Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5992/13.7TBMAI.P2.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
SEGURADORA
LIMITES DO CASO JULGADO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
QUESTÃO PREJUDICIAL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 01/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / REQUISITOS DA LITISPENDÊNCIA E DO CASO JULGADO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Boletim da Faculdade de Direito, vol. XVII, p. 206 e ss., 246 e 247;
- José Vasques, Lei do Contrato de Seguro, Anotada, 2016, 3.ª Edição, p.451 e 452;
- Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Anotado, 2.ª Edição, p. 354;
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 306;
- Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, 325º, p. 178.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 581.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 13-12-2007, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-03-2008;
- DE 12-07-2011, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-11-2011;
- DE 21-03-2013;
- DE 22-09-2016.
Sumário :

I - No caso, não se verifica a excepção do caso julgado, uma vez que não ocorre a tríplice identidade a que alude o art.581º, do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir).

II - Todavia, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a autoridade do caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da referida tríplice identidade.

III – Para a solução do problema da irrelevância ou não do caso julgado em relação a terceiros, há-de recorrer-se às normas de direito material que regem as relações jurídicas respectivas.

IV – A jurisprudência e a doutrina, em geral, admitem a projecção reflexa do caso julgado no caso de a relação coberta por este entrar na formação doutras relações, como pressuposto ou como elemento necessário, já que fixou e definiu a relação prejudicial.

V – No caso, estamos perante um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, que garante a indemnização dos prejuízos causados a terceiros no exercício de uma profissão – advocacia -, onde a constituição da obrigação do segurador em relação ao lesado pressupõe, necessariamente, a constituição, no património do segurado, da obrigação de indemnizar o lesado (terceiro em relação ao contrato de seguro).

VI - A decisão proferida na acção proposta pelo lesado contra o segurado, onde este foi condenado, por sentença transitada em julgado, a pagar àquela a quantia de € 62.349,74 e respectivos juros de mora, é pressuposto indiscutível da decisão a proferir na acção proposta contra a Seguradora, já que foi esse o risco que esta cobriu.

VII - Assim sendo, tem de admitir-se a projecção reflexa do caso julgado formado na 1ª acção, na medida em que ela fixou e definiu a relação prejudicial, estando o tribunal recorrido vinculado à decisão proferida na causa prejudicial.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 – Relatório.
Na 2ª Secção Cível da Instância Central de Póvoa do Varzim, Comarca do Porto, AA instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra a BB, S.A., actualmente denominada CC, S.A., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 79.293,30 €, sendo 62.349,74 € a título de capital e 16.943,56 € de juros vencidos, acrescida de juros legais vincendos até efectivo e integral pagamento.
Para o efeito, alega que foi lesado com a conduta omissiva do seu mandatário, Dr. DD, por si constituído numa acção, o qual foi condenado, por isso, noutra acção por si instaurada, a pagar-lhe a quantia de 62.349,74 €, acrescida de juros de mora a partir da citação, por sentença transitada em julgado.
Essa conduta está coberta pelo contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., que a Ordem dos Advogados celebrou com a ré, pelo que deve ser esta a pagar-lhe aquela quantia e juros, não obstante ter declinado a sua responsabilidade.
A ré apresentou contestação, onde requereu a intervenção principal provocada do Dr. DD e onde se defendeu por excepção e por impugnação, invocando a ineficácia do caso julgado, a ilegitimidade activa, a exclusão da cobertura da apólice, a inexistência de responsabilidade civil, bem como a inexigibilidade, ilegalidade e prescrição dos juros, concluindo pela procedência do aludido incidente e das excepções invocadas, com a consequente absolvição da instância ou dos pedidos.
A requerida intervenção principal foi admitida e o chamado não apresentou contestação.
O autor replicou, após ter sido notificado para o efeito e depois de o tribunal ter anunciado a “intenção” de dispensar a audiência prévia, invocando a autoridade do caso julgado, pronunciando-se pela improcedência da excepção da ilegitimidade por ter sido ele o único a demandar o mandatário e sustentando que o contrato de seguro em causa é obrigatório, que a cláusula do parágrafo terceiro do art.º 8.º das condições especiais é nula porque viola uma disposição legal imperativa - o art.º 101.º, n.º 2, do regime jurídico do contrato de seguro – e, ainda que assim não fosse, sempre seria inaplicável, visto a ré não alegar que existiu dolo ou culpa grave do segurado relativamente ao incumprimento do dever da participação, que não lhe foram comunicadas as cláusulas invocadas e que não é aplicável a exclusão que resultaria da alínea c) do art.º 3.º das condições especiais da apólice porque o “não contestar” a acção não equivale a qualquer “convénio” ou “contrato”, concluindo pela improcedência das excepções deduzidas e pela condenação da ré no pedido.

Seguiu-se saneador-sentença que, conhecendo do mérito da causa, decidiu julgar a acção totalmente improcedente e absolver a ré do pedido. Mais decidiu absolver o interveniente DD da instância.

Interposto recurso de apelação pelo autor, foi tal decisão revogada, por acórdão de 11/11/2014, que ordenou o prosseguimento dos autos, nomeadamente, com suprimento da excepção dilatória da ilegitimidade activa, aperfeiçoamento dos articulados, em especial da contestação, e realização da omitida audiência prévia.

Em cumprimento do assim determinado, foi convidado o autor a requerer a intervenção principal provocada de EE, o que fez, tendo sido admitida a sua intervenção nos autos como sua associada, a qual, uma vez citada, fez seus os articulados do demandante.

A ré foi convidada a aperfeiçoar a contestação, o que fez apresentando novo articulado (cfr. fls. 213 a 230).

Foi designada audiência prévia, tendo, no decurso da mesma, o autor sido convidado a aperfeiçoar a petição inicial, por forma a invocar matéria atinente à perda de chance, o que também fez apresentando novo articulado (cfr. fls. 291 a 295 v.º), a que a ré respondeu (cfr. fls. 301 a 303).

 Foi proferido despacho saneador, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, de que não houve reclamações.

No entanto, a ré interpôs recurso de apelação do mesmo despacho (de 17/5/2016), na parte em que considerou assente a matéria de facto provada na acção n.º 1230/06.7TVPRT, por força da autoridade do caso julgado, o qual acabou por ser rejeitado por este Tribunal, por não ser susceptível de recurso autónomo.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 28/3/2017, onde se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 74.006,54 €, acrescida de juros moratórios à taxa legal de 4% ao ano sobre a quantia de 62.349,74 € desde aquela data até integral pagamento, absolvendo-a do restante peticionado.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação daquela sentença, tendo, então, sido proferido o acórdão de fls.440 e segs., que, na procedência parcial da apelação, decidiu anular a sentença recorrida e ordenar a ampliação da matéria de facto, devendo ser objecto de prova os factos dados como provados sob os nºs 13 a 44 da fundamentação de facto, bem como anular o correspondente julgamento, nessa parte.

Inconformado, o autor interpôs recurso de revista daquele acórdão, invocando ofensa de caso julgado, nos termos do art.629º, nº2, al.a), do CPC.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
1. A Ordem dos Advogados celebrou com a R. um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional através da apólice n.º ... tendo por objecto o risco decorrente de acção ou omissão dos actos e omissões praticados pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão.
2. Nos termos do ponto 10 das condições particulares da apólice em causa, sob a epígrafe “Período de Cobertura, a apólice em causa vigora pelo período de 24 meses, com data de início de 1/01/2012 às 00.00 h e vencimento às 00.000 de 1/01/2014.
3. A apólice teve o seu início de vigência em 1/01/2012.
4. Nos termos do ponto 7. das condições particulares da apólice, sob a epígrafe “Âmbito Temporal”, a seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice.
5. Do mesmo ponto 7. consta que “Para os fins supra indicados, entende-se por reclamação a primeira das seguintes, entre as quais se conta:
a) Notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer acção perante os tribunais.
6. Nos termos do ponto 6. das condições particulares da apólice, a cobertura da apólice em causa tem como limite de indemnização o capital de 150.000,00 € por sinistro e agregado anual de sinistros por segurado.
7. Nos termos do ponto 9. das condições particulares da apólice foi estabelecida uma franquia de 5.000,00 € por sinistro.
8. Nos termos do art. 1.º ponto 8 das condições especiais da apólice a expressão data retroactiva tem o significado de data a partir da qual o erro ou falta profissional cometidos pelo segurado são abrangíveis por esta apólice, caso venha a ocorrer reclamação durante o período de seguro.
9. Nos termos do art. 1.º ponto 12 das condições especiais da apólice a expressão reclamação significa qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra a seguradora, quer por exercício de acção directa, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice…
10. Nos termos do art.º 3.º das condições especiais da apólice ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações:
a) Por qualquer facto ou circunstâncias conhecidos do segurado à data do início do período de seguro e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação.

b) Por responsabilidade que o segurado tenha aceite por convénio ou contratos que excedam a que lhe seria legalmente imputável e que não procederiam se não existissem tais convénios ou contratos.
11. Nos termos do art. 8.º da condições gerais da apólice, “O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações da seguradora sob esta apólice, comunicar à seguradora tão cedo quanto possível:
a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecido pelo segurado e razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela Apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou accionar as coberturas da Apólice.
As reclamações que tenham sua origem, directa ou indirectamente, em qualquer comunicação nos termos das als. b) e c) anteriores, são consideradas notificadas durante o período de seguro que decorria à data daquelas comunicações.
O segurado deverá facultar à seguradora todas as informações sobre as circunstâncias da reclamação. O não cumprimento desta obrigação, mediantes dolo ou culpa grave, permitirá à Seguradora declinar o sinistro.
12. Nos termos do art. 10.º das condições especiais da referida apólice, fica acordado entre as partes que será utilizada a seguinte convenção no que respeita à gestão de sinistros e reclamações:
1. O segurado, nos termos definidos no ponto 1 do art. 8.º das condições especiais, deverá comunicar ao corretor ou à seguradora, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efectuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação.
2. A comunicação referida em 1, dirigida ao corretor ou à seguradora ou seus representantes, deverá circular entre os eventuais intervenientes de modo tal que o conhecimento da reclamação possa chegar à seguradora no prazo improrrogável de sete dias.
13. Por acção ordinária intentada no 6.º Juízo Cível de Matosinhos, Proc. n.º 430/01, o ora A. foi demandado em acção ordinária movida por FF com o pedido de:
a) Serem declarados nulos os contratos de compra e venda e de arrendamento comercial com ele celebrados, sendo o que diz respeito ao A., um contrato de compra e venda do recheio de um estabelecimento sito na Rua ....
b) Declarado nulo e dissimulado o contrato de trespasse outorgado entre o A. e a dita FF.
c) Condenado a devolver 1.000.000$00 que o A. já tinha recebido por conta do trespasse anulado.
d) Condenado a devolver à dita FF 23 letras de 500.000$00 cada, no valor global de 11.500.000$00 que ela havia emitido e entregue ao ora A. para pagamento do remanescente do preço do trespasse.
e) Acaso essas letras já tivessem sido descontadas ou entregues a terceiros então, ser condenado o ora A. a pagar à dita FF a quantia de 11.500.000$00.
14. Baseava a dita FF os seus pedidos, no facto de ter assinado com o ora A. em 8/02/01 um contrato de compra e venda do recheio de um estabelecimento em vez do trespasse e, com o senhorio do espaço havia assinado um contrato de arrendamento comercial.
15. Que tomara posse do estabelecimento e começara a atender clientes, pagando as respectivas rendas.
16. Mas que em 19/02/01 o estabelecimento fora objecto duma fiscalização da Câmara Municipal de Matosinhos, por ter o estabelecimento aberto ao público sem qualquer licença de utilização, sujeitando-a ao pagamento de uma coima.
17. A dita FF pediu ao A. a entrega da licença mas nunca a obteve.
18. Dirigiu-se à Câmara Municipal de Matosinhos e verificou que não existia licença de utilização para o estabelecimento funcionar como confeitaria e croissanteria e que nunca poderia ser emitida sem acordo do condomínio do prédio onde se inseria, e estes não a davam.
19. Vendo-se a dita FF na contingência de fechar o estabelecimento.
20. E que o A. lhe garantia que tinha todas as licenças das autoridades competentes.
21. Que portanto a dita FF fora enganada no negócio que fizera num elemento essencial do negócio e, que nunca faria o mesmo acaso soubesse desse facto.
22. Assim, o negócio seria anulável em virtude da anulabilidade da declaração negocial da A. e, daí os pedidos formulados nessa acção.
23. Citado para a acção, o ora A. consultou o o Sr. Dr. DD a quem expôs toda a situação.
24. Depois de estudar a factualidade apresentada e o direito aplicável, o Sr. Dr. DD disse-lhe para não se preocupar, que a dita FF não tinha razão e ela perderia a acção.
25. Nesta circunstância, o Sr. Dr. DD apresentou a Contestação no Tribunal de Matosinhos.
26. Fê-lo, porém, via Fax – telecópia, pelo que teria de enviar o original ao Tribunal no prazo de 5 dias.
27. O Sr. Dr. DD não o fez mas ainda assim foi notificado pelo Tribunal para o fazer em 5 dias.
28. O Sr. Dr. DD voltou a não enviar nada após a notificação, pelo que a Contestação por ele apresentada foi desentranhada dos autos e, o ora A. ficou sem defesa.
29. E, em consequência disso, foi feito julgamento e o ora A. foi condenado em todos os pedidos, ou seja:
 Declarado nulo por simulação o contrato de compra e venda.
 Anulável o trespasse dissimulado com fundamento no vício de vontade da A. na formação da declaração negocial.
 O A. condenado a devolver à FF 1.000.000$00.
 E a devolver as 23 letras de 500.000$00 ou
 A pagar o montante de cada letra que a A. tenha de pagar a terceiros.
30. E o A. já foi interpelado pela credora para devolver os 1.000.000$00 recebidos e as 23 letras.
31. O A. não possui as 23 letras pois entregou-as ao Sr. Dr. DD para ele as executar.
32. Verifica-se, assim, que o A. perdeu o estabelecimento de que era dono e explorava, não tem o recheio do mesmo que vendeu à referida FF e, tem que lhe devolver 12.500.000$00.
33. É este, também, o valor do prejuízo patrimonial sofrido pelo A. que ascende aos referidos 12.500.000$00 que perdeu, pelo estabelecimento que agora também não lhe pertence.
34. Para assegurar a sua defesa no supra referido Processo n.º 430/01 o ora A. mandatou o Sr. Dr. DD, advogado com inscrição na ordem dos Advogados, 2913P.
35. O ora A. instaurou, pois, contra o Dr. DD acção judicial que correu termos na 5.ª Vara Cível da Comarca do Porto, sob o n.º 1230/06.7TVPRT.
36. Nessa acção, o A. alegou que o prejuízo resultante da condenação no processo que correra termos no Tribunal de Matosinhos supra id. em 13), que computava em 12.500.000$00/62.349,74 € fora causada pela omissão do Dr. DD que não apresentara a sua contestação.
37. O Dr. DD não contestou a acção que contra ele fora instaurada.
38. Assentes os factos alegados pelo A., o Dr. DD foi condenado por sentença datada de 17/11/2006 já transitada em julgado, a pagar-lhe indemnização no valor de 62.349,74 €, acrescida de juros de mora desde a citação até ao momento do pagamento integral com base na violação das obrigações resultantes do contrato de mandato que celebrara com o A. e dos deveres deontológicos estabelecidos nos arts. 92.º, n.º 2 e 95.º, n.º 1, al. b) do Estatuto da Ordem dos Advogados.
39. Em Julho de 2012, o A. comunicou à R. que fora vítima de danos causados pelo Dr. DD no exercício do mandato forense de que o incumbira, pedindo à R. que pagasse a indemnização a que aquele seu segurado fora judicialmente condenado.
40. A R., tendo recebido a comunicação do A., comunicou-lhe, por carta datada de 27/07/2012, que não pagaria a indemnização a que fora condenado o Sr. Dr. DD.
41. Pelo menos desde a citação para a acção n.º 1230/06.7TVPRT supra referida em 35), que era conhecido do interveniente Dr. DD que os factos supra referidos em 27) a 28) podiam gerar a sua responsabilidade profissional e respectiva reclamação junto da R. Seguradora.
42. O interveniente Dr. DD não informou, participou ou deu conhecimento à R. dos factos e circunstâncias passíveis de gerar a sua responsabilidade assim como não a informou, participou ou lhe deu conhecimento da acção interposta pelo A. contra si com base na sua responsabilidade profissional e da respectiva sentença que o condenou com tal fundamento.
43. A Contestação supra referida em 25) e 26), no essencial, consistiu na invocação da excepção da ilegitimidade da R. mulher e na impugnação motivada dos factos alegados pela A. por defenderem os então RR. que o contrato celebrado não tinha sido um contrato de trespasse mas antes um contrato de compra e venda dos equipamentos que se encontravam no espaço arrendado aos 3.ºs RR e que faziam parte de um estabelecimento que exploravam e cujo actividade, ao contrário daquela que veio a ser desenvolvida pela então A., não carecia de licença de utilização específica (fls. 296 e ss.) .
44. Caso o Sr. Dr. DD tivesse apresentado a Contestação supra referida em 43) as probabilidades de a acção ordinária n.º 430/01 improceder não eram inferiores às probabilidades de a mesma acção proceder.

2.2. O recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. Estão já definitivamente resolvidas pela sentença proferida em primeira instância (uma vez que ficaram fora do objecto da apelação) as seguintes questões: (i) a questão da inclusão do sinistro no âmbito de cobertura do contrato de seguro; (ii) a questão da natureza obrigatória do seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados.

II. A primeira questão foi resolvida no sentido de o sinistro em causa se incluir no âmbito de cobertura do contrato de seguro; a segunda questão no sentido de se tratar de um seguro obrigatório.

III. Mais do que a decisão da matéria de facto no processo que opôs o lesado ao lesante/segurado, a questão nuclear que importa resolver é a saber se o próprio dispositivo da sentença aí proferida (isto é, o reconhecimento da pretensão indemnizatória do lesado e a condenação do lesante/segurado) se projecta para fora do processo, impondo-se a terceiros e vinculando prejudicialmente outros tribunais em futuros processos.

IV. A seguradora recorrida está abrangida pelo âmbito subjectivo do caso julgado formado na acção em que o segurado/lesante foi condenado a indemnizar o lesado, ora recorrente, que se lhe impõe inelutavelmente.

V. É isto assim quer no quadro da doutrina de Alberto dos Reis, que sujeita ao caso julgado os terceiros titulares de relações jurídicas dependentes, subordinadas ou em relação de prejudicialidade, quer à luz da construção dogmática de Miguel Teixeira de Sousa, que distingue a hipóteses de eficácia reflexa da sentença das hipóteses de extensão do caso julgado em sentido próprio (em que o autor inclui as situações de pre-judicialidade ou dependência entre situações jurídicas).

VI. Quando se trata de posições jurídicas dependentes ou subordinadas, os terceiros que delas sejam titulares ficam, reflexamente, sujeitos à eficácia (positiva) do caso julgado formado sobre posições jurídicas "acertadas" num processo em que não sejam partes.

VII. Não há, seguramente, nenhuma dúvida de que a pretensão, contra a seguradora, do terceiro beneficiário de um seguro de responsabilidade civil depende (no plano dos vínculos jurídicos substantivos) da existência da obrigação de indemnizar do segurado.

J.de

VIII. É o que resulta, também, do disposto no art. 140.º/2 do Regime do Contrato de Seguro, e quanto ao contrato de seguro de que se trata nos autos, do estatuído no artigo 8.º das respectivas condições especiais.

IX. No caso, do que se trata, justamente, é de o caso julgado formado no processo anterior ter tornado indiscutível o crédito indemnizatório do terceiro contra o lesante/segurado - caso julgado que, forçosamente, dado o nexo substantivo de dependência, se projecta, com eficácia reflexa, na relação jurídica entre o terceiro e a seguradora, mesmo que esta não tenha sido parte naquele processo.

K.de dependência, se projecta, com eficácia reflexa, na relação jurídica entre o terceiro e a seguradora, mesmo que esta não tenha sido parte naquele processo.

X. É abusiva, na modalidade de venire contra factum proprium, a insurgência da recorrida contra a vinculação e oponibilidade do caso julgado formado no processo (em que estiveram as partes com legitimidade para tanto) que opusera o lesante/segurado e o recorrente (no qual aquele foi condenado a indemnizar este), porque, por um lado, tendo conhecimento da sentença dela não recorreu (quando lhe era processualmente possível fazê-lo) e, por outro lado, o próprio contrato de seguro exclui a sua intervenção (como parte processual) no litígio entre o terceiro beneficiário (no caso, o recorrente) e o segurado.

XI. Na presente acção, o tribunal está vinculado à autoridade do caso julgado produzido na acção em que o lesante/segurado foi condenado a indemnizar o lesado, terceiro beneficiário do seguro de responsabilidade civil, aqui recorrente.

XII. O tribunal recorrido violou as normas dos art.s 619.º/1 do CPC, 334.º do CC e art. 140.º/2 do Regime do Contrato de Seguro.

XIII. Interpretado no sentido de a sentença não obrigar (ou não ser oponível a) terceiros nas hipóteses de eficácia reflexa e de extensão do caso julgado e de não vincular outros tribunais nas hipóteses de caso julgado prejudicial (nos temos em que estas figuras se deixam aqui caracterizadas), o preceito do art. 619.º/1 do CPC adquire um sentido normativo que viola o disposto nos arts. 205. º /2 ("As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades") e 20.º/5 ("Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos") da Constituição da República Portuguesa que, para todos os efeitos, aqui se deixa invocada.

São estas, em suma, as razões pelas quais se pede a V.Exas., Senhores Juízes Conselheiros, que seja julgada procedente a revista e revogado o acórdão recorrido, mantendo a sentença proferida em primeira instância.

2.3. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

1º. ln casu, a posição jurídica da ora Recorrida, na qualidade de seguradora do R., com inerente transferência da sua responsabilidade por erro profissional até ao limite máximo coberto, descontada a franquia, é claramente paralela e dependente da do R., considerando que face a uma possível condenação existirá uma condenação solidária entre a ora Recorrente e o R. em consequência do contrato de seguro nos autos.

2º. A ora Recorrida, como bem se decidiu no acórdão recorrido, é assim um terceiro juridicamente interessado que, na qualidade em que se apresenta e face à eventual condenação nos autos e suas consequências jurídicas, não pode ser assim abrangida pelo referido caso julgado o qual lhe é ineficaz e por isso inoponível (v. arts. 3°, 195°, 581°, 619° e 621° do CPC; cfr. Ac. RP de 2015.01.13, Proc. 5729/09.5YYPRT-C.P1, www.dgsi.pt; cfr. Ac. RC 2007.05.08, Proc. 267/04.5TBOFR-A.C1, www.dgsi.pt).

3º. A referida Sentença Condenatória do R. proferida no âmbito do processo que 1230/06.7TVPRT, que correu termos na então 3ª Secção, da 5ª Vara Cível do Porto é assim absolutamente ineficaz e inoponível relativamente à ora Recorrida quanto aos referidos factos provados e matéria de direito que teria novamente de ser discutida e analisada nos presentes autos - o que não sucedeu - , não constituindo aquela decisão quaisquer efeitos jurídicos quanto à ora R. ex vi dos arts. 3°, 195°, 581°, 619° e 621° do CPC.

4º. A douta sentença do Tribunal de 1ª Instância, como bem se decidiu no acórdão ora em análise, face à ineficácia e inoponibilidade do referido caso julgado não podia assim dar como provados in totum os factos provados no referido caso julgado e transpô-los para a presente ação, pelo que os pontos 13º a 44° dos factos considerados provados na sentença recorrida enfermam nesta parte de erro de julgamento e deverão por isso ser dados como não provados (v. art. 662º e 596º do CPC e 342° do C. Civil; cfr. Ac. STJ de 2005.02.03, Proc. 0484773, www.dgsi.pt; Ac. STJ de 2009.05.28, Proc. 32/06.5T8MTS.S1, in www.dgsi.pt; cfr. Ac. STJ de 1986.12.04, 8MJ 362/526 e Ac. STJ de 2006.11.02, Proc. 0683267, www.dgsi.pt).

5º. No caso sub judice, nos termos e para os efeitos do disposto no art.636° do CPC, o âmbito do presente recurso, perante a possibilidade da sua procedência - o que apenas por mera hipótese se admite - deverá ser ampliado, conhecendo-se as seguintes questões:

- O A. Recorrente não alegou, demonstrou ou provou a existência de qualquer Dano, consistente na "supressão ou diminuição duma situação jurídica favorável que estava protegida pelo Direito" (v. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, Vol. li, AAFDL, p.p. 283; cfr. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, 1944, 80), consubstanciado em perda de oportunidade ou de "chance" que fundamente a pretensão indemnizatória peticionada e que foi sufragada pelo Tribunal "a quo", não tendo minimamente ficado provado - face à ineficácia e inoponibilidade do caso julgado - ou sequer sido alegado uma probabilidade séria da procedência dos alegados direitos do Recorrente (v. arts. 483° e segs. e 798° e segs. do C. Civil; cfr. art. 342° do C. Civil).

- O A. Recorrente não invocou ou demonstrou - como lhe competia (v. art. 342° do C. Civil) -, nem se verificam in casu os pressupostos de que dependeria a responsabilidade do R. DD pelos pretensos danos e prejuízos invocados e pelos quais foi condenado (arts. 9°, 342°, 496°, 483° e segs., 562° a 566°, 798° e segs., do C. Civil).

- A eventual indemnização a atribuir pelo Tribunal "a quo" nos presentes autos pelo prejuízo que resulta dos alegados erros e omissões do R. DD "consubstancia a figura da perda de chance" pelo que teria necessariamente de ser determinada de acordo com juízos de equidade (v. arts. 562° e 566° do C. Civil; cfr. Ac. STJ de 2010.09.28, Proc. 171/2002.S1, e Ac. RL de 2010.03.04, Proc. 1.410/2004.0TVLSB.L 1-8, ambos in www.dgsi.pt).

- No caso sub judice, do montante indemnizatório a arbitrar sempre teria de ser descontada a franquia no valor de € 5.000,00 contratada no contrato de seguro celebrado com a ora Recorrente, a qual fica a cargo do segurado DD.

- o douto acórdão ora recorrido não merece assim qualquer censura, face à ineficácia e inoponibilidade do caso julgado e respetiva matéria que deverá ser dada como não provada e novamente julgada, ex vi dos arts. 99°/1 do EOA arts. 137° e segs. da LCS (DL 72/2008), arts. 9°, 342°, 496°, 483º e segs., 512º e segs., 566° e 798° e segs. do C. Civil).

NESTES TERMOS,

Deve ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser mantido o Acórdão Recorrido, na parte impugnada, com as legais consequências.

2.4. A única questão quer importa apreciar no presente recurso consiste em saber se a sentença proferida na acção proposta pelo lesado contra o lesante, transitada em julgado, vale na acção posterior proposta pelo mesmo lesado contra a Seguradora do lesante, que não interveio na primeira, como autoridade de caso julgado.

Na verdade, dúvidas não restam que ora autor, AA, havia instaurado contra o Dr. DD, que tinha sido seu advogado no processo nº430/01, uma acção que correu termos sob o nº 1230/06, tendo aquele sido aí condenado a pagar ao autor, por sentença proferida em 17/11/06, transitada em julgado, a indemnização de € 62.349,74 e respectivos juros de mora, relativa aos prejuízos resultantes da sua condenação no aludido processo nº 430/01, que teriam sido causados pela omissão do Dr. DD, por não ter apresentado contestação.

Na presente acção, o mesmo autor, AA, demanda a CC, S.A., em virtude de esta ter celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional com a Ordem dos Advogados, tendo por objecto o risco decorrente de acção ou omissão por parte dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, como acontecia com o Dr. DD.

Nesta acção, o autor pede que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 62.349,74, a título de capital, acrescida dos respectivos juros de mora.

 Note-se que a questão da autoridade do caso julgado formado no processo nº1230/06 começou por ser colocada logo em sede de despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova (despacho de 17/5/16).

Assim, considerou-se aí que se verifica a autoridade do caso julgado, a implicar que a ré tenha que aceitar o conjunto de factos já dados como provados na 1ª acção, com trânsito em julgado.

Por isso que se dispensou a sua inclusão nos temas da prova, vindo os mesmos a fazer parte, na sentença, dos pontos 13º a 44º da matéria de facto dada como provada.

Nessa sentença foi reconhecida a autoridade do caso julgado da sentença proferida no processo nº1230/06 e, como tal, a responsabilidade civil profissional do Dr. DD, que, na presente acção, foi admitido como interveniente principal, a requerimento da ré Seguradora, mas não a tendo contestado.

Na mesma sentença foi apreciado o contrato de seguro em causa e respectivas cláusulas, tendo-se concluído que a ré Seguradora tem de responder pelos danos que o autor sofreu em consequência do desempenho profissional do Dr. DD, pelo que foi condenada a pagar ao autor a quantia de € 62.349,74 e respectivos juros de mora.

Tal sentença, no entanto, foi anulada pelo acórdão recorrido, que ordenou a ampliação da matéria de facto, para serem objecto de prova os factos dados como provados sob os nºs 13º a 44º da fundamentação de facto, considerando prejudicado o conhecimento das restantes questões.

Para o efeito, teceram-se no acórdão recorrido, entre outras, as seguintes considerações:

«Regressando ao caso dos autos, servindo-nos destes ensinamentos, facilmente se alcança que a decisão proferida na acção n.º 1230/06.7TVPRT não faz caso julgado material relativamente à recorrente, já que não teve qualquer intervenção naquela acção e a mesma não lhe é indiferente.     

Entre a presente acção e aquele processo não se verificam os três requisitos de identidade da excepção do caso julgado previstos no art.º 581.º do CPC.

Mesmo que se entenda que, relativamente à autoridade do caso julgado, não é exigível a coexistência da tríplice identidade, o mesmo não seria eficaz relativamente à ré, por ser terceira juridicamente interessada.

Com efeito, a aqui ré/recorrente não foi ali demandada, nem foi chamada a intervir para fazer valer qualquer eventual direito. E foram ali discutidos factos que serviram para a sua condenação na sentença proferida nesta acção.

Sendo terceira juridicamente interessada, os factos dados como provados e que estiveram na base da decisão proferida na acção n.º 1230/06.7TVPRT não se impõem neste processo.

Deste modo, o caso julgado formado com a prolação da sentença naquela acção não é oponível à ré neste processo, pois nenhuma eficácia tem relativamente a ela.

Por isso, não podiam ser, como foram, dados como provados por efeito do caso julgado.

Mas também não é caso de dar como “eliminados ou não provados” os factos elencados na fundamentação de facto provada sob os n.ºs 13 a 44, como pretende a recorrente.

O recorrido sempre tem o direito de os provar, em sede e no momento processual próprios, oportunidade que ainda não lhe foi concedida, em face da atribulada tramitação processual que se vem verificando nos autos.

Resta, pois, garantir às partes as condições de obtenção de uma tutela efectiva.

Impõe-se, assim, a anulação da decisão recorrida para ampliação da matéria de facto, nos termos do art.º 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.

Fica, deste modo, prejudicado o conhecimento das restantes questões».

Vejamos.

Dúvidas não restam que, no caso, não se verifica a excepção do caso julgado, uma vez que não ocorre a tríplice identidade a que alude o art.581º, do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir).

Todavia, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a autoridade do caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da referida tríplice identidade.

Assim, segundo Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil, Anotado, 2ª ed., pág.354, «A excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade de caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida».

Por seu turno, Teixeira de Sousa, in O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, 325º-178, escreve que « … o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente».

Na jurisprudência, pode ver-se o Acórdão do STJ, de 13/12/07, disponível in www.dgsi.pt (todos os demais acórdãos que forem citados estão disponíveis no mesmo lugar), em cujo sumário se pode ler:

«A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a excepção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o art.498º do CPC (…), a autoridade de caso julgado da sentença transitada pode actuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão» (cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos do STJ, de 6/3/08, de 23/11/11 e de 21/3/13).

Do sumário deste último Acórdão consta o seguinte:

«Ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto de decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta».

Por outro lado, tem-se entendido, como se refere no sumário do Acórdão do STJ, de 12/7/11, que:

«A expressão “limites e termos em que julga”, constante do art.673º do CPC, significa que a extensão objectiva do caso julgado se afere face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ela define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na acção».

E que, como se diz no mesmo sumário:

« … a determinação  dos limites do caso julgado e a sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado».

Acrescentando-se, naquele sumário, que:

«Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – problema dos limites objectivos do caso julgado –, tem de reconhecer-se que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força probatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da condenação firmada» (cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos do STJ, de 23/11/11 e de 22/9/16).

Por conseguinte, o que releva, no caso dos autos, não é a excepção do caso julgado, mas sim a autoridade do caso julgado inerente à sentença, efeito esse que visa preservar o prestígio dos tribunais e a certeza ou segurança jurídica, evitando a instabilidade das relações jurídicas.

Na verdade, como refere Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 306, «Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse constantemente que defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalgum dos novos processos eles lhe serem negados pela respectiva sentença».

É certo que, como escreve Alberto dos Reis, in Boletim da Faculdade de Direito, vol. XVII, págs.206 e segs. (Eficácia do Caso Julgado em Relação a Terceiros), que seguiremos muito de perto na exposição subsequente, «Estender a eficácia da sentença a terceiros, estranhos ao processo, que não intervieram nele, que não foram ouvidos nem convencidos, que não foram colocados em condições de dizer da justiça, de alegar as suas razões, de exercer qualquer espécie de influência na formação da convicção do juiz – é uma violência que pode redundar numa iniquidade».

Porém, também diz aí que nunca o princípio da irrelevância do caso julgado em relação a terceiros foi observado em todo o seu rigor, nem mesmo no direito romano, que formulou a construção do caso julgado na aludida tríplice identidade e que, não obstante, se viu forçado a quebrar a rigidez do princípio e a admitir, em certos casos, que uma sentença proferida entre duas pessoas determinadas atingisse terceiros, estranhos à causa.

Aliás, o mesmo veio a suceder no direito medieval e no direito moderno, já que o caso julgado revelou sempre a tendência para ultrapassar os limites da lide e ir projectar os seus efeitos sobre relações de terceiros.

A causa desse facto reside na conexão e na interdependência das relações jurídicas, sendo, pois, natural que a solução dum conflito exerça influência noutras ordens de conflitos.

Por isso que para a solução do problema em cada caso concreto haja de recorrer-se às normas de direito material que regem as relações jurídicas respectivas, uma vez que são elas que nos dizem até onde e em que medida essas relações são conexas e interdependentes.

No entanto, é ao direito processual que compete responder à questão de saber se é lícito sacrificar os direitos de terceiros em homenagem ao princípio da eficácia universal do caso julgado, já que se encontram em conflito dois princípios ou dois interesses opostos: o princípio da autoridade da sentença e o princípio da tutela dos direitos de terceiros estranhos ao processo em que foi proferida a sentença.

Tal resposta não pode deixar de depender do carácter e da índole do sistema processual em vigor, dos princípios que o informem e das garantias que ofereça.

Assim, os direitos de terceiros, a que o caso julgado vai estender-se, estão mais acautelados e garantidos num sistema de processo que investe o juiz de poderes suficientemente largos para conduzirem à descoberta de toda a verdade, como é actualmente o nosso.

Questão é a de saber quais são os terceiros que, por serem titulares de relações jurídicas conexas, dependentes ou concorrentes com a que foi apreciada e definida pelo caso julgado, devem considerar-se sujeitos a ele.

Segundo Alberto dos Reis, ob.cit., págs.246 e 247, «O caso julgado formado sobre uma determinada relação jurídica só deve fazer sentir a sua influência sobre outras relações jurídicas quando estas estejam para com aquela num nexo de dependência tal que seja logicamente inevitável a repercussão. E para se caracterizar esta dependência parece-nos aceitável o critério de Allorio – o critério da prejudicialidade.

Se a relação coberta pelo caso julgado entre na formação doutras relações, como pressuposto ou como elemento necessário, tem de admitir-se a projecção reflexa do caso julgado sobre essas relações, na medida em que ele fixou e definiu a relação prejudicial».

E tem sido esse o critério seguido pela jurisprudência e pela doutrina atrás citadas.

Claro que, quanto aos terceiros juridicamente indiferentes, o caso julgado não pode causar-lhes prejuízo de natureza jurídica, pelo que não pode deixar de admitir-se que estão sujeitos ao caso julgado alheio.

A questão coloca-se, precisamente, em relação aos terceiros juridicamente interessados, sendo que, como já vimos, é o nexo de prejudicialidade que nos fornece o critério geral de solução do problema da repercussão do caso julgado sobre as relações jurídicas de terceiros.

Como também já referimos atrás, para a solução desse problema temos de nos socorrer das normas de direito material que regem as relações jurídicas respectivas (cfr. o Acórdão do STJ, de 12/7/11, in www.dgsi.pt).

No caso dos autos, estamos perante um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, que garante a indemnização dos prejuízos causados a terceiros no exercício de uma profissão – advocacia.

Tal contrato, no caso, tem como tomadora a Ordem dos Advogados e, como segurado, o advogado Dr. DD, tendo-se iniciado o período de cobertura em 1/1/2012.

Resulta do ponto 7. das condições particulares da apólice que a Seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado pelos sinistros participados após o início da vigência da apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional coberta pela apólice e ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da mesma.

No entanto, nos termos do art.3º das condições especiais da apólice, ficam expressamente excluídas da cobertura as reclamações por qualquer facto ou circunstâncias conhecidas do segurado à data do início do período de seguro e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação.

Nos termos do disposto no art.137º, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL nº72/2008, de 16/4, também designado por «Lei do Contrato de Seguro» (LCS), «No seguro de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros».

A constituição desta obrigação resulta da responsabilidade civil derivada de um acto danoso, uma vez que a sua função é precisamente vincular o responsável a reparar o dano, ou seja, trata-se de obrigação de que o segurado é sujeito passivo, originada por actos próprios.

Deste modo, a constituição da obrigação do segurador em relação ao lesado pressupõe, necessariamente, a constituição, no património do segurado, da obrigação de indemnizar o lesado (terceiro em relação ao contrato de seguro).

O que vale por dizer que se o segurado estiver obrigado a indemnizar, o segurador está também obrigado, uma vez que foi esse o risco contratado.

Note-se que resulta do disposto no art.140º, nºs 1 e 2, da LCS, que a situação normal é o lesado demandar o segurado, embora as partes possam clausular o direito de o lesado demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado.

Ou seja, o facto de a própria lei remeter para a previsão contratual o direito de o lesado demandar directamente o segurador, evidencia a natureza  excepcional da possibilidade de o credor demandar o devedor do seu devedor (cfr. José Vasques, in Lei do Contrato de Seguro, Anotada, 2016-3ª ed., págs.451 e 452).

Refira-se, ainda, que, nos termos do art.147º, nº1, da LCS, «O segurador apenas pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto do tomador do seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro».

Isto é, não pode o segurador opor ao lesado meios de defesa relativos à relação jurídica de responsabilidade civil.

O que resulta de todo este regime aplicável ao contrato de seguro em causa nos autos é que a decisão proferida na acção proposta pelo lesado contra o segurado, onde este foi condenado, por sentença transitada em julgado, a pagar àquela a quantia de € 62.349,74 e respectivos juros de mora, é pressuposto indiscutível da decisão a proferir na acção proposta contra a Seguradora, já que foi esse o risco que esta cobriu.

O que significa que o objecto da 1ª acção constitui questão prejudicial na presente acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.

Assim sendo, tem de admitir-se a projecção reflexa do caso julgado formado na 1ª acção, na medida em que ela fixou e definiu a relação prejudicial.

Na verdade, estamos perante relações jurídicas com um nexo de dependência tal que é, logicamente, inevitável a repercussão.

Refira-se, ainda, que, no caso, a 1ª acção não podia deixar de ser instaurada apenas contra o lesante, já que, nessa altura, ainda não se encontrava em vigor o contrato de seguro em causa.

Nesta 2ª acção o autor fundamenta o seu pedido na responsabilidade civil do seu advogado, Dr. DD, por factos ocorridos antes de Maio de 2005, isto é, em data anterior ao período de vigência da apólice de seguro.

O que, só por si, não exclui a responsabilidade da Seguradora, desde que tais factos lhe tenham sido participados durante o período do seguro, o que, no caso, aconteceu (cfr. o ponto 7. das condições particulares da apólice, atrás citado).

Porém, há que ter em conta o art.3º das condições especiais da apólice, também já citado, onde se prevê a exclusão da cobertura de reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado à data do início do período do seguro e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação.

No caso dos autos, é manifesto que, à data do início do período do seguro (1/1/2012), o segurado já tinha conhecimento da sentença condenatória proferida no processo nº1230/06 em 17/11/06, no entanto, não participou esse facto à Seguradora.

Contudo, na sentença proferida na presente acção, considerou-se não serem oponíveis ao lesado beneficiário as cláusulas contratuais que previram a exclusão da cobertura do seguro no caso de incumprimento do dever contratual do segurado de participar o sinistro à Seguradora, sem prejuízo do direito de regresso por parte desta, nos termos do art.101º, nº4, da LCS.

Por isso que foi a ré Seguradora condenada a pagar ao autor a quantia de € 62.349,74 e respectivos juros de mora.

Todavia, tal decisão não tem que ser apreciada no presente recurso. Apenas nos referimos a ela para melhor compreensão do que se passou nos autos. Como já se referiu, a única questão que importa apreciar é a da autoridade do caso julgado, nos termos atrás mencionados.

Apreciação essa que a que já se procedeu e que implica a conclusão de que a sentença proferida na acção proposta pelo lesado contra o lesante, transitada em julgado, vale na acção posterior (presente acção) proposta pelo lesado contra a Seguradora do lesante, que não interveio na primeira, como autoridade de caso julgado.

Assim sendo, o tribunal recorrido está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial, isto é, no processo nº1230/06.

Não havia, pois, que anular a sentença recorrida para ampliação da matéria de facto, ou seja, para serem objecto de prova os factos dados como provados sob os nºs 13º a 44º da fundamentação de facto.

Não pode, assim, manter-se o acórdão recorrido, o qual terá que ser revogado, devendo os autos baixar à Relação para conhecer das questões que deixou de conhecer por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio (cfr. os arts.665º e 679º, do CPC).

Questões essas que são as mesmas que a recorrida Seguradora invocou em sede de ampliação do âmbito do recurso, pelo que não têm que ser aqui conhecidas.

3 – Decisão.

Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se o acórdão recorrido, devendo os autos baixar à Relação para os fins atrás referidos.

Custas pela recorrida.