Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
25603/21.6T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: ESTADO ESTRANGEIRO
IMUNIDADE JURISDICIONAL
GESTÃO PÚBLICA
GESTÃO PRIVADA
TRATAMENTO MÉDICO
EXCEÇÃO DILATÓRIA
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
Data do Acordão: 01/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I.— Os actos pelos quais o Estado da República de Angola concedeu ao Autor, ao abrigo da Junta Nacional de Saúde, a possibilidade de receber o tratamento adequado à sua patologia em Portugal”, comprometendo-se “a assegurar a estadia, alimentação, medicamentos, exames e todos os tratamentos médicos que o Autor necessitasse em Portugal” e atribuir-lhe “um apoio mensal de 500,00 €, para fazer face às suas despesas correntes de alojamento, alimentação e bens essenciais à sua subsistência”, são actos praticados ao abrigo de normas de direito público, dirigidas exclusivamente aos titulares de um poder de autoridade ou de soberania, para lhes atribuir direitos especiais ou para lhes impor deveres especiais.

II. Em consequência, devem coordenar-se ao conceito de actos praticados iure imperii.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


1. AA intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra a Embaixada de Angola em Portugal, com sede na Av. República, 68, 1069-213 Lisboa, pedindo que seja a Ré condenada:

I - A ressarcir o A. de todos os danos e prejuízos causados, os quais deverão ser fixados equitativamente, porém não em valor inferior a 30.000 Euros, considerando a gravidade da conduta da Ré, o estado de saúde frágil em que o A. se encontrava, a sua idade, a necessidade do tratamento médico e a privação repentina a que foi sujeito;

II. - Na entrega ao A., do valor do apoio que deixou de receber desde 29.07.2019 e até a data em que lhe seja dada alta médica, acrescido de juros vencidos e vincendos, valor que totaliza presentemente, a quantia de 13.500 Euros, acrescida de 1.080 Euros de juros vencidos, no total de 14.580 Euros;

III. - No pagamento de todas as custas, taxas moderadoras, despesas hospitalares, médicas e medicamentosas, quer as presentemente devidas pelo A., no valor de 1.005,37 euros, quer as posteriores até a data da sua alta médica, no seguimento dos tratamentos ainda necessários.

IV. - Por último, deverá a Ré ser condenada e, caso ainda venha em tempo útil, no restabelecimento da junta médica do A., deforma a assegurar os tratamentos, consultas, exames e medicamentos necessários, até a data da sua alta médica.


2. A Ré Embaixada de Angola em Portugal não contestou, pelo que foi proferido o despacho seguinte:

“A Ré, apesar de ter sido regularmente citada ( cfr. aviso de recepção junto aos autos no dia 30-12-2021), e decorrido o prazo legal, não veio deduzir contestação, nem constituir Mandatário.

Posto isto, consideram-se confessados os factos, susceptíveis de confissão, articulados pelo Autor, nos termos do artigo 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, porquanto não se verifica nenhuma das excepções previstas no artigo 568.º do Código de Processo Civil.

Pelo exposto, concede-se ao Autor o prazo 10 dias para vir juntar aos autos as suas alegações escritas, ao abrigo do disposto no artigo 567.º, n.º 2 do Código de Processo Civil”.


3. O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho saneador-sentença, julgando a acção improcedente.


4. O dispositivo do despacho saneador-sentença é do seguinte teor:

“Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, julga-se a acção totalmente improcedente e, em consequência, decide-se:

a) Absolver Ré EMBAIXADA DA REPÚBLICA DE ANGOLA EM PORTUGAL do pedido;

b) Condenar o Autor AA no pagamento das custas processuais, sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo beneficia.

Fixa-se à causa do valor de 45.585,37 € (quarenta e cinco mil quinhentos e oitenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 296.º, n.º 1, 297.º, n.ºs 1 e 2 e 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.”.


5. Inconformado, o Autor AA interpôs recurso de apelação.


6. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. Intentou o A. a presente acção, no seguimento do cancelamento da junta médica que lhe tinha sido concedida pelo Estado Angolano, enquanto se encontrava a receber tratamentos pós operatórios por um carcinoma na próstata.

B. O ora recorrente foi informado no Hospital ... onde decorriam os seus tratamentos, que os mesmos não poderiam ter continuidade.

C. O recorrente não teve alta médica e não obstante a Embaixada de Angola em Lisboa, decidiu de forma unilateral cancelar a sua junta médica, sem qualquer justificação e sem prévia ou mesmo posterior comunicação.

D. Sucede que, apesar de todos os factos terem sido considerados provados, perante a falta de contestação da Ré, a Exma. Juiz do Tribunal a Quo, absolveu a mesma do pedido.

E. A Douta sentença de que se recorre, considerou provados todos os factos vertidos na p.i. e ao mesmo tempo, que « O Visto de Permanência/autorização temporária de residência do Autor expirou no dia 15 de Maio de 2019. Assim, verifica-se que a junta de saúde do Autor foi cancelada, pelo menos, no dia 29 de Julho de 2019, ou seja, posteriormente ao visto ter caducado. No documento assinado pelo Autor, no dia 01 de Agosto de 2018, consta expressamente que é um dos deveres dos doentes “é responsabilidade do doente e acompanhante, informar com 30 dias de antecedência a data do término do visto, passado o prazo o Sector não se responsabiliza pelas coimas/despesas.»

F. Assim, é fundamentada a decisão de 1ª Instância, com a falta de cumprimento da obrigação não procedeu de culpa da Ré, pelo que fica afastada a presunção de culpa prevista no n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil. Não tendo ficado provada a culpa da Ré, tem necessariamente que improceder a acção (cfr. artigo 798.º a contrario do Código Civil). Concluindo, fica prejudicado o conhecimento dos pedidos do Autor, porquanto a acção tem que improceder, conforme referido, julgando-se a acção totalmente improcedente, e, em consequência, absolvendo a Ré EMBAIXADA DA REPÚBLICA DE ANGOLA EM PORTUGAL do pedido.

G. Discorda porém o recorrente desta mesma Decisão.

H. Com o devido respeito, o Tribunal a Quo formulou conclusões erradas, sem procurar indagar ou solicitar os devidos esclarecimentos ao A. quanto à renovação do visto e, tendo apenas por base um documento referente aos Direitos e Deveres do A. inerente à junta médica que lhe foi concedida, sem outro qualquer suporte probatório.

I. Este mesmo Documento que serviu de base à total improcedência da presente acção, apenas respeita à irresponsabilização por parte do sector de Saúde da Embaixada de Angola em Lisboa, pelo pagamento de eventuais Coimas ou despesas devidas com o término ou prorrogação do visto do A.

J. Porém, tais deveres nada tem a ver com o cancelamento da junta médica do A., já que só poderia ter lugar com a respectiva alta médica ou com o cancelamento unilateral por parte da Embaixada, como é o presente caso.

K. Com efeito o A. tentou renovar o seu visto de estadia temporária, procedendo ao seu pedido de agendamento.

L. No dia 04 de Abril de 2019 o Recorrente foi notificado pelo SEF, de que deveria comparecer no dia 21.06.2019 para a prorrogação do seu visto, conforme Documento 1 que se junta e cuja admissão se Requer, tendo em conta tratar-se de matéria da Douta sentença em crise.

M. Sucede que, a renovação do visto em causa, carece da entrega de Declaração ( Termo e Responsabilidade ) por parte do Sector de Saúde da embaixada de Angola em Lisboa.

N. Tal matéria não foi levada aos autos apenas por entender o A. ser de menor importância, tendo em conta a gravidade dos factos que foram levados aos autos.

O. De igual modo entendeu o recorrente, não se prender directamente com o objecto do litígio.

P. É sabido que as marcações no SEF suspendem a data de validade e de cancelamento dos vistos, tendo em conta os atrasos nos agendamentos e a absoluta impossibilidade de resposta aos interessados por parte daquela entidade, em tempo útil.

Q. No dia seguinte a ter sido notificado da data, o recorrente dirigiu-se ao Sector da Saúde da Embaixada comunicar o agendamento.

R. Nos serviços administrativos, foi pedido ao recorrente para voltar alguns dias antes da data agendada, de forma a levantar o competente Termo de Responsabilidade, como é regra, para apresentar ao SEF, no acto da renovação.

S. Sucede que, o recorrente deslocou-se várias vezes à Embaixada, sendo consecutivamente informado que o termo não estava assinado pelo Chefe da Secção, por ter viajado a Angola.

T. No dia agendado, o recorrente compareceu aos serviços do SEF, onde aguardou pelo responsável do Sector da Saúde, tal como tinha combinado com os serviços administrativos da Embaixada, sem porém ter recebido o Termo de Responsabilidade.

U. Desta forma, o recorrente ficou impedido de renovar o visto naquela data.

V. Posteriormente, o Recorrente teve conhecimento do cancelamento da sua junta médica.

W. Com o devido respeito, a sentença a Quo tratou de forma leviana a matéria objecto dos presentes autos, não enquadrando a difícil e debilitada situação de alguém submetido em estado de pós operatório por carcinoma e que se encontrava em tratamentos a realizar tratamentos quimioterapia, sabendo a agressividade que isso representa.

X. Ainda assim, o recorrente tentou por todos os meios, no meio dos seus tratamentos, diligenciar pelo agendamento para renovar o seu visto/autorização de residência temporária, bem como de estabelecer todos os contactos necessários com o respectivo Sector da Embaixada, em cumprimento ao procedimento administrativo de permanência em território nacional.

Y. Nada mais havendo ao seu alcance.

Z. Por todo o exposto, considera o recorrente que, a Exma. Juiz do Tribunal de primeira Instância, pronunciou-se com base em factos que não procurou conhecer de forma devida, decidindo de forma contrária ao que seria exigido, tendo em conta todos os factos dados como provados, o que não permitia outra decisão senão condenar a Ré nos termos peticionados.

Termos em que, nos melhores de Direito, Doutamente supridos por Vªs Excias., deverá a sentença de primeira Instância ser substituída por sentença em que a Ré seja condenada:


I. A ressarcir o A. de todos os danos e no valor de 30.000 Euros, considerando a gravidade da conduta da Ré, o estado de sáude frágil em que o A. se encontrava, a sua idade, a necessidade do tratamento médico e a privação repentina a que foi sujeito.

II. Entregar ao A., do valor do apoio que deixou de receber desde 29.07.2019 e até a data em que lhe seja dada alta médica, acrescido de juros vencidos e vincendos, valor que totaliza presentemente, a quantia de 13.500 Euros, acrescida de 1.080 Euros de juros vencidos, no total de 14.580 Euros;

III. No pagamento de todas as custas, taxas moderadoras, despesas hospitalares, médicas e medicamentosas, quer as presentemente devidas pelo A., no valor de 1.005,37 euros, quer as posteriores até a data da sua alta médica, no seguimento dos tratamentos ainda necessários.

IV. No restabelecimento da junta médica do A., de forma a assegurar os tratamentos, consultas, exames e medicamentos necessários, até a data da sua alta médica. Assim fazendo Justiça.


7. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou o recurso improcedente, ainda que alterasse a decisão de absolvição do pedido substituindo-a por uma decisão de absolvição da instância.


8. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na ... Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em, não concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado pelo autor:

6.1.- Alterar a sentença do tribunal a quo, e sendo - com fundamento em razões totalmente diversas das expostas na referida sentença - os RR absolvidos da instância, que não do pedido e em razão da verificação de uma excepção dilatória inominada.


9. Inconformado, o Autor interpôs recurso de revista.


10. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. Intentou o A. a presente acção, no seguimento do cancelamento da junta médica que lhe tinha sido concecida pelo Estado Angolano, enquanto se encontrava a receber tratamentos pós operatórios por um carcinoma na próstata.

B. O ora recorrente foi informado no Hospital ... onde decorriam os seus tratamentos, que os mesmos não poderiam ter continuidade.

C. O recorrente não teve alta médica e não obstante a Embaixada de Angola em Lisboa, decidiu de forma unilateral cancelar a sua junta médica, sem qualquer justificação e sem prévia ou mesmo posterior comunicação.

D. Em primeira Instância foram dados por provados todos os factos levados ao processo e não obstante, absolvendo a Ré do pedido.

E. Razão pela qual foi interposto recurso da Douta Decisão proferida, para o Tribunal da Relação.

F. A Decisão proferida em segunda Instância pelo Tribunal da Relação de Lisboa, veio por sua vez considerar que a Embaixada de Angola em Lisboa goza de imunidade da para ser parte na presente acção.

G. E, por gozar imunidade de jurisdição, equivale a dizer que se verifica uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso (artº 578º, do CPC ), a qual dá lugar à absolvição da Ré da instância ( artº 576º,nºs 1 e 2, do CPC ), o que em soma decidiu.

H. Conforme consta no teor do Douto Ac. ora recorrido, «a referida imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros constitui um corolário do princípio da igualdade soberana, em virtude do qual, em principio, nenhum Estado pode julgar os actos de um outro [ como ocorre prima facie no caso sub judice, em que visa o apelante que um órgão de soberania de Portugal julgue um acto praticado por um órgão de outro Estado – o seu - e ademais no relacionamento deste último com um seu cidadão ] ou mesmo de um dos seus órgãos superiores, maxime, por intermédio de um dos seus tribunais, sem o consentimento deste. Não estando o referido princípio integrado expressis verbis no nosso ordenamento jurídico , certo é que pode e deve o mesmo ser atendido e aplicado à luz das normas e dos princípios de direito internacional geral ou comum, o qual, como decorre do n.º 1 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, faz “ parte integrante do direito português”. Isto dito, e como bem se chama à atenção no já citado Acórdão do STJ de 29/5/2012, se numa primeira fase era orientação jurisprudencial dominante nesta matéria a de, para além dos acta jure imperii, estender a imunidade de jurisdição dos Estados aos acta jure gestionis, certo é que a orientação que foi ganhando terreno – e é a actualmente prevalecente – foi a de restringir a imunidade aos acta jure imperii, ou seja , cada vez mais tem vindo a perfilhar-se a tese da imunidade restrita, para tanto diferenciando-se entre actos de ius imperii e actos de ius gestionis, e incidindo a imunidade de jurisdição apenas aos primeiros. »

I. Discorda porém o Recorrente deste entendimento, senão veja-se em primeiro lugar que, a doutrina portuguesa é uniforme ao adoptar a concepção restritiva da imunidade de jurisdição dos Estados, explicando v.g. JÓNATAS MACHADO que “A imunidade relativa, imposta pelo recurso crescente ao direito privado por parte dos Estados, é considerada por uma parte substancial da doutrina como a mais consentânea com a tendência actual no sentido da responsabilização dos poderes públicos por danos, contratuais ou extra-contratuais, causados aos particulares. Com efeito, tende a considerar-se que a imunidade não pode ser invocada, nomeadamente no caso de transacções comerciais, contratos de trabalho, responsabilidade civil por acções ou omissões danosas, questões de propriedade imobiliária, mobiliária ou intelectual, participações sociais, utilização de embarcações para fins não oficiais, sempre que os elementos de conexão relevantes se encontrem localizados no território do Estado do foro”.

J. A Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens (ou Convenção de Nova Iorque), aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 46/2006, de 20 de Junho e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 57/2006. (31) Ora, logo o artigo 5.º da Convenção de Nova Iorque [ sob a epígrafe de “Imunidade dos Estados”, vem estabelecer que “sob reserva das disposições da presente Convenção, um Estado goza, em relação a si próprio e aos seus bens, de imunidade de jurisdição junto dos tribunais de um outro Estado”, logo acrescentando o nº1, do normativo imediato ( 6º) que “ Um Estado garante a imunidade dos Estados prevista no artigo 5º abstendo-se de exercer a sua jurisdição num processo judicial instaurado nos seus tribunais contra outro Estado e, para esse fim, assegurará que os seus tribunais determinem oficiosamente que a imunidade desse outro Estado prevista no artigo 5º seja respeitada” .

K. Certo é que dos respectivos artºs 10º a 16º extrai-se que o critério dominante que deve presidir à separação entre actos de ius imperii e actos de ius gestionis, é o da natureza (material) do acto, ou seja, da relação jurídica controvertida, sendo que, v.g. sendo o Estado demandado enquanto sujeito de uma relação jurídica emergente de um contrato de natureza meramente privada e cuja realização se inscreve no âmbito de actos de gestão, está ele claramente fora do alcance dos actos de ius imperii, não beneficiando de imunidade de jurisdição.

L. Com todo o respeito pelo entendimento do Douto Ac. Recorrido, a relação jurídica estabelecida entre a Ré e o Autor, ora Recorrente, integra uma simples relação jurídica emergente de um contrato de natureza meramente privada, cuja realização se inscreve no âmbito de actos de gestão, assente na prestação dos serviços de saúde.

M. Ao revestir carácter contratual, não se encontra inserida no âmbito dos actos pelo Estado Angolano praticados com ius imperii.

N. Senão veja-se que, conforme ficou decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa., proferido no processo 137/06.2TVLSB.L1-7, onde foi Relator TOMÉ GOMES:

I - De acordo com um princípio basilar do direito internacional público consuetudinário, os Estados soberanos gozam, nas suas relações recíprocas, de imunidade de jurisdição.

II - Tanto a doutrina e jurisprudência nacionais como estrangeira têm vindo a acolher a tese da imunidade restrita, fazendo a distinção entre actos de ius imperii e actos de ius gestionis, de forma a confinar a imunidade de jurisdição àqueles actos, para o que importa traçar a linha de diferenciação entre actos de império e actos de gestão.

III - O critério a seguir deve nortear-se pelo mínimo denominador comum na prática e jurisprudência da generalidade dos Estados que integram a comunidade internacional.

IV - O entendimento jurisprudencial e doutrinário mais corrente vai no sentido de que “o domínio da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros não abrange os actos por eles praticados tal como o poderiam ter sido por um particular, mas apenas os que manifestam a sua soberania”.

V - Assim, um contrato de prestação de serviços médicos a cidadão estrangeiro que, embora visando a prossecução de um interesse público do respectivo Estado, não foi celebrado no âmbito das suas prerrogativas soberanas, mas tão só na esfera da sua capacidade civil, cai n o âmbito de actividade de gestão privada, pelo que os litígios deles emergentes não se inscrevem no âmbito da imunidade de jurisdição daquele Estado.

VI - As missões diplomáticas permanentes, nomeadamente as embaixadas, detêm funções de representação de um Estado estrangeiro acreditado noutro país, muito emboranão sejam dotadas de autonomia jurídica em relação ao estado acreditado, pelo que se traduzem em entidades representativas do respectivo Estado soberano para os efeitos do disposto no artigo 7.º do CP.


O. Certo é que um princípio basilar do direito internacional público consuetudinário, lapidado na secular máxima par in parem non habet jurisdictionem, é a soberaia dos Estados, nas suas relações recíprocas, de imunidade de jurisdição, o que constitui um corolário do princípio da igualdade entre eles. Assim, nenhum Estado soberano está, como tal, sujeito à jurisdição dos tribunais de outro Estado, salvo se nisso consentir, renunciando à referida imunidade

P. Todavia, já é discutível o alcance dessa imunidade, mais precisamente quanto a saber se deve ser assumida como uma imunidade latitudinária ou apenas limitada.

Q. Neste em particular, tanto a doutrina e jurisprudência nacionais como estrangeira, amplamente citadas, tem vindo a acolher a tese da imunidade restrita, fazendo-se, para tal efeito, a distinção entre actos de ius imperii e actos de ius gestionis, de forma a confinar a imunidade de jurisdição àqueles actos e não a estes Vide, a título exemplificativo, o ac. do STJ, de 13/11/2002, relatado pelo Exmº Juiz Cons. Mário Torres, publicado na CJ dos acs. do SJT, Ano X (2002), Tomo III , pags. 276 a 279; ac. do STJ, de 18/2/2006, relatado pela Exmª Juíza Cons. Maria Laura Leonardo, no processo 05S3279 JST J000, publicado na Internet : http://www.dgsi.pt/jstj. Vide também Prof. Castro Mendes, Direito Processual Civil, Vol. II, 1978/79, pags. 31 e segs.. . É pois este o critério de solução que se afigura mais aceitável de seguir.

R. Nesta linha de entendimento, importará traçar a linha de diferenciação entre actos de império e actos de gestão, o que também nem sempre reúne cabal consenso, havendo, por isso, que optar por um critério que traduza um mínimo denominador comum na prática e jurisprudência da generalidade dos Estados que integram a comunidade internacional.

S. Assim, socorrendo-nos da vasta e actualizada informação indicada nos acórdãos do STJ, de 13/11/2002 e de 18/2/2006 , o ac. do STJ, de 13/11/2002, relatado pelo Exmº Juiz Cons. Mário Torres, publicado na CJ dos acs. do SJT, Ano X (2002), Tomo III , pags. 276 a 279; ac. do STJ, de 18/2/2006, relatado pela Exmª Juíza Cons. Maria Laura Leonardo, no processo 05S3279 JST J000, publicado na Internet : http://www.dgsi.pt/jstj., bem como na decisão recorrida, poder-se-á assentar em que o entendimento jurisprudencial e doutrinário mais corrente vai no sentido de que “o domínio da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros não abrange os actos por eles praticados tal como o poderiam ter sido por um particular, mas apenas os que manifestam a sua soberania”. A reforçar este entendimento, convém citar o artigo 31.º, alínea c), da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas que, reflectindo, de algum modo, normas costumeiras do direito internacional público, ressalva da imunidade de jurisdição civil, quanto aos agentes diplomáticos, as acções referentes a qualquer actividade profissional ou comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditado fora das suas funções oficiais.

T. Senão veja-se como decidiu o Douto Acórdão proferido por este Tribunal Superior, (SJ200211130021724) no processo 10085/00 (JSTJ000), onde foi Relator MÁRIO TORRES:

«I - A regra consuetudinária de direito internacional segundo a qual os Estados estrangeiros gozam de imunidade de jurisdição local quanto às causas em que poderiam ser réus não foi revogada pela Constituição da República Portuguesa de 1976, uma vez que, na sua formulação mais recente, essa regra não contraria nenhum dos preceitos fundamentais da Constituição.

II - Essa formulação conforme a Essa formulação conforme ao sistema constitucional português é a concepção restrita da regra da imunidade de jurisdição, que a restringe aos actos praticados jure imperii, excluindo dessa imunidade os actos praticados jure gestionis; isto é, a imunidade não abrange os actos praticados pelo Estado estrangeiro tal como o poderiam ter sido por um particular, mas apenas os que manifestam a sua soberania.»


U. Ora, no caso vertente, a R. assumiu perante o A. a responsabilidade civil pela prestação de cuidados médicos aos cidadãos da República de Angola, t[r]atando-se portanto de um contrato de prestação de serviço de natureza privada, que, embora visando a prossecução de um interesse público daquele Estado, não foi celebrado no âmbito das suas prerrogativas soberanas, com recurso ao ius imperii, mas tão só na esfera da sua capacidade civil, ou seja, no âmbito da sua actividade de mera gestão privada.

V. Nessa medida, nem o Estado da República de Angola, nem por consequência, a Embaixada R., na qualidade de seu representante em Portugal, gozam da invocada imunidade de jurisdição, quanto ao contrato sub judice.

W. Assim sendo, quer se entenda que a excepção invocada se traduziria numa incompetência do tribunal, em razão da nacionalidade, ou mesmo numa excepção dilatória inominada Vide Prof. Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, pag. 139., jamais poderia proceder.

X. Face ao exposto e, de encontro ao próprio teor da Douta sentença de 1ª Instância onde foi decidido: «não ficaram por provar quaisquer factos com relevância para a decisão da causa (…)» o pedido do Recorrente não tem como improceder.

Y. Devendo a Ré, ser condenada no pedido.

Termos em que, nos MELHORES DE DIREITO, Doutamente supridos por Vªs Excias., deverá considerar-se afastada a imunidade da Ré, sendo subsequentemente, considerada parte legítima com capacidade para intervir nos presentes autos e desse modo condenada no pedido do Recorrente, atendendo aos factos provados e nos termos formulados em primeira Instância.

Assim fazendo justiça.


11. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se a Ré Embaixada de Angola em Portugal tem imunidade de jurisdição;

II. — em caso de resposta negativa, se estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil da Ré Embaixada de Angola em Portugal.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


12. O Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação deram como provados os factos seguintes:

2.1 - Em Janeiro de 2018, em Angola, foi diagnosticado ao Autor um ... na próstata.

2.2. - Considerando a gravidade do diagnóstico e a especialidade da sua doença, o Estado da República de Angola concedeu ao Autor, ao abrigo da Junta Nacional de Saúde, a possibilidade de receber o tratamento adequado à sua patologia e o inerente acompanhamento médico em Portugal.

2.3. - Ao mesmo tempo, a Ré comprometeu-se a assegurar a estadia, alimentação, medicamentos, exames e todos os tratamentos médicos que o Autor necessitasse em Portugal.

2.4. - O Autor receberia ainda um apoio mensal de 500,00 €, para fazer face às suas despesas correntes de alojamento, alimentação e bens essenciais à sua subsistência.

2.5. - No dia 31 de Julho de 2018, o Autor chegou a Portugal, ao abrigo da Junta Nacional de Saúde.

2.6. - Em Outubro de 2018, o Autor foi submetido a uma cirurgia de braquiterapia.

2.7. - Seguidamente, o Autor deveria dar continuidade aos tratamentos necessários à sua patologia, devendo comparecer com regularidade às consultas de acompanhamento e realizar vários exames, de acordo com as indicações do seu médico especialista.

2.8. - No dia 15 de Maio de 2019, a autorização de residência temporária do Autor expirou.

2.9. - No dia 29 de Julho de 2019, antes de ter alta médica, enquanto estava a ser seguido na unidade Hospitalar ..., o Autor foi informado verbalmente de que a sua junta médica tinha sido cancelada e, como tal, o seu tratamento, consultas e exames iriam cessar, com efeitos imediatos.

2.10. - Não foi dada qualquer explicação ao Autor para o cancelamento da sua junta médica, nem dos seus tratamentos.

2.11. - O Autor contactou, várias vezes, por telefone e por carta, quer a Ré, quer o Consulado.

2.12. - Apesar das diligências efectuadas, o Autor não conseguiu que a Ré lhe respondesse.

2.13. - Com o cancelamento da sua junta médica, foi também cancelado o apoio que o Autor recebia por parte da Ré, para a sua subsistência.

2.14. - Tendo em conta a sua total falta de rendimentos, tendo vindo para Portugal apenas para receber tratamento médico adequado, e não dispondo de quaisquer outros meios para subsistir, o Autor chegou a não ter onde pernoitar e a não ter condições para se alimentar.

2.15. - A mudança da sua situação veio agravar substancialmente a sua condição de saúde, colocando em risco a sua própria vida.

2.16. - O facto referido em 2.8. colocou em causa a possibilidade de o Autor aceder ao Sistema Nacional de Saúde.

2.17. - O Autor procurou ser seguido no Sistema Nacional de Saúde, sem conseguir assegurar as taxas moderadoras, pelo que contraiu uma dívida, à data de Julho de 2020, no valor de 1.005,37 €.

2.18. - Actualmente, o Autor recebe apoios sociais e ajudas por parte da Junta de Freguesia ... e da Santa Casa da Misericórdia ....

2.19. - No alojamento onde se encontra, não está a pagar renda.

2.20. - A Ré emitiu um documento intitulado “Direitos e deveres doentes e acompanhante”, assinado pelo Autor no dia 01 de Agosto de 2018, referindo, entre o mais, o seguinte:

“ DEVERES:

É responsabilidade do doente e acompanhante, informar com 30 dias de antecedência a data do término do visto, passado o prazo o Sector não se responsabiliza pelas coimas/despesas.”.


 O DIREITO


13. Embora o Tribunal da Relação tenha negado provimento ao recurso, não estão preenchidos os pressupostos do art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil: as decisões são diferentes — o Tribunal de 1.º instância absolveu a Ré do pedido e o Tribunal da Relação absolveu-a instância — e a fundamentação de cada uma das duas decisões é diferente (essencialmente diferente).


14. A primeira questão suscitada consiste em saber se a Ré Embaixada de Angola em Portugal tem imunidade de jurisdição.


15. Em rigor, uma Embaixada não tem personalidade jurídica própria distinta do Estado [1] — a acção deve considerar-se proposta contra o Estado angolano [2].


16. Ora, o Estando angolano, como todos os Estados, tem imunidade de jurisdição [3] [4].


17. Como se diz, p. ex., nos acórdãos do STJ de 18 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 05S3279 — e de 7 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2079/15.1T8CBR.C1.S1 —: “[a] imunidade jurisdicional dos Estados apresenta-se como corolário do princípio da igualdade entre Estados e radica numa regra costumeira de acordo com a qual nenhum Estado soberano pode ser submetido, contra sua vontade, à condição de parte perante o foro doméstico de outro Estado (par in parem non habet judicium), regra esta cujo sentido actual deve ser captado e definido” [5].

“I - Na ordem jurídica internacional, os Estados caracterizam-se pela sua igual dignidade soberana – igualdade nas relações entre os Estados, exigência de igualdade dos Estados perante o direito internacional.

II - Constitui corolário desta igual dignidade soberana dos Estados a garantia de imunidade de jurisdição aos Estados e à sua propriedade, ou seja, em princípio, nenhum Estado pode julgar os atos de um outro ou mesmo de um dos seus órgãos superiores, máxime, por intermédio de um dos seus tribunais, sem o consentimento deste. […]

IV - Sem prejuízo da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens – aberta à subscrição, em Nova Iorque, em 17-09-2005, e ratificada por Portugal – ainda não se encontrar em vigor, tem-se entendido que ela exprime, nos seus traços gerais, o direito consuetudinário vigente, ao afirmar o princípio da imunidade dos Estados, salvo em situações em que o Estado, expressa ou implicitamente, haja renunciado à mesma e em situações em que a imunidade é recusada quando estejam em causa transações comerciais, contratos de trabalho, danos causados por pessoas e bens, propriedade, posse e utilização de bens” [6]


18. Esclarecido que o Estado angolano tem imunidade de jurisdição, põe-se o problema do alcance da imunidade — logo, da controvérsia entre as duas concepções, entre a concepção absoluta e a concepção relativa, mais restrita, da imunidade de jurisdição dos Estados [7].


19. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado constantemente que a concepção conforme com o sistema constitucional português [8], aceite na comunidade internacional [9] e, em todo o caso, dominante na doutrina e na jurisprudência [10], é a concepção relativa — logo, (mais) restrita [11] — e que, em consonância com a concepção relativa — logo, mais restrita — da imunidade de jurisdição, deve distinguir-se os actos praticados iure imperii e os actos praticados iure gestionis.


20. Enquanto que os primeiros, que os actos praticados iure imperii, são os actos de poder público, ou de natureza pública [12], que exprimem ou manifestam a soberania do Estado [13]; os segundos, os actos praticados iure gestionis, são os actos de natureza privada [14], que nem exprimem nem manifestam a soberania do Estado — são os actos que foram praticados pelo Estado estrangeiro tal como o poderiam ter sido por um particular [15]; “em que os Estados intervêm como pessoa de direito privado em relações de direito privado” [16].


21. Ora a concepção relativa — logo, mais restrita — da imunidade de jurisdição distingue os actos praticados iure imperii e os actos praticados iure gestionis para abranger os primeiros, os actos praticados iure imperii, e para não abranger os segundos, ou seja. — os actos praticados iure gestionis [17].


22. Em todo o caso, sempre se admitiu ou reconheceu que os conceitos de actos praticados iure imperii e de actos praticados iure gestionis carecem contudo de “contornos precisos” [18], evoluindo “de acordo com a prática, designadamente jurisprudencial, dos diversos Estados que integram a comunidade internacional” [19].


23. As instâncias divergiram na coordenação dos actos pelos quais “o Estado da República de Angola concedeu ao Autor, ao abrigo da Junta Nacional de Saúde, a possibilidade de receber o tratamento adequado à sua patologia e o inerente acompanhamento médico em Portugal” [20], comprometendo-se “a assegurar a estadia, alimentação, medicamentos, exames e todos os tratamentos médicos que o Autor necessitasse em Portugal” [21] e atribuir-lhe “um apoio mensal de 500,00 €, para fazer face às suas despesas correntes de alojamento, alimentação e bens essenciais à sua subsistência” [22] aos conceitos de actos praticos iure imperii ou iure gestionis: o Tribunal de 1.ª instância coordenou-os implicitamente ao conceito de actos praticados iure gestionis e o Tribunal da Relação coordenou-os explicitamente ao conceito de actos praticados iure imperii, ao abrigo do art. 21.º da Constituição da República de Angola e da Lei de Bases do Sistema Nacional de Saúde, aprovada pela Lei n.º 221-B/92, de 21 de Agosto.


24. Entre as duas concepções, deve dar-se preferência à segunda — as relações entre o Autor, agora Recorrente, e o Réu Estado angolano estão reguladas por normas de direito público, dirigidas exclusivamente aos titulares de um poder de autoridade ou de soberania, para lhes atribuir direitos especiais ou para lhes impor deveres especiais [23]


25. O caso é semelhante àquele que foi apreciado e decidido no acórdão do STJ de 29 de Maio de 2012 — processo n.º 137/06.2TVLSB.L1.S1 —, em que se decidiu que

“Estando em causa, […] o pagamento dos serviços de saúde prestados por uma hospital português a cidadãos estrangeiros, ao abrigo dos Acordos de Cooperação no domínio da saúde estabelecidos entre Portugal e os países africanos de língua oficial portuguesa, deve, em caso de dúvida, ser concedida a imunidade”.


26. Entre os argumentos deduzidos no acórdão de 29 de Maio de 2012 está o seguinte:

“Considerando as dificuldades e incertezas suscitadas pelo direito internacional consuetudinário na delimitação exacta entre actos iure imperii e actos iure gestionis;

Considerando que a prestação dos serviços de saúde em causa se apresenta, prima facie, como tendo sido efectuada ao abrigo dos Acordos de Cooperação no domínio da saúde estabelecidos entre Portugal e os países africanos de língua oficial portuguesa […];

Considerando que, em caso de dúvida, deve ser concedida a imunidade (in dubio pro immunitate),

[a]figura-se-nos que, na presente acção, deve ser reconhecida […] a imunidade de jurisdição”.


27. Ora a imunidade de jurisdição é uma excepção dilatória, que conduz à incompetência absoluta dos tribunais portugueses [24] e que, ainda que não conduzisse à incompetência absoluta, sempre determinaria a absolvição da instância [25].


28. Face à resposta dada primeira questão, fica prejudicada a segunda.


III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente AA, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe tenha sido concedido.


Lisboa, 19 de Janeiro de 2023


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

________

[1] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 29 de Maio de 2012 — processo n.º 137/06.2TVLSB.L1.S1 — de 25 de Novembro de 2014 — processo n.º 1298/13.0TTLSB.L1.S1 —, em que se considera a embaixada como um estabelecimento, “para efeitos do disposto no art. 18.º, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000, quando as funções dos trabalhadores estejam ligadas à atividade de gestão levada a cabo pela mesma”.
[2] Em termos em tudo semelhantes, vide o acórdão do STJ de 29 de Maio de 2012 — processo n.º 137/06.2TVLSB.L1.S1 —: “Em bom rigor, do ponto de vista formal, a acção devia ter sido proposta contra o Estado e não contra a sua Embaixada em Portugal. […] sendo uma das funções primaciais de uma missão diplomática, qualificada geralmente de embaixada, a de ‘representar o Estado acreditante perante o Estado acreditador’ (cfr. art. 3, al. a) da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18 de Abril de 1961), parece-nos dever entender-se que, no caso concreto, o demandado é o próprio Estado da República Democrática de S. Tomé e Príncipe”.
[3] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 4 de Fevereiro de 1997 — processo n.º 96A809 —, de 13 de Novembro de 2002 — processo n.º 01S2172 —, de 18 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 05S3279 —, de 29 de Maio de 2012 — processo n.º 137/06.2TVLSB.L1.S1 —, de 4 de Junho de 2014 — processo n.º 2075/12.0TTLSB.L1.S1 —ou  de 7 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2079/15.1T8CBR.C1.S1.
[4] Em tema de imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros, vide, por todos, João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, Manual de processo civil, vol. I, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, págs. 301-302.
[5] Cf. sumário do acórdão do STJ de 18 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 05S3279.
[6] Cf. sumário do acórdão do STJ de 7 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2079/15.1T8CBR.C1.S1.
[7] Como se diz, p. ex., no acórdão do STJ de 7 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2079/15.1T8CBR.C1.S1 —, “[a] garantia de imunidade pode ser absoluta – quando um Estado se escusa pura e simplesmente a submeter à sua jurisdição qualquer ato de outro Estado – ou relativa – quando o reconhecimento da imunidade se apoia em distinções, como as que distinguem atos ‘iure imperium’ e atos ‘iure gestionis’, com base na natureza e fim do ato, submetendo apenas os segundos à jurisdição de outro Estado2. .
[8] Como se diz no sumário do acórdão do STJ de 13 de Novembro de 2002 — processo n.º 01S2172 —, “[a] formulação conforme ao sistema constitucional português é a concepção restrita da regra da imunidade de jurisdição, que a restringe aos actos praticados jure imperii, excluindo dessa imunidade os actos praticados jure gestionis; isto é, a imunidade não abrange os actos praticados pelo Estado estrangeiro tal como o poderiam ter sido por um particular, mas apenas os que manifestam a sua soberania”.
[9] Cf. acórdão do STJ de 25 de Novembro de 2014 — processo n.º 1298/13.0TTLSB.L1.S1.
[10] Cf. acórdãos do STJ de 13 de Novembro de 2002 — processo n.º 01S2172 — de 4 de Junho de 2014 — processo n.º 2075/12.0TTLSB.L1.S1.
[11] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 13 de Novembro de 2002 — processo n.º 01S2172 —, de 18 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 05S3279 —, de 29 de Maio de 2012 — processo n.º 137/06.2TVLSB.L1.S1 —, de 4 de Junho de 2014 — processo n.º 2075/12.0TTLSB.L1.S1 —, de 25 de Novembro de 2014 — processo n.º 1298/13.0TTLSB.L1.S1 — ou de 7 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2079/15.1T8CBR.C1.S1.
[12] Expressão do acórdão do STJ de 4 de Junho de 2014 — processo n.º 2075/12.0TTLSB.L1.S1
[13] Expressão dos acórdãos do STJ de 13 de Novembro de 2002 — processo n.º 01S2172 — e de 4 de Junho de 2014 — processo n.º 2075/12.0TTLSB.L1.S1
[14] Expressão do acórdão do STJ de 4 de Junho de 2014 — processo n.º 2075/12.0TTLSB.L1.S1
[15] Expressão do acórdão do STJ de 13 de Novembro de 2002 — processo n.º 01S2172
[16] Expressão do acórdão do STJ de 25 de Novembro de 2014 — processo n.º 1298/13.0TTLSB.L1.S1.
[17] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 13 de Novembro de 2002 — processo n.º 01S2172 —, de 18 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 05S3279 —, de 29 de Maio de 2012 — processo n.º 137/06.2TVLSB.L1.S1 —, de 4 de Junho de 2014 — processo n.º 2075/12.0TTLSB.L1.S1 —, de 25 de Novembro de 2014 — processo n.º 1298/13.0TTLSB.L1.S1 — ou de 7 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2079/15.1T8CBR.C1.S1.
[18] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 13 de Novembro de 2002 — processo n.º 01S2172 —, de 18 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 05S3279 — ou de de 29 de Maio de 2012 — processo n.º 137/06.2TVLSB.L1.S1.
[19] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 13 de Novembro de 2002 — processo n.º 01S2172 — e de 18 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 05S3279.
[20] Cf. facto dado como provado sob os n.º 2.2..
[21] Cf. facto dado como provado sob o n.º 2.3.
[22] Cf. facto dado como provado sob o n.º 2.4.
[23] Sobre a distinção entre o direito privado e o direito público, vide p. ex. João Baptista Machado, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, Livraria Almedina, Coimbra, 1982, págs. 63-77; Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1964, págs. 71-74; Carlos Alberto da Mota Pinto / António Pinto Monteiro / Paulo Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs. 35-61; ou Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contrattos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 7-12.
[24] Cf. acórdãos do STJ de 4 de Fevereiro de 1997 — processo n.º 96A809 —, de 18 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 05S3279 —, de 4 de Junho de 2014 — processo n.º 2075/12.0TTLSB.L1.S1 —, de 8 de Setembro de 2021 — processo n.º 19354/20.6T8LSB.S1 — ou de 21 de Setembro de 2021 — processo n.º 18954/20.9T8LSB.S1.
[25] Cf. acórdão do STJ de 29 de Março de 2022 — processo n.º 15998/18.4T8LSB.L1.S1 —, em cujo sumário se diz que, “[a]inda que se considere que a imunidade de jurisdição se consubstancia numa excepção dilatória que não conduz à incompetência absoluta dos Tribunais portugueses, sempre deverá ter lugar, necessariamente, a absolvição da instância”.