Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P1521
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: FUNÇÃO
FUNÇÃO JUDICIAL
JUIZ
DEVER DE CORRECÇÃO
DIREITO AO BOM NOME
OFENSA À ENTIDADE PATRONAL
Nº do Documento: SJ200804170015215
Data do Acordão: 04/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONTENCIOSO
Decisão: PROVIDO O RECURSO E ANULAÇÃO DO ACÓRDÃO DO PLENÁRIO DO CSM
Sumário :
I - As “funções” do juiz abrangem uma componente fora do exercício do acto processual, que passa por outros vectores, como o relacionamento funcional, isto é, em razão da função, com funcionários judiciais, com advogados, com outros utentes do Tribunal.
II - Ora, o recorrente não violou o dever de correcção por ter escrito uma carta ofensiva para os advogados destinada à publicação num semanário, mas porque no edifício onde exerce funções e onde, portanto, é o juiz e não uma pessoa no âmbito da sua vida privada, deu publicidade à mesma carta, assim ofendendo, no exercício da sua função de relacionamento com os utentes do serviço público, alguns deles.
III - O direito ao bom-nome de uma pessoa colectiva ou de um grupo profissional, como o dos Advogados, está protegido legalmente e a violação desse direito gera responsabiresponsabilidade criminal, civil ou disciplinar, consoante os casos, não sendo tolerável que tenha de ceder perante o direito à liberdade de expressão, isto é, que em nome do direito à liberdade de expressão fosse possível a ofensa, a não ser por circunstâncias excepcionais de relevante interesse público (por exemplo, a denúncia de um crime).
IV - O recorrente agiu com uma culpa igual à da sua Colega, pois a sua contribuição nesse conjunto complexivo de factos foi igualmente tida por necessária. O texto é da sua autoria exclusiva e as expressões consideradas como ofensivas do bom-nome dos advogados são da sua inteira responsabilidade. Também a iniciativa de o afixar nas paredes do tribunal é sua. Mas a sua Colega não só aderiu ao conteúdo do texto, como autorizou a afixação, pelo que sem a actuação decisiva e necessária desta última a infracção disciplinar não se teria consumado.

V - A sua Colega, como Presidente em exercício no Tribunal, tinha um especial dever de zelar pela prática de actos não lesivos do interesse público que aí deve ser prosseguido e não cuidou de o respeitar. Já o recorrente é o autor do escrito e, portanto, directamente responsável pelas afirmações desonrosas para os advogados que aí se contêm.

VI - Por isso, a ilicitude e o grau de culpa são iguais para o recorrente e para a sua Colega, pois a infracção disciplinar dependeu em igual medida das respectivas actuações. As respectivas penas devem ser tendencialmente iguais.
VII - O recorrente e a sua Colega agiram como consta dos factos provados em reacção imediata ao teor do escrito do Advogado Dr. F..., que tomaram como ofensivo para os juízes. Ora, o C. Penal, a propósito dos crimes contra a honra, dispõe que se o ofendido ripostar, no mesmo acto, com uma ofensa a outra ofensa, o tribunal pode dispensar de pena ambos os agentes ou só um deles, conforme as circunstâncias (art.º 186.º, n.º 3, do CP). E no caso de injúrias por escrito, ripostar “no mesmo acto” tem de ser entendido em consonância com a disponibilidade para o fazer. De igual modo, o tribunal pode ainda dispensar de pena se a ofensa tiver sido provocada por uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido (n.º 2).
VIII - Embora a dispensa de pena não seja obrigatória para os casos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 186.º do CP, pois que o tribunal pode dispensar a pena, a mesma deve impor-se logicamente quando o tribunal concluir que a ilicitude do facto e a culpa do agente foram diminutas, não houver lugar a reparação do dano, nomeadamente, por não ter sido pedida, e não se opuserem razões de prevenção (cfr. art.º 74.º do CP). É o caso dos autos em relação ao recorrente.

IX - Na escala das penas disciplinares aplicáveis aos Magistrados Judiciais a mais baixa das penas é a de advertência (art.º 85.º, n.º 1, al. a, do E.M.J.). A pena de advertência, contudo, pode ou não ser registada (art.º 85.º, n.ºs 2 e 4).

X - Ora, se domínio penal a censura encontrada para o recorrente era a da dispensa de pena, seria mais adequado encontrar no domínio disciplinar uma pena que se lhe equiparasse, pois, neste caso concreto, a advertência disciplinar move-se num terreno muito aproximado ao da reprovação penal. Mas não há no domínio disciplinar a dispensa de pena.

XI - Pode o órgão competente, porém, não aplicar qualquer sanção, mesmo após concluir sobre a existência de matéria disciplinar, por não a julgar necessária face às circunstâncias. Como pode limitar-se a aplicar uma advertência não registada, que é uma pena disciplinar equiparável à dispensa de pena. Na verdade, o significado técnico da dispensa de pena no Código Penal é a de uma censura penalmente relevante, pois há condenação, mas a que não corresponde qualquer pena, o que, no campo disciplinar, equivale à advertência não registada, onde se pode dizer que há uma condenação, mas que não fica no cadastro do Magistrado.

XII - De tudo o exposto pode concluir-se que a pena aplicada ao recorrente, de advertência registada, não foi a necessária, pois de entre as várias medidas possíveis devia ter sido adoptada a que implicasse a consequência menos gravosa, nem representa uma justa medida face à conduta apurada.

Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1521/07 – contencioso

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. A, juiz de direito, apresenta perante este Supremo Tribunal de Justiça recurso contencioso, nos termos do art.º 168.º e segs. do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), da deliberação do Plenário do Conselho Superior de Magistratura de 6 de Fevereiro de 2007, tomada no âmbito do processo disciplinar n.º 61/2006, que julgou improcedente a reclamação que apresentou contra a deliberação do Conselho Permanente de 26-09-2006, que decidiu pela aplicação da pena de advertência registada, pela prática da infracção disciplinar prevista no art.º 3º, n.º 4, al. f), do EDFAACRL, aplicável ex vi art.º 131.º do EMJ e punível nos termos dos art.ºs 82.º, 85.º e 86.º, todos desse EMJ.

2. O recorrente, em resumo, invoca:
I- Anulabilidade da deliberação recorrida por falta de fundamentação quanto à conclusão de que as afirmações do recorrente no escrito, cuja veracidade nem sequer é apreciada, não cabem no âmbito da liberdade de expressão do Juiz, nem tão pouco porque é que integram violação do dever de correcção, havendo ainda falta de fundamentação por não se esclarecer o que é que o juiz pode afixar nas paredes do tribunal;
II- Vício de erro quanto aos pressupostos de direito:
a) O escrito de opinião da autoria do recorrente não integra o direito de resposta como erroneamente se sustenta na decisão recorrida, antes se configura como uma carta de um leitor dirigida à secção de correspondência de um jornal. O dever contido no art.º 3.º, n.º 4, al. f), do EDFAACRL é um dever de respeito para com os utentes dos serviços públicos, colegas ou superiores hierárquicos, mas não tutela o respeito ou crédito devido a classes profissionais. Segundo a decisão recorrida, a relevância disciplinar atribuída à conduta do recorrente não resulta do teor do escrito em si mesmo, mas da forma especial de publicidade que lhe foi atribuída; todavia, a publicação no semanário Expresso teve uma publicidade maior do que a afixação no tribunal de Guimarães e, por isso, não se vislumbra que o juízo de ilicitude da conduta do recorrente possa estribar-se no desvalor do resultado pretensamente acrescido por aquela especial forma de publicitação.
b) O recorrente agiu no exercício de um direito protegido constitucionalmente, o de exprimir e divulgar o seu pensamento, portanto, sob uma causa de justificação; e embora tal direito deva ser harmonizado com outros de igual valia, a simples reputação ou consideração devida a uma determinada profissão liberal não é suficiente para sacrificar o tal direito constitucional; o acto de afixar um escrito nas paredes de um tribunal não é mais gravoso do que o publicar num semanário com audiência nacional e, portanto, deve considerar-se justificado pelo exercício do referido direito.
O acto sindicado padece de vício quanto ao fim, traduzido no erro quanto aos seus pressupostos de direito e é, nessa medida, anulável. É ainda nulo, pois que promove uma errada harmonização em termos de concordância prática do direito de expressão com outros direitos, alguns dos quais de dignidade inferior, assim se violando o disposto no art.º 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP.
III- Vício de violação de lei:
- viola o princípio da igualdade, quando trata igualmente o que é desigual, aplicando a mesma pena disciplinar ao recorrente e à sua colega;
- viola o princípio da imparcialidade, na sua vertente positiva, pois não faz uma exaustiva ponderação nem faz uma adequada concordância prática dos valores constitucionais e não constitucionais em jogo;
- viola o princípio da justiça, pois que pune o recorrente que actuou em defesa dos interesses da sua classe profissional, perante a inércia daqueles – designadamente o CSM – que tinham a obrigação de actuar e preteriram esse dever.
IV- Medida da pena: o agravamento da medida da pena proposta pelo Instrutor, a ser admitida, impõe um dever acrescido de fundamentação que, no caso, foi preterido.
IV A)- Da medida da culpa:
A medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. Ora, como reconheceu o Instrutor, o recorrente agiu motivado pelo propósito de defender o prestígio e a consideração que são devidos à magistratura judicial e não por qualquer inimizade, interesse pessoal ou desejo de protagonismo; visou repor a verdade no que concerne ao destino que é dado, por imperativo legal, às receitas provenientes das taxas de justiça.
IV B)- Da prevenção especial: a aplicação da pena disciplinar de advertência registada, para além de injusta e manifestamente desproporcional, ou “excessiva” como salientam alguns dos 8 votos de vencido, não encontra qualquer justificação à luz das finalidades que à sua aplicação devem presidir, pois que são muito diminutas, ou até mesmo inexistentes, as razões de prevenção especial que possam justificar a punição do recorrente, dado o seu percurso académico e profissional e a determinação que manifesta de não voltar a incorrer na prática da conduta que agora se lhe censura.
Pede (após reformulação a convite do relator e no seguimento de promoção do M.º P.º na vista a que alude o art.º 175.º, n.º 1, do EMJ) que sejam julgados verificados os apontados vícios, anulando-se a decisão recorrida.

3. O Conselho Superior da Magistratura respondeu e, em resumo, disse o seguinte:
- quanto à preterição do dever de fundamentação, resulta do Acórdão recorrido a existência de violação do dever de correcção que impende sobre qualquer juiz quando o Excm.º recorrente publicitou um texto cujo conteúdo encerra passagens que, face ao inusitado do discurso, tem-se dificuldade, pois, em perceber a incompreensão do recorrente quando se interroga quanto às razões pelas quais tais expressões foram consideradas como integrando violação do dever de correcção;
- quanto aos critérios que conduziram ao agravamento da pena relativamente à proposta pelo Excm.º Instrutor, importa ter presente que quem decide é o Permanente e o Plenário do CSM e não o Excm.º Instrutor e não é, pois, sequer configurável como vício da deliberação a divergência com as conclusões do Excm.º Instrutor;
- relativamente ao erro nos pressupostos de direito por se fundar em fundamentos insubsistentes quanto ao juízo de ilicitude, o recorrente sustenta que não exerceu no Jornal Expresso um direito de resposta mas antes o envio de uma carta de leitor dirigida à secção de correspondência de um jornal, mas essa conduta nem sequer foi disciplinarmente valorada quando, talvez devesse ter sido, na medida em que propiciou acrescida divulgação do texto violador do dever de correcção;
- quanto à falta de atenção disciplinar relativamente à publicação do mesmo texto no jornal Expresso, é manifesto que tendo esse texto o mesmo conteúdo do afixado, não poderia o Exm° recorrente ser punido duas vezes pelo mesmo facto. De facto, não lhe é especialmente censurada a afixação em si mesma, mas antes o conteúdo violador do dever de correcção que impende sobre os juízes;
- não há violação do princípio da justiça porquanto uma coisa é actuar legitimamente em defesa dos interesses da classe dos juízes, outra coisa é, a pretexto da defesa desses interesses, extravasar esse âmbito e ultrapassar os limites impostos pelo dever de correcção que, em caso algum, devem ser transpostos;
- Quanto ao excesso e desproporção da pena aplicada, ponderaram-se no Acórdão recorrido todos os factores necessários para a sanção que foi aplicada, incluindo a ausência de reacção disciplinar à conduta do Sr. Advogado B, pelo que, face à gravidade do ocorrido, a sanção de repreensão registada, mostra-se equilibrada, adequada e justa.
Nestes termos, entende o Conselho Superior da Magistratura que o recurso interposto deve ser julgado improcedente.

4. Recorrente e recorrida alegaram, mantendo na essência as posições já assumidas anteriormente.
O Excm.º P.G.A. neste STJ pronunciou-se no sentido de só considerar verificado um dos vícios alegados pelo recorrente, com consequente anulação da deliberação recorrida, dizendo sobre esse ponto o seguinte:
“2. Erro nos Pressupostos de Direito (conclusões n.ºs. 2, 5, 6, 7 e 8, a fls. 182/3).
2.1. Sob a epígrafe Infracção Disciplinar, prevê o art. 82° do EMJ: «Constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções».
Dispõe o n.º 1 do art. 3° do ED - subsidiariamente aplicável (art. 131° do EMJ, cit): «Considera-se infracção disciplinar o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo funcionário ou agente com violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce».
2.2. De entre os apontados deveres gerais, releva para o caso o especificado na alínea f) do n.º 4 - o dever geral de correcção.
Dever que «consiste em tratar com respeito quer os utentes dos serviços públicos, quer os próprios colegas quer ainda os superiores hierárquicos» (n.º 10 do art. 3°, cit.).
É pela violação do dever geral de correcção - e unicamente pela violação desse específico dever profissional - que o ora recorrente vem sancionado.
2.3. Deve entender-se por deveres profissionais os que estão ligados ao exercício da função... por definição respeitam à prestação de serviço (1).
No caso, a conduta disciplinarmente censurada ao ora recorrente consistiu na redacção e afixação em vários locais do Palácio de Justiça de Guimarães de um texto de resposta a um artigo de opinião publicado em determinado semanário (supra, II).
A conduta em causa, tal como vem configurada, não manifesta factos praticados no desempenho de funções do ora recorrente, no exercício do seu concreto múnus profissional, enquanto juiz.
Verifica-se, pois, ressalvado o devido respeito por entendimento contrário, errónea subsunção do caso como de violação de dever profissional.
Procederá, em consequência, o invocado erro nos pressupostos de direito.”

5. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Estão provados os seguintes factos:

1. Na edição do dia 17-9-05, do jornal Semanário "Expresso", foi publicado um artigo de opinião denominado "Privilégios (1)", da autoria de B, advogado.
2. Esse artigo é do seguinte teor:
"Privilégios (1)
SEMPRE que se fala aos privilégios dos magistrados portugueses, logo aparecem algumas vozes (sindicalistas e não só) a negar essa realidade. Vejamos alguns exemplos.
I - Os magistrados do Supremo Tribunal Administrativo, do Supremo Tribunal de Justiças e do Tribunal Constitucional que residam fora da área da Grande Lisboa recebem ajudas de custo por cada dia de sessão nos respectivos tribunais.
Em regra, e de acordo com os respectivos estatutos funcionais, os magistrados têm direito a ajudas de custo sempre que se desloquem em serviço para fora do local onde prestem serviço. No entanto, os magistrados do STA, STJ e TC recebem as ajudas de custo, precisamente quando se deslocam para o seu local de trabalho.
A situação torna-se tanto mais incompreensível, quanto é certo que os referidos magistrados usufruem de um generoso subsídio de renda de casa e ainda de viagens totalmente gratuitas em todos os transportes públicos terrestres e fluviais, incluindo, obviamente, os comboios Alfa.
Em princípio, o subsídio de renda de casa seria para compensar os magistrados pelos custos da habitação que deveriam ter na área onde trabalham. Porém, o que neste caso acontece é que auferem o subsídio, continuam nas suas residências espalhadas pelas várias localidades do país, deslocam-se (gratuitamente) e ainda são abonados com ajudas de custo de montante igual às que são fixadas para os membros do Governo.
Trata-se de um privilégio inadmissível em relação à sociedade em geral. Um privilégio qualificado até pelo carácter discriminatório em relação aos magistrados dos tribunais das relações que não auferem essas ajudas de custo apesar de muitos deles estarem exactamente nas mesmas circunstâncias dos seus colegas do STA, STJ e TC.
II- Os magistrados portugueses recebem um subsídio de renda de casa no valor de 700 euros mensais. Mesmo os magistrados que residem em casa própria, na sua terra, auferem esse subsídio nos mesmos termos em que o recebem os que estão colocados a centenas de quilómetros. Acontece até que magistrados casados entre si, habitando casa própria (às vezes herdada), auferem cada um deles esse subsídio como se, igualmente, cada um deles tivesse de fazer face às despesas de habitação fora da sua terra.
Além disso, muitos magistrados de 1ª instância não chegam sequer a residir na área do tribunal em que são colocados, deslocando-se todos os dias, da sua residência habitual (por vezes distante mais de 100 km), perdendo várias horas em transportes com óbvios prejuízos funcionais (chegam mais tarde e saem mais cedo), mas continuando a auferir o subsídio de renda de casa.
A situação atinge mesmo o absurdo, porquanto até os magistrados aposentados incorporaram esse subsídio nas suas reformas nas mesmas condições dos que no activo têm efectivamente de fazer face às despesas com a habitação por motivos de colocação.
O que se passa é que uma compensação financeira para fazer face às despesas com a habitação foi transformada de facto num subsídio para aquisição (ou manutenção) de casa própria. É que hoje são muito poucos ou quase nenhuns os magistrados que vivem em casa arrendada (aliás, isso nota-se nas decisões proferidas em acções de despejo). Praticamente todos eles possuem casa própria, geralmente adquirida por empréstimo bancário.
Estes são apenas dois dos muitos privilégios dos juízes e procuradores portugueses. Mas o que têm esses privilégios em comum? Ambos são pagos através de verbas que saem do Cofre dos Tribunais, o qual é alimentado pelas receitas provenientes das custas judiciais. Os nossos magistrados acabam assim por ter interesse directo nas custas em que (muitas vezes sem quaisquer escrúpulos) eles próprios condenam os cidadãos nos tribunais. É que parte substancial dessas verbas acaba por ir parar aos seus próprios bolsos.
III - Será possível que alguém possa auferir uma remuneração mensal permanente, que essa remuneração entre no cálculo da reforma, mas que esteja isenta de IRS? É. Em Portugal tudo é possível desde que se trate de magistrados.
O subsídio de renda casa dos magistrados está isento de IRS. E o mais curioso é que se chegou a essa situação depois de vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, ou seja, de decisões dos próprios magistrados. Voltaremos a este assunto".

3. Comentando/respondendo (a) esse artigo de opinião, o Excm.º Juiz do 4° Juízo Cível de Guimarães, Dr. A, escreveu um artigo intitulado "Bolsos e Senhorios", do seguinte teor:
"Foi com agrado que constatei a preocupação que o Sr. Dr. Advogado Jornalista B, no seu artigo "Privilégios (1) ", manifestou para com verdade fiscal - vide, Expresso, 17.09.2005. Como o autor promete voltar ao assunto, espero, sinceramente, que o "Privilégios (2) "se debruce sobre a pornográfica situação de inverdade fiscal em que vivem os seus ilustres colegas (não os jornalistas, entenda-se...).
Contudo, tenho apenas apontar-lhe uma imprecisão: o dinheiro da taxa de justiça não vai todo para os "bolsos " dos senhores juízes. Uma parte substancial vai para o Conselho Geral da Ordem dos seus colegas, os Advogados e respectiva Caixa de Previdência; e para pagar os honorários àqueles seus colegas que sobrevivem à custa de se arrastarem pelos Tribunais exclusivamente para exercício da nobre missão de repetir, qual disco riscado, a frase “peço justiça".
Como se vê, parte do dinheiro que vai para o "bolso" dos senhores juízes acaba por "transitar" para o "bolso" do distinto articulista Advogado!
Mas, claro, os Srs. Advogados - mesmo os articulistas... - vivem perigosamente perto do limiar de pobreza, pelo menos a avaliar pelos rendimentos que declaram para efeitos fiscais!
Não têm, ao contrário dos senhores juízes, o sumo privilégio de trabalhar quarenta por cento do seu tempo exclusivamente para pagar impostos e, assim, garantir um lugarzinho no céu...
A Caixa de Previdência dos Srs. Advogados comunga da pobreza dos mesmos. De tal forma que até é proprietária de imóveis arrendados ao Ministério da Justiça para a instalação de Tribunais - por acaso, numa época em que o Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados e o Sr. Ministro da Justiça eram colegas do mesmo escritório de ...Advogados.
Assim, também há dinheiro do "bolso" de todos nós que vai para o "bolso" dos Srs. Advogados...enquanto nossos senhorios! Pasme-se!
A propósito: já tinha ouvido falar em ler a sina nas cartas, na palma das mãos ou em bolas de cristal, mas a arte circense de adivinhar a fortuna do juiz pela leitura de sentenças de despejo é nova para mim. O articulista, certamente, teria melhor palco para essas artes numa qualquer linha telefónica de valor acrescentado. Fica a sugestão).
Assim, também se compreende melhor o desencanto com que certo Sr. Deputado-ex-Advogado-e-também-ex-Ministro-da Justiça recebeu a notícia de que já não poderia acumular o seu vencimento com a pensão de reforma pela qual tanto "lutou ", a ponto de se propor a abandonar o serviço da causa pública" - que para esse Senhor, deve ser algo de semelhante à exploração de um lupanar ...
Também nós poderíamos voltar a estes assuntos e a outros.
Por exemplo, quanto do nosso "bolso" paga observatórios, comissões e "think tanks", transitando para os "bolsos " dos Srs. Advogados que são - sempre - convidados para integrar os mesmos pelos Srs. Ministros Advogados?
Por exemplo, o assunto "helicópteros "...
Porém, como não temos o mesmo "tempo de antena" que ao ilustre articulista é concedido, resta-nos esperar que a este não faleça a coragem ou a memória para os abordar".
4. Este escrito assim como o artigo supra referido em 2. foram afixados pelo Mm.º Juiz Dr. A, para conhecimento público, em vários locais do interior do Palácio da Justiça de Guimarães, designadamente em corredores e átrios, todos eles locais de acesso, passagem e permanência de público, com conhecimento e autorização da Ma Juiz Presidente dos Juízos Cíveis (que ali funcionam), Dr.ª C.

5. Esses textos foram afixados de modo a permitir, como permitiram, a respectiva leitura a quem pretendesse fazê-lo e com o objectivo de dar a conhecer o teor dos mesmos a todos quantos se deslocassem ao tribunal.

6. Após essa afixação, o Excm.º Sr. Secretário Judicial dos Juízos Cíveis de Guimarães, por ordem verbal da Excm.ª Juiz Presidente desse Tribunal, entregou, em 21-9-05, ao Excm.º Presidente da Delegação da Ordem dos Advogados, de Guimarães, o ofício n.º 200-J-C, a este dirigido, datado de 19-9-05 do seguinte teor:
"Por ordem da Mm.ª Juíza Presidente do Tribunal Judicial da comarca de Guimarães, incluso tenho a honra de remeter a V. Ex. fotocópias de um artigo de opinião publicado no Semanário Expresso da responsabilidade do Sr. Dr. B, advogado e ex-candidato a Bastonário da Ordem dos Advogados, bem como da resposta que o aludido artigo mereceu, da autoria de um Magistrado Judicial em exercício de funções junto deste Tribunal Judicial da comarca de Guimarães.
Com os melhores cumprimentos
O Secretário de Justiça"

7. Tendo tomado conhecimento do citado escrito da autoria do M° Juiz Dr. A e da afixação do mesmo em vários locais do interior do Palácio da Justiça de Guimarães, a Delegação da Ordem dos Advogados daquela comarca, após uma reunião extraordinária realizada em 21-9-05, emitiu, nessa mesma data, um comunicado, em que, além do mais, repudia e lamenta a comunicação em causa, quer pela sua linguagem boçal e deselegante, quer pelo seu conteúdo manifestamente ofensivo para os advogados e impróprio da dignidade que deve nortear o exercício da Magistratura e concede ao Magistrado, autor da comunicação, o prazo de 5 dias para, querendo, se retractar, dando explicações escritas de forma cabal, considerando-se como tal, apenas aquelas de que resultem retiradas todas as afirmações relativas aos advogados e com expresso pedido de desculpas, tudo conforme consta do documento de fls. 42 e 45 que no mais aqui se dá por reproduzido.

8. Tal comunicado foi enviado às entidades e órgãos nele referidos, para conhecimento dos mesmos.

9. Em resposta ao oficio n.º 2.855/05, da Delegação de Guimarães da Ordem dos Advogados, pelo qual lhe foi dado conhecimento do comunicado da mesma Delegação, o M° Juiz Dr. A enviou a esta entidade a carta, datada de 27-9-05, do seguinte teor:
"Exm. ° Senhor
Presidente da Delegação de Guimarães da Ordem dos Advogados
Com conhecimento: ao Conselho Superior de Magistratura
Em resposta ao ofício de V. Ex.ª n.º 2855/05, tem o signatário a dizer o seguinte:
O escrito a que V. Ex. ° se refere como contendo linguagem "boçal e deselegante" foi afixado a pedido do signatário, o qual não retira ao mesmo uma única vírgula.
Depreende de tais qualificativos que o estilo empregue não foi do agrado de V. Ex.ª. É uma pena. Contudo, permita-se ao signatário, ao menos, o uso de igualdade de armas perante os escritos do Senhor Dr. B.
Não esperava o signatário que os Senhores Advogados gostassem do que escreveu. E compreende que não gostem. O signatário também não gosta nada, mesmo nada, daquilo que vê escrito, semana sim semana não, nos artigos do Senhor Doutor B.
Permite-se, alias, o signatário a surpresa perante a pronta actuação de EX. °, destoante da total ausência - pelo menos, que o signatário conheça - de qualquer tomada de posição pública, por parte da instituição que V. Exa representa, face às afirmações e juízos graves e difamatórios que regularmente pontuam os artigos de opinião do Exm. ° Senhor Doutor B, publicadas no semanário de maior tiragem nacional.
Tal tomada de posição justifica-se, não só pela maior repercussão de tais artigos na "vida pública", mas também porque, com "boçalidade e deselegância" - para usar os qualificativos empregues por V. EXª - lançam suspeições e ofendem órgãos e corporações que exercem funções de autoridade pública. Mais. Desprestigiam o seu autor e a imagem da(s) classe(s) a que pertence.
Surpreende-se, igualmente, o signatário que a Delegação a que V. EX.ª preside lhe conceda um prazo de 5 dias para retractação, sendo certo que já foi comunicando o "artigo", a "resposta " e o "pedido de retractação " a quem o seu livre alvedrio determinou.
De todo modo e sem prejuízo de quanto acima vai dito, sempre o signatário se disponibiliza - nem poderia deixar de o fazer - para qualquer pedido pessoal de desculpas perante os Senhores Advogados que lhe demonstrem a injustiça das suas afirmações.
O que não aceita é que a instituição a que V. Ex.ª. preside tenha diligenciado pela comunicação ao "Procurador da República junto do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães ", sem esperar, pelo menos, pela eventual e solicitada retractação. Pelos vistos, o respeito pelo contraditório não é, afinal, tão sagrado.
Também não aceita nem compreende a comunicação à entidade supra referida.
Se a instituição a que V. EX.ª preside entende que os factos em causa possuem relevância criminal, deveria assumi-lo claramente, caso em que o signatário reagiria pelos meios tidos por convenientes quanto ao teor de tal denúncia.
No entanto, sempre se permite o signatário avançar que: os arts. 180° a 183°; do Código Penal, tutelam a honra individual, sendo certo que o signatário - e "colando-se", de resto, ao estilo habitual dos artigos de opinião do Dr. B - não imputou factos, formulou juízos ou proferiu expressões com relação a qualquer indivíduo em particular; por sua vez, o art. 187°, do Código Penal, tutela a credibilidade, prestígio e confiança de corporação ou organismo que exerça autoridade pública, o que não é o caso.
Não entende, por isso, o signatário a utilidade de tal “participação", mas desde já deixa claro que não se furtará a usar de todos os meios de defesa de que dispõe quanto ao que venha a resultar da mesma.
Já quanto à participação ao Conselho Superior da Magistratura, o signatário não aguardou pelo prazo de retractação "concedido": como a pusilanimidade não é traço de carácter que aprecie, permitiu-se comunicar o teor do seu "escrito" ao órgão que disciplina a sua actividade profissional, assumindo, sem hipocrisias, todas as posições que toma e as opiniões que profere em público.
Compreende, de resto, a reacção da Delegação a que V. Ex.ª preside, a qual esperava. Lamenta é que igual enquadramento disciplinar não seja formulado em relação às imputações repetidamente formuladas pelo Senhor Doutor B, as quais são remetidas, no ofício, para a categoria de "opiniões" de que a Delegação se "demarca". Será que o dever de respeito dos Senhores Advogados para com os Senhores Magistrados é menor que o destes para com aqueles?
E espanta-se o signatário. Porque, então e afinal, de todas as vezes em que assistiu, em sede de audiências de julgamento, a afirmações e alegações, por parte dos Senhores Advogados, acerca da pouca fiabilidade das declarações fiscais dos profissionais liberais ou empresários em nome individual, na verdade, estava a presenciar a prática de infracções disciplinares e, quiçá, criminais! Com a agravante de, muitas das vezes, serem proferidas na presença dos visados por tais imputações. Parece que, mais uma vez, o signatário pecou por omissão todos estes anos, sem o saber.
No que se refere ao Dr. B, efectivamente, não sabe o signatário se lhe foi dado conhecimento da "resposta". Contudo, o Signatário enviou a mesma para o semanário Expresso, pelo que espera que já tenha chegado ao conhecimento daquele. Aliás, segundo o signatário crê, o Distinto Causídico tem domicílio profissional no mesmo edifício onde se situa uma das "delegações" do semanário Expresso, pelo que tal conhecimento é mais que provável.
Mais esclarece que só não rebate o que o referido Autor escreve a propósito dos alegados "privilégios " da magistratura porque o absurdo não se explica nem contesta. Permita-se-nos que, a este propósito, usemos do mesmo expediente retórico que o ofício de V. Ex.ª. utiliza, a dado passo: dispensa-se de comentar.
Não quer, porém, deixar o Signatário de sublinhar algumas interrogações que o ofício da Delegação a que V. Ex.ª preside lhe suscita:
- Estará V. Ex.ª convencido de que todos os outros documentos afixados neste Tribunal são acompanhados de despacho escrito ordenando a sua afixação?
- Será, então, que foram, porventura, furtados os despachos que acompanhavam os "documentos " que publicitam os cursos de formação ministrados pela instituição a que V. Ex.ª preside?
- Desconhecerá V. EX.ª que, face aos valores constantes da tabela de honorários no âmbito do apoio judiciário, quem pede justiça aufere, por processo, bem mais do que quem faz justiça?
- Considerará V. Ex.ª justo que, nos termos do art. °131 °, do Código das Custas Judiciais, parte das receitas da taxa de justiça se destine a financiar os serviços de previdência dos Srs. Advogados e Solicitadores, num momento em que o Ministério da Justiça, como o álibi dos artigos de opinião do Senhor Doutor B, se apresta a extinguir os serviços sociais de que beneficiam os magistrados e funcionários judiciais?
- Aceita V. Ex.ª que os cidadãos continuem sem saber quanto o Estado Português gasta com serviços de consultadoria e outros prestados por conhecidos escritórios de Advogados, ao mesmo tempo que tanto se lamentam os gastos com a Justiça?
- Não achará V. Ex.ª que o número do B.O.A. dedicado a uma imaginária "galeria dos horrores" contém imputações bem mais graves ao Magistrados deste Tribunal do que as formuladas no texto do signatário?
- Entende V. EX.ª que os Senhores Juízes têm um estatuto de privilégio em comparação com os demais titulares de órgãos de soberania?
A eventual resposta afirmativa a tais interrogações, essa sim, afigura-se-nos insultuosa. Não para nós, nem para a magistratura em geral, mas para o mais elementar bom senso.
Congratula-se o Signatário por, desta vez, a Delegação a que V. Ex.ª preside ter comunicado ao magistrado visado o teor de uma participação disciplinar.
Só espera que, desta vez, e por uma razão de decoro, não tenha a referida Delegação feito uso das instalações dos tribunais desta comarca para deliberar tal participação.
Com os melhores cumprimentos,
Guimarães, 27 de Setembro de 2005
(A)".

10. Tendo tomado conhecimento da deliberação (tomada em reunião extraordinária de 21-9-05) da Delegação de Guimarães da Ordem dos Advogados, a Exma Juiz Presidente dos Juízos Cíveis de Guimarães, Dr.ª C, enviou ao Presidente daquela Delegação uma carta, do seguinte teor:
"A Presidência do Tribunal de Guimarães acusa o conhecimento do Vosso Comunicado, resultante da deliberação tomada em reunião extraordinária de 21 de Setembro de 2005, da Delegação a que V. Ex.ª. preside.
Não alcança, porém, a razão pela qual a Delegação a que V. Ex.ª preside, integrou a Presidência deste Tribunal de Guimarães no elenco das entidades e órgãos a que foi deliberado dar conhecimento do seu teor.
À parte as insinuações relativas a quaisquer "irregularidades" formais - que, por absurdas, se repudiam - a verdade é que, da leitura do comunicado parece resultar que a Delegação a que V. EX.ª preside, imputa à Presidência do Tribunal de Guimarães, que a signatária personifica, uma actuação grave, consubstanciada no facto de ter sido autorizada a afixação pública, em vários locais do interior do edifício do referido Tribunal, de um artigo de opinião subscrito pelo Exmo.° Sr. Dr. B e resposta ao mesmo, da autoria de um Magistrado Judicial que exerce funções no mesmo Tribunal a que a signatária preside (cfr. Ponto 9).
No aludido comunicado refere-se ainda que os actos praticados pelo Magistrado autor da comunicação e, bem assim, o acto da Presidência do Tribunal, repercutem-se na vida pública e são incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções (cfr. ponto 11 °).
Fica a signatária sem saber se a Delegação a que V. Ex.ª preside a visou pessoalmente em quaisquer das participações aparentemente efectuadas.
Em primeiro lugar, mal compreende a razão de ser do conhecimento dado ao Ministério Público do teor daquilo que, conforme se afirma no comunicado, estava afixado em diversos locais do Tribunal junto do qual tais serviços desempenham funções, o que, desde logo, faz presumir o conhecimento por banda de tal entidade.
Desde já se adiante que a presidência do Tribunal, deu conhecimento do teor do artigo de opinião e resposta ao mesmo a todos os Magistrados Judiciais e, através de uma Exma. Sra. Procuradora Adjunta, a todos os Magistrados do MP., junto do Tribunal a que preside.
Assim, e face à natureza semi-pública dos putativos ilícitos criminais que, embora de uma forma não plenamente assumida, parecem ser imputados ao autor daquela resposta, só se compreende que a Delegação a que V. Ex.ª preside tenha dado conhecimento ao M.P. caso tenha intenção de apresentar queixa-crime, por entender que aquela contém matéria com relevância criminal.
Se assim é, não teria ficado pior que a Delegação a que V. EX.ª preside tivesse assumido, com coragem, a autoria de uma tal participação e tivesse sido concludente quanto à identidade dos denunciantes e dos denunciados. Por forma a permitir aos visados extrair dela todas as consequências, designadamente em matéria de denúncia caluniosa.
Caso a signatária seja visada numa tal participação, ainda espera que lhe seja feita, embora a destempo, a comunicação a que alude o art. 91 ° do E.O.A.
Em segundo lugar, quanto à comunicação feita ao CSM, apesar de se fazer uma referência especial quanto à utilização do espaço público do Tribunal para a afixação do artigo de opinião e resposta ao mesmo, mais uma vez não se percebe se a signatária também é visada nessa participação, pois que, se quanto ao autor da comunicação se faz expressa referência à sua eventual responsabilidade disciplinar, quanto à signatária a Delegação a que V. EX.ª preside, opta por "sair pela tangente": enuncia as premissas, mas evita a conclusão.
Neste particular, diga-se que a signatária, como é, aliás, seu timbre, informou também aquele órgão de tutela que havia autorizado a afixação de tais elementos informativos, remetendo cópia do respectivo conteúdo.
De todo o modo, e se, por absurdo, a signatária for visada numa tal participação, ainda espera que lhe seja feita, embora a destempo, a comunicação a que alude o art. 91 ° do E.O.A.
Em terceiro lugar, pior percebe a signatária a comunicação efectuada ao Conselho Geral, Conselho Distrital do Porto e à Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados e Solicitadores.
É que aquilo que se diz na resposta ao artigo de opinião a respeito de tais entidades, para além da menção de factos do domínio público, mais não é do que a reprodução do teor do art. 131 ° do CCJ, que se presume que aquelas conhecem. Quem não conhecerá - e justifica-se que passe a conhecer - é o utente que paga as taxas de justiça;
Entendeu a Presidência deste tribunal - e continuará a entender - que o Tribunal a que preside constitui local adequado para a afixação de tudo o que tiver .conteúdo informativo para aqueles em nome de quem administra a Justiça - o Povo - como bem se reconhece no comunicado (cfr. art. 21 °).
Segundo crê a signatária, ao Povo interessa saber que, das multas processuais, taxa de justiça criminal, taxa de justiça cível e outras que pagam, revertem 80% para aquelas entidades, sendo 21 % para o Conselho Geral da Ordem dos advogados, 3% para o Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e 56% para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.
Quanto ao restante conteúdo da resposta ao artigo de opinião, quer a signatária consignar que autorizou a sua afixação por concordar, à saciedade, com o seu conteúdo, pois que não vislumbra nela qualquer afirmação que, em boa fé, não possa reputar-se verdadeira.
No que tange à forma, crê a signatária que a sua linguagem, pretensamente "boçal e deselegante ", se mostra perfeitamente justificada à luz do princípio da liberdade de expressão que assiste a todos os cidadãos, incluindo magistrados - pelo menos, na parte não incompatível com o dever de reserva que sobre eles impende - bem como do principio da igualdade de armas.
Como diz o povo, "Quem diz o que quer, ouve o que não quer".
E o Senhor Dr. B vem dizendo o que quer, aviltando e dirigindo suspeições sobre magistrados, perante a inércia da Ordem dos Advogados e, presumidamente, a íntima concordância dos colegas que nele votaram nas mais recentes eleições para os órgãos daquela instituição.
Mal andariam as coisas se os Magistrados a quem não é concedido o "tempo de antena" que é concedido ao Ilustre articulista/ advogado, Dr. B, não pudessem exprimir e publicitar no Tribunal onde exercem funções a sua posição, em resposta às aleivosias que aquele profere.
Como, decerto, saberá V. Ex.ª, a imprensa nasceu com a passagem da notícia de mão em mão, por vezes sobre a forma de panfletos. Nessa época, vivia-se o auge do Absolutismo.
Hoje, com a concentração dos média num pequeno grupo de interesses económicos, a informação perde em pluralismo e, desse modo, artigos como o do Senhor Dr. B ficam sem resposta publicada ou, pelo menos, igualmente publicitada.
A exemplo do que acima se diz, leia V. Ex.ª a resposta que o Exm° Senhor Vice-Presidente do CSM dirigiu a um artigo de opinião do jornalista F. M., e que, de igual modo, se acha afixada nas paredes deste Tribunal. Porque, como tantas e tantas vezes tem sucedido, o órgão de imprensa em causa não publicou ou não publicou tudo o que se diz.
Quando assim é - e sempre tem sido -, a Presidência deste Tribunal reserva-se no direito de, com o consentimento ou a pedido dos autores, publicitar aquilo que a imprensa não quer que se leia. De fazer passar a notícia, como única forma de dar voz àqueles que ainda actuam em legítima defesa do prestígio da Justiça e das instituições democráticas.
Por fim, aproveita-se o ensejo para esclarecer a Delegação a que V. Ex.ª preside de que se engana, quando se convence de que nenhum outro Magistrado da Comarca se revê no conteúdo e na forma daquela comunicação.
Em primeiro lugar, a signatária deu, como não poderia deixar de dar, conhecimento a todos os seus Exm.os Colegas do teor do referido artigo e resposta ao mesmo, comunicando-lhes que iria afixar tais elementos informativos. De nenhum recebeu qualquer oposição ou manifestação de desagrado.
Em segundo lugar, fica a Delegação a que V. Ex.ª preside lembrada de que, em sentença proferida por um outro Magistrado Judicial desta Comarca, se formulou o mesmíssimo juízo sobre a idoneidade probatória das declarações de rendimentos dos profissionais liberais que, agora, se entende ser sancionável, pelo menos disciplinarmente.
Estava em causa a eventual decretação de falência de um Exm°. Causídico - como V. EX.ª poderá constatar da leitura da cópia daquela peça processual, que se envia, a título informativo.
Mais. Tal juízo surgiu reforçado no Douto aresto do Tribunal da Relação do Porto que apreciou tal decisão, onde se diz, textualmente, que os profissionais liberais são "tradicionais evasores fiscais" (sic) -também se envia cópia do mesmo, para idênticos fins.
Tudo o que nesses autos se escreveu constou, consta e constará de um processo judicial público e fundamentou-se com base em “juízos de experiência comum", sem que tenha a signatária notícia de que alguma vez a Delegação a que V. EX.ª preside tenha pedido a responsabilização, pelo menos disciplinar, dos subscritores de tais peças processuais.
Conclui, por isso, que a Delegação a que V. Ex.ª preside, se engana, em muito, nas suas convicções.
E mais estranha, por isso, a atitude que a mesma agora assume.
Com os melhores cumprimentos,
Guimarães, 27-09-2005
A Presidência do Tribunal de Guimarães
(C)"

11. O Exm° Juiz, Dr. A, tinha perfeito conhecimento de que aquela afixação não integrava o exercício do direito de resposta legalmente consagrada na Lei de Imprensa e que a afixação daquele escrito não era o meio adequado, indispensável para o publicitar.

12. Direito de resposta que Exm° Juiz Dr. A exerceu pela forma legal, junto do semanário "Expresso" e na sequência do qual foi publicada parte do texto/resposta, daquele Magistrado, na edição do dia 1-10-05, daquele jornal.

13. Por isso, ao afixar o citado texto/resposta nas paredes do Tribunal Judicial de Guimarães, sem aguardar sequer que o jornal "Expresso" o publicasse, o arguido Dr. A visou não só responder àquele artigo de opinião mas principalmente tecer comentários e críticas sobre o comportamento dos advogados em geral, em matéria fiscal e de defesas oficiosas.

14. Lançando no seu escrito a suspeição generalizada de que as declarações fiscais dos advogados não correspondem à verdade e, por outro lado, que a actividade dos advogados quando exercem as defesas oficiosas se limita apenas à repetição da frase "peço justiça".
15. Afirmações que o arguido Dr. A fez de forma consciente bem sabendo serem as mesmas ofensivas do trato e consideração devidos aos senhores advogados e violadoras do dever de respeito que aos mesmos é devido.

16. A Exma Juíza Dr.ª C, para além de exercer funções como Juiz de Direito no 2° Juízo Cível de Guimarães, exerceu também o cargo de Presidente daquele Tribunal (Juízos Cíveis, em número de cinco), desde princípios de Janeiro de 2004 até final de Dezembro de 2005, com a competência administrativa constante do art. 75° da LOFTJ.

17. E foi nessa qualidade de Juiz Presidente do Tribunal que concordou com o pedido feito pelo Exm° Juiz A e, por isso, autorizou e permitiu a afixação do supra citado texto, nos vários locais do interior do Palácio da Justiça supra referidos.

18. Tendo perfeito conhecimento de que aquela afixação não integrava o exercício do direito de resposta legalmente consagrada na Lei de Imprensa e que a afixação daquele escrito não era o meio adequado, indispensável para o publicitar.

19. A Exma Juíza arguida bem sabia que o texto em questão, da autoria do Dr. A, contém expressões objectivamente violadoras do dever de respeito e do tratamento devido aos senhores advogados e que ao lançar suspeições sobre a actividade fiscal dos advogados - insinuando que esta não é verdadeira, nem transparente - e ao reduzir o exercício das defesas oficiosas ao simples acto de pedir justiça desacredita os advogados perante o público.

20. E mesmo assim autorizou a que o mesmo fosse afixado no tribunal, em vários locais de .acesso ao público, por forma a dar a conhecer o seu teor a todos quantos se deslocassem ao tribunal, tendo a posteriori, por escrito, declarado concordar com o conteúdo do referido escrito na carta supra referida em 9° que dirigiu ao Presidente da delegação da Ordem dos Advogados

21. O Exm° Juiz, Dr. A tem cerca de 8 anos e 2 meses de serviço, contado o tempo de estágio, e do seu certificado de registo individual nada consta em seu desabono. Tem a classificação de serviço de "Bom com Distinção".

22. A Exma Juíza, Dr.ª C tem cerca de 8 anos e 2 meses de serviço - incluindo o tempo de estágio - e do seu certificado de registo individual nada consta em seu desabono. Tem a classificação de serviço de "Bom com Distinção".

DO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

O recorrente começa por invocar a anulabilidade da deliberação recorrida por falta de fundamentação. Tal falta de fundamentação existiria quanto à conclusão de que as afirmações do recorrente no escrito, cuja veracidade nem sequer é apreciada, não cabem no âmbito da liberdade de expressão do Juiz, nem tão pouco porque é que integram violação do dever de correcção, havendo ainda falta de fundamentação por não se esclarecer o que é que o juiz pode afixar nas paredes do tribunal.
O art.º 124.º do CPA impõe o dever de fundamentação dos actos administrativos, nomeadamente dos que decidam reclamação ou recurso (n.º 1-b).

A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto (art.º 125.º, n.º 1). Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto (n.º 2).

Para efeitos deste n.º 2, a fundamentação é insuficiente quando não permite apreender o itinerário valorativo da decisão. Dito de outro modo, “quando não permite o controlo substancial dos respectivos pressupostos, em vista a determinar que circunstâncias e factores foram, ou não, considerados e em que medida, por forma a conhecer-se da eventual existência de algum vício de fundo” (Acórdão do STJ de 23.07.2006, recurso contencioso nº 2054/2006).

Contudo, percorrida a fundamentação da deliberação recorrida não se vislumbra onde a mesma possa ser acusada de não permitir a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, para decidir como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação (cfr. Ac. do STA de 23/05/2006, proc. 957/02).

A deliberação recorrida, no que respeita ao ora recorrente, teve a seguinte fundamentação, na parte que aqui importa:
«O art. 82° do EMJ dispõe que "constituem infracção disciplinar os factos; ainda que meramente culposos, praticados pelos Magistrados Judiciais, com violação dos deveres profissionais, e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções".
Mas, para além destes deveres e regras de conduta, os Magistrados Judiciais estão ainda sujeitos aos deveres gerais que impendem sobre os funcionários e agentes da administração central, regional e local (cfr. arts. 32° e 131° do mesmo Estatuto), entre os quais o dever de correcção, tal como resulta do art. 3°, nº 4, al. f), do Dec.-Lei n.º 24/84 de 16-1.
No caso em apreço, a questão identifica-se com facilidade: incomodado com o conteúdo de um artigo de opinião subscrito por um Advogado actuando como Jornalista, cujo teor se encontra descrito supra, o Sr. Juiz actuou de duas maneiras: escreveu o texto que entendeu justificar-se para transmitir a sua inacção aos juízos de valor incluídos naquele artigo e, por um lado, enviou-o para publicação ao próprio jornal Expresso; por outro, tratou de o publicar no próprio Tribunal de Guimarães, afixando-o em conjunto com o texto a que respondia, do referido Dr. B.
A questão coloca-se em relação ao segundo vector do comportamento, já que o primeiro, no âmbito do exercício de um direito de resposta que foi correspondido mitigadamente em número ulterior do Expresso, não suscitou qualquer atenção disciplinar.
O tratamento da mesma questão não dispensa, no entanto, a ponderação do conteúdo do texto a que o Sr. Juiz A respondeu, nem a ausência de consequências conhecidas para o autor desse texto, ao nível disciplinar. Nesse mesmo texto, recorde-se, consta uma crítica ao sistema de ajudas de custo dos Juízes dos Tribunais Superiores e do Tribunal Constitucional e ao regime de atribuição do subsídio de compensação auferido pelos Juízes. Mas, para além disso, o respectivo autor afirma uma sua percepção de que a circunstância de os juízes habitarem em casas próprias e não arrendadas se "nota" nas decisões que proferem sobre acções de despejo e que os Juízes "acabam por ter (assim) interesse nas custas em que (muitas vezes sem quaisquer escrúpulos) eles próprios condenam os cidadãos nos tribunais. É que parte substancial dessas verbas acaba por ir parar aos seus próprios bolsos. "
Qualquer declaratário conclui, destes excertos, que os Juízes não julgam devidamente as acções de despejo, por estarem desinteressados dos valores sócio-económicos em causa nessas acções; e que as suas decisões processuais de cariz tributário são influenciadas pela vontade de aquisição de vantagens para a sua própria classe.
Como se referiu supra, a questão sub judice coloca-se em sede do dever de correcção que, nos termos do nº 10 daquele art. 3° já citado, se traduz na obrigação de tratar com respeito as pessoas (utentes, colegas, superiores hierárquicos) que interagem com o agente da administração, no caso, com o Juiz.
Este dever afirma-se quer na relação funcional directa entre um Juiz e as pessoas a quem se dirige, ao nível do trato, das apreciações e valorações sobre os actos destas, da consideração que revela nas suas actuações para com as mesmas, quer na relação institucional que pode estabelecer com entidades ou ordens ou classes de pessoas.
No presente caso, tal como entendeu o Conselho Permanente, não nos oferece dúvida a qualificação da conduta do Sr. Juiz ao escrever e fazer publicar, afixando pelas paredes do seu tribunal, que os Srs. Advogados vivem em «pornográfica situação de inverdade fiscal», bem como que a mesma classe inclui membros que «sobrevivem à custa de se arrastarem pelos Tribunais exclusivamente para exercício da nobre missão de repetir, qual disco riscado, a frase “peço justiça"». A imputação de tais condutas, de incumprimento ilícito de obrigações fiscais por falseamento da situação tributária e de actuação profissional incompetente, a uma generalidade ou a um grupo indeterminado de membros de uma ordem profissional é lesivo da consideração de todo e qualquer dos respectivos membros. Atribui-lhes elementos axiologicamente desfavoráveis, identificando-os com características pelas quais ninguém gostará de ser reconhecido.
Mas a isso acresce a forma como foi objectivada essa imputação: por publicação de um escrito, através de afixação de vários exemplares - acompanhados de outros do artigo "respondido" - nas paredes de um Tribunal, que se destina a muitas coisas mas não à publicitação da troca de perspectivas sobre direitos e obrigações das classes que neles exercem as suas funções e profissões.
O Sr. Juiz, agindo como agiu, só poderia saber disso mesmo: que eram de desvalor os juízos que emitiu, que ofenderiam a consideração dos profissionais do foro pertencentes à classe que referia, o que ocorreria também porque esses juízos haveriam de ser conhecidos pelos utentes e/ou frequentadores do Tribunal de Guimarães.
Por tudo isto, a actuação do Sr. Juiz Dr. A redundou em violação do dever de correcção.
A isto não pode obstar-se com a invocação da liberdade de expressão. Certo é que, tal como acontece com o escrito a cuja resposta o texto sob análise se destinou, nenhuns entraves se devem colocar ao exercício da liberdade de expressão, que não os que resultem da necessidade de respeitar os direitos de outrem.
Certo é, também, que a questão da liberdade de expressão se coloca perante as formas do seu exercício que contendem com as realidades ou interesses atingidos por esse exercício.
No entanto, o exercício da liberdade de expressão não pode servir para legitimar condutas que consubstanciam a violação de um dever funcional como o dever de correcção. Atento o contexto funcional em que o Sr. Juiz Dr. A actuou, fazendo publicar um texto com o conteúdo já assinalado, nas paredes de um tribunal onde interage com membros de uma classe profissional atingida globalmente pelos seus comentários gerais e não concretizados, o Sr. Juiz ultrapassa os limites da sua liberdade de expressão.
De resto, o mesmo juízo se deve emitir a propósito do escrito do Dr. B. A sua pertinência, razoabilidade ou relevância disciplinar ou criminal não devem ser objecto de tratamento nesta sede, para esses precisos efeitos. Mas também não devem ser olvidadas para contextualização de toda a questão. Com efeito, para além da perspectiva pessoal sobre institutos como o do subsídio de compensação ou o das ajudas de custo, onde o autor, com toda a sua liberdade, opina como lhe apetece, o mesmo texto vai mais longe e deixa no ar genéricas e não fundamentadas sobre a forma como os juízes decidem acções de despejo e desenvolvem a componente tributária da actividade processual que lhes compete, em termos igualmente lesivos da consideração profissional que os Juízes exigem.
Em conclusão, o Conselho Superior da Magistratura não pode deixar de julgar negativamente uma conduta como a que o Sr. Juiz adoptou, com evidente conhecimento dos seus efeitos que teria sobre a classe dos Advogados, levando a que os leitores do respectivo texto assimilassem uma ideia negativa sobre a classe, em face do seu generalizado incumprimento fiscal e da anunciada existência, no seu seio, de muitos Advogados não merecedores dos honorários pagos pelo Estado, dada a incompetência das suas actuações oficiosas. E isso resulta. da conclusão de que essa mesma conduta, com os elementos objectivos e subjectivos assinalados, consubstancia uma violação do dever de correcção legalmente previsto.
Os valores de respeito e trato cuidado que se pretende que estejam presentes no relacionamento entre Juízes e outros Juízes, Funcionários, Advogados e outros intervenientes na realidade judiciária, tutelados pelo referido dever de correcção, surgem atingidos por uma conduta como a do Sr. Juiz Dr. A, não podendo deixar de se censurar esta, de se recusar a sua normalidade, de prevenir, com a sua penalização, a ocorrência de outras idênticas condutas.
Por todo o exposto, afirma-se que, actuando como actuou, o Sr. Juiz Dr. A violou o dever de correcção previsto no art. 3°. nº 4, al. f), do Dec.-Lei nº 24/84 de 16/01.»

Ora, o CSM não tinha de averiguar se as imputações feitas no escrito eram ou não verdadeiras, pois o ónus de o fazer competia ao recorrente, como é regra geral no direito (art.º 342.º, n.º 1, do CC) e como vem esclarecido a este propósito no art.º 180.º, n.º 2, al. b), do C. Penal.
Por outro lado, está bem explicado na deliberação em causa porque é que a actuação do recorrente não cabe no direito constitucional de liberdade de expressão, pois que «o exercício da liberdade de expressão não pode servir para legitimar condutas que consubstanciam a violação de um dever funcional como o dever de correcção. Atento o contexto funcional em que o Sr. Juiz Dr. A actuou, fazendo publicar um texto com o conteúdo já assinalado, nas paredes de um tribunal onde interage com membros de uma classe profissional atingida globalmente pelos seus comentários gerais e não concretizados, o Sr. Juiz ultrapassa os limites da sua liberdade de expressão.»
E também é claro o raciocínio que levou a que o CSM considerasse violado o dever de correcção e a esclarecer o que é que o juiz não pode afixar nas paredes do tribunal: «não nos oferece dúvida a qualificação da conduta do Sr. Juiz ao escrever e fazer publicar, afixando pelas paredes do seu tribunal, que os Srs. Advogados vivem em «pornográfica situação de inverdade fiscal», bem como que a mesma classe inclui membros que «sobrevivem à custa de se arrastarem pelos Tribunais exclusivamente para exercício da nobre missão de repetir, qual disco riscado, a frase “peço justiça"» A imputação de tais condutas, de incumprimento ilícito de obrigações fiscais por falseamento da situação tributária e de actuação profissional incompetente, a uma generalidade ou a um grupo indeterminado de membros de uma ordem profissional é lesivo da consideração de todo e qualquer dos respectivos membros. Atribui-lhes elementos axiologicamente desfavoráveis, identificando-os com características pelas quais ninguém gostará de ser reconhecido. Mas a isso acresce a forma como foi objectivada essa imputação: por publicação de um escrito, através de afixação de vários exemplares - acompanhados de outros do artigo "respondido" - nas paredes de um Tribunal, que se destina a muitas coisas mas não à publicitação da troca de perspectivas sobre direitos e obrigações das classes que neles exercem as suas funções e profissões. O Sr. Juiz, agindo como agiu, só poderia saber disso mesmo: que eram de desvalor os juízos que emitiu, que ofenderiam a consideração dos profissionais do foro pertencentes à classe que referia, o que ocorreria também porque esses juízos haveriam de ser conhecidos pelos utentes e/ou frequentadores do Tribunal de Guimarães. Por tudo isto, a actuação do Sr. Juiz Dr. A redundou em violação do dever de correcção.»

Em suma, a fundamentação da deliberação recorrida existe, não é meramente aparente e revela perfeitamente o processo de raciocínio lógico que conduziu à decisão, pelo que não se verifica nulidade por falta ou insuficiência de fundamentação.

ERRO QUANTO AOS PRESSUPOSTOS DE DIREITO?

O recorrente começa por indicar que “o escrito de opinião da autoria do recorrente não integra o direito de resposta como erroneamente se sustenta na decisão recorrida, antes se configura como uma carta de um leitor dirigida à secção de correspondência de um jornal”.
Na verdade, o escrito não integrou o direito de resposta, pois este só é reconhecido à pessoa directamente atingida pela ofensa (art.º 24.º, n.º 1, da Lei da Imprensa), o que não era o caso, pois o artigo do Sr. Advogado Dr. B que esteve na sua génese atingia os Juízes em geral e, em particular, os dos Tribunais Superiores e os Jubilados.
Tal escrito, como bem se revela dos factos apurados, foi uma carta de leitor, dirigida ao jornal em causa e não o exercício do direito de resposta consagrado na lei.
Mas, para efeito disciplinar, a relevância jurídica de não ser tal escrito o exercício do direito de resposta não está na conclusão de que, por tal motivo, o acto de publicitação do mesmo nas paredes do Tribunal era ilícito, mas antes de que não era lícito, para prevenir a hipótese do recorrente alegar que agiu no exercício de um direito e, portanto, com uma causa de exclusão de ilicitude.

*

Questão mais relevante é a suscitada pelo Excm.º PGA no STJ e, de certo modo, pelo recorrente, que é a de saber se a conduta em causa, tal como vem configurada, não manifesta factos praticados no desempenho de funções do recorrente, no exercício do seu concreto múnus profissional, enquanto juiz e, por isso, não tem cabimento no dever de correcção por cuja violação foi sancionado.
O art.º 82.° do EMJ prevê: «Constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções».
Por sua vez, dispõe o n.º 1 do art. 3° do ED - subsidiariamente aplicável por força do art.º 131.° do EMJ, que: «Considera-se infracção disciplinar o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo funcionário ou agente com violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce».
De entre os apontados deveres gerais, releva para o caso o especificado na alínea f) do n.º 4 - o dever geral de correcção, que «consiste em tratar com respeito quer os utentes dos serviços públicos, quer os próprios colegas quer ainda os superiores hierárquicos» (n.º 10 do citado art. 3°).
Como bem nota o Excm.º PGA, é pela violação do dever geral de correcção - e unicamente pela violação desse específico dever profissional - que o ora recorrente vem sancionado, devendo entender-se por deveres profissionais os que estão ligados ao exercício da função, os que por definição respeitam à prestação de serviço.
Contudo, trata-se de uma visão demasiado estreita considerar que o juiz só está em exercício de funções quando pratica actos processuais, pois quando está no seu local de trabalho – o Tribunal – pratica muitos outros actos que, a não se terem por pertencer ao seu foro estritamente pessoal (v.g., conversar ao telefone com a família), estão ligados ao exercício da profissão e com ela de tal modo correlacionados que só se verificam em função e por causa dela. Ou será que o juiz que no Tribunal é cumprimentado por um advogado ou por um funcionário não está sujeito ao dever funcional de correcção? Claro que está, pois no Tribunal está a pessoa, mas também está o juiz em exercício de funções. As “funções” do juiz, portanto, também abrangem uma componente fora do exercício do acto processual, que passa por outros vectores, como o relacionamento funcional, isto é, em razão da função, com funcionários judiciais, com advogados, com outros utentes do Tribunal.
Ora, o recorrente não violou o dever de correcção por ter escrito uma carta ofensiva para os advogados destinada à publicação num semanário, mas porque no edifício onde exerce funções e onde, portanto, é o juiz e não uma pessoa no âmbito da sua vida privada, deu publicidade à mesma carta, assim ofendendo, no exercício da sua função de relacionamento com os utentes do serviço público, alguns deles.
Note-se que a forma escolhida de dar publicidade ao escrito não é inócua face ao exercício de funções, pois o Tribunal foi escolhido como local de publicitação exactamente por serem aí Juízes o recorrente e a sua Colega e, portanto, na presunção de que assim lhe iria conferir o relevo e a autoridade moral próprias do exercício de funções.
De resto o próprio recorrente admite que “o dever contido no art.º 3.º, n.º 4, al. f), do EDFAACRL [que] é um dever de respeito para com os utentes dos serviços públicos, colegas ou superiores hierárquicos”, embora considere que esta norma “não tutela o respeito ou crédito devido a classes profissionais”. Mas não é assim no caso em que “as classes profissionais” ofendidas tenham alguns profissionais que, por causa do exercício da profissão, também são utentes do serviço público onde presta funções o juiz, pois a ofensa à classe confunde-se com a ofensa ao conjunto das pessoas que localmente a representam.
Daí que não proceda o erro nos pressupostos de direito, tal como configurado pelo Excm.º PGA no STJ.

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Também alega o recorrente que o juízo de ilicitude da sua conduta, consubstanciada na afixação do escrito de opinião nas paredes do tribunal, não pode resultar apenas da especial forma de publicidade que lhe foi emprestada, porquanto tal afixação não importa um desvalor de resultado acrescido, tanto mais que não contende com o número de pessoas que a ele tiveram acesso, mas apenas com o universo geográfico de pessoas que ao mesmo acederam.
A esta questão respondemos anteriormente, ao explicarmos a natureza da acção típica de ordem disciplinar e, portanto, dispensamo-nos de repetir o que já foi dito.

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Não tem apoio na lei constitucional a alegação do recorrente de que, havendo um eventual conflito entre o direito ao bom-nome e reputação dos advogados e o direito à liberdade de expressão, prevalece este último, por ter dignidade constitucional.
Na realidade, embora todos tenham o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações e do exercício destes direitos não poder ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura (art.º 37.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), as infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal (n.º 3), o que quer dizer que a própria Lei constitucional prevê limites ao direito de expressão.
O direito à livre expressão não é, naturalmente, um direito absoluto, pois o nº 3 citado logo estabelece limites ao seu exercício, decorrentes naturalmente da salvaguarda de outro direitos e liberdades com dignidade constitucional, cuja violação possa constituir ilícito criminal ou de mera ordenação social. Aliás, logo o n.º 2 do art.º 18.º prevê a possibilidade de restringir os direitos, liberdades e garantias para salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos.
E, na verdade, o art.º 3.º da lei de Imprensa (Lei n.º 2/99, de 13 de Fevereiro) impõe como únicos limites à liberdade de imprensa os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.
A compaginação entre o direito de expressão e o direito ao bom-nome tem sido bastas vezes tratada na nossa jurisprudência.
Lê-se, por exemplo, no Ac. do STJ de 27-05-1997, proc. 918/96, que aqui citamos por nos parecer bastante impressivo: «Na falta de clareza legislativa acerca desse confronto e tal como já aludido, a Jurisprudência e a Doutrina têm procurado encontrar soluções mas, porventura, com naturais hesitações e, às vezes, muito casuisticamente. Aliás e não obstante a existência de doutos trabalhos, reconhece-se que é próprio da Jurisprudência a procura de soluções para casos concretos e não, propriamente, o encontro de uma teorética geral; e que a Doutrina, dificilmente poderá sair de linhas gerais, perante direitos que a Lei Fundamental assume, em princípio, com dignidade idêntica (v.g. Lopes Rocha, BFDC, LXV, 305 e segs; Valentim Peixe e Silva Fernandes, "A lei de imprensa comentada e anotada, 215 e segs; Figueiredo Dias, RLJ 115, 100, 133, 170; Gomes Canotilho, Conflitos e Protecção dos Direitos Fundamentais, RLJ 125, 35, 231, 264 e 293; Acórdãos do STJ de 05.03.96 (CJ-STJ)IX-1,122), de 29.10.96 (CJ-STJ-3, 80; de 27.06.95 (CJ-STJ-III-2, 138 e BMJ 448,378; de 26.04.94(CJ-STJ-II-2, 54; de 17.03.93 (BMJ 425, 491); de 18.02.88 (BMJ 374, 218); 07.10.87 (BMJ 370, 292). De todo o modo, existem suficientes elementos ponderáveis. Na base dos pressupostos que ficam reflectidos, tendo em conta os sentidos legalmente orientadores (designadamente, art.º 335 do C Civil), atendendo aos essenciais valores personalistas de uma sociedade como a nossa (que bem se poderiam traduzir pela indispensabilidade do respeito do Homem pelo Homem e, "the last but non the least", considerando a própria lógica do art.º 37 da Constituição (de que o art. 38.º é um corolário), podemos concluir que a liberdade de expressão e informação é fundamental no Estado de Direito democrático, sendo vedado qualquer tipo de censura mas, em princípio, deve respeitar e, portanto, tem por limite o direito à honra e ao bom nome dos cidadãos. Naturalmente, trata-se de um princípio. Se estiver em causa algo determinante para o correcto funcionamento do Estado, ou seja, se se tratar de algo que se prove ser verdadeiro e se reflicta, negativamente, na actuação concreta funcional de entidades públicas, já pode ser justificada a expressão de circunstâncias pessoalmente contundentes. Não quer isto dizer que, sendo necessária a veracidade do facto, ela seja suficiente. Mesmo o facto verdadeiro, se ofensivo e de revelação injustificada, pode ser punível; outrossim, não é indispensável, para a punibilidade, uma intencionalidade ofensiva, bastando o carácter genérico do dolo ou da culpa (basicamente no mesmo sentido, Figueiredo Dias, RLJ 115, 133 e 135). Naturalmente, esta problemática tem sido mais estudada no campo penal, mas esses estudos são ponderáveis na vertente cível, ainda que "mutatis mutandis. E, isto volta a fazer-nos pensar num normativo importante, como outros, revitalizado pela Constituição de 1976, o art.º 484.º do C Civil: "Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.”
Em suma, o direito ao bom-nome de uma pessoa colectiva ou de um grupo profissional, como o dos Advogados, está protegido legalmente e a violação desse direito gera responsabilidade criminal, civil ou disciplinar, consoante os casos, não sendo tolerável que tenha de ceder perante o direito à liberdade de expressão, isto é, que em nome do direito à liberdade de expressão fosse possível a ofensa, a não ser por circunstâncias excepcionais de relevante interesse público (por exemplo, a denúncia de um crime).

VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI, POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE, DA IMPARCIALIDADE, DA BOA FÉ E DA JUSTIÇA?

O recorrente invoca que houve violação do princípio da igualdade, quando trata igualmente o que é desigual, aplicando a mesma pena disciplinar ao recorrente e à sua colega.
Na determinação da medida da pena (disciplinar) atende-se à gravidade do facto, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele.

Ora, os factos com relevância disciplinar traduzem-se num conjunto complexivo, já que não é o escrito do recorrente que por si só é disciplinarmente censurado, nem o é também a afixação de um artigo de opinião nas paredes no tribunal. A censura disciplinar atinge-se por ter sido afixado nas paredes do tribunal aquele escrito em concreto.

Sendo assim, o recorrente agiu com uma culpa igual à da sua Colega, pois a sua contribuição nesse conjunto complexivo de factos foi igualmente tida por necessária. O texto é da sua autoria exclusiva e as expressões consideradas como ofensivas do bom-nome dos advogados são da sua inteira responsabilidade. Também a iniciativa de o afixar nas paredes do tribunal é sua. Mas a sua Colega não só aderiu ao conteúdo do texto, como autorizou a afixação, pelo que sem a actuação decisiva e necessária desta última a infracção disciplinar não se teria consumado.

A sua Colega, como Presidente em exercício no Tribunal, tinha um especial dever de zelar pela prática de actos não lesivos do interesse público que aí deve ser prosseguido e não cuidou de o respeitar. Já o recorrente é o autor do escrito e, portanto, directamente responsável pelas afirmações desonrosas para os advogados que aí se contêm.

Por isso, a ilicitude e o grau de culpa são iguais para o recorrente e para a sua Colega, pois a infracção disciplinar dependeu em igual medida das respectivas actuações. As respectivas penas devem ser tendencialmente iguais.

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O recorrente também diz que a deliberação recorrida viola o princípio da imparcialidade, na sua vertente positiva, pois não faz uma exaustiva ponderação nem faz uma adequada concordância prática dos valores constitucionais e não constitucionais em jogo.
Mas a essa questão já demos anteriormente resposta.
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Por fim, diz que viola o princípio da justiça, pois que pune o recorrente que actuou em defesa dos interesses da sua classe profissional, perante a inércia daqueles – designadamente o CSM – que tinham a obrigação de actuar e preteriram esse dever.
Ora, não cabe a este recurso decidir sobre a justeza da actuação do CSM ou de outros órgãos que representam a Magistratura Judicial, a não ser, quanto ao CSM, sobre a sua actuação neste processo e, portanto, não se pode censurar se foi ou não correcta a eventual inércia perante um artigo de opinião de um advogado.
Identicamente, o recorrente e a sua Colega, não podem arrogar-se o direito de se substituírem a um órgão de representação da Magistratura, eleito pela classe ou designado por outros órgãos de soberania, para defesa de quem não os mandatou. A actuação que tiveram só os pode responsabilizar a eles próprios.

OMISSÃO DO DEVER ACRESCIDO DE FUNDAMENTAÇÃO POR FORÇA DO AGRAVAMENTO DA PENA PROPOSTA PELO INSTRUTOR?

Ao Instrutor do processo disciplinar compete, terminada a produção da prova, elaborar, no prazo de quinze dias, um relatório, do qual devem constar os factos cuja existência considere provada, a sua qualificação e a pena aplicável (art.º 122.º do E.M.J.).

Mas, nos termos do art.º 149.º, al. a), do mesmo E.M.J., compete ao Conselho Superior da Magistratura exercer a acção disciplinar sobre os Juízes, através do Conselho Permanente (art.º 152.º).

Portanto, em relação à pena disciplinar, o Instrutor sugere no relatório o direito aplicável, mas é o Conselho Permanente do C.S.M. que aplica a pena.

Não há, portanto, qualquer vinculação do Conselho Permanente do C.S.M. ao relatório do Instrutor no que respeita à pena disciplinar e, nesse sentido, também não existe um particular dever de fundamentar qualquer divergência, bastando que haja fundamentação, nos termos gerais definidos no art.º 124.º, n.º 1, al. b), do CPA.


PENA EXCESSIVA E DESPROPORCIONAL?

«Estatui o nº 2 do artigo 266.° da C.R.P. que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.

Por seu turno e expressando este princípio constitucional da proporcionalidade, prevê o n.º 2 do artigo 5.° do CPA que as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.

Tem vindo a ser pacificamente entendido que este princípio da proporcionalidade exige que, no exercício dos poderes discricionários, a Administração não se baste em prosseguir o fim legal justificador da concessão de tais poderes: ela deverá prosseguir os fins legais, os interesses públicos, primários e secundários, segundo o princípio da justa medida, adoptando, de entre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins e prosseguir esses interesses, aquelas menos gravosas, que impliquem menos sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados.

O princípio da proporcionalidade desdobra-se nos sub princípios da conformidade ou adequação (a medida adoptada deve ser apropriada à prossecução do fim público subjacente), da exigibilidade ou necessidade (entre as várias medidas possíveis dever ser adoptada a que implique consequências menos gravosas para os particulares) e da justa medida (2)».

«Este Tribunal tem controlo pleno sobre a prova dos factos objecto do procedimento e pode apreciar e censurar a omissão de diligências que se revelem necessárias e úteis e tenham sido omitidas.

Mas não pode, como é natural, substituir-se ao órgão administrativo competente - o Recorrido - na aquisição da matéria instrutória nem na fixação dos factos relevantes em causa, apenas lhe incumbindo anular a decisão recorrida, se for caso disso, para que aquele órgão realize algum acto de instrução do procedimento e a subsequente reapreciação do caso(3)».


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Ora, está suficientemente provado que o recorrente, tal como a sua Colega Dr.ª C, se sentiram ofendidos, na sua qualidade de juízes, pelo teor do artigo de opinião denominado "Privilégios (1)", da autoria do Dr. B, advogado, publicado na edição do dia 17-9-05, do jornal Semanário "Expresso".

Não nos cabe analisar tal escrito e tomar partido no sentido de dizer se é, ou não, ofensivo para a Magistratura Judicial. Mas, constata-se pelas cartas de 27-9-2005, escritas pelo recorrente e pela sua Colega, que estes o tomaram como tal.

De resto, o próprio C.S.M. deliberou, em 5/11/2005, participar disciplinarmente à O.A. do Dr. B, pelo que também terá entendido que poderia haver motivo de censura, por ofensas à Magistratura no escrito do semanário “Expresso” e igual é a opinião abalizada do actual Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Juiz Conselheiro Noronha do Nascimento, que, no voto de vencido que lavrou na deliberação recorrida, não só a defende como acrescenta que “tal texto [do Dr. B] vem na sequência de diversos artigos de opinião e diversas intervenções televisivas do advogado Dr. B, muitas delas manifestamente atentatórias da honestidade e provocatórias para a judicatura em geral”. De igual modo, o Excm.º Juiz Dr. E. T. L., vogal do CSM, no seu voto de vencido, menciona “o comportamento mais do que permissivo adoptado pelo Ordem dos Advogados para com o advogado Dr. B”, opinião corroborada pelo Excm.º Senhor Doutor R. P., então também vogal, assim defendendo ambos que a O.A. devia ter actuado disciplinarmente contra aquele advogado pelo escrito em questão, seguramente porque entenderam que este era de algum modo de teor ofensivo.

É, pois, de considerar que o recorrente e a sua Colega agiram como consta dos factos provados em reacção imediata ao teor do escrito do Dr. B, que tomaram como ofensivo para os juízes.

E tão imediata que, tendo sido publicado o artigo do Dr. B em 17/09/2005, antes de 21/09/2005 já o escrito do recorrente estava afixado nas paredes do Tribunal de Guimarães, por autorização da sua Colega, que aderiu ao seu conteúdo e assim lhe quis dar uma forma especial de publicitação. Assim, a afixação do escrito nas paredes do Tribunal foi anterior à publicação da carta do recorrente no semanário.

Ora, o C. Penal, a propósito dos crimes contra a honra, dispõe que se o ofendido ripostar, no mesmo acto, com uma ofensa a outra ofensa, o tribunal pode dispensar de pena ambos os agentes ou só um deles, conforme as circunstâncias (art.º 186.º, n.º 3, do CP). E no caso de injúrias por escrito, ripostar “no mesmo acto” tem de ser entendido em consonância com a disponibilidade para o fazer.

De igual modo, o tribunal pode ainda dispensar de pena se a ofensa tiver sido provocada por uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido (n.º 2).

Não colhe o argumento de que o escrito do recorrente ataca terceiras pessoas que não o Dr. B, alegado autor da ofensa, pois este último terá ofendido a classe profissional dos juízes e aquele ripostou com imputações à classe profissional dos advogados, isto é, com a mesma lógica ofensiva de atingir uma generalidade de pessoas.

Ora, embora a dispensa de pena não seja obrigatória para os casos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 186.º do CP, pois que o tribunal pode dispensar a pena, a mesma deve impor-se logicamente quando o tribunal concluir que a ilicitude do facto e a culpa do agente foram diminutas, não houver lugar a reparação do dano (4), nomeadamente, por não ter sido pedida, e não se opuserem razões de prevenção (cfr. art.º 74.º do CP).

É o caso dos autos em relação ao recorrente.


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Na escala das penas disciplinares aplicáveis aos Magistrados Judiciais a mais baixa das penas é a de advertência (art.º 85.º, n.º 1, al. a, do E.M.J.).

A pena de advertência consiste em mero reparo pela irregularidade praticada ou em repreensão destinada a prevenir o magistrado de que a acção ou omissão é de molde a causar perturbação no exercício das funções ou de nele se repercutir de forma incompatível com a dignidade que lhe é exigível (art.º 86.º do E.M.J.).

A pena de advertência, contudo, pode ou não ser registada (art.º 85.º, n.ºs 2 e 4).

Ora, se domínio penal a censura encontrada para o recorrente era a da dispensa de pena, seria mais adequado encontrar no domínio disciplinar uma pena que se lhe equiparasse, pois, neste caso concreto, a advertência disciplinar move-se num terreno muito aproximado ao da reprovação penal.

Mas não há no domínio disciplinar a dispensa de pena.

Pode o órgão competente, porém, não aplicar qualquer sanção, mesmo após concluir sobre a existência de matéria disciplinar, por não a julgar necessária face às circunstâncias.

Como pode limitar-se a aplicar uma advertência não registada, que é uma pena disciplinar equiparável à dispensa de pena. Na verdade, o significado técnico da dispensa de pena no Código Penal é a de uma censura penalmente relevante, pois há condenação, mas a que não corresponde qualquer pena, o que, no campo disciplinar, equivale à advertência não registada, onde se pode dizer que há uma condenação, mas que não fica no cadastro do Magistrado.


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De tudo o exposto pode concluir-se que a pena aplicada ao recorrente, de advertência registada, não foi a necessária, pois de entre as várias medidas possíveis devia ter sido adoptada a que implicasse a consequência menos gravosa, nem representa uma justa medida face à conduta apurada.

Foi, assim, violado o disposto no o n.º 2 do artigo 5.° do CPA.

São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção (art.º 135.º do mesmo Código).
O recurso merece provimento.

6. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso e em anular o Acórdão do Plenário do Conselho Superior da Magistratura impugnado, nos termos apontados.
Custas pelo recorrido, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC art.º 73°-D, n.º 3, do CCJ.
Notifique.

Lisboa, 17 de Abril de 2008

SANTOS CARVALHO (relator)
NUNO CAMEIRA
FERREIRA DE SOUSA
MOREIRA ALVES
PEREIRA DA SILVA
ARMINDO MONTEIRO
SOUSA PEIXOTO
_________________________________________________
(1) Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., vol. II, pág. 730.
(2) Ac. desta Secção do Contencioso, recurso n.º 105/05
(3) Ibidem, recurso 1809/06
(4) Sem embargo do Conselho Distrital da O.A. de Guimarães ter emitido um comunicado, em 21-9-05, a solicitar ao recorrente a retratação e um pedido de desculpas, todavia não formalizado judicialmente.