhidos os vistos, o recurso seguiu para julgamento em conferência”.

Em consequência do que foi decidido julgar o recurso em conferência, com prolação de acórdão.

5. No presente recurso, o arguido veio, em síntese, alegar e suscitar as seguintes questões:

5.1. Quanto ao acórdão do tribunal da Relação de 25 de fevereiro de 2021:

1. Que o acórdão é recorrível em toda a sua extensão, mesmo na parte respeitante às penas parcelares aplicadas, na medida em que aplicou uma pena única superior a 8 anos de prisão, devendo, por conseguinte, ser admitido o recurso que ora interpõe, em toda a sua extensão, alegando (conclusões 1 a 20):

1.1. Ser materialmente inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que:

(a) havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão (conclusão 14),

(b) os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que, em caso de concurso de crimes, confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena conjunta de prisão superior a 8 anos, não são recorríveis na parte respeitante às questões relativas aos crimes em que foram aplicadas penas parcelares iguais ou inferiores a 8 anos de prisão e se verifica dupla conforme (conclusão 15);

(c) os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça estão delimitados negativamente pela medida das penas parcelares aplicadas pelo Tribunal da Relação, não sendo admissível recurso das penas parcelares iguais ou inferiores a 8 anos quando se verifique dupla conforme (conclusão 16);

(d) os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça estão delimitados negativamente pela medida das penas parcelares aplicadas pelo Tribunal da Relação, não sendo admissível recurso das penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos (conclusão 19),

1.2. Ser materialmente inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que:

(e) havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão (conclusão 17);

(f) os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que, em caso de concurso de crimes, confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena conjunta de prisão superior a 8 anos, não são recorríveis na parte respeitante às questões relativas aos crimes em que foram aplicadas penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos de prisão (conclusão 18);

2. Que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia sobre a invocada irregularidade por falta de fundamentação (artigo 379.º, n.º 1, alínea c), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP) no recurso que interpôs da decisão do tribunal de 1.ª instância, ditada para a ata em 3 de dezembro de 2018 e, caso assim se não entenda, que o acórdão padece de irregularidade (artigo 123.º, n.º 1, do CPP) (conclusões 21 e 22);

3. Que o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 374.º) quanto ao juízo decisório que é extraído a final relativamente à subsunção dos factos dados por provados aos crimes de abuso de confiança, burla qualificada e falsificação de documento, e, caso assim se não entenda, que o acórdão padece de irregularidade (artigo 123.º, n.º 1, do CPP) (conclusões 23 a 26);

4. Que é materialmente inconstitucional a norma que resulta da conjugação dos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na fundamentação da decisão final proferida em processo penal, subsumir os factos imputados ao arguido a cada um dos crimes de forma individualizada (conclusão 27);

5. Que o acórdão recorrido é nulo por absoluta falta de fundamentação da medida das 70 (setenta) penas parcelares (artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP), e que, mesmo que não se entenda, que o acórdão padece de irregularidade (artigo 123.º, n.º 1, do CPP) (conclusões 28 a 30);

6. Que é materialmente inconstitucional a norma que resulta da conjugação dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na decisão final proferida em processo penal, fundamentar de forma individualizada cada uma das penas parcelares aplicada, independentemente da fundamentação relativa à determinação da pena única (conclusão 31);

7. Que o acórdão recorrido é nulo (artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP) no que respeita à fundamentação para sustentar a (nova) pena única, a qual se revela manifestamente insuficiente, e que, ainda que assim não se entenda, que o acórdão padece de irregularidade (artigo 123.º, n.º 1, do CPP) (conclusões 32 a 34);

8. Que é materialmente inconstitucional a norma que resulta da conjugação dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na decisão final proferida em processo penal, fundamentar a determinação da pena única por referência aos critérios legais constantes do artigo 77.º do CP (conclusão 35);

9. Que o acórdão recorrido deveria ter absolvido o arguido da prática do crime de burla quanto aos factos do caso XII, em resultado de alteração dos factos, e que, pelo menos, deveria, nesta parte, ter declarado a nulidade da decisão de 1.ª instância, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP (conclusões 36 a 43);

10. Que o acórdão recorrido deve ser declarado nulo (artigo 120.º, n.º 2, alínea d) e do artigo 122.º, n.º 1 CPP) por não ter declarado a invocada nulidade da sentença de 1.ª instância, por violação do regime de alteração dos factos, quanto ao crime de abuso de confiança por que o arguido vem condenado quanto aos factos do caso VIII (conclusões 44 a 50);

11. Que o acórdão recorrido é nulo por ter julgado incorretamente a nulidade invocada no recurso que apresentou da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, decorrente da omissão de realização de perícias à letra e assinatura de vários documentos, que configura uma nulidade processual, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP (conclusões 51 a 56);

12. Que deve ser absolvido da prática dos crimes de burla, de abuso de confiança e de falsificação, por não estarem preenchidos os elementos objetivos e subjetivos dos respetivos tipos incriminadores, e que não pode ser condenado por estes crimes em concurso, nomeadamente por entre eles não existir relação de concurso e por não ter praticado atos de execução (conclusões 57 a 129);

13. Que é materialmente inconstitucional a norma penal do artigo 217.º, n.º 1, do CP, em qualquer uma das suas redações, interpretada e aplicada no sentido de que condutas que se traduzam em situação de erro civilmente relevante, sendo suficientes e adequados os mecanismos do direito civil para sanar a situação, são suscetíveis de preencher, simultaneamente, o ilícito criminal de burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do CP (conclusão 75);

14. Que é materialmente inconstitucional a norma penal do artigo 205.º, n.º 1, do CP, em qualquer uma das suas redações, interpretada e aplicada no sentido de que condutas que se traduzam na apropriação ilegítima de coisa móvel entregue ao agente por título não translativo da propriedade, quando praticadas no quadro de execução de uma burla, preenchem, autonomamente, e por si só, o ilícito criminal de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1, do CP, simultaneamente com a imputação do crime de burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do CP (conclusão 116);

15, Que, nos “casos” I), III), IV), V), VI), VII), IX), X), XII), XIII), XV), XVII), XVIII), XIX), XX), XXII), XXIV), XXVIII), XXXIII), XXXVI) e Apenso C, foi duplamente valorado o mesmo pedaço da vida como preenchendo o tipo legal de crime de burla e, em simultâneo, de falsificação de documento, o que viola o princípio ne bis in idem, previsto no artigo 29.º, n.º 5, da Lei Fundamental (conclusão 121);

16. Que, ainda que se admita a relevância criminal das condutas julgadas provadas, o arguido não poderá ser sancionado a título de concurso efetivo de um total de 70 crimes, mas sim enquanto autor de um único crime continuado, nos termos dos artigos 30.º, n.º 2, e 79.º, n.º 1, do CP (conclusões 130 a 135 e 144);

17. Que, ainda que se entenda não aplicar-se a figura do crime continuado, deverá, pelo menos, ser corrigido o número de vezes que cada tipo legal de crime (burla e/ou falsificação de documento) se considera preenchido, por referência a cada agrupamento de factos (“casos”), pois que, em cada agrupamento de factos, apenas poderá concluir-se pela existência de uma única resolução criminosa e todos os atos em causa serão mera execução de uma única resolução criminosa, o que sucede nos “casos” I), IV), V), VI) e XVII), em que apenas lhe pode ser imputada a prática de um único crime de burla (conclusões 136 a 140).

18. Que, quanto aos “casos” III), XIII), XIX) e XXIV), estamos perante uma única resolução criminosa, pelo que, servindo as pretensas falsificações o alegado “esquema ardiloso” do Arguido, existindo apenas um crime de burla, só poderá também existir um crime de falsificação de documento (conclusão 141);

19. Que, em todos os casos em que o acórdão recorrido imputa ao arguido mais do que um crime de falsificação de documento, por referência ao mesmo agrupamento de factos, a verdade é que estamos sempre perante uma única resolução criminosa, que não depende do número de documentos pretensamente falsificados, nem do distanciamento temporal entre o primeiro ato de execução e o último, pelo que, também por referência aos “casos” I), III), IV), V), XIII), XIX) e XXIV), apenas se poderá imputar ao arguido a prática de um único crime de falsificação, por referência aos factos julgados provados em cada um dos “casos” (conclusões 142 e 143);

20. Que, a admitir-se a prática de crime, deverá ser aplicada ao arguido uma única pena, que terá de ser encontrada dentro da moldura geral abstrata do crime de burla qualificada, nos termos do disposto no artigo 218.º, n.º 2, alínea a), do CP, cujos limites mínimo e máximo são, respetivamente, 2 anos e 8 anos (conclusão 145);

21. Que, em nenhum caso, a pena a aplicada deverá ser fixada em limite superior a cinco anos de prisão, devendo, em todo o caso, a pena que vier a ser aplicada ser suspensa na respetiva execução, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do CP (conclusão 146);

22. Que, ponderadas todas as circunstâncias relevantes para efeitos de graduação da medida da pena, as penas parcelares em que o BB foi condenado são manifestamente injustas e desproporcionadas, pois são várias e ponderosas as circunstâncias que depõem e foram desconsideradas no sentido da diminuição das penas (conclusões 147 a 151, 153 a 156);

23. Que é materialmente inconstitucional qualquer interpretação das normas constantes do artigo 71.º do CP no sentido de que, no âmbito da determinação da medida da pena, é admissível ao tribunal valorar, contra o arguido, o facto de este não ter mostrado arrependimento (conclusão 152);

24. Que, devendo ser reformuladas as penas parcelares, deve ser reformulado o cúmulo jurídico (conclusões 157 e 164);

25. Que, mesmo que não sejam alteradas as penas parcelares, ainda assim nunca a pena conjunta poderia ter sido fixada em 11 anos e 6 meses de prisão, pois que (conclusões 158 a 163):

(a) o tribunal a quo não poderia ter valorado, para efeitos de determinação da pena, condenações posteriores à prática dos crimes em causa nos presentes autos,

(b) o “registo criminal” havia já sido considerado pelo Tribunal a quo para efeitos de determinação das penas parcelares, razão pela qual se assiste à violação da proibição da dupla valoração;

(c) a decisão recorrida errou na avaliação da personalidade do arguido, bem como uma errada análise global dos factos,

(d) o conjunto dos factos imputados ao arguido não é reconduzível a uma tendência ou a uma (inexistente) carreira criminosa, mas tão-somente a um conjunto particular e isolado de circunstâncias que não deriva nem tem suporte estrutural na sua personalidade,

(e) porque assim é, não deve ser atribuído à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta;

26. Que, tendo em atenção os critérios legais de determinação e as circunstâncias do caso, nomeadamente as que, a seu ver, concorrem para a diminuição da culpa, a pena única conjunta deverá aproximar-se do limite mínimo da moldura abstrata dessa pena, ou seja, 4 anos de prisão, suspendendo-se a sua execução, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do CP (conclusões 165 a 171);

27. Que deverá ser absolvido dos pedidos de indemnização civil contra si deduzidos (conclusões 172 a 174);

28. Que os valores indemnizatórios arbitrados para ressarcimento dos alegados danos não patrimoniais são manifestamente excessivos e desproporcionais, devendo ser substancialmente reduzidos (conclusões 175 a 179).

5.2. Quanto ao acórdão do tribunal da Relação de 29 de abril de 2021:

1. Que é nulo o acórdão na parte em que conheceu também dos vícios processuais invocados pelo arguido no recurso interposto do acórdão proferido em 25 de fevereiro de 2021, tendo entendido que tais vícios não se verificavam, pelo que se mantinha a validade desse acórdão (conclusões 1 a 3);

2. Que, ainda que assim não se entenda, sempre estaremos perante uma irregularidade do acórdão recorrido, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP (conclusão 4);

3. Que, declarada nulidade do acórdão do tribunal de primeira instância, por omissão de pronúncia, estava o tribunal a quo obrigado a mandar baixar os autos ao tribunal de primeira instância, para que este conhecesse a questão cuja pronúncia foi omitida, o que o Tribunal a quo não fez, conhecendo ele próprio dessa questão, extravasando os seus poderes de cognição (conclusões 5 e 6);

4. Que é materialmente inconstitucional a norma constante do artigo 379.º, n.º 2, do CPP, interpretada e aplicada no sentido em que o tribunal de recurso pode proceder ao suprimento de nulidade por omissão de pronúncia suscitada em recurso (conclusão 7);

5. Que nunca o Tribunal a quo poderia ter aplicado o artigo 82.º, n.º 3, do CPP, por não estarem preenchidos os requisitos legais (conclusões 8 a 11);

6. Que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que não aplique o artigo 82.º, n.º 3, do CPP e conheça da questão suscitada pelo Demandante CC (conclusão 12).

6. O acórdão de 2 dezembro pronunciou-se detalhadamente sobre todas as matérias que constituíam o objecto do recurso, tal como apresentado pelo recorrente, e, em consequência, nele se decidiu: 

a) Pela inadmissibilidade parcial do recurso na parte penal quanto a todos as questões relativas aos crimes praticados, a que foram aplicadas penas inferiores a cinco anos de prisão:

Do exposto, devendo concluir-se pela não verificação da invocada inconstitucionalidade das normas do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e), parte final, e f) do CPP, que, por esse motivo, deva afastar a sua aplicação, resulta que não é admissível o recurso em matéria penal do acórdão do tribunal da Relação, interposto pelo arguido, na parte que respeita a todas as questões suscitadas relativamente ao julgamento e à qualificação jurídica dos factos como integrando os crimes de burla, falsificação e abuso de confiança, por cuja prática o arguido foi condenado em penas, todas elas, inferiores a 5 anos de prisão, a todas as questões relacionadas com a determinação das penas aplicadas a cada um desse crimes, incluindo as suscitadas a propósito do concurso de crimes e do crime continuado e correspondente punição, bem quanto às nulidades e inconstitucionalidades arguidas e invocadas a propósito de tais questões. Aqui se incluem todas as questões enumeradas e identificadas no parágrafo 11.1, supra, nos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24, e no parágrafo 11.2, supra, pontos 1, 2, 3 e 4.

b) Pela inadmissibilidade do recurso quanto a todos os pedidos de indemnização civil (acórdão do tribunal da Relação de 25 de Fevereiro de 2021):

“Assim se conclui que, sem fundamentação essencialmente diversa e sem voto de vencido, o Tribunal da Relação confirmou a condenação da 1.ª instância e que, tendo em conta o disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC, se mostra verificada uma situação de “dupla conforme”, que obsta à admissão do recurso. Em função do exposto, tendo em conta que a decisão que admitiu o recurso do acórdão de 25 de fevereiro de 2021 não vincula o tribunal superior (n.º 3 do artigo 414.º do CPP), é o presente recurso rejeitado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 671.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, e dos artigos 400.º, n.º 3, 420.º, n.º 1, al. b), e 432.º, todos do CPP.”

c) Pela inadmissibilidade do recurso do acórdão relativo ao pedido de indemnização civil apreciado no acórdão do tribunal da Relação de 29 de abril de 2021:

Devendo “concluir-se pela inadmissibilidade do recurso com fundamento na al. c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, por se tratar de decisão constante de acórdão do tribunal da Relação que, em matéria de indemnização civil, na parte em questão, não conhece, a final, do objeto do processo”, “tendo em conta o disposto no artigo 420.º, n.º 1, al. b), do CPP, de acordo com o qual o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º, nomeadamente por irrecorribilidade da decisão, e considerando que a decisão que o admitiu não vincula este tribunal (n.º 3 do mesmo preceito), se rejeita também o recurso do acórdão de 29 de abril de 2021”.

d) Limitar-se o conhecimento do recurso às questões suscitadas a propósito da pena única:

Em conformidade com o que vem de se expor, tendo em conta as conclusões dos recursos, há apenas que apreciar e decidir das questões de direito (artigo 432.º, n.º 1, al. b), e 434.º do CPP) relacionadas com a pena única aplicada ao arguido – (...) pontos 7, 8, 25 e 26 (conclusões 32 a 35, 158 a 163 e 165 a 171 do recurso) –, da competência deste tribunal [artigos 399.º e 400.º, n.º 1, al. f), a contrario, do CPP]. “

7. O recorrente questionava a decisão de determinação e aplicação da pena única nos termos assim sintetizados (pontos 7, 8, 25 e 26), alegando:

a) Que o acórdão recorrido é nulo (artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP) no que respeita à fundamentação para sustentar a (nova) pena única, a qual se revela manifestamente insuficiente, e que, ainda que assim não se entenda, padece de irregularidade (artigo 123.º, n.º 1, do CPP) (conclusões 32 a 34);

b) Que é materialmente inconstitucional a norma que resulta da conjugação dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na decisão final proferida em processo penal, fundamentar a determinação da pena única por referência aos critérios legais constantes do artigo 77.º do CP (conclusão 35);

c) Que, mesmo que não sejam alteradas as penas parcelares, ainda assim nunca a pena conjunta poderia ter sido fixada em 11 anos e 6 meses de prisão, pois que (conclusões 158 a 163):

(i) o tribunal a quo não poderia ter valorado, para efeitos de determinação da pena, condenações posteriores à prática dos crimes em causa nos presentes autos,

(ii) o “registo criminal” havia já sido considerado pelo Tribunal a quo para efeitos de determinação das penas parcelares, razão pela qual se assiste, in casu, à violação da proibição da dupla valoração;

(iii) a decisão recorrida errou na avaliação da personalidade do arguido, bem como uma errada análise global dos factos,

(iv) o conjunto dos factos imputados ao arguido não é reconduzível a uma tendência ou a uma (inexistente) carreira criminosa, mas tão-somente a um conjunto particular e isolado de circunstâncias que não deriva nem tem suporte estrutural na sua personalidade,

(v) porque assim é, não deve ser atribuído à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta;

d) Que, tendo em atenção os critérios legais de determinação e as circunstâncias do caso, nomeadamente as que, a seu ver, concorrem para a diminuição da culpa, a pena única conjunta deverá aproximar-se do limite mínimo da moldura abstrata dessa pena, ou seja, 4 anos de prisão, suspendendo-se a sua execução, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do CP (conclusões 165 a 171);

8. O acórdão de 2 de dezembro conheceu de todas estas questões, concluindo pela improcedência da alegada nulidade e da alegada irregularidade do acórdão, bem como da invocação de inconstitucionalidade, “pois que, em momento algum, o acórdão recorrido interpretou ou aplicou a norma extraída dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, no sentido de que, “em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na decisão final proferida em processo penal, fundamentar a determinação da pena única por referência aos critérios legais constantes do artigo 77.º do CP”.

Pronunciando-se sobre as questões relacionadas com a fundamentação da determinação da medida da pena e com a pena aplicada, concluiu-se no acórdão que “na ponderação levada a efeito pelas instâncias não se evidencia erro de avaliação dos fatores de determinação da pena única evidenciados pelas circunstâncias a que se refere o artigo 71.º do Código Penal ou de erro na avaliação conjunta dos factos e da personalidade, nos termos do artigo 77.º”, que “são como consideraram as instâncias, muito elevados o grau de culpa e as exigências de prevenção, revelados pelas circunstâncias mencionadas, a ter em consideração, sem ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal)”, pelo que “tendo em conta a moldura da pena abstratamente aplicável, não se surpreendem elementos que, na definição do substrato de facto, permitam constituir base de um juízo de discordância relativamente à pena aplicada, de 11 anos e 6 meses de prisão, a justificar uma intervenção corretiva. Sendo esta pena de prisão de medida superior a 5 anos, não há que considerar a pretendida suspensão de execução (artigo 50.º, n.º 1, do CP). Em consequência do que, “não se verificando motivo que permita concluir pela violação do princípio de adequação e proporcionalidade que constitucionalmente se impõe na determinação das penas (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição)” se julgou improcedente o recurso nesta parte.

9. Nesta conformidade, foi decidido:

a) Rejeitar o recurso na parte que respeita a todas as questões suscitadas quanto aos crimes e às penas aplicadas pela prática de cada um dos crimes por que vem condenado;

b) Julgar improcedente o recurso na parte respeitante à determinação e aplicação da pena única;

c) Rejeitar os recursos relativos às decisões quanto aos pedidos de indemnização civil.

a) Quanto à alegada nulidade do despacho que, em exame preliminar, ordenou que o recurso seguisse para conferência

10. Como se extrai do anteriormente exposto (supra, 4.), a decisão de julgar o recurso em conferência não foi tomada pelo relator, mas na própria conferência. O despacho do relator, proferido em exame preliminar, limitou-se a ordenar que o recurso seguisse para conferência, para apreciação em conferencia.

Aderindo aos termos do despacho do relator, que se encontra transcrito no acórdão, a conferência decidiu o recurso, sem audiência, não só porque o requerimento não cumpria o ónus de especificação imposto pelo artigo 411.º, n.º 5 do CPP, mas também porque aí se entendeu que a audiência, para discutir todas as questões indicadas pelo recorrente redundaria em acto “supérfluo”. Como resulta do acórdão lido no seu conjunto, de todas as questões suscitadas apenas o grupo relativo à determinação e aplicação da pena única era suscetível de recurso (ponto 28, relativo ao acórdão de 25 de fevereiro, supra, 5), sendo este julgado inadmissível quanto a todas as outras questões [no total de 27 quanto ao acórdão de 25 de Fevereiro e 6 (todas) quanto ao de 29 de abril de 2021]. Admitir a audiência para discussão de questões que não são da competência deste tribunal, resultaria, obviamente, em agir em violação do disposto no artigo 130.º do CPC, o que não é lícito.

Note-se que, sendo caso disso, não há norma que obste a que a conferência se abstivesse de conhecer o recurso, em deferimento do pedido de realização da audiência.

Assim, não sendo admissível reclamação para a conferência de decisão tomada em conferência, vai a reclamação indeferida.

Indeferindo-se, também, em consequência, o requerimento quanto a todas as questões suscitadas a este propósito.

b) Quanto à alegada nulidade e outros vícios do acórdão

Ao decidir como decidiu, conhecendo, de forma concentrada, de todas as questões suscitadas, incluindo as que poderiam ser conhecidas pelo relator em exame preliminar, com possibilidade de recurso para a conferência, a julgar conjuntamente com o recurso (artigo 417.º, n.ºs 8 e 10), e sendo da conferência a competência para, em último caso, decidir desta matéria, a decisão em conferência, em coletivo, em nada afetou qualquer direito do recorrente, não feriu as normas de competência do tribunal [artigo 119.º, al. e), que não se refere a formalidades para o exercício da competência], nem o direito ao processo equitativo, garantido no recurso, e não violou qualquer norma de que possa resultar nulidade ou invalidade do acórdão nesta parte.

Mesmo admitindo a prática de acto irregular, por inobservância, nos seus precisos termos, do disposto no artigo 417.º do CPP, nomeadamente na parte que respeita à rejeição [n.º 6, al. b)] por decisão individual do relator, com possibilidade de reclamação para a conferência, em que o relator participa (artigo 419.º, n.º 2, do CPP), tal irregularidade não é susceptível de gerar qualquer nulidade ou invalidade do próprio acto ou de acto subsequente (artigos 118.º e 123.º do CPP), nomeadamente do acórdão.

Nos termos do artigo 379.º, n.º 1, do CPP, aplicável ex vi artigo 425.º, n.º 4, é nula a sentença: que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º; que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

O acórdão proferido em recurso é ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento (artigo 425.º, n.º 4, parte final).

Nenhuma destas nulidades vem invocada, nem nenhuma delas se surpreende.

Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (artigo 613.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 4.º do CPP), sem prejuízo do suprimento de nulidades (artigo 379.º) ou da correcção da sentença, por ocorrência dos vícios a que se refere o artigo 380.º do CPP, que também não ocorre, nem vêm alegados.

O que obsta também ao conhecimento de alegadas inconstitucionalidades, nesta sede.

11. Pelo exposto, decide-se, em conferência na secção criminal, indeferir os dois requerimentos apresentados pelo arguido, com condenação em custas, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC, nos termos do artigo 8.º e da tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de dezembro de 2021.

(assinado digitalmente)

José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria da Conceição Simão Gomes