Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
539/09.2TTALM.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
ÍNDÍCIOS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA DA RÉ / NÃO CONHECER REVISTA DO AUTOR
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ CONTRATOS
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO
Doutrina: - Maria do Rosário Palma Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, parte II, 3.ª Edição, pág. 32.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 1152.º, 1154.º
DL N.º 49.408, DE 24.11.1969 (LCT): - ARTIGO 1.º
LEI N.º 99/2003, DE 27-8, QUE APROVOU O CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003: - ARTIGO 8.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 9.2.2012, PROCESSO N.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1.
Sumário :
I – O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço distinguem-se basicamente pelo objecto e pelo tipo de relacionamento entre as partes.
Enquanto no primeiro se contrata a actividade subordinada, no segundo visa-se a prossecução de um determinado resultado, em regime de autonomia.

II – Perante a dificuldade probatória na identificação dos elementos de facto que integram a subordinação jurídica – versus domínio do empregador/poder de conformação da prestação, orientação, direcção e fiscalização da actividade laboral em si mesma, com o correspondente poder disciplinar – a respectiva despistagem faz-se pelo método tipológico, deduzindo-se a qualificação que se demanda dos factos indiciários, em juízo de aproximação global.

III – Não tendo o A. logrado fazer a prova, com segurança bastante, de que estivesse sob as ordens, direcção e fiscalização da R. – antes se demonstrando que a sua actividade era paga em função do número de horas prestadas, em montantes mensais variáveis, mediante a quitação através da emissão de ‘recibos verdes’, sem obrigação de pontualidade ou assiduidade, com ferramentas próprias, sendo que a sua actividade, em termos de controlo, dependia do resultado final, rejeitado pelo encarregado geral da R. apenas se fosse devida correcção – é de concluir que não vigorou entre as partes uma relação jurídica de trabalho.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                           I –

1.

AA, casado, com os demais sinais dos Autos, moveu, em 16.7.2009, acção declarativa em processo comum, contra «BB – Engenharia, S.A.», pedindo que: seja declarado que A. e R. se encontram vinculados por um contrato de trabalho subordinado desde 19 de Dezembro de 2001; seja declarado que, ao longo de toda a relação contratual, o A. desenvolveu sempre, por conta e no interesse da R., a actividade correspondente à categoria de bate-chapas; seja declarado que, ao longo do ano de 2007, a R. retribuiu o A. pelo valor/hora de €14,00; seja declarado que a retribuição paga ao A., no período compreendido entre 2002 e 2007, calculada nos termos do art. 252.º, n.º 2, do Código do Trabalho, teve a seguinte evolução:

a. € 2.371,89, em 2002;

b. € 1.863,54, em 2003;

c. € 2.260,80, em 2004;

d. € 2.262,98, em 2005;

e. € 2.100,00, em 2006;

f. € 2.286,16, em 2007.

Por via disso, deve a R. ser condenada a pagar ao A:

e) € 13.145,37, a título de férias não gozadas, relativas ao trabalho prestado nos anos de 2002, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007;

f) € 13.145,37, a título de subsídios de férias relativos aos mesmos períodos;

g) € 13.145,37, a título de subsídios de Natal relativos ao trabalho prestado nos anos de 2002, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007;

h) € 6.424,20, a título de subsídios de alimentação relativos ao trabalho prestado nos anos de 2002, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007;

i) € 16.516,70, de diferenças salariais relativas ao trabalho prestado em 2008;

j) € 1.651,67, a título de diferenças salariais por subsídio de férias relativo ao trabalho prestado em 2008;

k) € 1.651,67, a título de diferenças salariais por subsídio de Natal relativo ao trabalho prestado em 2008;

l) € 9.910,02, a título de diferenças salariais relativas ao trabalho prestado em 2009.

Deve ainda a R. ser condenada:

m) No pagamento de todas as quantias que, pelas proveniências constantes da petição inicial, se vencerem após Julho de 2009, a liquidar em execução de sentença;

n) No pagamento de juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

     Alegou para o efeito a existência de um contrato de trabalho com a ré desde 19.12.2001, invocando que esta não lhe pagou todas as retribuições devidas e que agora reclama.

     Na contestação, a ré impugna os factos alegados pelo autor e invocou a existência de um contrato de prestação de serviço com o autor, que vigorou de 19.12.2001 a 1.2.2008.

     Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: Pelo exposto julgo a presente acção improcedente por não provada e, em consequência, absolvo a Ré do pedido.

     2.

Inconformado, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, pelo Acórdão prolatado a fls. 318-332, julgou parcialmente procedente a Apelação no que respeita ao reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre autor e ré no período reclamado de 19 de Dezembro de 2001 a Fevereiro de 2008, mas improcedente quanto à condenação no pagamento das diferenças salariais reclamadas.

Ainda irresignado, o A. insurge-se contra a decisão, mediante a presente Revista, cuja motivação remata com a formulação das seguintes conclusões:

I. Tal como se lê no acórdão recorrido, as questões suscitadas no recurso de apelação foram:

a.   As relativas à existência de um contrato de trabalho, entre recorrente e recorrida, no período compreendido entre 19 de Dezembro de 2001 e 31 de Janeiro de 2008;

b.  A condenação da recorrida nas quantias reclamadas na petição inicial a título de diferenças salariais em dívida durante esse período, a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;

c.   A condenação da recorrida no pagamento das diferenças salariais vencidas a partir de 1 de Fevereiro de 2008, decorrentes da diminuição da retribuição paga ao recorrente a partir dessa data.

II. Ficou inequivocamente demonstrado, tendo sido dado como assente, que:

a.   No período compreendido entre Dezembro de 2004 e 20 de Fevereiro de 2007, a recorrida retribuiu o recorrente pelo valor de € 12,50 por hora;

b.  No período compreendido entre 21 de Fevereiro de 2007 e 1 de Fevereiro de 2008, a recorrida retribuiu o recorrente pelo valor de € 14,00 por hora;

c.   No período posterior a 1 de Fevereiro de 2008, a recorrida retribuiu o recorrente pelo valor de € 4,47 por hora;

d.  Durante todo este período de tempo, o recorrente continuou sempre "... a prestar a mesma actividade de bate-chapas".

III. Como antes se disse, o acórdão recorrido:

a. Reconheceu a existência de um contrato de trabalho, e não de prestação de serviços, no período compreendido entre 19 de Dezembro de 2001 e 1 de Fevereiro de 2008, por meio do qual o recorrente desenvolveu a sua actividade de bate-chapas;

b. Reconheceu que, mesmo após a celebração formal do contrato de trabalho, o recorrente continuou a desenvolver a sua actividade de bate-chapas.

IV. Neste sentido, resulta claro que, no período posterior a Dezembro de 2004, e independentemente da forma dada ao contrato, o recorrente desenvolveu, de forma ininterrupta, por conta e no interesse da recorrida, a actividade de bate-‑chapas, não existindo, por isso, razões justificativas para a diminuição da retribuição paga a partir de 1 de Fevereiro de 2008 (redução de € 14,00 por hora, para € 4,47 por hora);

V. Tal redução da retribuição colide frontalmente com o preceituado no art. 122.º, al. d), do Código do Trabalho de 2003, vigente à época, sendo, por isso, ilegal, por violação de preceito legal de natureza imperativa;

 VI. Resulta das alegações constantes da petição inicial, maxime dos seus arts. 79.º a 90.º, e da factualidade dada por assente pela 1.ª Instância, e confirmada pela Relação, que o recorrente, ao contrário do decido pelo acórdão em crise, demonstrou inequivocamente os montantes que, por tais proveniências, estavam em dívida, e que ali reclamou;

VII. Resulta assim claro que o recorrente alegou e logrou provar os montantes em dívida à data da propositura da acção, discriminando-os de forma exaustiva, com recurso a tabelas de simples compreensão;

VIII. Neste sentido tendo o acórdão recorrido dado como provado:

a. A existência de um contrato de trabalho, vigente de forma ininterrupta e para o exercício da mesma actividade desde 19 de Dezembro de 2001;

b. O valor da retribuição paga ao recorrente até 1 de Fevereiro de 2008, fixado em € 14,00 por hora;

c. O valor da retribuição paga ao recorrente no período posterior a 1 de Fevereiro de 2008, fixado em € 4,47 por hora;

IX. Deveria o acórdão ter concluído pela condenação da recorrida no pagamento:

a.   Da quantia de € 16.516,70, a título de diferenças salariais decorrentes da ilegal diminuição da retribuição, relativas ao trabalho prestado em 2008, nos termos constantes das tabelas ínsitas na petição inicial (cfr. art. 84.º da petição inicial);

b.  Da quantia de € 9.910,02, a título de diferenças salariais decorrentes da ilegal diminuição da retribuição, relativas ao trabalho prestado em 2009, vencidas até à data da propositura da acção, nos termos constantes das tabelas ínsitas na petição inicial (cfr. art. 87.º da petição inicial);

X. Tudo perfazendo o montante de € 26.426,72 relativo a diferenças salariais vencidas à data da propositura da acção (cfr. art. 89.º da petição inicial);

XI. O mesmo se diga relativamente aos créditos vencidos e não pagos, relativamente a férias e subsídios de férias e de Natal, relativos ao período compreendido entre 19 de Dezembro de 2001 e 31 de Janeiro de 2008, durante o qual a recorrida não reconheceu a existência de um contrato de trabalho;

XII. Como corolário lógico da qualificação do contrato como de trabalho subordinado, agora confirmada pelo Tribunal da Relação, decorrem as seguintes conclusões inalienáveis, porque decorrentes de preceitos legais de natureza imperativa:

a. Direito a um período de férias retribuídas em cada ano civil, com a duração mínima de 22 dias úteis, nos termos dos arts. 237.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1, do Código do Trabalho, sendo tal retribuição correspondente à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo, nos termos do art. 264.º, n.º 1, do Código do Trabalho;

b. Direito a um subsídio de férias, de valor correspondente à retribuição base e todas as outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias, nos termos do art. 264.º, n.º 2, do Código do Trabalho;

c. Direito a um subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, nos termos do art. 263.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

XIII. O acórdão recorrido reconheceu a existência de uma relação de trabalho subordinado, no período compreendido entre 19 de Dezembro de 2001 e 31 de Janeiro de 2008, tendo ficado provado que, nesse período, a recorrida não pagou ao recorrente qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias e de Natal;

XIV. A obrigatoriedade do cumprimento de tais prestações por parte da recorrida consta das citadas normas legais, de natureza imperativa, tendo o seu pagamento sido devidamente quantificado e pedido pelo recorrente na sua petição inicial;

XV. Ao contrário do decidido pelo acórdão em crise, o recorrente justificou, de forma exaustiva, os montantes em dívida, fazendo-o por meio da factualidade articulada na sua petição inicial, maxime dos seus arts. 27.º a 35.º, a qual, por sua vez, foi integralmente dada por provada, como se alcança da leitura dos pontos n.ºs 7, 8, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 da fundamentação de acto constante do acórdão recorrido;

XVI. Por simples aplicação das supra citadas normas legais, de natureza imperativa, relativas às férias (arts. 237.º, n.º 1, 238.º, n.º 1 e 264.º, n.º 1, todos do Código do Trabalho), subsídio de férias (art. 264.º, n.º 2, do Código do Trabalho) e de Natal (art. 263.º, n.º 1, do Código do Trabalho), não podia o acórdão recorrido ter deixado de condenar a recorrida no pedido formulado por tais proveniências, nos arts. 36.º e segs. da petição inicial;

XVII. Razão pela qual deveria o acórdão ter concluído pela condenação da recorrida no pagamento:

a.  Da quantia de € 27.942,41, a título de férias e subsídios de férias, vencidos e não pagos, durante a vigência do denominado contrato de prestação de serviços, nos termos constantes das tabelas ínsitas na petição inicial;

 b. Da quantia de € 14.797,04, a título de subsídios de Natal, vencidos e não pagos, durante a vigência do denominado contrato de prestação de serviços, nos termos constantes das tabelas ínsitas na petição inicial;

XVIII. Mesmo a fazer fé na fundamentação constante do acórdão, não poderia a Relação, em face da qualificação laboral dada ao contrato, no período compreendido entre 19 de Dezembro de 2001 e 31 de Dezembro de 2008, ter deixado de condenar a recorrida no pagamento das quantias reclamadas de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, ainda que o fizesse em montante a determinar em execução de sentença;

XIX. E, do mesmo modo, ter deixado de condenar a recorrida no pagamento das quantias reclamadas a título de diferenças salariais relativas à ilegal diminuição da retribuição ocorrida a partir de 1 de Fevereiro de 2008, ainda que o fizesse igualmente em montante a determinar em execução de sentença;

XX. É esta, de resto, a solução que tem vindo a ser preconizada pela melhor e mais recente Jurisprudência dos Tribunais Superiores que, de forma clara, admitem a condenação em liquidação de sentença mesmo no entendimento da Relação – que não se aceita – nos termos do qual o recorrente não terá demonstrado quais os montantes que estariam em dívida, e que reclamou na sua petição inicial (cfr., neste sentido, entre muitos outros, Acs. do STJ, de 03/05/2006, 16/01/2008, 07/05/2009 e 18/02/2011, todos disponíveis em www.dgsi.pt);

XXI. Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, nomeadamente, as seguintes disposições legais:

a.  Art. 252.º, n.º 2, do Código do Trabalho, relativo à determinação do valor da retribuição variável, segundo o qual deve tomar-se como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos 12 meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo;

b.  Art. 122.º, al. d), do Código do Trabalho de 2003, vigente à época, relativo à proibição da diminuição da retribuição, regime desde há muito consagrado no ordenamento jus laboral português;

c.   Arts. 237.º, n.º 1, 238.º, n.º 1 e 264.º, n.º 1, todos do Código do Trabalho, relativos ao direito a um período de férias retribuídas em cada ano civil, com a duração mínima de 22 dias úteis, sendo tal retribuição correspondente à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo;

d.  Art. 264.º, n.º 2, do Código do Trabalho, relativo ao direito a um subsídio de férias, de valor correspondente à retribuição base e todas as outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias;

e.   Art. 263.º, n.º 1, do Código do Trabalho, relativo ao direito a um subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição.

f.   Art. 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, relativa à condenação em quantia ilíquida e à posterior quantificação em execução de sentença.

Termina pedindo que o presente recurso de revista seja julgado totalmente procedente, por integralmente provado e, por via disso, seja revogado o acórdão recorrido, na parte em que não condenou a recorrida no pagamento dos créditos salariais reclamados pelo recorrente na sua petição inicial, a título de diferenças salariais posteriores a 1 de Fevereiro de 2008 e de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal vencidos e não pagos, no período compreendido entre 19 de Dezembro de 2001 e 31 de Janeiro de 2008, condenando-a no valor constante da petição inicial ou, em alternativa, no valor que vier a ser liquidado em execução de sentença.

 

A recorrida contra-alegou, aduzindo que não pode ser submetida à censura deste Supremo Tribunal a questão da diminuição da retribuição do recorrente, porque a mesma não foi sujeita à apreciação do Tribunal da Relação.

Por sua vez, igualmente inconformada, a Ré, interpôs recurso de Revista, cujas alegações fechou com este quadro de síntese:

I - O Acórdão recorrido, ao reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre Recorrente e Recorrido no período reclamado de 19 de Dezembro de 2001 a 2008, baseou-se no facto de a aqui Recorrente ter reconhecido a antiguidade ao Recorrido.

II - E, considerou que resultaram provados diversos indícios de subordinação jurídica do autor à ré, durante o período em causa, tais como o local de trabalho, a sujeição a horário fixo, com o respectivo controlo por parte da ré, e ainda direcção por esta da actividade a desempenhar.

III - Contudo, o douto Acórdão recorrido não faz qualquer apreciação valorativa de tais indícios, ao contrário do que se verificou em 1.ª instância.

IV - Com efeito, o local da prestação e o horário de trabalho praticado pelo Recorrido justificam-se pelo facto de o mesmo recorrer a equipamento pesado da Recorrente e, assim, estar limitado, ao horário de funcionamento das oficinas da Recorrente.

V - Facto diferente, e que não foi provado, seria o Recorrido encontrar-se sujeito a um controlo de assiduidade e de pontualidade, por parte da Recorrente.

VI - Já que apenas se provou que havia um registo quantitativo da actividade prestada (para efeitos de pagamento, dado ter sido convencionada uma remuneração horária).

VII - Não ficou provada a existência de qualquer poder de direcção por parte da Recorrente, apenas tendo ficado provado que o Encarregado-Geral da Recorrente distribuía tarefas ao A. e, no fim, se as considerasse incorrectamente realizadas, exigia-lhe que as corrigisse.

VIII - Sendo o contrato de trabalho aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas.

IX - Ao decidir, como decidiu, o Acórdão recorrido violou o disposto no art. 10.º do Código do Trabalho.

Termina no sentido de que o Acórdão recorrido deve ser revogado.                                                                __

Neste Supremo Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu proficiente parecer em que propendeu para a procedência do recurso interposto pela R., ou seja, no sentido de que o contrato em causa deve ser havido como de prestação de serviço.

Notificado às partes o teor desse douto entendimento, não foi oferecida qualquer resposta.

                                           __

Colheram-se os vistos devidos.

Cumpre decidir.

                                                        __

                                                        II –

A – O ‘thema decidendum’.

Pela ordem da sua lógica precedência, tratar-se-á primeiramente a temática relativa à impugnação da R., qual seja, no essencial, a de dilucidar e resolver se a relação jurídica estabelecida entre os outorgantes, no contexto temporal sujeito, é qualificável como uma relação juslaboral ou de prestação de serviço.

Sendo havida como um contrato de trabalho, como vem ajuizado, haverá que sindicar, basicamente – já no âmbito da Revista interposta pelo A. – a bondade da solução que julgou improcedente a apelação no que respeita à pretendida condenação da R. no pagamento das diferenças salariais reclamadas.

B – Dos Fundamentos.

B.1 – De Facto.

Vem seleccionada das Instâncias a seguinte factualidade:

1. A R. é uma sociedade anónima, resultante da fusão, concluída em 1 de Janeiro de 2008, por incorporação, da incorporada ‘CC, S.A.’, pessoa colectiva n.º ..., na incorporante ‘DD, S.A.’, pessoa colectiva no ..., na sequência do que se alterou a sua firma para «BB - Engenharia, S.A.».

2. O A. é bate-chapas de profissão.

3. Em 19 de Dezembro de 2001 foi contratado pela R., então denominada ‘DD, S.A.’, para exercer a sua actividade de bate-chapas.

4. O A. prestava a sua actividade nas instalações da R.

5. O A. dava quitação das quantias que a R. mensalmente lhe pagava através da emissão e entrega dos vulgarmente denominados ‘recibos verdes’.

6. Situação que se manteve até 1 de Fevereiro de 2008, momento em que A. e R. celebraram um contrato escrito de trabalho, nos termos constantes da proposta da R. de fls. 150, cujo teor se tem aqui por reproduzido, onde se refere designadamente que a antiguidade retroagirá a 9.12.2001 e o A. declara aceitar o vencimento base de € 775,00/mês.

7. Entre 19.12.2001 e 1.2.2008 a R. não pagou ao A. quaisquer valores, a título de férias e subsídios de férias, de Natal e de alimentação.

8. O A. prestava a sua actividade num período diário fixado entre as 08:00 e as 17:00 horas, de segunda a sexta-feira, com um intervalo de 1 hora para almoço, que correspondia ao horário de trabalho observado pelos prestadores de actividade que a R. assumia como seus trabalhadores.

9. A R. controlava, através de assinaturas apostas em folhas de registo próprias, o número de horas de actividade efectivamente prestadas pelo A., remunerando-o em função da quantidade dessas horas.

10. As ferramentas utilizadas pelo A. eram dele e o equipamento pesado da Ré.

11. O encarregado geral da R. distribuía as tarefas a fazer ao A. e, no fim, se as considerasse incorrectamente realizadas, exigia-lhe que as corrigisse.

12. O A. auferia uma retribuição certa, à hora, e o montante mensal variava em função do tempo de actividade efectivamente prestado.

13. Durante o ano de 2002 o A. auferiu o montante global de € 28.462,66, nos seguintes termos:

Jan. – 2002, € 2.157,36;

Fev. – 2002, € 2.986,55;

Março – 2002, € 2.425,00;

Abril – 2002, € 2.587,50;

Maio – 2002, € 2.368,75;

Junho – 2002, € 2.456,25;

Julho – 2002, € 2.543,75;

Agosto – 2002, € 2.131,25;

Set. – 2002, € 2.400,00;

Out. – 2002, € 2.175,00;

Nov. – 2002, € 2.312,50;

Dez. – 2002, € 1.918,75.

14. Durante o ano de 2003 o A. auferiu o montante global de € 22.362,50, nos seguintes termos:

Jan. – 2003, € 1.668,75;

Fev. – 2003, € 1.668,75;

Março – 2003, € 1.362,50;

Abril – 2003, € 1.650,00;

Maio – 2003, € 1.993,75;

Junho – 2003, € 2.037,50;

Julho – 2003, € 1.900,00;

Agosto – 2003, € 2.050,00;

Set. – 2003, € 2.131,25;

Out. – 2003, € 1.887,50;

Nov. – 2003, € 1.800,00;

Dez. – 2003, € 2.212,50.

15. Durante o ano de 2004 o A. auferiu o montante global de € 24.868,75 nos seguintes termos:

Jan. – 2004, € 1.58125;

Fev. – 2004, € 1.706,25;

Março – 2004, € 2.500,00;

Abril – 2004, € 2.293,75;

Maio – 2004, € 2.412,50;

Junho – 2004……

Julho – 2004, € 2.393,75;

Agosto – 2004, € 2.600,00;

Set. – 2004, € 1.893,75;

Out. – 2004, € 2.650,00;

Nov. – 2004, € 2.662,50;

Dez. – 2004, € 2.175,00.

16. Durante o ano de 2005, o A. auferiu o montante global de € 27.155,75 de acordo com a seguinte tabela:

Jan. – 2005, € 2.368,75;

Fev. – 2005, € 2.412,50;

Março – 2005, € 2.400,00;

Abril – 2005, € 2.412,50;

Maio – 2005, € 2.500,00;

Junho – 2005, € 2.012,00;

Julho – 2005, € 2.425,00;

Agosto – 2005, € 2.093,75;

Set. – 2005, € 2.025,00;

Out. – 2005, € 2.506,00;

Nov. – 2005, € 2.187,00;

Dez. – 2005, € 1.812,50 (32)

17. Durante o ano de 2006, o A. auferiu o montante global de € 25.200,00 de acordo com a seguinte tabela:

Jan. – 2006, € 2.212,50;

Fev. – 2006, € 2.093,75;

Março – 2006, € 1.900,00;

Abril – 2006, € 2.125,00;

Maio – 2006, € 2.056,25;

Junho – 2006, € 2.106,25;

Julho – 2006, € 2.787,50;

Agosto – 2006, € 2.087,50;

Set. – 2006, € 1.806,25;

Out. – 2006, € 2.000,00;

Nov. – 2006, € 1.987,50;

Dez. – 2006, € 2.037,50.

18. Durante o ano de 2007, o A. auferiu o montante global de € 27.433,95 de acordo com a seguinte tabela:

Jan. – 2007, € 2.168,75;

Fev. – 2007, € 2.000,00;

Março – 2007, € 2.240,00;

Abril – 2007, € 2.485,00;

Maio – 2007, € 2.569,00;

Junho – 2007, € 2.590,00;

Julho – 2007, € 1.589,00;

Agosto – 2007, € 2.142,00;

Set. – 2007, € 2.247,00;

Out. – 2007, € 2.478,00;

Nov. – 2007, € 2.58020;

Dez. – 2007, € 2.345,00.

19. No período compreendido entre Dezembro de 2004 e 20 de Fevereiro de 2007 a R. retribuía o A. pelo valor de € 12,50/hora, tendo passado a retribuir o A. pelo valor/hora de € 14,00 a partir de 21 Fevereiro de 2007.

20. Com a celebração do contrato de 1 de Fevereiro de 2008 o A. passou a receber o equivalente à retribuição horária de € 4,47, apesar de ter continuado a prestar a mesma actividade de bate-chapas (73 e 75).

21. O A foi admitido ao serviço da R. em 6 de Outubro de 1980, tendo-se mantido ao seu serviço até 1 de Agosto de 1999, data em que pediu a demissão devido ao montante da remuneração recebida.

22. À data em que o A. cessou funções, em 1999, recebia de vencimento mensal um valor em escudos correspondente a € 588,58 e um subsídio de refeição de € 4,24/dia de trabalho efectivo (24).

23. Em finais do ano de 2001, por não ter conseguido a melhoria retributiva que almejava quando deixou de trabalhar para a R., veio o A. contactá-la, pedindo-lhe que o readmitisse.

24. As remunerações praticadas pela R. para trabalhadores do estaleiro eram, em Janeiro de 2002, as que constam do documento n.º 5, junto com a contestação.

25. R. e A. combinaram que este voltaria a prestar a sua actividade de serralheiro para a R., mas como trabalhador autónomo, auferindo nos meses em que prestasse a actividade e à razão de € 12,50/hora .

26. O A. estava ciente de que recebia muito mais do que os outros colaboradores da Ré no Estaleiro.

                                           __

A factualidade estabelecida não foi objecto de impugnação.

Não se verificando qualquer das situações que justifiquem a intervenção deste Supremo Tribunal, alterando-os ou promovendo a sua ampliação – arts. 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, do C.P.C. – é com base nela que se há-de resolver a equacionada controvérsia.

B.2 – O Direito.

As Instâncias divergiram quanto à solução final do litígio.

A sentença do Tribunal do Trabalho de Almada julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido.

No Acórdão revidendo deliberou-se, pelo contrário (transcrevemos o dispositivo – fls. 332):

«Face ao exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso no que respeita ao reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre o autor e a ré no período reclamado de 19 de Dezembro de 2001 a Fevereiro de 2008, mas improcedente quanto à condenação no pagamento das diferenças salariais reclamadas.

Custas pelo recorrente.»

2.1 -

Como se anunciou, começamos pela análise dos fundamentos da Revista trazida pela R., a que o A., não respondendo, nada contrapôs.

No Acórdão revidendo concluiu-se pela natureza juslaboral do vínculo, basicamente por se ter considerado como determinante o facto de, no documento que enforma o contrato celebrado a 1.2.2008, se ter consignado que a respectiva antiguidade retroagia a 19.12.2001.

Assim, a R., com a outorga desse documento – concluiu-se a fls. 329-330 – reconheceu a existência de um contrato de trabalho com o autor com efeitos a 19.12.2001, sendo que tal reconhecimento está em consonância com o que se apurou relativamente à forma como o autor prestava a sua actividade à ré durante o referido período.

  E, consignou-se, mais adiante, em conformidade:

‘Resultaram pois apurados vários indícios de uma efectiva subordinação jurídica do autor à ré, durante o período em causa, tais como, o local de trabalho, a sujeição a um horário fixo, com o respectivo controlo por parte da ré, e ainda a direcção por esta da actividade a desempenhar pelo autor.

Na verdade, o único elemento que não se compatibiliza com a de um contrato de trabalho é a forma de remuneração, sendo certo que resultou provado que o autor, durante os anos de 2003 a 2008, auferiu uma remuneração mensal muito superior à dos restantes trabalhadores da ré, calculada com um valor/hora muito superior – cfr. o que resulta dos factos n.ºs 13 a 25.

Com efeito, auferindo o autor, nos meses em que prestasse a actividade, o valor de € 12,50/hora, significa isto que a retribuição paga ao autor, durante esse período, seguiria as normas do pagamento de uma prestação de serviços, mas o que por si só não é suficiente para qualificar o contrato como tal, face aos restantes indícios que se apuraram relativamente à existência de subordinação jurídica.

Assim sendo… – adianta-se, para depois concluir pela improcedência da impugnação relativamente à pretendida condenação no pagamento das diferenças salariais reclamadas – …o autor, ao invocar a existência de um contrato de trabalho durante o período em causa, situação esta que o Tribunal lhe reconhece, também lhe incumbia demonstrar quais os montantes que estariam em dívida e que agora reclama a título de férias e demais subsídios.

 

A recorrente sustenta, porém, que o Acórdão recorrido não fez qualquer apreciação valorativa de tais indícios, ao contrário do que fez o Tribunal da 1.ª instância.

Com efeito, não chega a ser especialmente relevante, por exemplo, o facto de o A. trabalhar das 8 às 17 horas, de 2.ª a 6.ª feira, pois trabalhava as instalações da R., não podendo exigir que esta mantivesse as instalações abertas quando àquele aprouvesse.

Coisa diversa é estar ou não sujeito ao controlo de assiduidade e de pontualidade, o que no caso não se verificava, pois o A. apenas estava sujeito ao registo de número de horas realizadas, em função das quais era remunerado.

A conclusão daí retirada não tem o mínimo enquadramento.

Igualmente – e ao contrário do ajuizado – não existia direcção por parte da Ré da actividade desempenhada pelo A.

O encarregado geral da R. distribuía as tarefas a fazer ao A. e, ao fim, se as considerasse incorrectamente realizadas, exigia-lhe que as corrigisse, o que nada tem a ver com o poder de direcção da recorrente.

Por fim, também não releva para o efeito o local de trabalho: o facto de o equipamento pesado em que o A. operava ser fornecido pela R. impunha sempre que aquele prestasse a sua actividade no estaleiro desta.

2.2 -

Importa relembrar, antes de prosseguir, os passos mais relevantes da factualidade retida.

O A., que é bate-chapas de profissão, foi admitido ao serviço da R. em 6 de Outubro de 1980, aí se tendo mantido até 1 de Agosto de 1999, data em que pediu a demissão devido ao montante da remuneração recebida.

À data em que cessou funções, em 1999, o A. recebia o vencimento mensal correspondente a € 588,58 e um subsídio de refeição de € 4,24/dia de trabalho efectivo.

Em finais do ano de 2001, por não ter conseguido a melhoria retributiva que almejava quando deixou de trabalhar para a R., o A. veio contactá-la, pedindo à R. que o admitisse.

Então, a R. o e A. combinaram que este voltaria a prestar a sua actividade de serralheiro para a R., mas como trabalhador autónomo, auferindo, nos meses em que a prestasse, à razão de € 12,50/hora.

Assim, em 19 de Dezembro de 2001, o A. foi contratado pela R., então denominada ‘OPCA, S.A.’, para exercer a sua actividade de bate-chapas, nas instalações da R.

O A. estava ciente de que recebia muito mais do que os outros colaboradores da R. no estaleiro.

(Em Janeiro de 2002, as remunerações praticadas pela R. para os trabalhadores de estaleiro eram as constantes do documento sob o n.º 5, com a contestação, a fls. 155-157).

O A. era remunerado em função do número de horas de actividade efectivamente prestadas, sendo que a R. as controlava através de assinaturas apostas em folha de registo próprias.

O A. dava quitação das quantias que a R. mensalmente lhe pagava através da emissão e entrega dos vulgarmente denominados ‘recibos verdes’, situação que se manteve até 1 de Fevereiro de 2008, altura em que o A. e a R. celebraram o contrato de trabalho escrito, por tempo indeterminado, nos termos da proposta da R. de fls. 150, a que nos reportamos.

O A. auferia uma retribuição certa, à hora, e o montante mensal variava em função do tempo de actividade efectivamente prestado.

Assim, durante o ano de 2002 o A. auferiu o montante global de € 28 462,66; durante o ano de 2003 auferiu o montante global de € 22 362,50; durante o ano de 2004 auferiu o montante global de € 24 868,75; no ano de 2005, o montante global de € 27 155,75; em 2006, o montante global de € 25 200; e durante o ano de 2007, o montante global de € 27 4333,95.

No período compreendido entre Dezembro de 2004 e 20 de Fevereiro de 2007, a R. retribuía o A. pelo valor de € 12,50/hora, tendo passado a retribuir o A. pelo valor/hora de € 14,00 a partir de 21 de Fevereiro de 2007.

Entre 19.12.2001 e 1.2.2008 a R. não pagou ao A. quaisquer valores a título de férias e subsídios de férias, de Natal e de alimentação.

2.3 -

Isto posto.

Como imediatamente se constata, o A. esteve vinculado à R., mediante uma relação jurídica de trabalho, desde a sua admissão, em Outubro de 1980, até 1 de Agosto de 1999, data em que aquele pediu a demissão devido ao montante da remuneração recebida.

(À data em que cessou funções, em 1999, o A. recebia de vencimento mensal um valor em escudos correspondente a € 588,58, e um subsídio de refeição de € 4,24/dia de trabalho efectivo – cfr. pontos 21. e 22. da FF[1]).

Resta saber se, quando, em finais de 2001, pediu que a R. o readmitisse – por não ter conseguido a melhoria retributiva que almejava quando deixou de trabalhar na R. – o convénio pelo qual então se vinculou de novo à R. se pode qualificar como uma típica relação juslaboral, ou, antes, se não constitui uma relação diversa, embora próxima, a do contrato de prestação de serviço.

A relação jurídica sujeita iniciou-se, informalmente, em 19.12. 2001 e a sua execução prolongou-se até 1.2.2008, não resultando dos Autos que as partes, na constância da mesma, tivessem introduzido qualquer alteração nos seus termos.

À sua qualificação/caracterização aplica-se, pois, o regime jurídico do contrato individual do trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24.11.1969 (LCT), ex vi do disposto no art. 8.º/1 da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho de 2003, cuja vigência se iniciou apenas em 1.12.2003.

A distinção entre as duas figuras típicas em cotejo (definidas nos arts. 1152.º e 1154.º do Cód. Civil, sendo que a noção de contrato de trabalho constante do art. 1.º da LCT coincide literalmente com a consagrada naquela primeira disposição) assenta, como é consabido, em dois elementos essenciais, assim lapidarmente enunciados no Acórdão deste Supremo Tribunal de 23.2.2005: o objecto, por um lado, e o tipo de relacionamento entre os outorgantes, por outro.

No primeiro, existe uma relação intersubjectiva de subordinação; no segundo, de autonomia.

Assim, em tese, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e como elemento diferenciador específico a subordinação jurídica do trabalhador, materializada no poder do empregador de conformar a prestação contratada, mediante ordens, instruções ou directivas.

(O binómio subordinação do trabalhador/domínio do empregador constitui a moldura típica do desenvolvimento do vínculo laboral e evidencia o conteúdo complexo da posição jurídica de cada uma das partes nesse vínculo, nas expressivas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, parte II, 3.ª Edição, pg. 32).

No contrato de prestação de serviço, pelo contrário, o devedor/prestador compromete-se à realização ou obtenção de um resultado, que alcança por si, sem interferência, sujeição a instruções ou direcção de execução da outra parte.

Ante a extrema variabilidade das situações da vida real, é reconhecida a manifesta dificuldade em identificar, em muitas circunstâncias, os elementos que permitam a ‘arrumação’, directa e segura, desta ou daquela situação de facto numa ou noutra das duas faladas hipóteses legais, concretamente por não ser fácil, em muitos casos, surpreender o que realmente quiseram as partes e, concretamente, em que/e como se manifesta o elemento diferenciador dos dois institutos, a subordinação jurídica.

E se tal desiderato se não alcança directamente pelo método subsuntivo, há-‑de atingir-se com o recurso a juízos de aproximação, viabilizados pelo chamado método tipológico, recolhendo, conferindo e interpretando os indícios susceptíveis de permitirem, casuisticamente, uma indagação de comportamentos em conformidade.

Estabelecer a diferença que se busca é, reconhecidamente, tarefa tanto mais delicada quanto mais a situação sujeita partilhe de elementos de uma e outra das figuras contratuais em confronto.

Nos casos-limite, é prática jurisprudencial aceite – reflectindo as indicações nesse sentido da doutrina mais qualificada – a de, na implementação do referido método, perseguir os chamados indícios negociais internos e externos[2].

Sem esquecer que, ‘malgré tout’, todo o trabalho visa a obtenção de um resultado e este não existe sem aquele, não se descura todavia o assumido pressuposto de que cada um dos indícios analisandos tem um valor relativo, relevando o que conjugadamente resulte prevalecente num juízo final de globalidade.

E lembra-se, neste exercício, que incumbirá ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do direito que invoca: o da existência de uma relação de trabalho dependente, na sobredita dimensão – art. 342.º/1 do Cód. Civil.

Foi nessa operação que ora nos detivemos.

Após ponderação dos elementos disponíveis, é diverso o nosso juízo: não podemos acompanhar o entendimento alcançado no Acórdão sob protesto.

Visando primacialmente alcançar a real vontade das partes, revelada no contexto de facto em que negociaram e no subsequente desenvolvimento/execução do contratado, concluímos, na sequência da apreciação global dos indícios disponíveis, que não resultam apurados factos bastantes à pretendida caracterização da relação estabelecida entre os outorgantes, no período de tempo balizado pelas datas de 19.12.2001 a 1.2.2008, como uma típica relação de trabalho subordinado.

Com efeito:

Ao fim de cerca de 19 anos de uma relação de trabalho dependente, o A. pediu a sua demissão devido ao montante da remuneração recebida.

Volvidos dois anos e alguns meses, pretendeu ser readmitido na R.

Combinaram então que o A. voltaria a prestar a sua actividade de serralheiro para a R., mas como trabalhador autónomo, auferindo, nos meses em que trabalhasse, à razão de € 12,50/hora.

Está fora de dúvida que as partes quiseram realmente vincular-se, agora, por modo diverso do contrato de trabalho que antes vigorou entre ambas, durante todos aqueles anos, (…e que não conferia ao A. a remuneração pretendida pelo seu desempenho, afinal a causa por que entendeu unilateralmente pôr termo à relação).

Como quiseram – …por razões embora não de todo compreensíveis, ao menos ante o quadro de facto disponível – celebrar um contrato de trabalho escrito, por tempo indeterminado, iniciado em 1.2.2008, em que o A. aceitou o vencimento-base mensal de € 775,00, conforme doc. de fls. 150, aí se consignando a retroacção da antiguidade a 19.12.2001.

(Estes últimos elementos, aparentemente perturbadores, ao menos e imediatamente em termos lógicos, poderão encontrar explicação noutros factores, como se adiantou na sentença da 1.ª Instância, e que não repugna admitir: as vantagens da estabilidade e segurança decorrentes do contrato de trabalho por tempo indeterminado, na parte final da vida activa do A., com a negociada garantia da retroacção da antiguidade reportada à data em que este, depois de uma prolongada actividade de cerca de 19 anos ao serviço da R., voltou a prestar-lhe a sua actividade após uma ausência voluntária de pouco mais de dois anos).

E como se desenvolveu a execução daquela relação ao longo de todo o tempo por que perdurou?

O A. prestava a sua actividade nas instalações da R., com ferramentas que eram sua propriedade, embora o equipamento pesado pertencesse àquela.

Prestava a sua actividade dentro do período diário fixado entre as 8:00 e as 17:00 horas, de 2.ª a 6.ª-feira, não porque estivesse sujeito a horário de trabalho (pontualidade) nem a assiduidade, mas sim porque era esse o tempo durante o qual as oficinas estavam abertas, o que condicionava logicamente a sua actividade aos períodos de abertura.

Recebia montantes retributivos mensais variáveis, como demonstrado, sendo o trabalho que desenvolvia controlado pela R. apenas para fins remuneratórios, através de assinaturas apostas pelo próprio em folhas de registo onde constava o número de horas de actividade efectivamente prestadas, sendo depois pago em função da quantidade dessas horas.

O A., que estava ciente de que assim recebia muito mais do que os outros trabalhadores da R. em identidade de circunstâncias, dava quitação das quantias que a R. mensalmente lhe pagava através da emissão e entrega dos vulgarmente denominados ‘recibos verdes’.

Entre 19.12.2001 e 1.2.2008 a R. nunca pagou ao A., (diremos que por isso), quaisquer valores a título de férias e subsídios de férias, de Natal e de alimentação.

O encarregado geral da R. distribuía as tarefas a realizar pelo A., limitando-se a verificar, a final, se o resultado estava em conformidade, e exigindo-lhe que fosse corrigido, em caso negativo.

Ora, tudo (re)ponderado, não se descortina a existência de elementos de facto donde possa concluir-se, com segurança bastante, que o exercício da actividade desenvolvida pelo A., neste período, estivesse sujeito a ordens, directivas ou fiscalização do empregador quanto ao modo concreto da sua realização/prestação, de alguma forma indiciadores de uma qualquer manifestação a que, em caso de desvio, pudesse o A. ficar sujeito ao correspondente poder disciplinar do empregador.

Os elementos indiciários coligidos antes apontam, globalmente considerados, no sentido claro de que a actividade contratada, naquele período, se constituiu numa relação jurídica de prestação de serviço.

Como aliás, acertadamente, se percepcionou na sentença da 1.ª Instância.

E a que o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, na sua proficiente intervenção, dá o seu inteiro apoio, secundando o entendimento de que o vínculo em causa não deva ser havido como uma relação juslaboral.

O ajuizado no Acórdão sob protesto não pode, pois, subsistir, acolhendo-‑se as razões que enformam as asserções conclusivas da motivação da Revista trazida pela Ré.

2.4 -

Como decorrência lógica da anunciada solução, o objecto da Revista interposta pelo A. ficou fatalmente prejudicado, pois assentava no pressuposto, inverificado, de que se manteria o segmento decisório do Acórdão sindicado que reconheceu como sendo de trabalho a relação jurídica sujeita.

Soçobram, pois, necessariamente, as conclusões do respectivo elenco.

                                           __

                                           III

                                     DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se conceder a Revista trazida pela R. e, em consequência, revoga-se o Acórdão impugnado, para subsistir a sentença da 1.ª Instância, com absolvição da R. do pedido.

Não se conhece do objecto do recurso interposto pelo A., porque prejudicado.

Custas pelo A. nas Instâncias e neste Supremo Tribunal.

                                          ***

(Anexa-se sumário do Acórdão – art. 713.º, n.º 7, do C.P.C.).

Lisboa, 8 de Maio de 2012

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Sampaio Gomes

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[1] FF = Fundamentação de Facto.
[2]  - Vide o recente Acórdão deste Supremo Tribunal, de 9.2.2012, tirado na Revista n.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1 – 4.ª Secção.