Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
987/21.0T8GRD.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
Data do Acordão: 04/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I- Não é desconforme com os atuais parâmetros indemnizatórios seguidos pelo STJ quanto à aplicação de critérios de equidade, previstos nos artigos 566.º, n.º 3 e 496.º, n.º 4 do CC, a decisão de atribuir 70.000 euros (para indemnizar tanto o dano moral como o dano biológico) a uma lesada, de 45 anos, que sofreu múltiplas fraturas e lesões em consequência do acidente de viação (no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálicas), foi submetida a intervenção cirúrgica e necessitou de múltiplas consultas médicas e tratamentos, teve um défice funcional temporário total superior a 3 meses e um défice funcional temporário parcial de cerca de 8 meses, sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7 e continua a padecer de dores, necessitando de medicação diária. Ficou ainda com um dano estético permanente de grau 2 em 7. Ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 em 7; não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares.


II- Também não é desconforme com os referidos padrões a indemnização de 150.000 euros (para indemnizar tanto o dano moral como o dano biológico) atribuída a um jovem de 15 anos, que em consequência do acidente sofreu múltiplas fraturas e lesões, foi alvo de três intervenções cirúrgicas, teve um longo período de convalescença e de recuperação, no qual teve de andar apoiado em canadianas, necessitando de reiterados tratamentos e consultas médicas. Sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7. Ficou com um dano estético permanente de grau 2 em 7. Ficou com uma perna mais curta que a outra em 2 centímetros. Passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 7,317 pontos, com existência de possível dano futuro; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de nível 4, uma escala de 7. E ficará com sequelas que implicam esforços acrescidos nas suas atividades habituais.


III- Não se apresenta manifestamente excessiva, face aos recentes padrões jurisprudenciais, a indemnização de 25.000 euros (para indemnizar tanto o dano moral como o dano biológico) atribuída a um lesado, de 42 anos, que, em consequência do acidente, teve ferimentos e lesões várias, nomeadamente numa orelha e numa perna, tendo sido submetido a uma cirurgia, sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7, ficou com uma cicatriz numa orelha, com um dano estético de grau 1 numa escala de 7. Teve de usar uma bota gessada, com imobilização da perna, durante cerca de 7 semanas e deslocar-se em canadianas durante esse tempo, teve múltiplas consultas médicas e tratamentos, incluindo fisioterapia, suportou um défice funcional temporário parcial de 354 dias, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 2,98 pontos, implicando as sequelas do sinistro esforços suplementares no exercício da respetiva atividade profissional.

Decisão Texto Integral:




Processo n.º 987/21.0T8GRD.C1.S1


Recorrente: Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


1. AA, BB, CC, DD propuseram contra FIDELIDADE – Companhia de Seguros, S.A, ação declarativa de condenação com processo comum, na qual pediram a condenação da ré a pagar:


Ao autor AA: 3.468,68 euros por danos patrimoniais e 40.000,00 euros por danos não patrimoniais;


À autora BB: 20,677,04 euros por danos patrimoniais e 100.000 euros por danos não patrimoniais;


Ao autor CC: 335,00 euros por danos patrimoniais e 200.000 euros por danos não patrimoniais;


À autora DD: a quantia de 200,00 euros por danos patrimoniais e 8.000,00 euros por danos não patrimoniais.


Alegaram, em síntese, que foram intervenientes num acidente de viação enquanto tripulavam uma viatura automóvel cuja responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação estava transferida para a ré.


2. A ré contestou, aceitando parcialmente a factualidade alegada, quanto ao contrato de seguro e a alguns dos danos invocados, e impugnando genericamente a restante factualidade alegada, acrescentando que os valores peticionados pelos autores são exagerados.


3. A primeira instância proferiu sentença na qual foi decidido julgar:


«o pedido dos Autores parcialmente procedente e, em consequência:


A. condena-se a Ré «FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.» pagamento


− ao Autor AA do valor de € 16.723,20 (dezasseis mil setecentos e vinte e t rês euros e vinte cêntimos) de capital;


− à Autora BB do valor de € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros) de capital;


− ao Autor CC do valor de € 68.000,00 (sessenta e oito mil euros) de capital;


− à Autora DD do valor de € 2.125,00 (dois mil cento e vinte e cinco euros) de capital;


− de juros vincendos desde a presente data até integral pagamento, à taxa legal de juros civis, calculados sobre cada um dos referidos valores de capital;


B. absolve-se a Ré do demais peticionado


4. Inconformados recorreram os autores.


A ré interpôs recurso subordinado, alegando, além do mais, que as indemnizações por danos não patrimoniais concedidas seriam excessivas (devendo ser reduzidas pelo facto de alguns lesados não usarem cinto de segurança). Concluiu defendendo que as indemnizações não deviam ser superiores aos seguintes valores: quanto ao autor AA, de valor não superior a 8.000,00€, devendo ser assim reduzido o montante fixado na decisão recorrida; quanto à autora BB, de valor não superior a 30.000,00€, devendo ser reduzido o montante fixado na sentença recorrida para 20.000,00€, em virtude da falta de utilização de cinto de segurança; quanto ao autor CC, de valor não superior a 60.000,00€, devendo ser reduzido o montante fixado na sentença recorrida para 40.000,00€, em virtude da falta de utilização de cinto de segurança; quanto à A. DD, de valor não superior a 900,00€, devendo ser reduzido o montante fixado na sentença recorrida para 600,00€, em virtude da falta de utilização de cinto de segurança.


A segunda instância, depois de ter procedido a parcial alteração do julgamento da matéria de facto, veio a julgar parcialmente procedente o recurso dos autores e improcedente o recurso subordinado da ré, estatuindo o seguinte dispositivo:


«Termos em que se julga o recurso dos autores parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a ré a pagar:


i) Ao autor AA a quantia de 4.723,20 euros a titulo de danos patrimoniais e juros legais desde a citação e até integral pagamento; a quantia de vinte e cinco mil euros pelo dano biológico e não patrimonial, acrescida de juros legais desde o acórdão até efetivo pagamento.


ii) À autora BB a quantia de 16. 697,04 € acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento; a quantia de setenta mil euros pelo dano biológico e dano não patrimonial, acrescida de juros à taxa legal desde a presente decisão e até efetivo pagamento.


iii) Ao autor CC a quantia de cento e cinquenta mil euros pelo dano biológico e dano não patrimonial, e juros legais desde o presente aresto.


iV) À autora DD a quantia de cinco mil euros pelo dano biológico e dano não patrimonial, acrescida de juros à taxa legal, desde o presente Acordão, até efetivo pagamento


5. Inconformada, a ré interpôs o presente recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:


«A) Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra que que condenou a R./ora recorrente no pagamento:


- ao Autor AA, do valor de 4.723,20€ a titulo de danos patrimoniais e do valor de 25.000,00€ pelo dano biológico e não patrimonial:


-à Autora BB, do valor de 16.697,04€ a título de perdas salariais e do valor de 70.000,00€ pelo dano biológico e dano não patrimonial;


- ao Autor CC, do valor de 150.000,00€ pelo dano biológico e dano não patrimonial;


- à Autora DD, do valor (atribuído “aqui com alguma generosidade”) de 5.000,00€ pelo dano biológico e dano não patrimonial.


B) Não se conforma a recorrente com a decisão de tal Venerando Tribunal relativa:


- à (ir)relevância da falta de uso de cinto de segurança por parte de alguns dos AA./lesados;


- aos montantes indemnizatórios fixados (sensivelmente em dobro do que havia sido determinado na 1ª Instância);


- à atribuição, ao A. AA, de indemnização por danos patrimoniais de valor superior ao por ele peticionado.


C) Por razões de simplificação e economia processuais, dão-se por integralmente reproduzidos os factos considerados provados no douto acórdão recorrido e enumerados em 3. supra;


D) Pelos mesmos motivos, dão-se também por reproduzidos os considerandos retirados da também douta sentença do Juízo Central Cível e Criminal da Guarda (Juiz ...) e mencionados em 4. supra, bem como se dá por reproduzido o entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra citado em 6. a 8 supra.


E) Ficou demonstrado, além do mais, que:


- quanto ao A. AA: o tinha 42 anos à data do acidente;


- o impacto de recuperação imediata foi muito reduzido (2 dias de défice temporário total);


- careceu de acompanhamento médico relevante;


- careceu de utilizar bota gessada por cerca de sete semanas e retomou a actividade laboral sensivelmente cinco meses após o sinistro;


- padece de dano estético de grau 1 numa escala de 7 e de défice funcional de natureza permanente da integridade físico-psíquica de 2,98 pontos, implicando as sequelas do sinistro esforços suplementares no exercício da respectiva actividade profissional;


- recuperou, apesar das lesões, de forma muito relevante a sua integridade física;


- e não se anteveem consequências de longo prazo para eventuais projectos de vida, sejam de cariz pessoal ou profissional.


Quanto à A. BB:


- tinha 45 anos à data do acidente;


- padeceu de lesões relevantes, as quais pela sua gravidade implicaram a necessidade de cuidados imediatos significativos e períodos de recuperação com imobilização praticamente total e total dependência de terceiros;


- padeceu de um quantum doloris de 5, numa escala de 7 pontos;


- padece de um dano estético de grau 2 numa escala de 7 e o apresenta um défice funcional de natureza permanente da integridade físico-psíquica de 11,499 pontos, implicando as sequelas do sinistro esforços suplementares no exercício da respectiva actividade profissional, bem como a toma de medicação e acompanhamento médico regular;


- existem perspectivas de existência de dano futuro;


- não fazia uso do cinto de segurança;


- foi projectada do veículo.


Quanto ao A. CC:


- tinha 15 anos à data do acidente;


- padeceu de lesões relevantes, as quais pela sua gravidade implicaram a necessidade de cuidados imediatos muito significativos (incluindo várias intervenções cirúrgicas com internamento hospitalar), bem como um período de recuperação com imobilização praticamente total, sendo também relevante o período de convalescença que se prologou por mais de dois anos e meio;


- ficou com uma perna mais curta do que a outra;


- padeceu de um quantum doloris de 5, numa escala de 7 pontos;


- padece de um dano estético de grau 2 numa escala de 7;


- ficou afectado por um défice funcional de natureza permanente da integridade físico-psíquica de 7,317 pontos, tendo as sequelas do sinistro repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de nível 4, numa escala de 7;


- existem perspectivas de existência de dano futuro;


- não fazia uso do cinto de segurança;


- foi projectado do veículo.


Quanto à A. DD:


- tinha 9 anos de idade à data do acidente;


- sofreu ferimentos;


- após ser tratada e medicada a seguir ao acidente, recebeu alta no mesmo dia;


- foi afectada por um défice funcional temporário parcial fixável em 15 dias, com repercussão temporária total na actividade escolar durante o mesmo período;


- padeceu, nos meses seguintes ao do acidente, de receio de se deslocar em veículos automóveis;


- sem necessidade de acompanhamento psicológico (facto não provado M.);


- não fazia uso do cinto de segurança;


- foi projectada do veículo.


F) Os valores de todas as indemnizações atribuídas aos AA./lesados eram, já na 1ª Instância, excessivos e desajustados, e mais desproporcionais e desrazoáveis se revelam após a decisão do douto Tribunal da Relação.


G) Os AA. BB, CC e DD não faziam uso do cinto de segurança e foram projectados para fora da viatura sinistrada.


H) O Tribunal da Guarda e o Tribunal da Relação de Coimbra divergiram quanto às consequências a retirar de tal facto.


I) Na perspectiva da recorrente, viajando a vítima de acidente de viação sem cinto de segurança e tendo-se provado que, por isso, foi projectada do veículo, deve concluir-se que a indemnização pelos danos sofridos com essa projecção há-de ser reduzida na medida da culpa do lesado, traduzida na infracção das regras de segurança rodoviária que foram co-causais daqueles danos.


J) E tal redução deve ser efectuada na proporção de, pelo menos, 1/3. K) O artigo 82º, nº 1 do Código da Estrada impõe que “O condutor e passageiros transportados em veículos a motor são obrigados a usar cintos e demais dispositivos de segurança com que, por lei, os veículos estejam equipados”.


L) E, segundo o artigo 54º, nº 3 do mesmo Código, “É proibido o transporte de pessoas […] de modo a comprometer a sua segurança ou a segurança da condução”.


M) É facto notório que o não uso do cinto de segurança constitui comportamento extremamente arriscado e põe em perigo a vida de quem omite a obrigação em causa e infringe, de modo tão gravoso, a lei.


N) Dizer que “Os danos sofridos pelos Autores BB, CC e DD foram agravados pelo facto de terem sido projetados da viatura” traduz um juízo conclusivo que não carece de ser levado aos “factos provados” para poder/dever ser apreciado, pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sede de fundamentação e aplicação do direito.


O) As regras da experiência comum exigem que se pondere o evidente nexo de causalidade entre as específicas lesões sofridas pelos AA. e a respectiva gravidade, por um lado, e o não uso do cinto de segurança e a subsequente projecção para fora do veículo, por outro.


P) A não ser assim (e caso se acompanhasse a – aliás douta – decisão recorrida), permaneceríamos face a uma nítida desculpabilização e desresponsabilização dos AA. enquanto ocupantes do veículo acidentado, transmitindo-se a ideia de que a omissão do uso do cinto de segurança pode ser considerada pelos Tribunais como irrelevante, ao invés de se reiterar a exigível intransigência perante aquela forma de actuação.


Q) As lesões em causa, de acordo com o perito ouvido na audiência de julgamento, “podem ocorrer dentro do veículo, não tem que haver projeção”, mas a verdade é que as específicas lesões verificadas nos autos foram sofridas pelos AA. – efectivamente – com a projecção para fora da viatura, não podendo ignorar-se, além do mais, que as mesmas resultaram da queda e embate no solo por parte dos lesados.


R) O não uso pelos AA. do cinto de segurança no momento do acidente implicou, para eles, um aumento substancial do risco (que veio a concretizar-se) de dano corporal, sendo eles os únicos e exclusivos culpados por se terem colocado nessa situação, assim contribuindo, de modo decisivo e incontestável, para a produção e o agravamento das concretas lesões sofridas.


S) O uso do cinto de segurança – cuja obrigatoriedade (repete-se) é imposta por lei – tem como função (precisamente) evitar a projecção do corpo para a frente e/ou para fora do veículo e os danos de maior gravidade que essa projecção propicia, seja pela possibilidade de o corpo ser arrojado para o exterior do veículo, seja pela possibilidade de embater com maior força em qualquer ponto do interior do veículo.


T) Os AA./lesados podiam e deviam ter colocado o cinto de segurança, evitando, dessa forma, o risco de lesões de maior gravidade e, por isso, actuaram culposamente (ou, pelo menos, com negligência manifestamente grosseira), contribuindo com tal conduta para o agravamento dos danos.


U) Tratou-se, portanto, de uma omissão de cuidado claramente culposa, ostensivamente reveladora da inobservância do cuidado e diligência exigíveis a uma pessoa medianamente diligente e cuidadosa, colocada na situação dos lesados.


V) O A. AA usava cinto de segurança (cumpriu as regras de segurança) – resultou, com o acidente, ferido leve (que saiu do veículo pelo seu próprio pé).


W) A A. BB e o A. CC não usavam cinto de segurança (não cumpriram a lei) – resultaram, com o acidente, feridos bem mais graves do que o A. marido/pai.


X) A pequena DD teve sorte,


Y) Afigurando-se inaceitável que se retire importância (de resto, primacial, como é pacífico – por cientificamente demonstrado à saciedade – desde há cerca de 70 anos) ao contributo do cinto de segurança para as consequências quer dos acidentes de viação em geral, quer do presente acidente de viação, pelo facto de um dos lesados que foram projectados da viatura não ter sofrido (felizmente) lesões tão graves como os outros.


Z) Deverá, pois, proceder-se (como na 1ª Instância, embora em proporção distinta) a um juízo de equidade que reduza (em 1/3) a indemnização a atribuir aos lesados que não cumpriram o dever de usar o cinto de segurança.


AA) O valor da reparação do dano não patrimonial deve ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização geralmente adoptados na Jurisprudência.


BB) Além da equidade também a proporcionalidade, a igualdade, a razoabilidade e as necessidades de segurança jurídica e tutela das expectativas, devem orientar o raciocínio tendente à melhor decisão a proferir sobre o valor da compensação por danos não patrimoniais.


CC) A recorrente dá aqui por reproduzido o teor dos acórdãos acima convocados em 50. das presentes alegações.


DD) Quanto ao A. AA: tendo em conta todos os danos sofridos, nomeadamente os descritos supra, a indemnização calculada no acórdão recorrido (25.000,00€, pelo dano biológico e não patrimonial) é, salvo melhor opinião, excessiva, desproporcional e desajustada a outras decisões proferidas em situações idênticas; EE) E a quantia referente aos danos patrimoniais atribuídos ao dito A. sempre deverá ser reduzida ao valor dessa parcela do pedido (3.468,68€), não podendo ultrapassá-lo (artigos 3º, nº 1 e 609º, nº 1, do Código de Processo Civil – proibição da condenação ultra petitum).


FF) Quanto à A. BB: também se entende desadequada, por manifestamente excessiva, a indemnização fixada à A. BB (70.000,00€, pelo dano biológico e dano não patrimonial).


GG) O mesmo relativamente ao A. CC, a quem a Relação atribuiu uma indemnização de 150.000,00€.


HH) Quanto à A. DD: os próprios AA. admitem nos autos (e tal ficou comprovado) que “Não foram diagnosticadas lesões passiveis de valoração a título de défice funcional permanente” e que “As repercussões do acidente a nível físico, felizmente, não foram graves”; ademais – ao contrário do alegado na petição inicial – não teve necessidade de acompanhamento psicológico.


II) A indemnização por danos não patrimoniais visa compensar o lesado pelo mal efectivamente sofrido, donde resulta – admite a recorrente – que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, mas tal não pode fazer esquecer que aquela visa compensar a lesão realmente sofrida, por forma a reparar ou mitigar o abalo moral verdadeiramente suportado.


JJ) No caso da A. DD, a manter-se a compensação arbitrada pela Relação de Coimbra (5.000,00€), beneficiaria a mesma de um enriquecimento injusto e injustificado, porque o montante a receber iria muito além dos concretos danos sofridos.


KK) Pelo exposto, seria mais equilibrada e adequada às circunstâncias do caso concreto uma indemnização/compensação:


- quanto ao A. AA, no valor peticionado a título de danos patrimoniais, de 3.468,68€; e em quantia não superior a 8.000,00€, devendo ser assim reduzidos os montantes fixados no (aliás douto) acórdão recorrido;


- quanto à A. BB, de valor não superior a 30.000,00€ (a acrescer aos 16.697,04€ atribuídos por perdas salariais), devendo ser reduzido aquele montante para 20.000,00€, em virtude da falta de utilização de cinto de segurança;


- quanto ao A. CC, de valor não superior a 60.000,00€, devendo ser reduzido para 40.000,00€, em virtude da falta de utilização de cinto de segurança;


- quanto à A. DD, de valor não superior a 900,00€, devendo ser reduzido para 600,00€, em virtude da falta de utilização de cinto de segurança.


LL) Decidindo como decidiu, contrariou o douto acórdão recorrido, designadamente, as disposições dos artigos 3º, nº 1; 5º; e 609º, nº 1, do Código de Processo Civil; 483º e seguintes e 562º e seguintes, do Código Civil; e 82º, nº 1 e 54º, nº 3, do Código da Estrada.


Termos em que deve ser concedida a peticionada revista, revogando-se o douto Acórdão recorrido e alterando-se os montantes indemnizatórios do modo acima defendido (para o A. AA: 3.468,68€ + 8.000,00€; para a A. BB: 20.000,00€; para o A. CC: 40.000,00€; e para a A. DD: 600,00€), assim se fazendo Justiça!»


6. Os autores-recorridos apresentaram resposta, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do acórdão recorrido.


*


II. FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade e objeto do recurso


Tendo o Tribunal da Relação alterado os valores indemnizatórios fixados pela primeira instância, em sentido desfavorável à recorrente, a revista será admissível, nos termos do artigo 671.º, n.º 1 do CPC, desde que se encontrem previamente preenchidos os requisitos gerais de recorribilidade, previstos no art.629º, n.1 do CPC.


Ora, considerando os valores indemnizatórios conferidos pelo acórdão e os valores admitidos pela recorrente como justos1, não se verifica uma sucumbência superior a metade da alçada da Relação (15.000 Euros), quanto à recorrida DD (cuja indemnização é de 5.000 Euros).


Quanto ao recorrido AA, o TRC atribui-lhe 4.723,20 euros a titulo de danos patrimoniais e juros legais desde a citação e até integral pagamento e 25.000 euros pelo dano biológico e pelo dano não patrimonial. A recorrida aceita, nas suas alegações, que estes valores deviam ser, respetivamente, de 3.468,68€ e de 8.000,00.


Distinguindo os dois segmentos decisórios, constata-se que a decisão respeitante à condenação em danos patrimoniais e respetivos juros de mora, não é desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada da Relação. Acresce que a decisão da primeira instância e o acórdão recorrido são coincidentes na atribuição do valor de 4.723,20 Euros a título de danos patrimoniais2, pelo que neste segmento decisório sempre haveria dupla conforme impeditiva da revista, nos termos do art.671.º, n.3 do CPC e do AUJ n.º 7/2022 (publicado no DR, em 18.10.2022). A revista não é, assim, admissível nessa parte.


O recurso é, portanto, admissível quanto às decisões indemnizatórias conferidas ao AA, a título de dano biológico e danos não patrimoniais, à BB e ao CC, pois quanto a cada um deles os valores da sucumbência da recorrente são superiores a metade da alçada da Relação.


O objeto da revista é, face às conclusões das alegações da recorrente, o de saber se as indemnizações atribuídas a título de dano biológico e não patrimonial aos referidos três autores são excessivas.


2. FACTOS PROVADOS


A segunda instância, depois de proceder a alterações no julgamento da matéria de facto (destacadas a negrito), fixou como provada a seguinte factualidade:


«1. No dia 30 de agosto de 2018, pelas 17:00 horas, ocorreu um acidente de viação, ao Km ... da A-..., em ... – Espanha, tendo como interveniente a viatura Volkswagen, modelo LT, com matrícula ..-..-NH - que trazia um reboque ligeiro com motociclo marca Harley Davison (matrícula EY-...-TZ);


2. A responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação referente ao veículo Volkswagen, modelo LT, com matrícula ..-..-NH estava transferida para a Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., por contrato titulado pela apólice ...;


3. A referida viatura era conduzida pelo respetivo proprietário EE;


4. Transportava como passageiros FF, GG, HH, II e os ora Autores AA, BB e os seus dois filhos menores, CC (então com 15 anos) e DD (então com 9 anos);


5. O automóvel seguia na direção Portugal – ... e, após um rebentamento de pneu, saiu da via em que seguia, chocou contra a barreira de proteção e de seguida capotou;


6. No dia, hora e local do acidente o piso encontrava-se seco e limpo, e o tempo de sol, sem vento e com plena luminosidade;


7. Os Autores BB, CC e DD não faziam uso do cinto de segurança aquando do acidente;


8. Os Autores BB, CC e DD foram projetados da viatura;


9. eliminado;


10. AA tripulava o assento traseiro direito e fazia uso do cinto de segurança;


11. Na sequência do sinistro, AA, à data com 42 anos de idade, foi transportado para o Complejo Asistencial Universitario de ..., tendo-lhe sido colocada tala, medicado, tendo recebido alta no mesmo dia e transferido para o respetivo domicílio;


12. Do acidente resultou, ferimento na orelha esquerda e cicatriz queloidiana e ferimentos e fratura epifisária da fíbula esquerda não deslocada;


13. AA esteve de baixa médica, com incapacidade para o trabalho até 23 01.2019;


14. Ficou com a perna imobilizada por força da utilização de bota gessada durante cerca de 7 semanas;


15. Utilizou canadianas durante o referido período;


16. Por força das referidas lesões na perna, assistiu a 3 consultas com médico de família e 23 consultas de fisioterapia/cinesioterapia;


17. Recebeu 42 tratamentos de enfermagem na sua residência;


18. Por força das referidas lesões na orelha, AA foi submetido a cirurgia em 20 de fevereiro de 2019 e teve de fazer tratamentos de penso ao pavilhão auricular esquerdo durante cerca de duas semanas;


19. Assistiu a 12 consultas (12.02.2019, 19.12.2019, 06.07.2019, 17.12.2019, 04.02.2020, 10.03.2020, 21.04.2020, 23.06.2020, 08.09.2020, 17.11.2020, 18.05.2020, 29.06.2020) de cirurgia dermatológica na “P........... .. .......”;


20. A cicatriz queloidiana foi considerada estabilizada a 18/05/2021;


21. O Autor AA auferia, à data do sinistro, um vencimento mensal de € 2.437,08;


22. Nos 128 subsequentes ao acidente em que não trabalhou, deixou de auferir o valor de € 4.723,20;


23. A data de consolidação das lesões é fixável em 19.08.2020.


24. O défice funcional temporário total é de 2 dias,


24 –A - O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é de 146 dias


25. O défice funcional temporário parcial é de 354 dias,


26. O quantum doloris de grau 4 numa escala de 7;


27. Padece de um dano estético de grau 1 numa escala de 7;


28. Como consequência do sinistro, o Autor passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 2,98 pontos;


29. As sequelas do sinistro implicam esforços suplementares no exercício da respetiva atividade profissional;


30. Todos os autores padeceram de sofrimento físico e psicológico resultante da vivência do traumatismo, lesões sofridas, tratamentos, consultas e o período de recuperação;


31. Na sequência do acidente, BB à data com 45 anos de idade, deu entrada no Complejo Asistencial Universitario de ..., em estado grave, com politraumatismos;


32. Foram-lhe diagnosticadas fraturas


a. em ambas as escápulas sem deslocamento dos fragmentos;


b. do primeiro arco costal e arco costal posterior da 11.ª costela direita;


c. do segundo arco costal esquerdo;


d. em cunha do corpo vertebral dorsal 10, com fratura associada do pedicuro direito;


e. da apófise transversal esquerda com mínimo deslocamento do fragmento para dentro do canal medular;


33. Na parênquima pulmonar foram-lhe identificadas áreas de contusão pulmonar de predomínio em ambos os lóbulos inferiores;


34. Padeceu de derrame pericárdico mínimo e de lesão hipotensa mínima no segmento IV B provavelmente cística;


35. Foi submetida a intervenção cirúrgica em 03/09/2018 e recebeu alta a 12/09/2018, momento em que foi transferida para o seu domicílio;


36. As lesões de que padeceu consolidaram-se a 10/08/2019;


37. O défice funcional temporário total é de 100 dias;


38. No referido período de 100 dias, permaneceu em repouso absoluto, com tratamentos, apoio médico e de enfermagem e necessidade de usar fralda;


39. O défice funcional temporário parcial é de 246 dias;


39 - A - A Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7”.


39-B -Tem ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares.


40. Esteve de baixa médica com fundamento em incapacidade para o trabalho desde a data do acidente até 1 de setembro de 2020;


40-A - Durante o período em que esteve incapacitada para o trabalho a Autora BB teve uma perda salarial no valor de 16.697,04 €»


41. A Autora BB recebeu autorização médica do clínico que a acompanhava para retomar o trabalho a 09/11/2020;


42. Por força das referidas lesões no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálico, assistiu a 16 consultas com médico de família, 3 consultas com médico ortopedista e 92 consultas de fisioterapia/cinesioterapia;


43. Recebeu 29 tratamentos de enfermagem na sua residência;


44. Como consequência do sinistro, a Autora passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro;


45. O quantum doloris de 5 em 7;


46. Padece de um dano estético permanente de grau 2 numa escala de 7;


47. BB padece de dores diariamente, necessitando de tomar medicação para o respetivo alívio e de assistência médica regular;


48. Não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares;


49. Na sequência do acidente, DD à data com 9 anos de idade, deu entrada no Complejo Asistencial Universitario de ... com ferimentos no ombro esquerdo, joelho esquerdo, pirâmide nasal e dedo da mão direita;


50. Após ser tratada e medicada, recebeu alta no mesmo dia;


51. As lesões físicas sofridas causaram défice funcional temporário parcial, fixável em 15 dias, com repercussão temporária total na atividade escolar durante o mesmo período;


52. DD padeceu, nos meses seguintes ao do acidente, de receio de se deslocar em veículos automóveis;


53. Na sequência do acidente, CC à data com 15 anos de idade, deu entrada no Complejo Asistencial Universitario de ... em estado grave, com politraumatismos;


54. Foram-lhe diagnosticados:


f. Traumatismo no pneumotórax esquerdo;


g. Fratura subcapilar do fémur direito do tipo III;


h. Ferida inciso-contusa no braço esquerdo;


i. Laceração do pavilhão auricular;


55. Foi submetido a intervenção cirúrgica a 30 de agosto de 2018 e recebeu alta a 10/09/2018, momento em que foi transferida para o seu domicílio;


56. Por força das referidas lesões na perna, assistiu a 6 consultas com médico de família, 11 consultas com médico ortopedista e 40 consultas de fisioterapia/cinesioterapia;


57. Recebeu 42 tratamentos de enfermagem na sua residência;


58. Não frequentou a escola até janeiro de 2019, ainda que tenha acompanhado a partir de casa as atividades letivas;


59. Assim que retomou as aulas presenciais, usou canadianas até abril de 2019;


60. Foi submetido a cirurgia, em França, a 25/06/2020, tendo ficado internado do dia 24 a 26 de junho de 2020;


61. Na sequência da referida cirurgia, permaneceu em convalescença até o final de setembro, momento em que regressou novamente à escola;


62. Utilizou canadianas para se locomover entre final de setembro e dezembro de 2020;


63. Foi submetido a cirurgia a 8 de julho de 2021 para retirada do material de osteossíntese da perna direita;


64. Por força das lesões decorrentes do acidente, o Autor CC ficou com uma perna mais curta que a outra em 2 cm;


65. O défice funcional temporário total é de 107 dias,


66. O défice funcional temporário parcial é de 968 dias,


66-A – Teve Período de repercussão temporária na atividade profissional total de 158 dias.


66-B- A Data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 08.08.2021.


66-C - As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com exercício de atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.


67. Como consequência do sinistro, o Autor passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 7,317 pontos, com existência de possível dano futuro;


68. O quantum doloris de 5 em 7;


69. Padece de um dano estético permanente de grau 2 numa escala de 7;


70. Sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de nível 4, uma escala de 7.»


3. O DIREITO APLICÁVEL


3.1. Não está em causa neste recurso a reapreciação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (prevista no artigo 483.º do CC). Essa matéria encontra-se definitivamente julgada pelas instâncias, que concluíram pela responsabilização da ré Seguradora para a qual se encontrava transferida, por contrato de seguro, a responsabilidade civil por acidentes causados pelo veículo automóvel acidentado.


O que a recorrente discute na presente revista é apenas o montante indemnizatório que o acórdão recorrido atribuiu a título de dano biológico e de danos morais com base nos parâmetros legais estabelecidos, essencialmente, nos artigos 563.º, 566.º, n.º 3 e 496.º do CC.


Quanto ao denominado dano biológico, tratando-se de avaliar danos que os lesados não teriam sofrido se não fosse a lesão, cujo valor exato não é possível averiguar no momento em que se julga, o artigo 566.º, n.º 3 do CC determina que se aplique o critério da equidade, o qual não é limitado pela aplicação de quaisquer tabelas ou formulas matemáticas. E é também pelo critério da equidade que hão de ser avaliados os denominados danos morais, nos termos do artigo 496.º, n.º 4 do CPC.


Assim, quando o STJ é chamado a apreciar a aplicação do critério da equidade, tem-se entendido que lhe cabe, essencialmente, proceder a um juízo de supervisão da conformidade da decisão com os padrões normalmente seguidos, devendo corrigir decisões que, manifestamente, se afastam de casos com caraterísticas relativamente equiparáveis.


Veja-se, neste sentido, o que se afirmou no Acórdão do STJ, de 27.09.2016 (relator Alexandre Reis), no processo n. 2249/12.4TBFUN.L1.S1:


«(...) só haverá fundamento bastante para censurar o juízo formulado pela Relação e alterar o decidido se puder afirmar-se, tendo em conta os critérios que vêm sendo adoptados, generalizadamente, por este tribunal, que os montantes que foram fixados são manifestamente desproporcionados à gravidade objectiva e subjectiva dos efeitos (de natureza patrimonial e não patrimonial) resultantes da lesão corporal sofrida pela autora


Quanto à apreciação do critério da equidade relativamente ao cálculo da compensação pelos danos não patrimoniais, veja-se:


Acórdão do STJ, de 22.06.2017, (relator Tomé Gomes), no processo n. 307/04.8TBVPA.G1.S2:


« No critério a adoptar na fixação dos danos não patrimoniais, posto que esta não tem por escopo a reparação económica, mas antes a compensação do lesado e reprovação da conduta lesiva, não devem perder-se de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, com vista a uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, sendo relevantes para esse efeito: a natureza, multiplicidade e diversidade de lesões sofridas, as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado se teve de submeter, os dias de internamento e o período de doença, a natureza e a extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris e o dano estético, se o houver (arts. 496.º, e 494.º do CC)


Nas conclusões das suas alegações, a recorrente não discute a qualificação do dano biológico ou do dano moral usado no acórdão recorrido, nem o facto de aí não terem sido estabelecidas parcelas diferenciadoras desses tipos de danos. Apenas defende que os montantes indemnizatórios respeitantes a esses danos deviam ser inferiores aos atribuídos por essa decisão, invocando, essencialmente, o facto de dois dos lesados transportados no veículo (BB e CC) não usarem cinto de segurança, o que constituiria culpa do lesado (nos termos do artigo 570.º do CC), bem como a sua desproporcionalidade face aos danos sofridos.


Vejamos se lhe assiste razão, quanto às indemnizações em relação às quais a revista é admissível.


3.2. Quanto à indemnização conferida a AA pelo dano biológico e não patrimonial, no valor de 25.000 euros, entende a recorrente que este valor não devia ser superior a 8.000 euros, por constituir um montante excessivo face aos danos sofridos.


Vejamos a factualidade que foi tida em conta pelo acórdão recorrido para atribuir a indemnização a AA (encontrando-se a negrito os factos alterados ou corrigidos pela segunda instância):


«11. Na sequência do sinistro, AA, à data com 42 anos de idade, foi transportado para o Complejo Asistencial Universitario de ..., tendo-lhe sido colocada tala, medicado, tendo recebido alta no mesmo dia e transferido para o respetivo domicílio;


12. Do acidente resultou, ferimento na orelha esquerda e cicatriz queloidiana e ferimentos e fratura epifisária da fíbula esquerda não deslocada;


13. AA esteve de baixa médica, com incapacidade para o trabalho até 23 01.2019;


14. Ficou com a perna imobilizada por força da utilização de bota gessada durante cerca de 7 semanas;


15. Utilizou canadianas durante o referido período;


16. Por força das referidas lesões na perna, assistiu a 3 consultas com médico de família e 23 consultas de fisioterapia/cinesioterapia;


17. Recebeu 42 tratamentos de enfermagem na sua residência;


18. Por força das referidas lesões na orelha, AA foi submetido a cirurgia em 20 de fevereiro de 2019 e teve de fazer tratamentos de penso ao pavilhão auricular esquerdo durante cerca de duas semanas;


19. Assistiu a 12 consultas (12.02.2019, 19.12.2019, 06.07.2019, 17.12.2019, 04.02.2020, 10.03.2020, 21.04.2020, 23.06.2020, 08.09.2020, 17.11.2020, 18.05.2020, 29.06.2020) de cirurgia dermatológica na “P........... .. .......”;


20. A cicatriz queloidiana foi considerada estabilizada a 18/05/2021;


21. O Autor AA auferia, à data do sinistro, um vencimento mensal de € 2.437,08;


22. Nos 128 subsequentes ao acidente em que não trabalhou, deixou de auferir o valor de € 4.723,20;


23. A data de consolidação das lesões é fixável em 19.08.2020.


24. O défice funcional temporário total é de 2 dias,


24 –A - O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é de 146 dias


25. O défice funcional temporário parcial é de 354 dias;


26. O quantum doloris de grau 4 numa escala de 7;


27. Padece de um dano estético de grau 1 numa escala de 7;


28. Como consequência do sinistro, o Autor passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 2,98 pontos;


29. As sequelas do sinistro implicam esforços suplementares no exercício da respetiva atividade profissional


Como resulta desta factualidade, o autor AA sofreu ferimentos e lesões várias, nomeadamente numa orelha e numa perna, tendo sido submetido a uma cirurgia, sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7, ficou com uma cicatriz numa orelha, com um dano estético de grau 1 numa escala de 7. Ficou incapacitado para trabalhar durante cerca de 4 meses, teve de usar uma bota gessada, com imobilização da perna, durante cerca de 7 semanas e deslocar-se em canadianas durante esse tempo, teve múltiplas consultas médicas e tratamentos, incluindo fisioterapia, teve um défice funcional temporário parcial de 354 dias, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 2,98 pontos e as sequelas do sinistro implicam esforços suplementares no exercício da respetiva atividade profissional. Esta factualidade permite concluir que o autor passou por um quadro de sofrimento físico e moral, que releva em matéria de quantificação dos danos não patrimoniais, nos termos do artigo 496.º, n.º 4 do CC. Por outro lado, continuará a suportar futuras sequelas do sinistro, nomeadamente tendo de desenvolver esforços acrescidos para o desenvolvimento das suas atividades, pelo que se encontra justificada a indemnização do dano biológico, nos termos do art.566.º, n.º 3 do CC.


Neste quadro factual, constata-se que o montante de 25.000 euros para indemnizar tanto o dano biológico como o dano moral (apesar de a decisão não fazer uma individualização quantitativa das duas parcelas) não se afasta excessivamente de indemnizações que têm sido atribuídas noutros casos que apresentam alguma similitude.


Veja-se, a título exemplificativo, o que se decidiu, num caso com alguns aspetos próximos da presente situação, no acórdão do STJ, de 16.11.2023 (relator Manuel Capelo), no processo n. 1019/21.3T8PTL.G1.S1:


«I- É equitativa a indemnização por dano biológico no valor de 20.000,00 € ao lesado com 49 anos Deficit Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 4 pontos, compatível com a atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, nomeadamente a pegar pesos com mais de 30 kg ou conduzir longas distâncias sem paragens (aguentando apenas meia hora de viagem), dores, perdas de tempo e ajudas de terceiras pessoas.


II - Tendo em atenção as lesões sofridas pelo Autor, com as inerentes dores e incómodos que teve e terá de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que o Autor foi sujeito, bem como as sequelas de que ficou a padecer e que fruto dessas sequelas ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos e uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 (numa escala de 0 a 5), formulando o necessário o juízo de equidade e considerando os valores que vêm sendo definidos pela jurisprudência para casos similares, fixa-se a indemnização dos danos não patrimoniais em 10.000,00 €.»


Improcede, assim, a pretensão do recorrente.


3.3. Quanto à indemnização conferida a BB, no valor de 70.000 euros, pelo dano biológico e pelo dano não patrimonial, entende a recorrente que este valor não devia ser superior a 20.000 euros.


Afirma a recorrente que, viajando a vítima de acidente de viação sem cinto de segurança e tendo sido projetada do veículo, deve concluir-se que a indemnização pelos danos sofrido com essa projeção deve ser reduzida na medida da culpa do lesado, sendo tal redução de, pelo menos, 1/3 do valor atribuído.


Quanto a esta pretensão, facilmente se constata que ela não tem fundamento para ser procedente, pois da factualidade provada não emergem elementos que permitam concluir em que medida o não uso do cinto de segurança contribuiu para a produção dos danos sofridos pela lesada. Tal como não é possível saber que danos não teria sofrido (ou que danos teria sofrido) caso usasse o cinto, tendo presente que o AA usava o cinto de segurança e também sofreu danos com alguma gravidade (tendo-lhe sido atribuída a indemnização de 25.000 pelo dano biológico e pelos danos morais) e a DD não usava o cinto de segurança e sofreu apenas danos ligeiros.


Tal não significa desvalorizar o uso do cinto de segurança, mas apenas constatar que a factualidade provada não permite sustentar de forma sólida a pretensão da recorrente quanto à redução da indemnização por culpa do lesado com base no art.570.º do CC.


Deve ter-se presente que o Tribunal da Relação, alterando a matéria de facto, deu como não provado o ponto n.º 9 da decisão da primeira instância que tinha o seguinte teor: «Os danos sofridos pelos Autores BB, CC e DD foram agravados pelo facto de terem sido projectados da viatura.»


Assim, não cabendo ao STJ, em regra, proceder a alterações da factualidade assente pelas instâncias, cabe-lhe, nos termos do artigo 682.º do CPC, aplicar o direito aos factos provados; e no caso concreto, como referido, esses factos são insuficientes para sustentar a pretensão da recorrente.


Por outro lado, entende a recorrente que a decisão recorrida não teria feito a correta aplicação do artigo 566.º n.º 3 do CC, nomeadamente por ausência de proporcionalidade do montante indemnizatório face aos danos sofridos pela lesada, tendo atribuído uma indemnização excessiva.


Vejamos a factualidade que foi tida em conta pelo acórdão recorrido para atribuir a indemnização a BB (encontrando-se a negrito os factos alterados ou corrigidos pela segunda instância):


«31. Na sequência do acidente, BB, à data com 45 anos de idade, deu entrada no Complejo Asistencial Universitario de ..., em estado grave, com politraumatismos;


32. Foram-lhe diagnosticadas fraturas:


a. em ambas as escápulas sem deslocamento dos fragmentos;


b. do primeiro arco costal e arco costal posterior da 11.ª costela direita;


c. do segundo arco costal esquerdo;


d. em cunha do corpo vertebral dorsal 10, com fratura associada do pedicuro direito;


e. da apófise transversal esquerda com mínimo deslocamento do fragmento para dentro do canal medular;


33. Na parênquima pulmonar foram-lhe identificadas áreas de contusão pulmonar de predomínio em ambos os lóbulos inferiores;


34. Padeceu de derrame pericárdico mínimo e de lesão hipotensa mínima no segmento IV B provavelmente cística;


35. Foi submetida a intervenção cirúrgica em 03/09/2018 e recebeu alta a 12/09/2018, momento em que foi transferida para o seu domicílio;


36. As lesões de que padeceu consolidaram-se a 10/08/2019;


37. O défice funcional temporário total é de 100 dias;


38. No referido período de 100 dias, permaneceu em repouso absoluto, com tratamentos, apoio médico e de enfermagem e necessidade de usar fralda;


39. O défice funcional temporário parcial é de 246 dias;


39 - A - A Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7.


39-B -Tem ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares.


40. Esteve de baixa médica com fundamento em incapacidade para o trabalho desde a data do acidente até 1 de setembro de 2020;


40-A - Durante o período em que esteve incapacitada para o trabalho a Autora BB teve uma perda salarial no valor de 16.697,04 €;


41. A Autora BB recebeu autorização médica do clínico que a acompanhava para retomar o trabalho a 09/11/2020;


42. Por força das referidas lesões no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálico, assistiu a 16 consultas com médico de família, 3 consultas com médico ortopedista e 92 consultas de fisioterapia/cinesioterapia;


43. Recebeu 29 tratamentos de enfermagem na sua residência;


44. Como consequência do sinistro, a Autora passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro;


45. O quantum doloris de 5 em 7;


46. Padece de um dano estético permanente de grau 2 numa escala de 7;


47. BB padece de dores diariamente, necessitando de tomar medicação para o respetivo alívio e de assistência médica regular;


48. Não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares;»


Assim, no que releva, desde logo, para a compensação por danos morais, constata-se que a lesada sofreu múltiplas fraturas e lesões em consequência do acidente: no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálicas, foi submetida a intervenção cirúrgica e necessitou de múltiplas consultas médicas e tratamentos, teve um défice funcional temporário total superior a 3 meses e um défice funcional temporário parcial de cerca de 8 meses, sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7 e continua a padecer de dores, necessitando de medicação diária. Ficou ainda com um dano estético permanente de grau 2 em 7.


Por outro lado, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 em 7; não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares. Factos estes que relevam para efeitos de indemnização pelo dano biológico.


Neste quadro factual, constata-se que o montante de 70.000 euros para indemnizar tanto o dano biológico (também denominado dano patrimonial futuro) como o dano moral (apesar de a decisão não fazer uma individualização quantitativa das duas parcelas) não se afasta, de forma manifesta, de indemnizações que têm sido atribuídas noutros casos que apresentam alguns elementos factuais relativamente equiparáveis.


No Acórdão do STJ, de 30.11.2023 (relator Aguiar Pereira), no processo n. 315/20.1T8PVZ.P1.S1, sumariou-se o seguinte, quanto à indemnização dos danos patrimoniais futuros (dano biológico):


«O juízo de equidade em que se funda a fixação pelas instâncias do montante da indemnização nos termos do artigo 566.º n.º 3 do Código de Processo Civil só é passível de censura se não se contiver dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que o legitima, tendo por referência a evolução da jurisprudência e a observância do princípio da igualdade no tratamento prudencial de situações similares.


Não extravasa os limites impostos pela equidade a fixação de uma indemnização no valor de 45.000,00 euros para reparação de danos patrimoniais futuros de um homem de quarenta e oito anos de idade, pintor de construção civil, pessoa, robusta, forte e ágil que, como sequela definitiva das lesões sofridas passou a ser portador de um défice funcional permanente de integridade físico-psiquica de 17 pontos, deixando de poder realizar algumas das tarefas habituais que a sua função exige, subir e descer andaimes, tem grandes dificuldades em carregar pesos acima de 5 Kg e não consegue estar de pé durante longos períodos, com marcha claudicante e dor crónica no tornozelo esquerdo, ainda que tais sequelas sejam compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicando esforços suplementares significativos.»


No acórdão do STJ, de 24.02.2022 (relatora Maria da Graça Trigo, no processo n. 1082/19.7T8SNT.L1.S1, foi atribuída uma indemnização de 50.000 euros pelo dano biológico, tendo-se sumariado o seguinte:


«No caso dos autos: (i) tendo o lesado 34 anos à data do sinistro; (ii) tendo-lhe sido fixado um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos; (iii) tendo apenas sido feita prova do seu rendimento anual ao tempo do acidente (€ 7.798,00); (iv) e resultando da factualidade dada como provada que, com elevada probabilidade, as lesões por ele sofridas terão significativa repercussão negativa sobre o desempenho da profissão de serralheiro cujo exercício exige um elevado nível de força e de destreza físicas ao nível dos membros superiores (atingidos pelas lesões); conclui-se ser mais justo e adequado o quantum indemnizatório de €50.000,00 atribuído pela 1.ª instância do que o montante de €30.000,00 atribuído pelo acórdão recorrido.»


Veja-se ainda o Acórdão do STJ, de 30.11.2023 (relator Sousa Lameira), no processo n. 315/20.1T8PVZ.P1.S1, no qual se sumariou:


«É adequada e justa a indemnização, a título de compensação pelo dano biológico, de 60.000 Euros, sendo 20.000 Euros na vertente de dano moral e 40.000 Euros a título de dano patrimonial, atribuída ao Autor, de 16 anos, estudante de um Curso Profissional de Técnico de Manutenção de Industrial, trabalhando também a tempo parcial, auferindo uma retribuição mensal ilíquida na ordem dos € 250,00, que teve de ser transportado ao hospital onde permaneceu 9 dias, tendo sofrido várias lesões, com tratamentos por vários meses, apresentando várias queixas a nível funcional e a nível situacional, que sofre e continuará a sofrer no futuro, de dores físicas, incómodos e mal-estar, designadamente a nível do punho e mão esquerdos e do membro inferior esquerdo.»


Estes exemplos de acórdãos recentes, respeitantes à indemnização pelo dano biológico, bem como pelo dano moral (independentemente da diversidade terminológica usada), permitem concluir que a indemnização de 70.000 euros conferida pelo acórdão recorrido, englobando tanto o dano biológico como o dano moral, não de afastou excessivamente dos critérios que têm sido seguidos pelo STJ no que respeita à aplicação dos critérios de equidade noutros casos onde se identifica alguma proximidade em termos de danos sofridos (apesar de, obviamente, não ser possível encontrar dois casos rigorosamente iguais).


Improcede, assim, a pretensão da recorrente.


*


3.4. Quanto à indemnização atribuída a CC, no valor de 150.000 euros, pelo dano biológico e pelo dano não patrimonial, a recorrente entende que esse valor não devia ser superior a 40.000 euros, pela mesma ordem de razões que indica quanto à indemnização atribuída à BB, ou seja, a alegada culpa do lesado, por não usar o cinto de segurança, e a desproporção da indemnização face aos danos sofridos.


Quanto ao primeiro destes argumentos, ou seja, o da culpa do lesado, não lhe assiste razão, pela mesma ordem de fundamentos supra referidos a propósito da indemnização concedida à BB, e para onde se remete (sem necessidade da sua repetição).


No que respeita ao valor alegadamente excessivo da indemnização, importa ter presente a seguinte factualidade (encontrando-se a negrito os factos alterados ou corrigidos pela segunda instância):


«53. Na sequência do acidente, CC à data com 15 anos de idade, deu entrada no Complejo Asistencial Universitario de ... em estado grave, com politraumatismos;


54. Foram-lhe diagnosticados:


f. Traumatismo no pneumotórax esquerdo;


g. Fratura subcapilar do fémur direito do tipo III;


h. Ferida inciso-contusa no braço esquerdo;


i. Laceração do pavilhão auricular;


55. Foi submetido a intervenção cirúrgica a 30 de agosto de 2018 e recebeu alta a 10/09/2018, momento em que foi transferida para o seu domicílio;


56. Por força das referidas lesões na perna, assistiu a 6 consultas com médico de família, 11 consultas com médico ortopedista e 40 consultas de fisioterapia/cinesioterapia;


57. Recebeu 42 tratamentos de enfermagem na sua residência;


58. Não frequentou a escola até janeiro de 2019, ainda que tenha acompanhado a partir de casa as atividades letivas;


59. Assim que retomou as aulas presenciais, usou canadianas até abril de 2019;


60. Foi submetido a cirurgia, em França, a 25/06/2020, tendo ficado internado do dia 24 a 26 de junho de 2020;


61. Na sequência da referida cirurgia, permaneceu em convalescença até o final de setembro, momento em que regressou novamente à escola;


62. Utilizou canadianas para se locomover entre final de setembro e dezembro de 2020;


63. Foi submetido a cirurgia a 8 de julho de 2021 para retirada do material de osteossíntese da perna direita;


64. Por força das lesões decorrentes do acidente, o Autor CC ficou com uma perna mais curta que a outra em 2 cm;


65. O défice funcional temporário total é de 107 dias,


66. O défice funcional temporário parcial é de 968 dias,


66-A – Teve Período de repercussão temporária na atividade profissional total de 158 dias.


66-B- A Data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 08.08.2021.


66-C - As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com exercício de atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.


67. Como consequência do sinistro, o Autor passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 7,317 pontos, com existência de possível dano futuro;


68. O quantum doloris de 5 em 7;


69. Padece de um dano estético permanente de grau 2 numa escala de 7;


70. Sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de nível 4, uma escala de 7


Constata-se, assim, que o lesado sofreu múltiplas fraturas e lesões, em consequência do acidente, tendo sido alvo de três intervenções cirúrgicas, e tendo tido um longo período de convalescença e de recuperação, no qual teve de andar apoiado em canadianas por longos meses, necessitando de reiterados tratamentos e consultas médicas (consolidando-se as lesões apenas em agosto de 2021). Sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7. Ficou com um dano estético permanente de grau 2 em 7. Ficou com uma perna mais curta que a outra em 2 centímetros.


Neste quadro factual, facilmente se concluiu que os danos morais sofridos pelo lesado foram sérios e graves, merecendo, claramente, compensação adequado, nos termos do art.496.º do CC.


Por outro lado, passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 7,317 pontos, com existência de possível dano futuro; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de nível 4, uma escala de 7. E ficará com sequelas que implicam esforços acrescidos nas suas atividades habituais.


Aspetos estes que relevam em termos de indemnização pelo dano biológico.


Como se afirmou no acórdão recorrido:


«Estamos perante um jovem que ficou definitivamente afetado, física – basta atentar no encurtamento de uma perna - psíquica e funcionalmente, em elevado grau e durante as largas dezenas de anos que é suposto viver, o que vai, indelével e substancialmente, afetar a sua qualidade de vida, quer na vertente material, quer na ótica pessoal/emocional


A gravidade das lesões, sofridas por um jovem de 15 anos, e a perenidade das suas consequências (dado que ficou com uma perna mais curta que a outra), permitem facilmente concluir que a decisão recorrida não se afastou significativamente dos valores que têm sido atribuídos (em termos relativamente comparativos) pela mais recente jurisprudência do STJ.


Veja-se, por exemplo:


Acórdão do STJ, de 07.12.2023 (relator Cura Mariano), no processo n. 1393/21.1T8PNF.P1.S1, no qual se sumariou:


«O cálculo de uma indemnização ressarcitória de uma incapacidade permanente parcial de um jovem de 14 anos exige um difícil prognóstico sobre o resto da sua vida, face à sua situação atual, constituindo um juízo probabilístico no qual, se a aplicação de fórmulas matemáticas ou tabelas estáticas nos podem ajudar a encontrar um valor de referência, será a atenção aos padrões de indemnização adotados, nos tempos mais próximos, pela jurisprudência, em casos análogos, sobretudo os arestos do Supremo Tribunal de Justiça, que nos deve orientar no sentido de obter, pelo menos, uma justiça relativa


Neste acórdão foi fixado uma indemnização de 270.000 euros para os danos que resultaram da incapacidade funcional permanente de que o autor ficou a padecer, bem como uma compensação de 100.000 pelos danos morais que o autor sofreu.


Concluiu-se, neste quadro, que a indemnização encontrada por aplicação dos critérios de equidade previstos nos artigos 566.º, n.º 3 e 496.º, n.º 4 do CC não sofre de desproporcionalidade, alinhando pelos parâmetros decisórios que têm sido seguidos pela mais recente jurisprudência do STJ, pelo que a pretensão da recorrente tem de improceder.


*


DECISÃO: Pelo exposto, julga-se a revista improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas: pela recorrente.


Lisboa, 10.04.2024


Maria Olinda Garcia (Relatora)


Amélia Alves Ribeiro


Ricardo Costa





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1. Não tem aqui aplicação a jurisprudência fixada pelo AUJ n.10/15, porque a ré não se conformou com os valores decididos pela primeira instância, tendo interposto recurso subordinado de apelação.↩︎

2. Embora no seu dispositivo a sentença tivesse atribuído o valor total de 16.723,20, na sua fundamentação é feita a distinção de valores, sendo 4.723,20 euros a título de danos patrimoniais e 12.000 euros a título de danos não patrimoniais.↩︎