Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14/14.3T8SNT-E.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CONDENAÇÃO
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
EXTRADIÇÃO
PROVA PROIBIDA
INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O fundamento da revisão de sentença da al. e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP exige a verificação de dois requisitos: condenação com fundamento em prova que deva classificar-se como «proibida», por utilização de método proibido de prova previsto no artigo 126.º, n.ºs 1 a 3, do CPP, e conhecimento («descoberta»), posterior à condenação, de que a prova em que esta se fundou foi obtida por método proibido.

II. A validade do julgamento por crimes anteriores que não constavam do mandado de detenção internacional com vista à extradição, em alegada violação da proteção conferida por imunidade processual resultante da não renúncia ao benefício da regra da especialidade (artigo 16.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto), relevando em sede de pressupostos processuais, é matéria completamente distinta, sem qualquer conexão com a validade, admissibilidade e utilização das provas no julgamento (artigo 118.º do CPP).

III. Independentemente da verificação daquela invalidade, a prova será válida desde que na sua aquisição e produção não tenham sido utilizados «métodos proibidos de prova» indicados no artigo 126.º do CPP, que impeçam a sua utilização.

IV. Quanto a este ponto nada foi alegado, pelo que se deve concluir que o recurso carece, em absoluto, de qualquer fundamento, devendo ser negada a revisão.

V. O recorrente interpôs um anterior recurso de revisão com idênticos fundamentos de facto, mas invocando um diferente fundamento de direito – o da inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação [al. c) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP].

VI. Embora a situação descrita seja idêntica, a problematização que esta motiva face a diferentes normas reconduz-se a fundamentos diversos, que o tribunal é chamado a apreciar, em juízos autónomos e distintos, pelo que não ocorre o obstáculo à revisão a que se refere o artigo 465.º do CPP, por ilegitimidade do recorrente.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA, arguido, com a identificação dos autos, interpõe recurso extraordinário de revisão do acórdão da Instância Central de ..., 1.ª Secção Criminal, do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, proferido no âmbito dos presentes autos em 1 de fevereiro de 2016, confirmado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.06.2016, transitado em julgado em 26.09.2016, que o condenou na pena única de 9 anos de prisão. pela prática, como coautor material, de 21 (vinte e um) crimes de burla qualificada, na forma consumada, previstos e punidos pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal.

2. Fundando o recurso na alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal («CPP») alega que (transcrição):

«1 - O requerente foi detido no dia 1 de Agosto de 2014, na Sérvia ao abrigo do mandado de detenção internacional, que consta nos presentes autos.

2 - Ora, sucede que o mandado de detenção internacional foi emitido ao abrigo do processo n.º 670/08.1... e não nos presentes autos.

3 - O arguido jamais em tempo algum renunciou ao princípio da especialidade e jamais poderia ter sido julgado e condenado nos presentes autos.

4 - Ora, o artigo 16.º da lei 144/99 de 31 de Agosto, consagra a regra da especialidade, que impede a realização de julgamento do arguido por outros crimes não previstos no mandado de detenção executado.

5 - Porém, não tendo o arguido renunciado ao princípio da especialidade todas as formalidades e formalismos pela Lei 144/99 de 31 de Agosto, não foram, nomeadamente, o facto de ter sido emitido o mandado para o processo n.º 670/08.1... mas o mandado foi executado no âmbito dos presentes autos que foi julgado e condenado, nessa situação obrigatoriamente teria que ser questionado ao arguido se renunciava ou não ao princípio da especialidade, que não foi feito violando o artigo 16.º da Lei 144/99 de 31 de Agosto e ao ser julgado por crimes não previstos no mandado de internacional, foi utilizada prova proibida nos termos do artigo 126 n.º 1 e n.º 2 do CPP.

6 - Ora, convém referir duas situações importantes neste processo, em sede de primeiro interrogatório judicial, um inspector da Polícia Judiciária que trouxe o arguido ficou preocupado e disse ao arguido, este mandado está mal feito, tivemos tanto trabalho e agora a juíza de instrução terá que o soltar.

7 - Inclusivamente, o meretíssimo juiz que estava de turno na instrução criminal recusou se a pegar no processo e realizar a diligência, e teve que ser outro juiz de instrução que estava de férias para realizar a diligência de interrogatório judicial de arguido detido.

8 - Porém, mais grave que isso é o facto de o arguido ser acusado e condenado por 32 crimes, mas na verdade no mandado só vinham referidos 14 crimes.

9 - No entanto, o mais grave de tudo é o facto de o requerente ter sido condenado por mais crimes do que vêm do mandado e os ofendidos contra os quais terão sido praticados, mas é curioso que no mandado de detenção internacional vem indicados alguns ofendidos mas não vem referido o nome dos ofendidos BB e CC.

10 - Porém, o tribunal a quo condenou o arguido na pena de 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de burla qualificada ao ofendido CC.e na pena de 3 anos de prisão ao ofendido BB.

11 - Inclusivamente, o arguido foi condenado pelo crime de burla qualificada ao ofendido DD, na pena de 4 anos de prisão pelo crime de burla qualificada e ao ofendido EE pelo crime de burla qualificada na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, quando o nome de ambos os ofendidos não constavam do mandado de detenção internacional.

12 -Nos presentes autos, torna-se mais que perceptível que foram violados diversos preceitos da lei 144/99 de 31 de Agosto, em especial do artigo 16.º da referida o princípio da especialidade, ou seja, para que o arguido fosse julgado por crimes que não estejam no mandado de detenção internacional, nos presentes autos teriam que enviar ao Tribunal da Relação e questionar o arguido se renuncia ao princípio da especilidade, caso não renuncia-se teria que ser solicitado a ampliação do mandado de detenção internacional à Sérvia.

13 - Ora, nos presentes autos nada disso foi feito, mas ao invés no processo n.º 537/10.3... que correu os seus termos em ..., no processo n.º 252/10.8..., os referidos processos foi respeitado o princípio da especilidade e o arguido teve a diligência no tribunal da relação, questionando o mesmo se renunciava ou não ao princípio da especilidade, mas o arguido não renunciou ao princípio da especialidade.

14 - Porém, nos presentes autos foi solicitado um habeas corpus ao Supremo tribunal de Justiça, no qual o mesmo reconheceu as nulidades processuais, nos termos do artigo 379.º n.º 1 alínea c) do cpp e que a respectiva prova utilizada foi proibida, por não vir no mandado de detenção internacional. Senão vejamos:

15 - O artigo 126.º n.º 1 cpp refere que : " São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas."

16 - No entanto, o artigo 126.º n.º 2 do cpp refere que : " São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:

a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;

b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;

c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;

d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;

e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível."

17 - Ora, com a preterição de formalidades ao não ser ouvido o recorrente relativamente aos crimes não incluídos no mandado de detenção e ter sido utilizada prova testemunhal de crimes que não vêm incluídos no mandado.

18 - Porém, a preterição de tais formalidades e a inclusão da prova testemunhal em crimes que não vêm incluídos no mandado tal situação configura prova proibida por violação da alínea c) e d) do artigo 126.º n.º 2 do CPP. Senão vejamos:

19 - A utilização de prova testemunhal proibida por crimes não incluídos no mandado configura uma proibição de prova, sendo utilizada a força jurisidicional em caso não permitido por lei e impediu que o arguido pudesse beneficiar de um julgamento justo e de uma pena consideravelmente mais baixa que o poderia levar à suspensão da pena de prisão, uma vez que o crime senão vem no mandado de detenção jamais poderia ser objecto de julgamento, sendo toda a prova inexistente.

20 - Inclusivamente, o facto de o arguido ter sido condenado por crimes que não vêm incluídos no mandado, tal situação leva a inexistência jurídica do julgamento e da sentença em em si.

21 - Porém, tal situação também configura uma utilização da força excessiva, por parte do sistema jurisdicional português, que envia um mandado de detenção com 14 crimes e depois afinal o mesmo é julgado por 32 crimes, que apesar de ter alertado as autoridades portuguesas para tal situação nunca foi ouvido nesse sentido.

22 - Inclusivamente, o exercício do princípio do contraditório é fundamental para o arguido estar devidamente informado, sobre os crimes que vêm no mandado e ser efectuada a diligência no Tribunal da Relação no qual o arguido teria que dar autorização se renunciava ou não ao princípio da especialidade.

23 - No entanto, e salvo o devido respeito o arguido ter sido julgado por mais crimes que vinham no mandato e ser condenado de força abusiva e excessiva pelo "tribunal a quo" demonstram o uso e abuso excessivo da força da autoridade judiciária, desrespeitando os direitos, liberdades e garantias do arguido.

24- Inclusivamente, no processo n.º 422/13.7..., que correu os seus termos no Tribunal de ..., foi julgado ilegalmente e condenado em pena de multa que foi revertido em pena de prisão subsidiária.

25 - Porém, nos referidos autos relativamente ao mesmo arguido e situação muito semelhante, o tribunal de ... não enviou o processo para o Tribunal da Relação de Lisboa para questionar se o arguido renunciava ou não ao princípio da especialidade, ignorando por completo o artigo 16.º da lei 144/99 de 31 de Agosto, fez o julgamento e condenou o arguido em pena de multa.

26 - Posteriormente, após ter sido emitidos mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão subsidiária, o arguido recorreu alegando que a pena estava prescrita e não tinha sido respeitado o artigo 16.º da Lei 144/99 de 31 de Agosto.

27 - Porém, o tribunal da Relação decidiu que: " o nº 1 do artº 19 da Lei supra aplicável logo ali se deparara que sendo os factos anteriores e diferentes do que origina o pedido de MDI (e que são in casu) a pessoa não pode entre o mais ser JULGADA por facto anterior e diferente à sua presença em território nacional, do que origina o pedido de cooperação formulado por autoridade portuguesa. Ora face a tal facto incontestável e decorrente de norma em vigor e não tendo o arguido renunciado ao princípio da especialidade, entende-se que aqui que o mesmo não podia ser sujeito previamente ao julgamento e condenação que foi alvo nos presentes autos, por contrariar o disposto no nº 4 daquela lei. "

28 - Inclusivamente, a imunidade tem forçosamente de se referir ao julgamento, que está por assim dizer, interdito de efectuar, se por factos anteriores ao MDI. Ou seja, não se pode efectuar um julgamento por factos anteriores e diferentes dos que originaram o MDI, os quais acarretaram até uma condenação do arguido nos termos supra referidos, sem a prévia renúncia ao principio da especialidade, que foi exactamente o que sucedeu (e mal) nos presentes autos. E assim não se dando conta de tal lapso saltou-se uma etapa, focando a sua atenção na pena ( de forma equivocada...) em que que o arguido foi condenado num julgamento e decisão que nunca poderia ter ocorrido , e tal parece-nos óbvio.

29 - Ora, pois não se pode julgar e condenar ninguém extraditado para Portugal, por factos anteriores e diferentes ao MDI sem que o arguido previamente renuncie ao principio da especialidade, pelo que todo o processamento destes autos se basearam em pressupostos errados logo ao não cumprimento da lei aplicável ao caso., e os 45 dias posteriores deveriam ter sido verificados para a realização do julgamento com uma possível ou não posterior condenação relativamente aos factos destes autos por estes serem anteriores e diferentes aos factos que estiveram na génese do MDI já trás referido, desiderato aliás que não nos compete colmatar sob qualquer prisma.

30 - O julgamento e condenação por factos posteriores ao MDI, tem como consequência a inexistência jurídica, que nunca poderá ser sanado ou reparado pelo Tribunal" a quo".

31 - A inexistência jurídica é um vício radical que se verifica apenas quando à sentença falta um dos seus elementos essenciais: não provir a sentença de pessoa investida do poder jurisdicional; ser o acto emitido a favor de ou contra pessoas fictícias ou imaginárias; não conter a sentença uma verdadeira decisão ou conter uma decisão incapaz de produzir qualquer efeito jurídico.

32- Consequentemente, a inexistência jurídica deve ser declarada no processo penal, por razões de segurança jurídica" e tal vício "... não se convalida com o trânsito em julgado da decisão inexistente."

33 - Ora, a sentença inexistente é o acto que não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter a eficácia jurídica própria duma sentença. A sentença inexistente é um mero acto material, um acto inidóneo para produzir efeitos jurídicos, um simples estado de facto com a aparência de sentença, mas absolutamente insuscetível de vir a ter eficácia jurídica.

34 - Pelo exposto, e tendo em conta o ora decidido pela 9.a Secção do Tribunal de ..., no processo n.º 422/13.7..., que a preterição pelo tribunal do princípio da especialidade e o arguido ter sido julgado e condenado por mais factos que constam do mandado torna a acusação, julgamento e acórdão proferido inexistentes, por factos diversos do mandado de detenção torna a acusação, julgamento e acórdão proferido tornam-se os mesmos inexistentes, pelo que se requerer que o processo seja novamente reapreciado e todo o processado seja todo anulado.

35 - Consequentemente, a prova utilizada dos crimes que não estavam no mandado de detenção, que o arguido foi julgado e condenado trata-se de prova inexistente por violar o artigo 126.º n.º 1 e n.º 2 do CPP alínea c) e d), sendo fundamento do recurso de revisão.

36 - Ora, tendo em conta, o que foi decidido no processo n.º 422/13.7..., que o arguido foi condenado por factos diversos dos que constam do mandado de detenção, apesar do trânsito em julgado, a decisão e o julgamento foram totalmente anulados pelo vício de inexistência jurídica, pelo de o arguido não ter sido ouvido e questionado se o mesmo renuncia ou não ao princípio da especialidade, utilização de prova testemunhal proibida por crimes não incluídos no mandado configura uma proibição de prova, sendo utilizada a força jurisdicional em caso não permitido por lei e impediu que o arguido pudesse beneficiar de um julgamento justo e de uma pena consideravelmente mais baixa que o poderia levar à suspensão da pena de prisão, uma vez que o crime senão vem no mandado de detenção jamais poderia ser objecto de julgamento, sendo toda a prova inexistente e também o facto de tal situação também configura uma utilização da força excessiva, por parte do sistema jurisdicional português, que envia um mandado de detenção com 14 crimes e depois afinal o mesmo é julgado por 32 crimes, que apesar de ter alertado as autoridades portuguesas para tal situação nunca foi ouvido nesse sentido, foi ignorado o princípio do contraditório, não foi questionado ao arguido se renunciava ou não ao princípio da especialidade, sendo exercida força abusiva e excessiva pelo " tribunal a quo" demonstram o uso e abuso excessivo da força da autoridade judiciária, desrespeitando os direitos, liberdades e garantias do arguido. (…)

Nestes termos, vem o arguido AA muito respeitosamente requerer junto de V. Exa. enquanto meio de prova essencial para a descoberta da verdade material, se digna admitir o presente recurso e perante o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, que reconheceu que nos presentes autos foi utilizada prova proibida, se requerer que seja anulado o julgamento por inexsitente. sendo efectuado novo julgamento apenas com os crimes que constam do mandado.

1. Da ratio essendi da revisão - A presente providência assenta a sua esfera de gravidade no equilíbrio ténue entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material (CPP Anotado - Simas Santos e Leal Henriques, p.1042 e segs.).Não pode pois sobrepor-se a segurança do injusto sobre a justiça (cfr. Os mesmos autores em Recursos em Processo Penal, 3a Edição, p.163 / Cavaleiro Ferreira in Revisão Penal, Scientia Iuridica, XIV nº92 a 94, p.616).Por conseguinte, o que se almeja neste recurso extraordinário é uma nova decisão judicial que se substitua através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado.

2. Do fundamento jurídico-legal da revisão - Tal qual se alegou no ponto anterior no âmbito de presente recurso extraordinário, tem a defesa do arguido AA, por presente e adquirido que, no domínio do processo penal, tal como, no domínio do processo civil, esta "providência excepcional" tem por fito obviar a decisões injustas, fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito (a que o caso julgado dá guarida).Com efeito, o Artigo 449 nº 1 alínea e) do CPP dispõe que a "revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: e) se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º do CPP.

Este fundamento diz respeito apenas a decisões condenatórias, no qual foi utilizada prova proibida como foi o caso dos presentes autos, foi condenado por crimes que não constam do mandado de detenção e produzida prova proibida por crimes que não constam do mandado,sendo que tais fundamentos de revisão têm de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, a ponto de seriamente se colocar a hipótese da absolvição da pessoa condenada, são estes os fundamentos que estão directamente conexionados com a garantia constitucional do Artigo 29 nº 6 da Lei Fundamental, impondo-se pois como exigência, não só de justiça material, como também de salvaguarda do princípio de dignidade humana, em que assenta todo o edifício jurídico-constitucional do Estado de Direito democrático.

3. Do fundamento jurídico-legal da revisão, in casu - nos presentes autos o arguido foi julgado e condenado com mandado de detenção com o número de processo errado e com mais crimes que não vinham no mandado, sem respeitar o artigo 16.º da lei 144/99 de 31 de Agosto, e foi utilizada prova proibida nos termos do artigo 126 n.º 1 e n.º 2 alínea c) e d) do CPP, que não deveria ter sido utilizada pelo factos de os crimes, uma vez que não faziam parte do mandado de detenção e permitiu uma sentença com o vício de inexistência, que no processo n.º 422/13.7..., pela 9." Secção, na mesma situação com o mesmo arguido foi declarada a inexistência do julgamento e do acórdão.

4. Ora, tendo em conta a condenação nos presentes autos é inconciliável a prova proibida que foi utilizada nos presentes autos, pelo facto de o mandado de detenção ter apenas 14 crimes e ter sido julgado por 32 crimes e ter sido utilizada prova proibida para crimes que não estavam no mandado e foi indevidamente condenado, sem ter sido dada a oportunidade de se pronunciar se renuncia ou não ao princípio da especialidade, com a sentença referida e a prova proibida e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, se requerer a revisão.

5. Consequentemente, e tendo em conta o que foi alegado nas motivações se requer que seja declarada inexistente o acórdão proferido nos presentes autos, tendo em conta que o mesmo não respeitou o artigo 16.º entre outros da lei 144/99 de 31 de Agosto, nomeadamente, o princípio da especilidade jamais deveria o arguido ser julgado e condenado pelo mandado de detenção internacional para outro processo por crimes diferentes dos que vêm no mandado, porque a prova utilizada é proibida.

Termos em que muito respeitosamente se requer a V. Exas. Venerandos Conselheiros, que, face as contradições invocadas e perante os vícios graves referidos, seja por vos decretada a revisão da sentença mencionada por inexistência jurídica, por não ter sido respeitado o princípio da especialidade e para o efeito seja o processo remetido in totum para novo mandado de detenção e julgamento anulando todos os actos praticados, já que foi utilizada prova proibida.»

3. Respondeu a Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido, dizendo, em conclusões, no sentido da improcedência do recurso (transcrição):

«1. O Recorrente AA foi condenado, por Acórdão proferido no âmbito dos presentes autos em 1 de Fevereiro de 2016, confirmado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.06.2016, transitado em julgado em 26.09.2016, na pena única de 9 anos de prisão pela prática, como coautor material de 21 (vinte e um) crimes de burla qualificada, na forma consumada, previstos e punidos pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal.

2. O Recorrente requer a admissibilidade do recurso extraordinário de revisão de sentença com base na al. e), do n.º 1 do art.º 449.º do Código de Processo Penal.

3. O Recorrente, em 02.08.2022, interpôs recurso extraordinário de revisão com base na al. c) do n.º 1 do art.º 499.º do CPP.

4. Por douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 08.11.2022, transitado em julgado 24.11.2022, foi negado provimento ao mesmo, por ser manifestamente infundado, em face da sua inadmissibilidade nos termos do disposto no art.º 449.º, n.º 1, al. c) do CPP.

5. Vem agora o recorrente interpor novo recurso extraordinário de revisão com base na al. e) do n.º 1 da mesma disposição legal.

6. Porém, compulsadas as respectivas motivações, constata-se que são, em tudo, semelhantes, apenas com pequenas alterações.

7. Efectivamente, no 1º recurso extraordinário de revisão o recorrente baseou a sua motivação na “existência de contradição entre a decisão proferida nos presentes autos e aquela outra proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo 422/13.7..., já que foi julgado, nestes autos por um número superior de crimes relativamente àqueles constantes do mandado de detenção internacional, ao abrigo do qual foi detido e apresentado às Autoridades Portuguesas”.

8. Neste recurso o Recorrente, para além de voltar a alegar que “foi julgado e condenado com mandado de detenção com o número de processo errado e com mais crimes que não vinham no mandado, sem respeitar o artigo 16.º da lei 144/99 de 31 de Agosto”, acrescenta que “foi utilizada prova proibida nos termos do artigo 126 n.º 1 e n.º 2 alínea c) e d) do CPP, que não deveria ter sido utilizada pelo facto de os crimes, uma vez que não faziam parte do mandado de detenção e permitiu uma sentença com o vício de inexistência, que no processo n.º 422/13.7..., pela 9.ª Secção, na mesma situação com o mesmo arguido foi declarada a inexistência do julgamento e do acórdão”.

9. Da consulta dos autos verifica-se que:

- Dado não ter sido localizado o paradeiro do Recorrente, em 16.07.2013, foi emitido MDE;

- Em 20.11.2013 foi deduzida acusação contra 3 arguidos, entre os quais o ora Recorrente, em que lhe foi imputada a prática de 27 crimes de burla qualificada e 1 crime de falsificação de documentos;

- Em 12.02.2014 foi proferido despacho de pronuncia;

- Na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, que teve lugar no dia 22.05.2014, foi determinada a separação de processos relativamente ao Recorrente, dado que se desconhecia o seu paradeiro, não tendo prestado TIR no âmbito do processo, pelo que foi extraída certidão que deu origem aos presentes autos.

10. A al. e) do nº 1 do art.º 449.º do CPP permite a revisão da sentença quando se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas, tal como vêm definidas nos nºs 1 a 3 do art.º 126.º do CPP, ou seja, as provas obtidas mediante tortura, coação ou ofensa à integridade física ou moral das pessoas e ainda as obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem o consentimento do respetivo titular.

11. Como expende Paulo Pinto de Albuquerque «A nulidade das provas proibidas obedece a um regime distinto da nulidade insanável e da nulidade sanável. Trata-se de um regime complexo, que distingue dois tipos de proibições de provas consoante as provas atinjam a integridade física e moral da pessoa humana ou a privacidade da pessoa humana» (in Comentário do Código de Processo Penal, UCE, Dezembro 2007, pág. 326, anotação 3).

12. Ora, o Recorrente entende que o facto de “ter sido julgado por mais crimes que vinham no mandato e ser condenado de força abusiva e excessiva pelo “tribunal a quo” demonstram o uso e abuso excessivo da força da autoridade judiciária, desrespeitando os direitos, liberdades e garantias do arguido”.

13. No entanto, o Recorrente não alega qualquer prova que tenha sido considerada para a sua condenação passível de atingir a sua integridade física e ou moral ou a sua privacidade.

14. De facto, limita-se a dizer que o facto de ter sido condenado por mais crimes do que aqueles que constavam do Mandado de Detenção Europeu “demonstram o uso e abuso excessivo da força da autoridade judiciária, desrespeitando os direitos, liberdades e garantias”.

15. Razão pela qual não se encontram reunidos os fundamentos e requisitos exigidos na al. e) do n.º 1 do art.º 499.º do CPP.

16. Mas, mesmo que assim se não entendesse, necessário seria que a descoberta da invalidade das provas fosse posterior ao trânsito da decisão condenatória. Parece ser esta a única interpretação possível da expressão “se descobrir”, paralela aliás à da al. e), que significa a emergência de um facto novo, desconhecido até ao termo da discussão da causa, e por isso insuscetível de ter sido invocado pelo interessado em sede de recurso ordinário (neste sentido, vd. Ac. do STJ, de 04.07.2018, disponível em dgsi.pt).

17. Ora, o Recorrente e o seu Defensor estiveram presentes em audiência de discussão e julgamento e foi interposto recurso ordinário do acórdão proferido, logo, seria esse o meio adequado para suscitar tal questão.

18. Porém, em sede de recurso ordinário não foi sindicada qualquer desconformidade entre o mandado de detenção europeu e os factos pelos quais o arguido veio a ser julgado e condenado.

19. Questão esta já decidida em sede de recurso extraordinário de revisão, por decisão de 8.11.2022, devidamente transitado em julgado.

20. Alega ainda o Recorrente que o mandado de detenção europeu foi emitido ao abrigo do processo n.º 670/08.1... e não nos presentes autos, sendo que nunca renunciou ao princípio da especialidade, pelo que nunca poderia ter sido julgado nestes autos.

21. De acordo com o disposto no art.º 7.º n.º 1, da Lei 65/2003, de 23.08, a pessoa entregue em cumprimento de um mandado de detenção europeu não pode ser sujeita a procedimento penal, condenada ou privada de liberdade por uma infracção praticada em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do MDE.

22. Conforme já acima se referiu, o mandado de detenção europeu no âmbito do qual o recorrente veio a ser detido, foi emitido no âmbito do processo n.º 670/08.1..., do qual foi ordenada a certidão que deu origem aos presentes autos, apenas no que respeita ao Recorrente, por não ter sido possível, o seu julgamento naquele processo por se encontrar contumaz.

23. Ora, a certidão não invalida a legalidade e validade dos actos praticados anteriormente, sendo os mesmos válidos no âmbito do processo a que tal certidão der origem, razão pela qual dúvidas não restam de que o Recorrente foi legal e validamente detido e apresentado às Autoridades Portuguesas no âmbito dos presentes autos.

24. Face ao exposto, no nosso modesto entendimento, o fundamento invocado não se enquadra na previsão do instituto de revisão, designadamente no fundamento contido na al. e) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP.»

4. Pronunciando-se sobre o mérito do pedido, de acordo com o disposto no artigo 454.º do CPP, consigna o Senhor Juiz do processo, concluindo pela denegação da revisão (transcrição):

«O arguido AA, que foi condenado como coautor material de 21 (vinte e um) crimes de burla qualificada, na forma consumada, previstos e punidos pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena única de 9 (nove) anos de prisão, vei, uma vez mais, apresentar recurso de revisão com invocação das disposições conjugadas dos artigos 449º nº 1 al. e), artigo 126.º n.º 2 alínea c) e d), artigo 450º nº 1 al. c), e artigo 451º, todos do Código de Processo Penal.

Para tanto, sustenta a sua pretensão nos seguintes fundamentos: [transcrição]

Tal como já se deixara exposto no despacho que admitiu liminarmente o recurso, não existem diferenças substanciais em relação dos fundamentos já esgrimidos perante o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, em recurso extraordinário de revisão a que corresponde o nº 14/14.3T8SNT-D, apresentado em 02.08.2022 e que foi considerado, por douta decisão transitada em julgado, manifestamente infundado.

Acompanho os fundamentos aludidos pela Digna Magistrada do MP por questões de economia processual, entendendo-se que deverá, novamente, ser negada revisão.

Instrua o apenso com cópia do anterior recurso extraordinário.»

5. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 455.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto, também com sólida e atualizada fundamentação na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, emitido parecer, igualmente no sentido da denegação da revisão (transcrição):

«1. - No processo comum 14/14.3T8SNT, da (então) 1.ª secção criminal da instância central de ..., em acórdão de 1 de fevereiro de 2016, integralmente confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de junho de 2016, transitado em julgado em 26 de setembro de 2016, o arguido AA foi condenado pela prática de vinte e um crimes de burla qualificada, um deles na forma tentada, da previsão dos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena única de 9 anos de prisão (ref.ª citius ....04, de 26 de junho de 2023). Foram ofendidos nesses crimes: - FF; - GG; - BB; - HH; - CC; - II; - JJ; - KK; - LL; - MM; - NN; - OO; - PP; - QQ; - RR; - SS; - DD; - TT; - UU; - VV; e - WW. 2. - Em 2 de agosto de 2022 o arguido interpôs um primeiro recurso extra-ordinário de revisão com fundamento no art. 449.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal (ref.ª citius .......91, de 9 de junho de 2023).

2. - Em 2 de agosto de 2022 o arguido interpôs um primeiro recurso extraordinário de revisão com fundamento no art. 449.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal (ref.ª citius .......91, de 9 de junho de 2023).

Concluiu então que:

«1. Da ratio essendi da revisão - A presente providência assenta a sua esfera de gravidade no equilíbrio ténue entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material (CPP Anotado - Simas Santos e Leal Henriques, p. 1042 e segs.). Não pode pois sobrepor-se a segurança do injusto sobre a justiça (cfr. Os mesmos autores em Recursos em Processo Penal, 3.ª Edição, p. 163 / Cavaleiro Ferreira in Revisão Penal, Scientia Iuridica, XIV n.º 92 a 94, p. 616). Por conseguinte, o que se almeja neste recurso extraordinário é uma nova decisão judicial que se substitua através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado.

2. Do fundamento jurídico-legal da revisão - Tal qual se alegou no ponto anterior no âmbito de presente recurso extraordinário, tem a defesa do arguido AA, por presente e adquirido que, no domínio do processo penal, tal como, no domínio do processo civil, esta "providência excepcional" tem por fito obviar a decisões injustas, fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito (a que o caso julgado dá guarida).Com efeito, o Artigo 449 n.º 1 alínea c) do CPP dispõe que a "revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Este fundamento diz respeito apenas a decisões condenatórias, sendo que tais fundamentos de revisão têm de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, a ponto de seriamente se colocar a hipótese da absolvição da pessoa condenada. São estes os fundamentos que estão directamente conexionados com a garantia constitucional do Artigo 29 n.º 6 da Lei Fundamental, impondo-se pois como exigência, não só de justiça material, como também de salvaguarda do princípio de dignidade humana, em que assenta todo o edifício jurídico-constitucional do Estado de Direito democrático.

3. Do fundamento jurídico-legal da revisão, in casu - nos presentes autos o arguido foi julgado e condenado com mandado de detenção com o número de processo errado e com mais crimes que não vinham no mandado, sem respeitar o artigo 16.º da Lei 144/99 de 31 de Agosto, mas no processo n.º 422/13.7..., pela 9.ª Secção, na mesma situação com o mesmo arguido foi declarada a inexistência do julgamento e do acórdão.

4. Ora, tendo em conta a condenação nos presentes autos é inconciliável com a sentença referida e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, se requerer a revisão.

5. Consequentemente, e tendo em conta o que foi alegado nas motivações se requerer que seja declarada inexistente o acórdão proferido nos presentes autos, tendo em conta que o mesmo não respeitou o artigo 16.º entre outros da Lei 144/99 de 31 de Agosto, nomeadamente, o princípio da especialidade jamais deveria o arguido ser julgado e condenado pelo mandado de detenção internacional para outro processo por crimes diferentes dos que vêm no mandado.

Termos em que muito respeitosamente se requer a V. Exas. Venerandos Conselheiros, que, face as contradições invocadas e perante os vícios graves referidos, seja por vos decretada a revisão da sentença mencionada por inexistência jurídica, por não ter sido respeitado o princípio da especialidade e para o efeito seja o processo remetido in totum para novo mandado de detenção e julgamento anulando todos os actos praticados».

3. - Em 8 de novembro de 2022, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento a este primeiro recurso de revisão, «por ser manifestamente infundado, em face da sua inadmissibilidade nos termos do disposto no artigo 449.º n.º 1 al. c) do CPP» (ref.ª citius ......28, de 23 de junho de 2023).

4. - Em 26 de janeiro de 2023 o arguido apresentou novo recurso de revisão (ref.ª citius .......90, de 24 de abril de 2023).

Concluí agora que:

«1. Da ratio essendi da revisão - A presente providência assenta a sua esfera de gravidade no equilíbrio ténue entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material (CPP Anotado - Simas Santos e Leal Henriques, p. 1042 e segs.). Não pode pois sobrepor-se a seguran-ça do injusto sobre a justiça (cfr. Os mesmos autores em Recursos em Processo Penal, 3.ª Edição, p. 163 / Cavaleiro Ferreira in Revisão Penal, Scientia Iuridica, XIV n.º 92 a 94, p. 616).Por conseguinte, o que se almeja neste recurso extraordinário é uma nova decisão judicial que se substitua através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado.

2. Do fundamento jurídico-legal da revisão - Tal qual se alegou no ponto anterior no âmbito de presente recurso extraordinário, tem a defesa do arguido AA, por presente e adquirido que, no domínio do processo penal, tal como, no domínio do processo civil, esta "providência excepcional" tem por fito obviar a decisões injustas, fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito (a que o caso julgado dá guarida). Com efeito, o Artigo 449 n.º 1 alínea e) do CPP dispõe que a "revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: e) se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do CPP. Este fundamento diz respeito apenas a decisões condenatórias, no qual foi utilizada prova proibida como foi o caso dos presentes autos, foi condenado por crimes que não constam do mandado de detenção e produzida prova proibida por crimes que não constam do mandado, sendo que tais fundamentos de revisão têm de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, a ponto de seriamente se colocar a hipótese da absolvição da pessoa condenada, são estes os fundamentos que estão diretamente conexionados com a garantia constitucional do Artigo 29 n.º 6 da Lei Fundamental, impondo-se pois como exigência, não só de justiça material, como também de salvaguarda do princípio de dignidade humana, em que assenta todo o edifício jurídico-constitucional do Estado de Direito democrático.

3. Do fundamento jurídico-legal da revisão, in casu – nos presentes autos o arguido foi julgado e condenado com mandado de detenção com o número de processo errado e com mais crimes que não vinham no mandado, sem respeitar o artigo 16.º da Lei 144/99 de 31 de Agosto, e foi utilizada prova proibida nos termos do artigo 126 n.º 1 e n.º 2 alínea c) e d) do CPP, que não deveria ter sido utilizada pelo factos de os crimes, uma vez que não faziam parte do mandado de detenção e permitiu uma sentença com o vício de inexistência, que no processo n.º 422/13.7..., pela 9.ª Secção, na mesma situação com o mesmo arguido foi declarada a existência do julgamento e do acórdão.

4. Ora, tendo em conta a condenação nos presentes autos é inconciliável a prova proibida que foi utilizada nos presentes autos, pelo facto de o mandado de detenção ter apenas 14 crimes e ter sido julgado por 32 crimes e ter sido utilizada prova proibida para crimes que não estavam no mandado e foi indevidamente condenado, sem ter sido dada a oportunidade de se pronunciar se renuncia ou não ao princípio da especialidade, com a sentença referida e a prova proibida e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, se requerer a revisão.

5. Consequentemente, e tendo em conta o que foi alegado nas motivações se requerer que seja declarada inexistente o acórdão proferido nos presentes autos, tendo em conta que o mesmo não respeitou o artigo 16.º entre outros da lei 144/99 de 31 de Agosto, nomeadamente, o princípio da especialidade jamais deveria o arguido ser julgado e condenado pelo mandado de detenção internacional para outro processo por crimes diferentes dos que vêm no mandado, porque a prova utilizada é proibida.

Termos em que muito respeitosamente se requer a V. Exas. Venerandos Conselheiros, que, face as con-tradições invocadas e perante os vícios graves referidos, seja por vos decretada a revisão da sentença mencionada por inexistência jurídica, por não ter sido respeitado o princípio da especiliadade e para o efeito seja o processo remetido in totum para novo mandado de detenção e julgamento anulando todos os actos praticados, já que foi utilizada prova proibida».

5. - O recurso está instruído com cópias do mandado de detenção internacional emitido no âmbito do processo 670/08.1... e do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo 422/13.7... e faz referência ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de julho de 2017 proferido no processo de habeas corpus 14/14.3T8SNT-B.S1 (alojado em www.dgsi.pt).

6. - Na sua resposta, o MP, de forma competente, concluiu que o fundamento do art. 449.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal em que assenta o pedido de revisão não se encontra preenchido (ref.ª citius ......37, de 12 de maio de 2023).

7. - O Sr. juiz titular do processo 14/14.3T8SNT, do atual Juízo Central Criminal de ..., lavrou informação sobre o mérito do recurso na qual se pode ler que (ref.ª citius .......86, de 5 de junho de 2023):

«(…) não existem diferenças substanciais em relação dos fundamentos já esgrimidos perante o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, em recurso extraordinário de revisão a que corresponde o n.º 14/14.3T8SNT-D, apresentado em 02.08.2022 e que foi considerado, por douta decisão transitada em julgado, manifestamente infundado.

Acompanho os fundamentos aludidos pela Digna Magistrada do MP por questões de economia processual, entendendo-se que deverá, novamente, ser negada revisão».

8. - Parecer (art. 455.º n.º 1 do Código de Processo Penal).

Nos termos do art. 29.º, n.º 6, da Constituição, os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

Na mesma linha, o art. 4.º, n.º 2, do protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (1), prevê a possibilidade de reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento.

As condições ou termos prescritos na lei processual penal para a revisão constam do art. 449.º do Código de Processo Penal.

No que ora interessa este normativo estabelece no n.º 1 que a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação [al. c)] ou se descobrir que serviram de fundamento à condenação pro-vas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º [al. e)].

Vale a pena destacar ainda que o art. 465.º do Código de Processo Penal preceitua que na hipótese de negação da revisão ou de manutenção da decisão revista não pode haver nova revisão com o mesmo fundamento.

No caso sub examine, o recorrente invocou no primeiro recurso de revisão o fundamento do art. 449.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal: inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação no processo 14/14.3T8SNT e os dados como provados no processo 422/13.7... (neste último processo o recorrente foi condenado, por sentença de 13 de maio de 2015, na pena de 450 dias de multa à razão diária de 6 euros, posteriormente convertida em 300 dias de prisão subsidiária, pela prática, iniciada em 30 de junho de 2009, de um crime de burla qualificada. O Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 7 de junho de 2022, declarou a inexistência jurídica da sentença condenatória por entender que o recorrente, quando foi extraditado para ser julgado no processo comum 14/14.3T8SNT, não renunciou à regra da especialidade prevista no artigo 16.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, e como tal não podia ter sido condenado pela burla que emprestava objeto ao processo 422/13.7... por se tratar de crime diferente do que originou o pedido de extradição).

Agora o recorrente invoca como fundamento da revisão a al. e) do n.º 1 do art. 449.º do Código de Processo Penal: descobrir-se que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal.

Todavia, como bem assinalam o Sr. juiz e o MP na 1.ª instância, embora com esta diferente roupagem jurídica, os fundamentos de facto que amparam os dois recursos são os mesmos e têm a ver com a circunstância de o recorrente, depois de ter sido extraditado para Portugal ao abrigo de um mandado de detenção internacional emitido no processo 670/08.1... (do qual foi extraída a certidão da sua culpa tocante que deu origem ao processo 14/14.3T8SNT – v. a pág. 1 do acórdão revidendo), ter sido julgado e condenado por crimes não mencionados no sobredito mandado de detenção internacional e no pedido de extradição, concretamente, pelos crimes de burla em que são ofendidos CC, BB, DD e WW, sem que tivesse renunciado ao princípio da especialidade consagrado no art. 16.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto.

E olvidando que a autorização da revisão apenas conduz a realização de um novo julgamento (art. 457.º do Código de Processo Penal), o recorrente renova igualmente neste segundo recurso o pedido para que seja declarada a inexistência do acórdão revidendo.

Neste contexto, não temos dúvidas de que a legitimidade do recorrente e a viabilidade do recurso encontram-se irremediavelmente comprometidas (art. 465.º do Código de Processo Penal).

Como observa o Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 24 de novembro de 2021, processo 516/09.3GEALR-B.S1, relatado pelo conselheiro António Gama, www.dgsi.pt):

«§ 3. Interposto recurso de revisão pelo arguido, tendo sido negada a revisão ou mantida a decisão revista, não pode haver nova revisão com o mesmo fundamento (art. 465.º, CPP), caso em que o requerente, como sinteticamente anuncia a epígrafe da norma, carece de legitimidade para o novo pedido de revisão.

§ 4. A versão atual dessa norma (art. 465.º, CPP) resulta da alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, que adequou a primitiva solução normativa, à declaração de inconstitucionalidade do ac. 301/2006 (decidiu julgar inconstitucional a norma do artigo 465.º do Código de Processo Penal por violação do artigo 29.º, n.º 6, da Constituição, na dimensão de que não pode haver um segundo pedido de revisão com novos fundamentos de facto, não anteriormente invocados, se o não requerer o Procurador-Geral da República). Assim, o novo pedido de revisão deixou de poder ser apenas da iniciativa do Procurador-Geral da República, e passou a poder ser requerido pelas pessoas com legitimidade (art. 450.º CPP), desde que com novos fundamentos de facto, não anteriormente invocados.

§ 5. A atual solução normativa mantém uma lógica de limitação da interposição de recursos de revisão repetidos e infundados e pretende assegurar, através de tal filtragem logo na limitação da autoria do pedido, a estabilidade das decisões transitadas em julgado».

Ainda que assim não se entenda.

Como é sabido, «o fundamento de revisão respeitante à condenação com recurso a provas proibidas exige a verificação de dois requisitos:

- (i) condenação em provas proibidas, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal; e

- (ii) superveniência na demonstração de que serviu de fundamento à condenação uma prova proibida» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de julho de 2022, processo 421/19.5JELSB-D.S1, 5.ª secção, relatado pelo conselheiro Orlando Gonçalves, cujo texto integral não se encontra publicado em qualquer base de dados).

Provas proibidas, segundo a definição do art. 126.º do Código de Processo Penal, são as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas (n.º 1), como tal se considerando as provas obtidas mediante perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos, perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação, utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei, ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto, ou promessa de vantagem legalmente inadmissível (n.º 2), bem como, ressalvados os casos previstos na lei, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular (n.º 3).

Observa a propósito o Supremo Tribunal de Justiça que «[a]s provas devem ter efetivamente servido de fundamento, mesmo que em conjugação com outras, à condenação. Se, portanto, ainda que tenham sido produzidas no processo, as provas proibidas não serviram de maneira nenhuma de suporte à condenação, não haverá lugar à revisão». Por outro lado, «[n]ecessário é que a descoberta da invalidade seja posterior ao trânsito da decisão condenatória. Parece ser esta a única interpretação possível da expressão “se descobrir”, paralela aliás à da al. d), que significa a emergência de um facto novo, desconhecido até ao termo da discussão da causa, e por isso insuscetível de ter sido invocado pelo interessado em sede de recurso ordinário» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2018, processo 1006/15.0JABRG-D.S1, relatado pelo conselheiro Maia Costa, www.dgsi.pt).

Dito por outras palavras, «[p]ara a revisão de sentença transitada em julgado com fundamento na condenação em provas proibidas, não basta que a prova seja proibida nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal, pois a lei exige ainda que a revisão só tenha lugar “se se descobrir” que essas provas serviram para a condenação. (…) na aplicação da alínea e), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP, sempre este Supremo Tribunal tem sublinhado que o preceito legal deve ser interpretado no sentido de que, só se pode considerar verificada a situação prevista na hipótese normativa, se a “descoberta” de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas tiver ocorrido num momento em que o vício já não podia ser considerado na decisão condenatória ou nos recursos ordinários que dela couberam». Ou seja, «[s]ó pode dizer-se que foi descoberta uma situação com relevo para a decisão de condenar ou absolver se ela era, ou também era, processualmente desconhecida do tribunal que proferiu a decisão transitada em julgado. Se o tribunal conhecia toda a envolvência da situação, mas fez dela uma errada apreciação houve um erro de julgamento, para cuja correcção a lei pressupõe serem suficientes as vias ordinárias admissíveis. Na jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado, reiterada e uniformemente, no mesmo sentido» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de novembro de 2022, processo 120/17.2TELSB-B.S1, relatado pelo conselheiro CID GERALDO, www.dgsi.pt).

Pois bem, a mera leitura do segmento de fundamentação da convicção do tribunal [págs. 45-59 do acórdão da 1.ª instância] desmente que o recorrente tenha sido condenado com base em provas proibidas. A prova, por definição legal, é aquilo que demonstra ou estabelece a realidade de um facto (art. 341.º do Código Civil). O julgamento não é uma prova. O julgamento é a fase processual contraditória onde se produzem provas e onde se aprecia e debate a matéria de facto objeto de discussão em ordem à prolação de uma decisão quanto à responsabilidade penal (e civil) e às respetivas consequências jurídicas.

Mais.

Admitindo por mera hipótese de raciocínio que no julgamento do processo comum 14/14.3T8SNT foi menosprezada a imunidade do arguido inerente ao facto de não ter renunciado, aquando da sua extradição, à regra da especialidade relativamente a, no máximo, quatro dos crimes de burla qualificada pelos quais o mesmo veio a ser condenado e que isso tornaria insanavelmente proibidas as correspondentes provas, tal falha, para justificar a revisão (parcial), teria, conforme assinalado, de ter sido descoberta depois da prolação do acórdão condenatório.

Ora, resulta da decisão revidenda que o recorrente, no decurso do julgamento, foi confrontado com os factos que lhe eram imputados no despacho de pronúncia, entre os quais estavam os respeitantes aos ofendidos BB, CC, DD e WW que, segundo alega, não foram incluídos no pedido de extradição [págs. 1-2]:

«Pelos factos descritos no despacho de pronúncia foram imputados ao arguido AA, em coautoria (com XX):

a) 17 (dezassete) crimes de burla qualificada, na forma consumada, previstos e punidos pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, (factualidade referente a YY, ZZ, CC, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, AAA, SS, DD, UU, VV, BBB e CCC e WW);

b) 4 (quatro) crimes de burla qualificada, na forma consumada, previstos e punidos pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º2, al.s a) e b), do Código Penal, (factualidade referente a FF, BB, QQ e GG);

c) 2 (dois) crimes de burla qualificada, na forma consumada, previstos e punidos pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, als. b) e c), do Código Penal, (factualidade referente a HH e II);

d) 1 (um) crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. a), b) e c), do Código Penal), (factualidade referente a TT);

e) 2 (dois) crimes de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, (factualidade referente a DDD e EEE);

f) 1 (um) crime de falsificação, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, als. c) e e), e n.º 3, do Código Penal (factualidade referente a TT);

Ao arguido AA foi ainda imputado, em coautoria (com XX e FFF) e na forma consumada, 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal (factualidade referente a RR)».

Não obstante, como também se pode ler no relatório do mesmo aresto [pág. 4]:

«O arguido AA apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos e arrolou testemunhas».

E para além disso [pág. 45 do acórdão]:

«em sede de audiência de julgamento declarou não pretender prestar declarações sobre a factualidade constante da acusação, dando por reproduzidas as suas declarações prestadas aquando do 1.º interrogatório judicial de arguido».

Sendo certo ainda que, no recurso ordinário que então interpôs [págs. 5-6 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa]:

«a) Invoca a nulidade da sentença, por omissão de fundamentação da matéria de facto, relativa aos pontos 211 a 215, bem como por ausência de consignação de matéria factual relativa à situação social, familiar e económica do arguido;

b) Entende existir caso julgado, no que se refere à condenação em sede de pedido cível;

c) Insurge-se quanto à medida da pena aplicada, por considerar que deveria ter havido lugar a atenuação especial da mesma, face à confissão do arguido e, igualmente, por não existirem elementos factuais que permitam considerar as alíneas c) e d) do art.º 71 do C. Penal.»

É, assim, também incontestável que o recorrente soube, se não antes, pelo menos com a notificação do despacho de pronúncia, que iria ser julgado igualmente pelos quatro crimes de burla qualificada em relação aos quais, na sua ótica, não havia renunciado à regra da especialidade.

E se então optou por calar essa ilegalidade, sibi imputet.

Em suma, nem a condenação do recorrente assentou em provas proibidas nem, muito menos, em provas proibidas de que ele só tomou conhecimento após a condenação.

Acompanhando em tudo o mais a resposta do MP e a informação do Sr. ... da 1.ª instância, emite-se parecer no sentido da negação do recurso de revisão.»

6. O recorrente tem legitimidade para requerer a revisão [artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP].

7. Nada obstando ao conhecimento do recurso, colhidos os vistos foi o processo remetido à conferência para decisão (artigo 455.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).

II. Fundamentação

8. Resulta dos autos que o recorrente foi detido na Sérvia em cumprimento de um mandado de detenção internacional com vista à extradição, emitido pelo Ministério Público em 25.07.2013, no âmbito do processo de inquérito n.º 670/08.1..., e entregue no dia 04.09.2014, no aeroporto internacional de Belgrado, «em virtude do pedido de extradição apresentado pelas autoridades portuguesas», como consta da «certidão» lavrada pelo inspetor da Polícia Judiciária que recebeu o detido. A referência que é feita nos autos ao «mandado de detenção europeu» – que é um instrumento jurídico de cooperação judiciária que substituiu a extradição no âmbito das relações entre os Estados-Membros da União Europeia (preâmbulo, n.ºs 7 e 11, e artigo 31.º da Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, transposta pela Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto) – deve, assim, ser entendida como dizendo respeito ao mandado de detenção internacional com vista à extradição e à entrega do recorrente às autoridades portuguesas na sequência da apresentação e deferimento do pedido de extradição apresentado à República da Sérvia para efeitos de procedimento criminal (sendo aplicável a Lei n.º 144/99, de 31 de agosto).

9. Do acórdão condenatório (recorrido) resulta que «Foram também pronunciados XX e FFF, arguidos os quais já foram julgados no âmbito do processo n.º 670/08.1... e no qual, por à data ser desconhecido o paradeiro do arguido AA, que nunca prestara T.I.R., os processos foram separados, com fundamento no disposto no artigo 30.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal – acta de fls. 9989, tendo sido extraída certidão que deu azo aos presentes autos n.º 14/14.3T8SNT, com vista apenas ao julgamento deste último arguido

10. No acórdão recorrido, confirmado em recurso pelo Tribunal da Relação de Lisboa (acórdão de 22.06.2016), transitado em julgado em 26.09.2016, cuja revisão agora se pretende, foi decidido:

«(…)

e) Condenar o arguido AA, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (factualidade referente a FF).

u) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a GG).

v) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (factualidade referente a BB).

w) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a HH).

x) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a CC).

y) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a II).

z) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a JJ).

aa) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a KK).

bb) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a LL).

cc) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a MM).

dd) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (factualidade referente a NN).

ee) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a OO).

ff) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a PP).

gg) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previstos e punidos pelos artigos 217.º, n.º1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a QQ);

hh) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a RR).

ii) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a SS).

jj) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a DD).

kk) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (factualidade referente a TT).

ll) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a UU).

mm) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a VV).

nn) Condenar o arguido, como co-autor material de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factualidade referente a EE).

oo) Em cúmulo jurídico das penas parcelares, condenar o arguido AA na pena única de 9 (nove) anos de prisão

11. Da motivação da decisão condenatória em matéria de facto, cuja transcrição não se mostra necessária à decisão deste recurso, consta que o tribunal fundamentou a sua decisão nas seguintes provas, que apreciou critica e detalhadamente:

«(…) quanto aos factos que se consideraram provados e constantes da acusação pública e às circunstâncias em que os mesmos ocorreram, foram considerados, em concreto e de forma concatenada as declarações prestadas pelo arguido AA, declarações dos demandantes, depoimentos das testemunhas, conjugados de forma critica com toda a prova documental junta aos autos.

No que concerne às declarações do arguido AA, impõe-se esclarecer que este em sede de audiência de julgamento declarou não pretender prestar declarações sobre a factualidade constante da acusação, dando por reproduzidas as suas declarações prestadas aquando do 1.º interrogatório judicial de arguido.

Em 04.09.2014, quando o arguido quando prestou declarações em sede 1.º interrogatório de arguido detido, por o sistema de gravação encontrar-se inoperacional, impossibilitando a gravação das suas declarações, as mesmas foram reduzidas a escrito, por súmula, constando o auto de fls. 2874 a 2911.

Tendo-se interrompido a diligência, para continuar no dia seguinte, no dia 05.09.2014, verificando-se que já existiam meios técnicos para se proceder à gravação das declarações das mesmas, as mesmas foram gravadas (auto de fls. 2916 a 2925 e CD de fls. 2944).

Assim, em julgamento procedeu-se à audição das declarações orais prestadas pelo arguido e gravadas, bem como à leitura das suas declarações reduzidas a escrito, por sumula, no auto de fls. 2190 a 2992.

Essas declarações foram valoradas criticamente pelo Tribunal, em conjugação com a demais prova e relativamente a factos em que o arguido assumiu diferente posição, nas suas declarações escritas e orais, o Tribunal valorou-as no seu todo, louvando-se daquela que estava em sintonia e de acordo com a demais prova produzida.

Aliás, o arguido admitiu diversas situações em que convenceu os ofendidos a efectuarem transferências de montantes monetários, não devidos, para contas bancárias a que teria acesso, ou os seus titulares posteriormente levantariam e entregar-lhe-iam os montantes. Mais referiu como era curioso, por vezes, ao telefone transmitir às pessoas os “passos” que deveriam dar, nas caixas multibanco, para alcançar esse desiderato e as pessoas seguiam as suas instruções.

Admitiu que era amigo de XX, tinham “negócios” em conjunto, razão pela qual tinha acesso aos dados pessoais dos ofendidos, clientes de empresas com as quais XX e o próprio arguido AA, tinham relações, tendo muitas vezes agido de comum acordo, ambos lucrando com as transferências bancárias efectuadas pelos incautos ofendidos, ou mesmo quando recorriam a outros métodos que os levassem a dispor de quantias monetárias a favor do arguido AA e de XX.

Também se valorou o depoimento dos ofendidos que relataram a dinâmica dos acontecimentos, como só após disporem dos montantes monetários se aperceberem do logro em que tinham caído, o que os afectou psicologicamente.

No que tange aos factos provados 1. a 18., valoraram-se de forma conjugada as declarações do arguido AA, conjugadamente com os documentos insertos a fls. 11 a 15 do Apenso AA, de fls. 157 a 158 e 516 a 519 e 521 a 529, referentes ao contrato social, actas e registo comercial da sociedade S.. ...., conjugados nesta parte com o teor do depoimento da testemunha GGG, irmã de XX, quanto ao facto desta apenas figurar como sócia “fictícia” da sociedade a pedido daquele, tendo sido sempre este quem foi o gerente de facto da sociedade e que tomou todas as decisões sobre o destino da mesma.

Mais se valoraram os documentos apreendidos na residência de XX, constante dos Anexos de Buscas 1, 2, 3 e 4 (diversos contractos assinados e minutas de contratos, das várias sociedades, contratos de arrendamento de lojas e de sociedades), os exames efectuados ao conteúdo do telemóvel de XX (contendo minutas de contratos de “time-sharing” ou de promoções de pacotes de férias em nome de diversas empresas e contratos de sociedades).

Também se valoraram os depoimentos das testemunhas HHH (inicialmente trabalhou em call center`s e como recepcionista para XX, em várias instalações e em nome de várias empresas, designadamente a S.. .... e a H......., esclarecendo o modo como levavam as pessoas aleatoriamente escolhidas através da lista telefónica a deslocarem-se às instalações das empresas, eram atendidas por funcionários que faziam vendas de pacotes de férias através de contratos de créditos aí subscritos), III (que explicou o modo como era efectuada a abordagem por XX, conhecendo o arguido AA por ser amigo daquele; o seu falecido marido havia adquirido um pacote de férias e posteriormente um individuo que se identificou como sendo AA telefonou dizendo que tinha de pagar umas taxas, pelo que fez vários pagamentos e encontrou-se com XX); JJJ (trabalhou para XX como operador de call center, visando captar clientes para compra de férias em várias instalações), KKK e LLL (trabalharam para o arguido XX num call center no ... em ..., captando potenciais compradores).

Dos documentos de fls. 1408 a 1415 e de fls. 40 a 42 do Apenso A, resulta a ligação de XX às empresas N...T..., R...... e F...company (e a ligação entre estas), constando o seu nome como gestor, resultando dos documentos de fls. 462 do Apenso AB e fls. 12 do Apenso C que XX era a única pessoa que pode movimentar tal conta bancária da F...company. Do teor de fls. 37 e do exame efectuado ao telemóvel de XX a ligação entre as sociedades I...... e F...company, tudo conjugado com o teor de fls. 4 a 10 do Apenso AA e fls. 69 a 73 do Apenso B.

Mais se valorou o depoimento da testemunha MMM e o teor do depoimento da testemunha NNN quanto ao facto de o arguido AA contactou NNN, sócio-gerente da F..., Lda e alegando pretender adquirir as quotas de que este era proprietário, logrou que lhe entregasse a documentação referente a tal sociedade, designadamente, bancária.

Mais se valorou a documentação clínica de fls. 973 a 989 e o teor de fls. 217 a 219 e 225 a 227 do Apenso B, os documentos de fls. 26 a 28 do Apenso AA e de fls. 1 a 3 do Apenso AA e de fls. 24 a 26, de fls. 272 a 273 e de fls. 23 e 24 do Apenso AA, de fls. 45 a 50 do Apenso AA, de fls. 40 a 44 do Apenso AA e o teor dos documentos de fls. 378 a 382 quanto à documentação bancária do BES onde XX figura com 2.º titular da conta bancária.

Relativamente à factualidade de cada um dos inquéritos, atendeu-se em especial:

1.º Inquérito n.º 670/08.1...

O arguido AA admitiu a factualidade deste inquérito e que o Tribunal considerou assente, afirmando que não foi ele que levantou o cheque pois não movimentava a conta. A testemunha OOO, funcionária na N...T...” relatou que AA pediu-lhe para abrir uma conta bancária em seu nome (OOO), de forma a que os clientes aí depositassem cheques (nesta parte valorou-se a ficha bancária de fls. 99 a 121 do Apenso B).

Também se valoraram os depoimentos das testemunhas FF e PPP (primos de XX), que confirmaram de forma clara e precisa cada um dos factos provados que presenciaram, designadamente que entregaram o cheque ao arguido AA, bem como o teor dos documentos de fls. 10 e 11, relativos ao contrato inicial que subscreveram com XX, os documentos de fls. 12 e 13, relativos ao novo contrato de adesão à “F...company”, que foram levados a preencher e a pagar pelo mesmo o valor de € 3.500,00, o documento de fls. 85 e 129, referente a cópia do cheque emitido e ao desconto na conta de FF e PPP, à documentação bancária de fls. 150 a 153.

2.º Inquérito n.º 928/11.2...

Não só a acusação pública não imputa quaisquer factos ao arguido AA, como a suposta vítima ZZ confirmou apenas ter contactado com XX e o arguido AA negou ter tido qualquer envolvimento nos mesmos, pelo que não ficou provado qualquer envolvimento do arguido AA nos mesmos.

3.º Inquérito n.º 527/11.9...

Igualmente no verifica-se que não só a acusação pública não imputa quaisquer factos ao arguido AA, como a suposta vítima YY confirmou apenas ter contactado com XX e o arguido AA negou ter tido qualquer envolvimento nos mesmos. Assim, não ficou provado qualquer envolvimento do arguido AA nos mesmos.

4.º inquérito n.º 4555/10.1...

4.º No que tange à factualidade do inquérito n.º 4555/10.1..., o arguido AA em sede de 1.º interrogatório judicial admitiu ter telefonado a GG, no dia 11 de Fevereiro de 2010 com vista a que este efectuasse uma transferência bancárias para conta titulada pela sociedade R....... no BPN e o valor de € 698,00, o que este não fez por não dispor de saldo na sua conta.

A testemunha GG confirmou no substancial os factos considerados provados, relatou os telefonemas dum indivíduo que se identificou como sendo AA e apenas porque não dispunha de saldo suficiente para realizar tal operação, não transferiu qualquer quantia para a conta indicada pelo arguido AA.

Mais se valorou o auto de reconhecimento efectuado por GG, de fls. 1503 a 1505 dos autos, o teor do auto de denúncia de fls. 3 a 7 do Apenso A, o documento de fls. 16, 17 e 114 do Apenso A, relativamente ao contrato efectuado com a Cofidis, o documento da Caixa Geral de Depósitos que refere como destinatário a S...... constante a fls. 18 a 20 do Apenso A, os documento referentes ao contrato de férias recebidos por si e não assinados de fls. 9 a 15, 30 a 32 e 65 do Apenso A e bem assim os documentos de factura pro-form que lhe foram entregues de fls. 21 a 22 do Apenso A, os documentos de transferência bancária para a conta da F...company (apenas movimentada pelo arguido XX) de fls. 23 do Apenso A e ainda o teor de fls. 242 do Apenso D.

Da conjugação da prova apenas se pode ter por assente que foi o arguido AA que efectuou os telefonemas a AA e apenas porque este não dispunha de saldo suficiente para realizar tal operação, não transferiu qualquer quantia para a conta indicada por este arguido.

Quanto à demais factualidade, não resultou da prova que o arguido AA tenha tido algum envolvimento na mesma, pelo que consignou-se não provada.

5.º Inquérito n.º 1380/08.5...

No que tange a esta factualidade o arguido AA afirmou ter-se limitado a agir na qualidade de funcionário de XX e apenas recebeu uma comissão, tendo sido XX quem procedeu ao desconto do cheque. Ora, o que o arguido quis dizer foi que recebeu parte do montante monetário.

Por sua vez a testemunha BB relatou de forma clara e pormenorizada os factos, designadamente o contacto estabelecido com o arguido AA, em 2007, tendo entregue o cheque.

Mais se valorou o auto de reconhecimento do arguido XX constante a fls. 1491 a 1493 dos autos, o auto de denúncia de fls. 3 a 4 do Apenso B, fls. 42 e 43, 47 e 26 do Apenso B relativo ao contrato celebrado com a V.. ......, o documento de fls. 251 a 254 referente à ordem de transferência das quantias de € 1.500,00 e de € 4.500,00, o documento de fls. 50 do Apenso B, relativo à missiva enviada a denunciar o contrato e aos documentos de fls. 24 e 25 do Apenso B (pagamento do valor de € 3.500,00 por cheque), tudo concatenado de forma critica com os documentos bancários de fls. 99 a 121 do Apenso B.

6.º Inquérito n.º 37/11.4...

Em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido, o arguido AA declarou ter recebido quantia a título de comissão por ter efectuado o telefonema.

Por sua vez a testemunha HH relatou a factualidade, considerada provada, afirmando apenas desconhecer quem lhe deu ordens para efectuar a transferência (mas nesta parte o próprio arguido admitiu que foi ele quem efectuou o telefonema).

Também a testemunha NNN esclareceu que o arguido AA telefonou-lhe e, alegando ter indicado a um cliente, por lapso, o NIB de uma das contas da empresa F..., Lda, de que era sócio-gerente, solicitou-lhe que procedesse ao levantamento da quantia transferida e lha entregasse, o que fez (teor de fls. 66 do Apenso C).

Mais se valorou o teor do auto de denúncia de fls. 3 do Apenso C, dos documentos 11 e 12 e 34 e 35 do Apenso C quanto às transferências bancárias efectuadas e bem assim os documentos bancários de fls. 66 e 67 do Apenso C, nos quais o Banco Santander atesta que a conta da F...company é apenas movimentada pelo arguido XX e que este, em 12.01.2011, procedeu ao levantamento em numerário da quantia de € 2.240,00.

7.º Inquérito n.º 138/10.6...

O arguido AA em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido (1.ªs declarações por sumula e 2.ªs gravadas) admitiu ter contactado telefonicamente CC, através do número ... ... .51 (fls. 8 do Apenso AC), no dia 9 de Fevereiro de 2009. O arguido tinha acesso aos registos da N...T... e sabia que CC tinha subscrito, em 12 de Julho de 2007, o contrato n.º 10435, de adesão ao cartão N...T... e, depois de se identificar como funcionário do departamento jurídico daquela sociedade, solicitou-lhe que procedesse ao depósito na conta da CGD com o NIB .... .... .... .... 0, titulada por QQQ (fl. 390 e 392 a 415 do Apenso AB), da quantia de € 350,00, referente a taxas administrativas dos anos de 2007 a 2009.

Tais declarações foram confirmadas pelo depoimento claro e isento prestado pela testemunha CC, que relatou o telefonema efectuado por AA, exigindo o pagamento de taxas e como ficou psicologicamente afectado em consequência destes factos. Talão em nome de QQQ.

Para prova dos factos considerados provados mais se valorou o teor dos documentos de fls. 42 a 48 do Apenso X, fls. 9 a 15 do Apenso D (contrato subscrito por CC com a N...T... e documentação a tal referente), fls. 403 do Apenso AB (depósito e levantamento da quantia de € 375,00, referente às alegadas “taxas administrativas”).

8.º Inquérito n.º 784/10.8...

Em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido, nas suas declarações por súmula, AA admitiu os factos. Já no 1.º interrogatório cujas declarações encontram-se gravadas, negou os mesmos.

No entanto, a testemunha II (vítima), cujo depoimento foi claro e preciso, relatou as circunstâncias em que procedeu às três transferências, esclarecendo que quem lhe telefonou identificou-se como sendo AA, não se tendo tido qualquer dúvida em considerar tal factualidade como provada.

Mais se valorou o auto de denúncia de fls. 64 a 68 do Apenso X, os documentos de fls. 387 a 393 do Apenso D, os documentos bancários de fls. 64, 242, 251 do Apenso D e de fls., 714 e 1933 e 1934 do Apenso AB (estes relativamente às transferências bancárias).

9.º Inquérito n.º 753/10.8...

O arguido AA declarou não ter dado ordens a qualquer funcionário da F...company para contactar telefonicamente JJ, no sentido desta fazer a transferência da quantia de € 989,99, para uma conta titulada por AA. Porém admitiu ser titular dessa conta bancária.

Por sua vez a testemunha JJ relatou a factualidade na sua globalidade, esclarecendo que quando efectuou transferência no ecrã apareceu o nome de AA e quem estava ao telefone disse que era o nome de um dos directores.

Mais se valorou o auto de denúncia de fls. 88 a 93 do Apenso X (note-se que mais uma vez existe uma ligação entre a F...company –ao arguido XX, pois que os dados de tal ofendida eram conhecidos pelo arguido XX através do contrato inicial subscrito entre esta e a N...T... fls. 17 a 25 do Apenso F – e após os contactos são efectuados em nome da F...company). Considerou ainda o Tribunal o documento de fls. 26 do Apenso F e os documentos bancários de fls. 11 a 17 do Apenso AB.

10.º Inquérito n.º 345/10.1...

Quando prestou declarações pela primeira vez (por sumula), o arguido AA admitiu que KK efectuou a transferência, mas negou ter procedido ao levantamento do montante monetário. Já quando prestou declarações gravadas negou ter tido qualquer envolvimento nos factos.

No entanto, a testemunha KK relatou a globalidade dos factos provados, designadamente as transferências que efectuou, esclarecendo que quem telefonou identificou-se como sendo AA.

Mais se valorou o auto de denúncia de fls. 2 a 6 do Apenso G, os documentos de fls. 8 a 13 do Apenso G e fls. 159 do Apenso O, relativamente ao contrato celebrado com a N...T... e à transferência bancária efectuada por KK.

11.º Inquérito n.º 443/10.1...

O arguido AA admitiu a factualidade relativa a este inquérito.

Também a testemunha LL (vítima) relatou a globalidade dos factos que se consideraram provados e referiu que quem telefonou identificou-se como sendo AA.

Mais se valorou o teor do auto de denúncia de fls. 109 a 113 do Apenso X e de fls. 30 do Apenso H e fls. 717 do Apenso AB, relativamente às transferências bancárias efectuadas.

12.º Inquérito n.º 301/10.0...

O arguido AA admitiu a factualidade relativa a este inquérito.

Também a testemunha MM (vítima) relatou a globalidade dos factos que se consideraram provados e referiu que quem telefonou identificou-se como sendo AA.

Mais se valorou o auto de denúncia de fls. 86 a 90 do Apenso X, os documentos de fls. 9 a 13 do Apenso I e de fls. 124 a 127 do Apenso X, estes relativos ao contrato celebrado entre MM e a N...T... por intermédio do arguido XX, os documentos bancários que atestam as transferências monetárias e os levantamentos posteriores constantes a fs. 64 e 242 e 252 do Apenso D, fls. 14 e 15 do Apenso I, fls. 128 e 129 do Apenso X e fls. 715 do Apenso AB.

13.º Inquérito n.º 287/10.0...

O arguido AA admitiu a globalidade da factualidade relativa a este inquérito: o telefonema efectuado por uma funcionária e ter levantado dinheiro.

A testemunha NN relatou factos e referiu que quem lhe telefonou foi uma mulher, nunca tendo falado com o arguido AA.

Mais se valorou o auto de denúncia de fls. 1, o Talão de fls. 3; documentos de fls. 4 a 6; extracto de fls. 19 e a Informação Bancária de fls. 22 a 25, do Apenso J.

14.º Inquérito n.º 977/10.8...

O arguido AA admitiu a factualidade relativa a este inquérito.

A testemunha OO relatou os factos na sua globalidade, apenas desconhecendo quem lhe telefonou.

Mais se valorou o auto de denúncia de fls. 1, o Talão de fls. 3, a Informação de fls. 33 e a declaração de fls. 47, do Apenso L.

15.º Inquérito n.º 1311/11.5...

Em sede de 1.º interrogatório judicial o arguido AA admitiu ter sido efectuada transferência para RRR e que esta não lhes deu todo o montante, mas sim uma comissão (no 1.º interrogatório afirmou ter ficado com cerca de € 700,00/€800,00). Referiu não se recordar dos 3 primeiros factos da acusação.

Por sua vez a testemunha PP (ofendido) relatou a globalidade dos factos, pensando que quem telefonou foi um SSS.

Documentalmente, valorou-se o auto de denúncia de fls. 2 a 5 do Apenso M, o documento referente às transferências bancárias de fls. 6 do Apenso M, este conjugado com o teor dos documentos bancários de fls. 462 e 568 do Apenso AB.

16.º Inquérito n.º 1139/11.2...

O arguido AA admitiu a factualidade relativa a este inquérito, referindo, no entanto, não se ter identificado como sendo TTT.

A testemunha QQ (ofendida) relatou, na sua globalidade, os factos provados, referindo que quem lhe telefonou identificou-se como tendo o nome TTT.

Valorou-se, ainda, o depoimento da testemunha UUU que esclareceu os depósitos efectuados na sua conta bancária e como os mesmos foram posteriormente levantados e a sua conta bloqueada, bem como o depoimento da testemunha VVV, gestora de cliente de QQ, da Caixa Geral de Depósitos, com conhecimento dos factos decorrente do âmbito das suas funções profissionais.

Documentalmente, o Tribunal louvou-se do auto de reconhecimento efectuado ao arguido XX, inserto a fls. 1506 a 1508 dos autos, o auto de denúncia de fls. 2 a 5 do Apenso N, os documentos respeitantes às transferências bancárias de fls. 7, 29 e 32 do Apenso N e de fls. 452 do Apenso AB, os documentos de fls. 6 a 8, 11, 30 a 37 e 42 a 43 do Apenso S, relativos à conta bancária de WWW.

17.º Inquérito n.º 936/10.0...

O arguido AA em sede de 1.º interrogatório judicial, nas suas declarações gravadas, não se quis pronunciar quanto a esta factualidade.

No entanto, quando prestou declarações pela primeira vez (declarações que se encontram exaradas por sumula) admitiu ter falado com RR ao telefone e que “foi beneficiário das transferências com a Sra. QQQ”.

Por sua vez RR confirmou as circunstâncias e modo como os factos ocorreram, tendo referido que o homem que lhe telefonou afirmou chamar-se FFF e ter-lhe-á dito para efectuar transferência para a conta de um FFF.

Documentalmente, valorou-se o auto de denúncia de fls. 1 do Apenso O, os documentos relativos ao Clube de que era associado de fls. 4, 23, 62, 183 e 188 do Apenso O, os documentos referentes às transferências das quantias bancárias e posteriores levantamentos, do Apenso O e fls. 390 a 391 do Apenso AB.

18.º Inquérito n.º 40/11.4...

Nas suas declarações prestadas em sede de 1.º interrogatório judicial o arguido AA negou ter tido qualquer envolvimento nestes factos.

Por sua vez a testemunha AAA está acamada, incapaz de depor, pelo que foi prescindida

Documentalmente, valorou-se o auto de denúncia de fls. 1 do Apenso P e os documentos relativos ao pedido de pagamento das despesas administrativas reclamadas pela F...company de fls. 8 e 9 e 10 e 11 do Apenso K e os documentos referentes às transferências das quantias bancárias e posteriores levantamentos, de fls. 678 e 1924 do Apenso AB e de fls. 5 do Apenso P e fls. 2253 e 2029.

No entanto, a prova documental das transferências não nos diz qual a dinâmica, motivações e acontecimentos subjacentes a essas transferências, pelo que consideraram-se tais factos não provados.

19.º Inquérito n.º 6417/11.8... (Apenso Q)

Em sede de 1.º interrogatório judicial, o arguido AA afirmou nada ter a ver com os factos.

DDD relatou o modo como ocorreram os factos, referindo que só falou ao telefone com um homem e apenas conhece XX por ter falado com ele ao telefone.

Documentalmente, valorou-se o teor do auto de denúncia de fls. 1 a 3 do apenso Q e os documentos de fls. 40 a 44 relativamente ao contrato subscrito entre DDD e a N...T... por intermédio do arguido XX.

Destarte, por falta de prova, teve de se considerar que o arguido AA não teve nenhum envolvimento nestes factos.

20.º Inquérito n.º 7147/11.6... (R)

No 1.º interrogatório judicial o arguido AA declarou nada ter a ver com estes factos

Por sua vez a testemunha SS (vítima) relatou a dinâmica da factualidade considerada assente, referindo que após celebrar o contrato, XX telefonou-lhe dizendo que as viagens passavam a ser apenas realizadas para ....

Esclareceu que no ano de 2011 quem lhe telefonou intitulou-se chamar-se XXX e na sequência, efectuou transferências de quantias monetárias.

Nesta parte valorou-se positivamente o depoimento da testemunha YYY, tendo referido que a pedido de XX, em 2011, facultou-lhe o NIB de duas contas bancárias cuja titular era ZZZ, mulher desta testemunha – do BCP e Montepio ... – para clientes seus aí depositarem quantias monetárias. Ficou acordado que tanto XX como o arguido AA podiam ir buscar os montantes.

Assim, XX terá utilizado as contas para efectuar quatro transferências e a quinta vez foi utilizada por AA.

Ou seja, a conta de YYY era utilizada indistintamente pelo arguido AA e por XX, tendo ambos conhecimento e acordo quanto a tal utilização, pelo que se considerou tais factos como provados.

Documentalmente valorou-se o teor dos documentos de fls. 785 do Apenso AB e os talões de fls. 7 e documentos de fls. 8 a 13, do Apenso R.

21.º Inquérito n.º 417/11.5... (Apenso T)

O arguido AA admitiu toda a factualidade relativa a este inquérito.

Por sua vez o demandante AAAA relatou os factos que o seu tio DD – ofendido, entretanto falecido -, contou-lhe ainda em vida e após a morte deste viu o extracto da sua conta bancária, totalizando as transferências bancárias que foi levado a efectuar o valor de € 67.040,00.

Documentalmente, valorou-se o auto de denúncia apresentada pelo ofendido DD – falecido – constante a fls. 13 a 17 do Apenso T, o teor da certidão de óbito de fls. 782, os documentos de fls. 68 a 72 e 81 a 83 do Apenso T, reportados ao contrato subscrito entre o DD e a N...T..., os documentos de fls. 570 e de fls. 19 a 21 e 57 a 84 do apenso T e de fls. 421 do Apenso D e de fls. 3, 4 e 9 do apenso AB, relativos aos documentos bancários da transferência das quantias efectuadas por DD.

22.º Inquérito n.º 65/11.0...

O arguido AA em sede de 1.º interrogatório judicial admitiu ter estado, acompanhado por XX, na casa de TT e quando foi efectuada a transferência de € 2.498,99, recebeu uma comissão de 15%. Mais referiu desconhecer a factualidade relativa ao cheque desconhece.

Por sua vez a testemunha TT relatou que dois homens dirigiram-se a sua casa e um deles teria o nome de XX (seria XX) e outro BBBB ou “coisa assim”. Referiu que o arguido AA não seria nenhum deles. Foi esta testemunha quem efectuou transferência e levantamentos. Mais afirmou que esses dois indivíduos nunca lhe pediram qualquer cheque em branco, nem lhes entregou qualquer cheque em branco. A situação do cheque teria ocorrido noutra situação anterior, não nesta descrita na acusação.

Destarte, quanto à factualidade relativa ao cheque em branco, por ausência de prova considerou-se não provada. No que tange à demais factualidade, tendo o arguido AA admitido a mesma, este Tribunal convenceu-se que os factos assim ocorreram, não tendo a testemunha fixado o rosto e nome do arguido AA.

Mais se valorou o auto de denúncia de fls. 1, o extracto de fls. 3, documentos de fls. 4 e 5 e 82 a 90 e as listagens de fls. 31, 32 e 57 a 61 (SIBS), do Apenso U.

23.º Inquérito n.º 559/11.7...

O arguido AA em sede de 1.º interrogatório judicial admitiu toda a factualidade.

Documentalmente, valorou-se o auto de denúncia de fls. 3, documentos de fls. 4 a 6, 39 e a informação de fls. 21, do Apenso V.

Assim, não obstante a testemunha UU (vítima) ter sido prescindida, por residir na ..., o Tribunal convenceu-se da sua ocorrência e considerou provada tal factualidade.

24.º Inquérito n.º 32/10.0...

Valorou-se as declarações prestadas pelo arguido AA, em sede de 1.º interrogatório judicial, que admitiu a prática dos factos, conjugado com o depoimento da testemunha VV que também relatou a factualidade na sua globalidade, apenas não sabendo identificar quem telefonou.

Documentalmente, valorou-se o auto de denúncia de fls. 3, talões de fls. 6 e os documentos de fls. 7 e 8, do Apenso X.

25.º Inquérito n.º 2078/12.5...

No que tange a esta factualidade o arguido AA não quis prestar declarações e BBB e CCC (suposto ofendido), actualmente residente no ..., pelo que não prestou depoimento.

Valorou-se o teor dos documentos de fls. 2236 e de fls. 5 do Apenso W e de fls. 390 e 391 e 461 do Apenso AB, reportados aos documentos bancários da transferência das quantias por BBB.

Assim, por ausência de prova, consideraram-se estes factos como não provados.

26.º Inquérito n.º 147/10.5...

O arguido AA admitiu toda a factualidade relativa a este inquérito, com excepção que tenha sido o próprio quem procedeu ao levantamento das quantias monetárias.

A vítima WW, entretanto, faleceu, no entanto, o seu filho, CCCC, relatou o que o pai lhe contou.

Mais se valorou o auto de denúncia de fls. 4, o documento de fls. 6 e o talão de fls. 7, do Apenso Z.

27.º Inquérito n.º 302/12.3...

No que tange à factualidade relativa a este inquérito a testemunha EEE afirmou que contactou sempre com XX e não chegou a transferir pois “apercebeu-se que estava a ser burlada”.

Documentalmente, valorou-se os documentos de fls. 41 a 63 do Apenso de Busca 4, referentes aos documentos relativos à cessão da posição contratual a XX.

Destarte, por ausência de prova, considerou-se como não provado que o arguido AA tenha tido algum envolvimento nestes factos.

Quanto ao dolo e consciência da ilicitude, conjugou-se os meios de prova valorados positivamente nos termos supra expostos com as regras da experiência comum para concluir pela sua verificação.

Valorou-se as declarações do arguido AA no que concerne à sua situação pessoal, familiar e social, conjugadas com o depoimento das testemunhas por si arrolada, DDDD, seu amigo e conhecedor da sua vida e EEEE.

Quanto à factualidade provada relativa ao pedido indemnizatório, como já se referiu, deu-se especial relevo às declarações dos próprios demandantes, conjugadas com as regras da experiência comum, bem como o depoimento das testemunhas arroladas, VVV, FFFF, GGGG, HHHH, IIII, testemunhas que, atenta a relação de proximidade com cada um dos ofendidos foram esclarecedores.

Quanto aos factos considerados como não provados, tal juízo probatório estribou-se na circunstância de, não ter sido produzida prova em audiência de julgamento, sobre os mesmos.

Assim, sendo certo que em processo penal, no que se reporta a factos desfavoráveis ao arguido, importar consignar que, na dúvida, temos de ter sempre presente o princípio do in dubio pro reo.

Mais se valorou o teor do certificado de registo criminal do arguido, quanto aos seus antecedentes criminais.»

12. A revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição, o qual dispõe que “[o]s cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

Norma de idêntico alcance se encontra no artigo 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos Humanos que – como se referiu no acórdão de 04.05.2023, Proc. n.º 16/18.0GAOAZ-D.S1, em www.dgsi.pt, que a partir de agora se segue de perto – confere aos Estados-Partes uma larga margem de apreciação e de conformação na regulação do exercício deste direito nas leis nacionais (assim, acórdão TEDH Krombach c. França, n.º 29731/96, de 13.02.2001, par. 96).

Os artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal (CPP) estabelecem as «condições» da revisão, por via de recurso extraordinário que a autorize, com realização de novo julgamento, possibilitando a quebra do caso julgado de sentença condenatória que deva considerar-se «injusta», por ocorrer qualquer dos motivos taxativamente previstos no n.º 1 daquele preceito.

A linha de fronteira da segurança jurídica resultante da definitividade da sentença, por esgotamento ou não utilização das vias processuais de recurso ordinário ou de reclamação (artigo 628.º do CPC), como componente das garantias de defesa no processo (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), define-se, assim, enquanto garantia relativa à aplicação da lei penal (artigo 29.º da Constituição), no limite resultante da inaceitabilidade da subsistência de condenações que, por aqueles motivos, se revelem «injustas».

O juízo de grave dúvida sobre a justiça da condenação, revelado por demonstração de fundamento, que justifica a realização de novo julgamento, contido no numerus clausus das alíneas do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, que densifica o n.º 6 do artigo 29.º da Constituição, sobrepõe-se à eficácia do caso julgado, em homenagem às finalidades do processo – a realização da justiça do caso concreto, no respeito pelos direitos fundamentais –, desta forma se operando o desejável equilíbrio entre a segurança jurídica da definitividade da sentença e a justiça material do caso.

13. Como se viu, o recorrente fundamenta a sua pretensão de revisão da sentença condenatória na alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, aditada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto (cfr. Proposta de Lei n.º 109/X, que esteve na origem da alteração legislativa). A qual dispõe:

«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: (…)

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

(…)».

18. Como observa o Senhor Procurador-Geral Adjunto em seu parecer, citando jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça (acórdãos de 14.7.2022, Proc. 421/19.5JELSB-D.S1, de 04.07.2018, Proc. 1006/15.0JABRG-D.S1, e de 10.11.2022, Proc. 120/17.2TELSB-B.S1), este fundamento exige a verificação de dois requisitos: condenação com fundamento em prova que deva classificar-se como «proibida», por utilização de método proibido de prova previsto no artigo 126.º, n.ºs 1 a 3, do CPP, e conhecimento («descoberta»), posterior à condenação, de que a prova em que se fundou a acusação foi obtida por método proibido nos termos destes preceitos.

Dispõe o artigo 126.º (sob a epígrafe «Métodos proibidos de prova»), na parte que agora interessa:

«1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.

2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:

a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;

b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;

c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;

d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;

e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.

3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.»

19. Na alegação do recorrente, a «preterição de formalidades ao não ser ouvido relativamente aos crimes não incluídos no mandado de detenção» e a utilização («inclusão») de «prova testemunhal de crimes que não vêm incluídos no mandado» configuram «prova proibida por violação da alínea c) e d) do artigo 126.º n.º 2 do CPP)» (conclusões 17 e 18).

Em síntese, na argumentação do recorrente, que invoca uma pretensa «inexistência jurídica» do julgamento (conclusões 20, 30, 31, 32), irrelevante para o efeito pretendido, foi utilizada «força jurisdicional em caso não permitido por lei [que] impediu que o arguido pudesse beneficiar de um julgamento justo e de uma pena consideravelmente mais baixa que o poderia levar à suspensão da pena de prisão», uma «força abusiva e excessiva» «pelo sistema jurisdicional», ignorando o princípio do contraditório e a faculdade de renúncia ao benefício do princípio da especialidade, que «demonstram o uso e abuso excessivo da força da autoridade judiciária, desrespeitando os direitos, liberdades e garantias do arguido» (conclusões 19, 21, 23, 36) – o que preencheria a previsão da alínea c) («utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei») do n.º 2 do artigo 126.º do CPP – e «a prova utilizada dos crimes que não estavam no mandado de detenção, [por] que o arguido foi julgado e condenado trata-se de prova inexistente por violar o artigo 126.º n.º 1 e n.º 2 do CPP alínea c) e d), sendo fundamento do recurso de revisão».

20. Trata-se de um argumento totalmente insustentável e improcedente, que não encontra suporte em qualquer elemento de interpretação das normas jurídicas em questão, teleologicamente orientadas à proteção de direitos fundamentais no processo penal.

A validade (processual) do julgamento por crimes anteriores que não constavam do mandado de detenção internacional com vista à extradição (desconhecendo-se se constavam ou não do pedido de extradição com base no qual o recorrente foi entregue às autoridades portuguesas), em alegada violação da proteção conferida por imunidade processual resultante da não renúncia ao benefício da regra da especialidade (artigo 16.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto), relevando em sede de pressupostos processuais, é matéria completamente distinta, sem qualquer conexão com a validade, admissibilidade e utilização das provas no julgamento (artigo 118.º do CPP). Não é a (pretensa) invalidade do ato de julgamento, por inadmissibilidade do procedimento em virtude do obstáculo constituído por tal imunidade (artigo 277.º, n.º 1, in fine), que teria de ser apreciada e declarada no processo, que poderá afetar a validade da prova que conduziu à condenação; independentemente da verificação daquela invalidade, a prova será sempre válida desde que na sua aquisição e produção não tenham sido utilizados «métodos proibidos de prova» indicados no artigo 126.º do CPP, que impeçam a sua utilização.

O que, nos n.ºs 1 e 2 deste preceito, processualmente se assegura é o direito fundamental à integridade pessoal consagrado no artigo 25.º da Constituição – a integridade moral e física das pessoas, «o direito a não ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais» (Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 2077, p. 454), o «direito a não agressão ou ofensa ao corpo ou espírito, por quaisquer meios (físicos ou não)» (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 268), também protegido pelo artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (expressamente a partir do acórdão X and Y v. the Netherlands, de 26.03.1985, ap. nº. 8978/80, § 22) –, um direito inviolável e irrenunciável, que se impõe ao Estado (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição) na função de investigação, perseguição e julgamento de crimes, o que determina a garantia constitucional da nulidade das provas obtidas em violação deste direito (artigo 29.º, n.º 5, da Constituição). A interdição do uso dos métodos de obtenção de prova estabelecida nos n.ºs 1 e 2 do artigo 126.º, em projeção e concretização processual desta garantia constitucional, cominada de nulidade e de proibição de utilização, é uma interdição absoluta, que não admite restrições. No caso da al. c) é proibida a utilização da força de modo ilegal; no caso da al. d), a utilização de ameaça, mas não a “ameaça” das consequências legais do comportamento de intervenientes processuais ou do exercício de poderes de autoridade processual (assim, Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Vol. I, 5.ª ed., UCP Editora, p. 513).

21. Mas, como se notou, o que se pode discutir no recurso de revisão não é a questão de saber se as provas da condenação eram ou não nulas, por ter sido utilizado um método proibido de prova. Qualquer controvérsia a esta respeito constituía matéria a ser apreciada e decidida no âmbito do processo da condenação, incluindo por via de recurso ordinário, até ao trânsito em julgado da condenação; o recurso extraordinário de revisão não permite a (re)abertura de discussão a este respeito.

O que agora se pode questionar é somente se se “descobriu” posteriormente que, na aquisição e produção dessa prova, foi utilizado método proibido. Como incisivamente já anteriormente se havia afirmado no acórdão de 26.11.2009, Proc. 103/01.4TBBRG-G.S1 (em www.dgsi.pt), «a revisão da sentença condenatória, transitada em julgado, com tal fundamento, só é possível quando se «descobrir» que serviram de fundamento à condenação provas proibidas. Ora, o uso do verbo «descobrir» significa que se está perante algo que na altura da audiência de julgamento não seria possível reconhecer, ou por ser então totalmente desconhecido que a prova fora obtida por método proibido ou por ter mudado a lei, passando a considerar proibido certo método de obtenção de prova que na altura era lícito. Já assim decidiu o STJ, por acórdão de 28-10-2009, proc. 109/94.8TBEPS-A.S1: «Quanto ao fundamento de revisão previsto na al. e) do n.º 1 do art. 449º, fundamento introduzido pela Lei 48/07, de 29-08 – provas proibidas –, observar-se-á que o texto legal não estabelece como seu requisito integrante a mera ocorrência de condenação baseada em provas proibidas. Com efeito, ao dispor que a revisão de sentença é admissível quando se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126º, a lei estabelece como requisito, a par de condenação baseada em provas proibidas, a circunstância de esse vício só vir a ser conhecido posteriormente à condenação. Não basta, pois, à verificação deste pressuposto de revisão de sentença a ocorrência de condenação baseada em provas proibidas tout court

E quanto a este ponto nada foi alegado. Pelo que, assim sendo, se deve concluir que o recurso carece, em absoluto, de qualquer fundamento.

Em consequência, é negada a revisão, nos termos do artigo 456.º do CPP.

21. Como notam o Senhor Juiz do processo e o Ministério Público, o recorrente interpôs um anterior recurso de revisão idênticos fundamentos de facto, mas invocando um diferente fundamento de direito – o da inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação no processo 14/14.3T8SNT e os dados como provados no processo 422/13.7... [fundamento da al. c) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP]. O que, tendo sido negada a revisão, impediria nova revisão, nos termos do artigo 465.º, por ilegitimidade do recorrente.

Embora a situação descrita seja a mesma, a problematização que esta motiva face a diferentes normas reconduz-se a fundamentos diversos, que o tribunal é chamado a apreciar, em juízos autónomos e distintos: no recurso anterior apreciou-se a verificação do fundamento da al. c) (inconciliabilidade de decisões); no atual, o da al. e) (descoberta da utilização de provas proibidas).

Pelo que não ocorre este obstáculo à revisão.

III. Decisão

22. Pelo exposto, nos termos do artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, acorda-se na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em denegar a revisão da sentença condenatória requerida pelo condenado AA.

Condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigos 456.º, 1.ª parte, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).

Nos termos do artigo 456.º do Código de Processo Penal, condena-se o recorrente no pagamento da quantia de 8 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 21 de fevereiro de 2024.

José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Relator)

Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)

Maria do Carmo Silva Dias (Juíza Conselheira Adjunta)

Nuno António Gonçalves (Presidente da Secção)