Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8176121.7TSLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DE APELAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DO RECORRENTE
ÓNUS DE CONCLUIR
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
REJEIÇÃO DE RECURSO
PROCESSO EQUITATIVO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA NORMAL
REMESSA À FORMAÇÃO
Sumário :
Numa interpretação do artigo 640.º do Código de Processo Civil em termos adequados à função e conformes com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para que possa considerar-se observado o ónus da impugnação é preciso que, através das indicações do recorrente dos concretos pontos de facto impugnados e dos meios de prova relevantes para cada um, fique assegurada a inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, a possibilidade de um contraditório esclarecido.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Recorrente: Maresia e Cortesia, Unipessoal, Lda.

Recorrida: AA

1. AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Maresia e Cortesia, Unipessoal, Lda., representada pelo seu gerente BB, pedindo o seguinte:

a) ser “declarada a resolução do contrato de arrendamento e, consequentemente, decretado o despejo, condenando-se a ré a restituir, de imediato, aos autores, livre e desocupado o local acima descrito e ;

b) condenar-se a ré a pagar à autora as rendas vencidas e as que se vencerem até à data da restituição”.

2. Foi proferida sentença, em cujo dispositivo pode ler-se:

III – DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal julga a acção procedente e, em consequência:

- declara resolvidos os contratos de arrendamento celebrados entre A. e R. em 01/08/2015 e 01/03/2016 e objecto de aditamento em 25/10/2019,

- decreta o despejo, condenando a R. a restituir à A., livre e desocupado de pessoas e bens, o prédio urbano situado na Rua ... nºs 37 a 45, em ...,

- condena a R. a pagar á A. a quantia de € 239.250,00 relativa a rendas vencidas e não pagas à data de interposição da acção, e ainda a quantia de € 1.089.000,00 relativa às rendas entretanto vencidas até à presente data”.

3. Inconformada com o decidido, a ré interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa decidido:

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta ... Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:

a) Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Apelante MARESIA e CORTESIA, UNIPESSOAL, LDA., em que figura como Autora/Apelada AA;

b) Em consequência, confirma-se in totum – por que bem decidida – a sentença recorrida/apelada;

c) Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo na pretensão recursória suscitada, é a Ré responsável pelo pagamento das custas da presente apelação”.

3. Inconformada, veio a ré, mais uma vez, interpor recurso, desta feita de revista, invocando, além do mais, o artigo 672.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), do CPC e concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões:

441. Veio a Relação dizer que, existe uma impossibilidade de apreciar os factos alegados motivado pelos mesmo não virem impugnados à luz do art 640º CPC.

45. Os ónus primários previstos nas als. a), b) e c) do art. 640.º do CPC são indispensáveis à reapreciação pela Relação da impugnação da decisão da matéria de facto.

46. Ora o Recorrente nas suas alegações para o Tribunal da Relação o fez, contrariando a posição da Relação,

Senão vejamos:

47. O recorrente ao dizer no seu artigo 5º e 6º , 7º e 9º, 15º, 16º, 40º, 50º, 58º, 65º , 72º, 73º, 74º e 75º, 76º, 77º , 81º a 87º , 93º a 95º das Alegações “...Como se infere pelos factos relevantes acabados de explicitar, pelos Recorrente, estes não entende, nem compreende a decisão do tribunal a quo no que concerne à decisão da causa....”, “... Até porque, os factos provados demostram o contrário...”....”... A saber...”, “... Ao contrário do que se faz crer na douta sentença, somente serviu de elo de ligação entre as partes....”, “...Ao contrário da sentença, de facto a testemunha CC disse que havia conhecimento da necessidade de obras por banda da Recorrente, mas não de obras de beneficiação e não de obras profundas/estruturais....”, “.... Havia desconhecimento poe banda da Recorrente de notificações Camarárias realizas no passado para execução de obras coercivas, conforme se plasmaram no artigo 18º na notificação judicial avulsa enviada...”, “Por outro lado, foi sempre ocultado pela A. a necessidade da urgência da execução dessas obras (tanto mais que a Recorrente tinha pelo menos 5 anos para as executar, tendo em conta o prazo acordado do contrato de arrendamento)....”, “... Escamotando-se no facto do valor da renda cobrado ser inferior, algo que, não logrou fazer prova...”, “... Salvo o devido respeito, andou mal, o tribunal quando, optou por não ter em conta o testemunho de CC, aquando do invocado abandono do local....”, “... Como tal, aos factos ocorridos em 10 de Dezembro, não correspondem à verdade....”, “....A A., procurou em sede de julgamento, tentar provar motivos, e insinuações, com o intuito de tentar denegrir a imagem da Recorrente, a todo o custo, quando a Recorrente, fez somente o que lhe competia por forma a defender os seus interesses...”, “... Salvo o devido respeito e em face à prova produzida, na modesta opinião Recorrente, eventualmente confundido com os testemunhos realizados pelos responsáveis dos pareceres, é balizar o que são obras profundas e estruturais...”,“...De acordo com os factos alencados, a Recorrente invocou a exceção do cumprimento do contrato, de acordo com o artº 428º do C.C., até que seja cumprido a parte que compete à A., não está a dizer que pretende incumprir com a A....”, “...De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de ..., no âmbito do processo 5983/06.4...-6, “.... I– A faculdade de recusa da sua prestação por parte de qualquer um dos contraentes, no circunstancialismo e condições mencionados nos artigos 428.º e seguintes do Código Civil, pode também ser exercida no âmbito do contrato locatício. II– Confrontando os deveres recíprocos que decorrem para os contraentes do contrato de arrendamento comercial dos autos e que, na sua essência, se mostram descritos nos artigos 1038.º(locatário) e 1031.º (locador) do Código Civil, aqueles que se contrapõem directamente entre si são, correspectivamente, o do pagamento da renda por parte do inquilino e o do entrega e garantia do gozo das utilidades da coisa locada por banda do senhorio. III– Muito embora a excepção de não cumprimento não possa ser, em regra, utilizada pelo arrendatário como justificação para a não liquidação da renda, quando o senhorio, por seu turno não realiza no locado as obras a que legalmente está vinculado, certo é que, em determinadas situações, quando tais obras são condição necessária e suficiente para proporcionar o gozo do imóvel ao respectivo inquilino, afigura-se-nos que pode e deve ser equacionada a possibilidade do arrendatário invocar a excepção de não cumprimento, com a não liquidação da renda. IV – A indefinição absoluta da actividade comercial ali desenvolvida ou a desenvolver obriga a uma leitura igualmente aberta dos vícios dos espaços arrendados, pois sendo compagináveis múltiplas e muito diversas actividades comerciais naqueles espaços, também os defeitos em causa podem obstar, simplesmente dificultar ou permitir mesmo o gozo mais ou menos pleno e satisfatório deslocados consoante o tipo de negócio ali desenvolvido (imagine-se o armazenamento e venda no local de materiais de construção, produtos hortícolas ou agrícolas ou outras mercadorias devidamente ensacadas e fechadas, que não sejam prejudicadas pelas infiltrações e queda de chuva em algumas zonas do mesmo, sendo certo que só em algumas áreas é que isso acontece e não em todas, nada parecendo impedir a utilização destas últimas).V – Logo, não estando provada pelos Réus tal situação de impossibilidade total do gozo do locado em virtude da não realização das obras reclamadas pela 1.ª Ré, não podia esta invocara excepção de não cumprimento como justificação para o não pagamento da renda, nos moldes demonstrados nos autos (ainda que esse impedimento fosse parcial, tal não consentia à inquilina a suspensão integral do pagamento da renda – cf. alguma da jurisprudência acima mencionada). VI– Permitindo os artigos 11.º a 18.º e 120.º do RAU e 1043.º do Código Civil (e que, nesta matéria, coincidem com o atualmente em vigor – cf. artigos 1074.º, número 1 e 1111.º do Código Civil) que senhorio e inquilino acordem na atribuição ao inquilino do encargo de realização de qualquer um dos tipos de obra previsto no artigo 11.º do RAU e tendo sido uma combinação dessa índole que a Autora fez com a 1.ª R é (cf. Cláusula 7.ª do negócio jurídico dos autos, conforme ressalta do ponto 2 da Matéria de Fact Assente), afigura-se-nos insustentável a posição defendida pelos Réus na sua contestação e alegações no sentido de estarem desonerados do pagamento da renda face à inércia da Autora quanto à efetuação das obras de conservação reclamadas pelo prédio. (JES)...”... O despejo imediato por falta de pagamento de rendas na pendência da ação só poderá ter lugar quando não seja colocada qualquer questão suscetível de pôr em causa o arrendamento nos seus elementos essenciais e, nomeadamente, quanto ao problema da renda...” ... É lícito ao inquilino não se dever limitar ao pagamento das rendas para evitar o despejo imediato...”....Antes podendo defender-se com quaisquer factos que justifiquem o não pagamento da renda ou a redução da renda, como assim o fez...”, “Neste caso concreto a R.,suscita em sua defesa dois fundamentos: invocou a exceção do não cumprimento do contrato e invocou o direito de indemnização por factos imputáveis à A., quanto ao facto de não poder cumprir o contrato, estando em causa obras estruturais no imóvel...”, “...Como tal, O despejo imediato por falta de pagamento das rendas na pendência da ação de despejo só poderá ter lugar quando não seja colocada qualquer questão suscetível de pôr em causa o arrendamento nos seus elementos essenciais e, nomeadamente, quanto ao problema da renda. Discutida esta, ou alegados factos suscetíveis de a pôr em causa, é lícito ao arrendatário não se dever limitar ao pagamento das rendas para evitar o despejo imediato, antes podendo defender-se com quaisquer factos que justifiquem o não pagamento da renda...”, “... Salvo melhor opinião, o despejo imediato por falta de pagamento das rendas na pendência da ação de despejo só poderá ter lugar quando não seja colocada qualquer questão suscetível de pôr em causa o arrendamento nos seus elementos essenciais e, nomeadamente, quanto ao problema da renda. Discutida esta, ou alegados factos suscetíveis de a pôr em causa, é lícito ao arrendatário não se dever limitar ao pagamento das rendas para evitar o despejo imediato, antes podendo defender-se com quaisquer factos que justifiquem o não pagamento da renda. Nesta conformidade, não deve ser julgado procedente a ação de despejo, enquanto pender uma decisão que, coloca em causa a boa – fé do contrato então celebrado; Até porque invocada que, se encontra a exceção do não cumprimento do contrato, como é sabido, sendo a decisão favorável à R., e regularizada a parte que compete à A., esta terá que pagar as rendas vencidas, bem como as vincendas., “...Motivado pelas obras urgentes estruturais necessárias, a Recorrente também não faz gozo do imóvel desde de 2020...”, “.. Até porque em sede de recurso a A. da decisão que não deu provimento ao despejo imediato, refere que: “Para demonstrar a vontade de cumprir a sua obrigação, a ré sempre poderia ter procedido ao depósito das rendas à ordem dos presentes autos, o que permitira cumprir-se o objectivo fundamental do incidente de despejo imediato – que é o de proteger o senhorio quanto ao direito a receber a renda.” , “.. Ora essa teoria, nunca poderia, nem poderá vingar...”, “...Até porque, em primeiro lugar, a Recorrente emvirtudedoestadodoimóvelnãopodegozardoobjetodocontratodearrendamento, e como tal, não consegue faturar para pagar a renda contratada...”, “....Em segundo, sabe a A. que, a Recorrente tentou por diversas vezes chegar ao contacto com a A. no sentido que criar alternativas para o caso concreto, lesando as partes o mínimo possível...”, “Conversações essas que, nunca acolheram recetividade por banda da Recorrente...”, “...Daí referir a força do preceituado no artigo 428º do C.C...”, “...Em virtude da Recorrente nem sequer ter aceite a proposta de diminuição da renda temporária nos termos do disposto do artº 1040º do C.C. que, vem agora invocar....”, “...Até porque no nº 2 do preceituado, no contrato de arrendamento ocorrendo privação parcial do gozo da coisa, imputável ao locador, pode o locatário suspender, em medida proporcionada, o pagamento da renda, ao abrigo do regime da excepção do não cumprimento, desde que: -a falta assuma relevo significativo: -Se observe proporcionalidade ou adequação entre essa falta e a recusa do excipiente. II - No regime do arº 1040°/2 CC o prejuízo efetivamente sofrido pelo arrendatário (ou pelo locatário) não tem de ser medido em função da duração do período que ele já vem ocupando o prédio por força do contrato. A expressão” duração do contrato” usada no art. 1040°/2 CC tem o significado de prazo (estipulado ou estabelecido, supletivamente, por lei) porque, em princípio, o contrato deve manter-se, independentemente de eventuais renovações...”, “...Como tal, a Recorrente não teve outra alternativa senão alojar-se na invocação da exceção de não cumprimento do contrato quanto à sua obrigação de pagamento de rendas....”, “...Até porque como já referido para tal invocação é necessário que do cumprimento defeituoso por banda do senhorio, tenham resultado danos relevantes que impliquem diretamente com o gozo da coisa pelo inquilino, privando-o total ou parcialmente desse gozo...”, “....Sendo o facto da privação total do gozo do imóvel o que se discute....”.

48. Ora todos os factos elencados nos mencionados artigos das alegações de apelação, são factos demonstrativos da impugnação da matéria de facto julgada em sede de 1ª instância.

49. Deve a mesma ser totalmente apreciada.

50. Pelo que, há um erro de apreciação da prova.

51. A partir da análise do conteúdo do recurso de apelação, conclui-se que, na impugnação da decisão de facto, se deu cumprimento ao ónus primário da al. b) do nº 1 do art. 640º do CPC.

52. O que no entendimento do Recorrente, foi dado cumprimento pelo acima referido.

53. Quanto ao ónus secundário da al. a) do nº 2 do mesmo art. 640.º do CPC, há que distinguir: (i) no que se refere à impugnação da matéria de facto na parte fundada em prova documental, dúvidas não há de que esse ónus foi cumprido; (ii) no que se refere à impugnação da matéria de facto fundada em prova testemunhal - e de acordo com a orientação supra enunciada da jurisprudência do STJ, segundo a qual, “quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a), do mesmo artigo”, a rejeição da impugnação “só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso”, verifica-se que a técnica de descrever detalhadamente o conteúdo dos depoimentos das testemunhas em discurso indirecto, ainda que sem indicar o início e termo da passagem relevante de cada depoimento, permitindo o exercício do contraditório pela contraparte, bem como o exame, sem grande dificuldade, pelo tribunal da Relação, leva a dar como substancialmente cumprido o ónus do art. 640.º, n.o 2, al. a), do CPC.

54. No entendimento do Recorrente, encontrasse factualmente plasmado (ao invocar os testemunhos), a imprecisão que merece ser novamente apreciada.

55.Cabe à Relação a autonomia decisória à Relação em sede de reapreciação da matéria de facto, traduzida numa convicção própria de análise dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se encontrem disponíveis no processo, nos termos do disposto no artº 662º do CPC.

56. No entanto, as provas em concreto, merecem reapreciação, em virtude dos factos objeto de impugnação são suscetíveis face à circunstância própria do caso em apreciação ter relevância jurídica para a boa decisão.

57. Salvo o devido respeito, no caso concreto, a reapreciação não levará a cabo uma atividade processual inútil, nem será contrária aos princípios da celeridade processual.

58. Pelo que é admissível o Recurso de Revista apenas, e na medida, em que nele se suscita a alegada violação de normas processuais que disciplinam os poderes da Relação, sendo a admissibilidade circunscrita à apreciação de tais questões, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso.

59. Quanto à invocação da exceção do não cumprimento do contrato nos termos do artigo 428º do C.C.., não pode vingar a decisão proferida pela Relação.

60. Até porque, a exceção de não cumprimento do contrato (cf. art. 428º do C.Civil) é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.

61. A excepção do não cumprimento do contrato é própria dos contratos bilaterais, sendo que para que a excepção se aplique, não basta que o contrato crie obrigações para ambas as partes, sendo também preciso que as obrigações sejam correspetivas, correlativas ou interdependentes, isto é, que uma seja sinalagma da outra.

62. Como o caso vertido nos autos que se discutem.

63. Com a celebração do contrato dos autos, resultaram obrigações para ambas as partes, obrigações que estão patentemente ligadas entre si por uma relação de interdependência, por um nexo de causalidade ou de correspectividade. Uma justifica a outra e vice-versa, pelo que a excepção do não cumprimento do contrato deve actuar.

64. Como resulta do art. 428º, a excepção do não cumprimento do contrato não nega a qualquer das partes o direito ao cumprimento da obrigação nem enjeita o dever de a outra cumprir a prestação. O que resulta ou origina a exceptio é a possibilidade de recusa da prestação por uma das partes enquanto a outra não efectuar a que lhe cabe, ou seja, tem somente um efeito dilatório, o de realização da prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação.

65. Em caso de cumprimento defeituoso da prestação e desde que a prestação efetuada prejudique a integral satisfação do interesse do credor, será possível a este opor a exceptio.

66. Conforme se pode verificar em face aos factos impugnados, foi o sucedido.

67- A exceção de não cumprimento do contrato encontra fundamento na interdependência das obrigações sinalagmáticas, visando proteger a manutenção do equilíbrio entre elas, o que não sucedeu.

68- Facto provado através da notificação judicial avulsa entregue, aonde invoca a exceção do não cumprimento do contrato, até que haja condições para que, a requerente possa fazer o gozo do imóvel arrendado. (...) Pretende a Requerente, comunicar expressamente que, serve a presente Notificação Judicial Avulsa para dar conhecimento do seguinte:

a) Que as alegadas reparações no imóvel, são de carácter urgente;

b) Que o requerente, não pode executar as obras para qual acordou realizar, por não conseguir obter licença para o efeito, derivado do estado de insalubridade do imóvel;

c) Que notifica a requerida para a realização das obras nos termos do disposto nos artigo 1031°, alínea b), 1074°, n° 1 e 1111°, n° 2 Código Civil.

d) Que a requerida suspenda a execução do contrato de arrendamento nos termos da Lei n° 13/2019 (RJOPA), até que a Requerida (na qualidade de proprietária), faça as obras urgentes.

e) Senão o fizer, o requerente invoca a exceção do não cumprimento do contrato, até que haja condições para que, a requerida possa fazer o gozo do imóvel arrendado, nos termos do disposto no artigo 428° do C.C.».

f) Na sequência da notificação referida no artigo antecedente, no dia 13 de Janeiro de 2021 a Recorrente enviou à Recorrida. carta registada com aviso de recepção refutando todos os argumentos da referida notificação, nomeadamente reafirmando que a Ré sempre teve conhecimento do estado de conservação do imóvel e que assumiu a obrigação de execução de obras significativas em todo ele.

g) - O imóvel necessita de obras de conservação e de beneficiação geral, o que a Recorrida. sempre conheceu.

Bem como,

69- Não havia condições de segurança para a realização da atividade, reparação e ou remodelação do edifício ( parecer técnico e testemunho da testemunha DD).

70– Concomitantemente, em sede de primeira instância ficou mais que evidente ( factos descritos nos articulados e factos provados) que, o Recorrente só deixou de pagar a renda, aquando do conhecimento do estado de salubridade do imóvel ( solicitação do parecer técnico, bem como o testemunho prestado pela testemunha DD).

71 - Ao contrário da sentença, de facto a testemunha CC disse que havia conhecimento da necessidade de obras por banda da Recorrente, mas não de obras de beneficiação e não de obras profundas/estruturais

72- Havia desconhecimento poe banda da Recorrente de notificações Camarárias realizas no passado para execução de obras coercivas, conforme se plasmaram no artigo 18º na notificação judicial avulsa enviada, a saber:

- “...- Em 1989, foi realizadas obras coercivas no imóvel, sobre o processo administrativo camarário com o nº 6/I/276/89 (CM...);

- Em 1990, houveram outros processos com o e processo nº 503/8/1º e nº 116/40R/90, com a realização de mais obras coercivas de reparação e conservação do prédio, bem como, pedidos de ajuda, por queda de pedra do imóvel para a via pública;

- De igual modo, em 3 de Outubro de 2002, houve uma intimação os proprietários do imóvel a executar obras de conservação no imóvel, sobre outro processo com o nº 1723/7/90, cujo assunto: Ato de intimação anterior a 18/07/1997 – sem determinação de despejo ou interdição – sem qualquer ato administrativo posterior, sobre obras, que não foram realizas, ao abrigo do artigo 10´do RGEU;

- Concomitantemente, em 7 de Outubro de 2002, sobre o processo nº 1003/I/95, houve outra intimação aos proprietários com o mesmo assunto (Ato de intimação anterior a 18/07/1997 – sem determinação de despejo ou interdição – sem qualquer ato administrativo posterior, sobre obras que não foram realizas), desta ao abrigo do artigo 12º do RGEU;

- Já em 2013, a CM..., tentou notificar a requerida de esgoto entupido, no 2º andar do nº 37º, causado por infiltrações no teto, dando conhecimento o problema, deveria de provir das águas fluviais (algeroz interior) e residuais, já que as infiltrações ocorrem por todo o prédio ao qual deu origem ao processo nº 21/RLU/2013;

Como tal, citando “será necessário uma vistoria, já que está em causa indícios de insegurança e insalubridade do imóvel”, ao qual deu origem ao edital nº 18/UITCH/DCHB/2013, que foi afixado em 29/01/2013...”.

30) Na verdade, todas as notificações resultaram sempre da mesma patologia de que sofria e sofre o prédio, de infiltrações e problemas dos esgotos.

73- O que significa que, o problema do imóvel é estrutural, sendo da responsabilidade do proprietário a execução dessas obras.

74- Por outro lado, foi sempre ocultado pela Recorrida. a necessidade da urgência da execução dessas obras (tanto mais que a Recorrente tinha pelo menos 5 anos para as executar, tendo em conta o prazo acordado do contrato de arrendamento), (conforme depoimento de CC).

75- Ao invés de comunicar previamente que, concedia um prazo de 18 meses, sem data de início, mas indicando que, a Câmara Municipal a qualquer altura, poderia vir a solicitara realização das mesmas, em virtude da mesma no passado ter já sido notificada para tal.

76- Salvo melhor opinião e respeito, a Recorrida. quis garantir através da Recorrente as obras para o qual não tinha capacidade financeira para suportar, ou não queria suportar.

77- Escamotando-se no facto do valor da renda cobrado ser inferior, algo que, não logrou fazer prova.

78- Sendo certo que, Recorrente (como foi referido), até ao momento executou parte das obras de beneficiação acordadas, a verdade é que os prazo estipulado para a realização das mesmas, não mencionada o prazo de início das mesmas, mas sim o prazo acordado para a realização destas.

79- Conforme a Recorrente, fez crer em sede de audiência de julgamento, a mesma somente não executou as restantes obras, derivado ao estado de insalubridade do imóvel.

80- A Recorrente somente obteve conhecimento dos factos elencados na notificação judicial avulsa, quando, com o propósito de dar continuidade à realização das obras acordadas, se deslocou à Câmara Municipal de ..., e teve conhecimento das referidas notificações, o que lhe impossibilitava uma emissão de licença para a realização das obras a realizar.

81- A Recorrente só suspendeu o pagamento das rendas, quando teve conhecimento do estado de insalubridade do imóvel, e pelo facto de não poder desenvolver a sua atividade, e simultaneamente ter enviado notificação judicial avulsa, requerendo a suspensão do contrato, invocando também a exceção do cumprimento do contrato.

82- Mesmo cabendo à Recorrente, o garante do estado de conservação, não poderia garantir algo que, não tinha conhecimento quando arrendou o locado.

83- A verdade é que a Recorrente não pode fazer uso e gozo total do imóvel.

84- Mesmo assim, quis chegar à Recorrente por forma proporcional chegar a um entendimento até à conclusão das obras urgentes e necessárias.

85- Como tal, a Recorrente não teve outra alternativa senão alojar-se na invocação da exceção de não cumprimento do contrato quanto à sua obrigação de pagamento de rendas.

86- Até porque como já referido para tal invocação é necessário que do cumprimento defeituoso por banda do senhorio, tenham resultado danos relevantes que impliquem diretamente com o gozo da coisa pelo inquilino, privando-o total ou parcialmente desse gozo.

87- Sendo o facto da privação total do gozo do imóvel o que se discute.

88- Sendo que, cabe à Recorrente a realização das obras não transferidas por contrato à Recorrida, e que são urgentes para esta cumpra com o convencionado contratualmente”.

4. A autora apresentou as suas contra-alegações, pugnando, fundamentalmente, pela inadmissibilidade do recurso e, caso tal não se verifique, pela sua improcedência.

5. O Exmo. Senhor Desembargador proferiu despacho com o teor seguinte:

por ter legitimidade – artº. 631º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil 1 -, ter sido observado o legal formalismo – artº. 637º - e ter sido tempestivamente interposto – artº. 638º, nº. 1 -, é, prima facie, legalmente admissível o recurso interposto pela Apelante MARESIA E CORTESIA, UNIPESSOAL, LDA., o qual sobe nos próprios autos – artº. 675º, nº. 1 – e tem efeito meramente devolutivo – artº. 676º, nº. 1.

O preenchimento do demais requisito de admissibilidade, bem como a sua qualificação/tipificação serão objecto de devida apreciação pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça (sempre se consignando, porém, não se afigurar preenchido o pressuposto ou condição de admissibilidade do recurso de revista excepcional, enunciado na alínea a), do nº. 1, do artº. 672º, por não estar em equação uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito)”.

*

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber se:

1.ª) ao decidir que não existia uma real impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal recorrido fez interpretação errada da lei, designadamente dos artigo 640.º e 662.º do CPC; e

2.ª) ao decidir que a invocação da excepção de incumprimento do contrato era ilegítima, o Tribunal recorrido fez interpretação errada da lei, designadamente do artigo 428.º do CC.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1 - A Autora é proprietária do prédio urbano situado em ..., na Rua ..., com os números 37 a 45, descrito na ficha nº 133/20000417 da Conservatória do Registo Predial de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 288 da freguesia de ..., constituído em propriedade horizontal e composto de 8 fracções autónomas.

2 - No dia 1 de Agosto de 2013, a Autora e a sociedade "G..., Unipessoal, Lda", representada pelo seu gerente Senhor BB, subscreveram cinco escritos que denominaram “contrato de arrendamento para fim não habitacional com prazo certo”, pelos quais a Autora, mediante retribuição, cedeu àquela sociedade o gozo e fruição das seguintes fracções daquele prédio:

- a loja, com entrada pelo número 45 de polícia;

- a sobreloja, com entrada pelo número 45 de polícia;

- o primeiro andar, com entrada pelo número 37 de polícia;

- o terceiro andar, com entrada pelo número 37 de polícia;

- o quarto andar, com entrada pelo número 37 de polícia.

3 - Aquelas fracções tinham como fim a restauração, actividade comercial a que se dedicava a "G..., Unipessoal, Lda".

4 - O gozo e fruição da loja e sobreloja foram cedidos pela A. à "G..., Unipessoal, Lda" pelo prazo certo de cinco anos, com início no dia 1 de Agosto de 2013 e termo no dia 31 de Julho de 2018, renovável por períodos iguais e sucessivos de um ano.

5 - O gozo e fruição dos 1º, 3º e 4º andares foi cedido pela A. à "G..., Unipessoal, Lda” pelo prazo certo de dois anos, com início no dia 1 de Agosto de 2013 e termo no dia 31 de Julho de 2015, renovável por períodos iguais e sucessivos de um ano.

6 - Por cartas datadas de 30 de Março de 2015, a Autora comunicou à sociedade "G..., Unipessoal, Lda" a sua oposição à renovação relativamente aos 1º, 3º e 4° andares com efeitos para o dia 31 de Julho de 2015.

7 – Em 01/08/2015 Autora e Ré, também esta representada pelo seu gerente Senhor BB, subscreveram o escrito que denominaram “contrato de arrendamento e de promessa de arrendamento” pelo qual a Autora, mediante retribuição, cedeu á Ré, pelo prazo certo de oito anos com início a 01/08/2015 e termo a 31/07/2023, o uso e fruição das seguintes fracções daquele prédio :

- a loja, com entrada pelo número 45 de polícia;

- a sobreloja, com entrada pelo número 45 de polícia;

- o primeiro andar, com entrada pelo número 37 de polícia;

- o terceiro andar, com entrada pelo número 37 de polícia;

- o quarto andar, com entrada pelo número 37 de polícia;

- as águas furtadas, com entrada pelo número 37 de polícia.

8 – Na sua Cláusula 4ª, as outorgantes fizeram constar:

«§ primeiro: A loja e sobreloja identificadas na cláusula 1ª destinam-se exclusivamente à actividade de restauração, não lhes podendo ser dado outro fim sem autorização escrita da primeira outorgante.

§ segundo: O primeiro, terceiro, quarto andares e as águas furtadas, identificados na cláusula 1ª destinam-se exclusivamente à habitação de empregados da sociedade inquilina, não lhes podendo ser dado outro fim sem autorização escrita da primeira outorgante».”

9 – As outorgantes acordaram que a contrapartida mensal a pagar pela R. à A. era de € 25.000,00, distribuída da seguinte forma:

A quantia de € 14.000,00 relativa à loja;

A quantia de € 7.000,00 relativa à sobreloja;

A quantia de € 1.000,00 relativa ao primeiro andar;

A quantia de € 1.000,00 relativa ao terceiro andar;

A quantia de € 1.000,00 relativa ao quarto andar;

A quantia de € 1.000,00 relativa às águas furtadas.

10 - Da cláusula 9ª daquele escrito consta que a ora R. reconhece que aqueles locais realizam cabalmente os fins a que se destinam.

11 - A cláusula 11ª daquele escrito é do seguinte teor:

«A segunda outorgante [a ora R.] não pode fazer qualquer obra ou benfeitoria sem autorização prévia e por escrito da primeira outorgante.

§ primeiro: No caso da primeira outorgante autorizar a execução de quaisquer obras ou benfeitorias, ficarão as mesmas a constituir parte integrante do local, não tendo a segunda outorgante direito a ser indemnizada seja a que título for, nem a alegar direito de retenção.

§ segundo: A segunda outorgante executará, no prazo de dezoito meses contados a partir da celebração do presente contrato as seguintes obras que estão desde já autorizadas:

Loja

– Reparação de esgotos, electricidade, gás e água;

- Reparação da tubagem do ar condicionado;

- Colocação de tectos falsos;

- Colocação de pavimento novo;

- Pintura geral;

- Envernizar as portas da fachada;

- Substituição de lambris de madeira;

- Execução de casa de banho de deficientes;

- Execução de casa de banho e vestiários para funcionários;

- Remoção do elevador de serviço;

- Prumada de esgotos, água, electricidade e gás para o saguão do lado direito ou esquerdo;

- Isolamento dos saguões, direito e esquerdo;

- Sistema de internet e televisão; e

- Sistema de tubagem da exaustão.

Sobreloja

- Colocação de parede de pladur;

- Abertura de porta para sobreloja;

- Pintura geral de paredes;

- Colocação de tecto falso revestido;

- Substituição de lambris de madeira;

- Reparação das casas de banho de clientes;

- Execução de casa de banho e vestiários para funcionários;

- Reparação da cozinha de cima com nova logística;

- Remoção do elevador de serviço;

- Reparação do ar condicionado;

- Reparação de esgotos, electricidade, gás e água;

- Prumada de esgotos, água, luz e gás para o saguão do lado direito ou esquerdo;

- Isolamento dos saguões direito e esquerdo; - Sistema de internet e televisão; e - Sistema de tubagem da exaustão.

1º andar

- Limpeza total de paredes amovíveis e tectos;

- Execução de divisórias em pladur ou em contraplacado de madeira para quartos de habitação;

- Execução de casas de banho;

- Reparação de esgotos, água, electricidade e gás, necessários para a habitabilidade;

- Levar prumada de esgotos aos saguões;

- Colocação de tectos falsos em pladur;

- Substituição de janelas e portas;

- Sistema de internet e televisão;

- Pavimentar ou revestir a líneos ou madeira (colocação de piso flutuante); e

- Pinturas gerais.

3º Andar

- Substituição de casas de banho;

- Reparação de esgotos, água, electricidade e gás e levar à prumada do prédio;

- Limpeza dos móveis de cozinha;

- Substituição de janelas e portas;

- Sistema de internet e televisão;

- Pinturas gerais;

- Pavimentar ou revestir a líneos ou madeira (colocação de piso flutuante); e

- Abrir porta do corredor de entrada para a cozinha.

4º Andar

- Substituição de casas de banho;

- Reparação de esgotos, água, electricidade e gás e levar à prumada do prédio;

- Limpeza dos móveis de cozinha;

- Colocação de tectos falsos em pladur;

- Substituição de janelas e portas;

- Sistema de internet e televisão;

- Pinturas gerais; e

- Pavimentar ou revestir a linóleo ou madeira (colocação de piso flutuante).

Águas Furtadas

- Colocação de tectos falsos;

- Execução de casas de banho novas;

- Execução de cozinha nova;

- Revestimento de paredes em pladur;

- Desinfestação total das madeiras;

- Reparação de esgotos, electricidade, água e gás e levar à prumada do prédio;

- Sistema de internet e televisão;

- Substituição de janelas e portas e respectivas pinturas;

- Revestir pavimento a linóleo ou madeira (colocação de piso flutuante); e

- Pinturas gerais.

Obras gerais no prédio

- Reparação da entrada do prédio;

- Reparação das escadas interiores do prédio;

- Reparação das paredes e pinturas do vão de escada; -

Reparação das janelas das diversas fracções e substituição dos vidros partidos;

- Reparação geral das infiltrações existentes no prédio;

- Limpeza da fachada do prédio;

- Iluminação do exterior do prédio; e

- Remoção dos azulejos das paredes das escadas (a remoção deverá ser feita na presença da primeira outorgante, a qual ficará na posse dos referidos azulejos).

§ terceiro: Para garantia da execução das obras referidas no número anterior, a segunda outorgante entregará à primeira outorgante uma letra no valor de €120.000,00, com o número ................90.

§ quarto: No caso da Câmara Municipal vir a notificar a Primeira outorgante para a execução das referidas obras antes de decorrido o prazo de dezoito meses estipulado no parágrafo segundo, a segunda outorgante ficará obrigada a executálas no prazo indicado pela referida entidade administrativa.

§ quinto: A Primeira outorgante autoriza desde já a segunda outorgante a colocar reclamos luminosos na área da fachada correspondente à loja e à sobreloja, excluindo a parte da fachada relativa aos restantes locais ora arrendados.

§ sexto: Durante a execução das obras identificadas na presente cláusula a primeira outorgante autoriza a segunda outorgante a colocar tela/placard identificativos da sua actividade, devendo ser retirados no prazo de oito dias após a conclusão das obras.

§ sétimo: a segunda outorgante ficará obrigada a obter a licença camarária relativa aos referidos reclamos luminosos/tela/placard, devendo enviar cópia da mesma para a primeira outorgante no prazo de 15 dias após a obtenção da mesma.».

12 – Por aquele mesmo escrito de 01/08/2015 a Autora prometeu ceder á Ré, mediante retribuição, o uso e fruição do segundo andar, com entrada pelo número 37 de polícia, daquele prédio.

13 – Em 01/03/2016, Autora a Ré subscreveram o escrito que denominaram “contrato de arrendamento” pelo qual a Autora, mediante a retribuição mensal de € 1.000,00, cedeu á Ré, pelo prazo certo de sete anos e quatro meses com início a 01/03/2016 e termo a 31/07/2023, o uso e fruição do segundo andar, com entrada pelo número 37 de polícia do acima identificado prédio, exclusivamente para habitação dos funcionários da ora R..

14 - Da cláusula 7ª desse escrito de 01/03/2016 consta que a ora R. reconhece que aquele 2º andar realiza cabalmente os fins a que se destina.

15 - No prazo de dezoito meses estabelecido na cláusula 11ª do escrito de 01/08/2015 a R., relativamente às obras a que se obrigou, realizou :

na loja a execução de casa de banho e vestiários para funcionários, remoção do elevador de serviço e instalação de sistema de internet e televisão;

na sobreloja colocação de parede de pladur, abertura de porta para sobreloja, colocação de tecto falso revestido, execução de casa de banho e vestiários para funcionários, remoção do elevador de serviço, isolamento dos saguões direito e esquerdo, e instalação de sistema de internet e televisão;

no 1º andar todas as obras previstas;

no 3º andar limpeza dos móveis de cozinha e abertura de porta do corredor de entrada para a cozinha;

no 4º andar limpeza dos móveis de cozinha;

nas águas furtadas todas as obras previstas;

e ao nível das outras reparações procedeu à reparação geral das infiltrações existentes no prédio.

16 - A A. comunicou então ao Sr. EE, seu interlocutor em todos os assuntos relativos á cedência do gozo e fruição do prédio à R., que não tendo as obras sido integralmente executadas no prazo acordado iria apresentar a letra de garantia a pagamento,

17 - (…) tendo então A. e R. vindo a acordar em proceder a um aditamento aos escritos de 01/08/2015 e de 01/03/2016.

18 - E nessa sequência em 25/10/2019 Autora e Ré, esta de novo representada pelo seu gerente BB, outorgaram um aditamento àqueles dois escritos, acordando na alteração de algumas Cláusulas, entre elas as 3ª, 4ª, 6ª, 7ª e 11ª do escrito de 01/08/2015 e as 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 9ª do escrito de 01/03/2016.

19 - As Cláusulas 3ª, 4ª, 6ª e 7ª do escrito de 01/08/2015 passaram a ter a seguinte redacção:

«Cláusula 3ª

O presente contrato é celebrado pelo PRAZO CERTO de 18 anos e dois meses, que teve início no dia 1 de Agosto de 2015 e terminará no dia 30 de Setembro de 2033, nos termos e ao abrigo do nº 1 do artigo 1095º e do nº1 do artigo 1110º, ambos do Código Civil.

§ único: O presente contrato renovar-se-á, no fim do prazo inicial, por períodos iguais e sucessivos de dois anos.

Cláusula 4ª

§ primeiro: A loja e sobreloja identificadas na cláusula 1ª destinam-se exclusivamente à actividade de restauração, não lhes podendo ser dado outro fim sem autorização escrita da primeira outorgante.

§ segundo: O primeiro, terceiro, quarto andares e as águas furtadas, identificados na cláusula 1ª destinam-se exclusivamente a habitação, escritório, alojamento local, hotel, apartamentos turísticos e hostel, não lhes podendo ser dado outro fim sem autorização escrita da primeira outorgante.

§ terceiro: A primeira outorgante autoriza desde já a cessão de exploração ou o trespasse dos estabelecimentos comerciais instalados nos espaços arrendados.

§ quarto: Caso a segunda outorgante celebre contrato de cessão de exploração ou trespasse deverá comunicar esse facto à primeira outorgante nos prazos estabelecidos na lei e mediante o envio de cópia do respectivo contrato.

Cláusula 6ª

§ primeiro: A partir da renda que se vence no mês de Outubro de 2019, o valor da renda mensal passará a ser de € 31.730,82, correspondendo:

A quantia de € 17.769,25 ao arrendamento da loja;

A quantia de € 8.884,85 ao arrendamento da sobreloja;

A quantia de € 1.269,18 ao arrendamento do primeiro andar;

A quantia de € 1.269,18 ao arrendamento do terceiro andar;

a quantia de € 1.269,18 ao arrendamento do quarto andar;

e a quantia de € 1.269,18 ao arrendamento das águas furtadas, todos identificados na cláusula 1ª.

§ segundo: A renda ora estipulada vence-se no próprio mês a que diz respeito, devendo ser paga pela segunda outorgante à primeira outorgante até ao dia 8 de cada mês, por transferência ou depósito bancários para a conta nº123/.......52, NIB nº...................82 do Bankinter.

Cláusula 7ª

§ primeiro: A renda ora estipulada será actualizada nos seguintes termos:

A partir da renda que se vencerá no mês de Agosto de 2021, o valor da renda mensal passará a ser de € 35.576,98, correspondendo:

A quantia de € 19.923,10 ao arrendamento da loja;

A quantia de € 9.961,80 ao arrendamento da sobreloja;

A quantia de € 1.423,02 ao arrendamento do primeiro andar;

A quantia de € 1.423,02 ao arrendamento do terceiro andar;

A quantia de € 1.423,02 ao arrendamento do quarto andar; e

A quantia de € 1.423,02 ao arrendamento das águas furtadas

A partir da renda que se vence no mês de Agosto de 2023, o valor da renda mensal passará a ser de € 48.077,00 correspondendo:

A quantia de € 26.923,10 ao arrendamento da loja;

A quantia de € 13.461,90 ao arrendamento da sobreloja;

A quantia de € 1.923,00 ao arrendamento do primeiro andar;

A quantia de € 1.923,00 ao arrendamento do terceiro andar;

A quantia de € 1.923,00 ao arrendamento do quarto andar; e

A quantia de € 1.923,00 ao arrendamento das águas furtadas.

§ segundo: a partir da renda que se vencerá no mês de Agosto de 2024 a renda será actualizada anualmente de acordo com o coeficiente anual publicado em Portaria do Governo/Instituto Nacional de Estatística.

§ terceiro: Para comunicar a nova renda, a primeira outorgante deverá enviar à segunda outorgante uma carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de trinta dias em relação ao vencimento da renda.

§ quarto: As actualizações comunicadas pela primeira outorgante à segunda outorgante incorporam-se na renda para todos os efeitos, designadamente para efeitos das actualizações sucessivas.».

20 – A Cláusula 11ª do escrito de 01/08/2015 passou a ter a seguinte redacção:

“A segunda outorgante [a ora R.] não pode fazer qualquer obra ou benfeitoria sem autorização prévia e por escrito da primeira outorgante.

§ primeiro: No caso da primeira outorgante autorizar a execução de quaisquer obras ou benfeitorias, ficarão as mesmas a constituir parte integrante do local, não tendo a segunda outorgante direito a ser indemnizada seja a que título for, nem a alegar direito de retenção.

§ segundo: A segunda outorgante executará, no prazo de trinta meses contados a partir da celebração do presente contrato as seguintes obras que estão desde já autorizadas:

Loja

Reparação de esgotos, electricidade, gás e água;

Reparação da tubagem do ar condicionado;

Colocação de tectos falsos;

Colocação de pavimento novo;

Pintura geral;

Envernizar as portas da fachada;

Substituição de lambris de madeira;

Execução de casa de banho de deficientes;

Prumada de esgotos, água, electricidade e gás para o saguão do lado direito ou esquerdo;

Isolamento dos saguões, direito e esquerdo;

Sistema de tubagem da exaustão.

Sobreloja

Pintura geral de paredes;

Substituição de lambris de madeira;

Reparação das casas de banho de clientes;

Reestruturação da cozinha de cima;

Reparação do ar condicionado;

Reparação de esgotos, electricidade, gás e água;

Prumada de esgotos, água, electricidade e gás para o saguão do lado direito ou esquerdo;

Sistema de tubagem da exaustão.

3º Andar

Execução de Divisórias em pladur para quartos de habitação e reparação das paredes existentes;

Substituição das casas de banho;

Reparação de esgotos, água, electricidade e gás, necessários para a habitabilidade;

Levar prumada de esgotos aos saguões;

Colocação de tectos falsos em pladur;

Substituição de janelas e portas;

Colocação de sistema de internet e televisão;

Pavimentar ou revestir a líneos ou madeira (colocação de piso flutuante);

Pinturas gerais;

4º Andar

Execução de Divisórias em pladur para quartos de habitação e reparação das paredes existentes;

Substituição das casas de banho;

Reparação de esgotos, água, electricidade e gás necessários para a habitabilidade;

Levar prumada de esgotos aos saguões;

Colocação de tectos falsos em pladur;

Substituição de janelas e portas;

Colocação de sistema de internet e televisão;

Pavimentar ou revestir a líneos ou madeira (colocação de piso flutuante);

Pinturas gerais;

Outras reparações

Reparação da entrada do prédio;

Reparação das escadas interiores do prédio;

Reparação das paredes e pinturas do vão de escada;

Substituição das janelas das diversas fracções junto às escadas;

Colocação de janelas novas na fachada;

Limpeza da fachada do prédio Reparação das varandas e dos gradeamentos, mantendo os já existentes

Iluminação do exterior do prédio

Reparação do telhado do edifício

Remoção dos azulejos das paredes das escadas – a 1ª outorgante deverá estar presente no acto de remoção dos azulejos.

Reparação (e não remoção) dos azulejos da fachada do imóvel.

§ terceiro: Para garantia da execução das obras referidas no número anterior e das obras referidas na Cláusula 9ª do Contrato II [o datado de 01/03/2016], a segunda outorgante [a ora R.] entregará à primeira outorgante uma letra no valor de € 350.000,00, com o número ................90, com o pacto de preenchimento que constitui o Anexo II do presente contrato e dele faz parte integrante.

§ quarto: A execução das obras referidas no parágrafo 2º será fiscalizada pela primeira outorgante, podendo deslocar-se aos locais arrendados para esse efeito sempre que entenda.

§ quinto :No caso da Câmara Municipal vir a notificar a primeira outorgante para a execução das referidas obras a segunda outorgante ficará obrigada a executá-las no prazo indicado pela referida entidade administrativa.

§ sexto: A primeira outorgante autoriza desde já a segunda outorgante a colocar reclamos luminosos na área da fachada correspondente à loja e à sobreloja, excluindo a parte da fachada relativa aos restantes locais ora arrendados.

§ sétimo: Durante a execução das obras identificadas na presente cláusula a primeira outorgante autoriza a segunda outorgante a colocar tela/placard identificativos da sua actividade, devendo ser retirados no prazo de oito dias após a conclusão das obras.

§ oitavo: a segunda outorgante ficará obrigada a obter a licença camarária relativa aos referidos reclamos luminosos/tela/placard, devendo enviar cópia da mesma para a primeira outorgante no prazo de 15 dias após a obtenção da mesma.

§ nono: caso as obras descritas no parágrafo segundo careçam de licenciamento pela Câmara Municipal de ..., ou venham a ser embargadas, por motivo não imputável à segunda outorgante, o prazo aí estipulado será prorrogado pelo que tempo em que perdurar a impossibilidade da sua execução».

21 - As Cláusulas 2ª, 3ª, 4ª e 5ª do escrito de 01/03/2016 passaram a ter a seguinte redacção:

«Cláusula 2ª

O presente contrato é celebrado pelo PRAZO CERTO de 17 anos e sete meses, que teve início no dia 1 de Março de 2016 e terminará no dia 30 de Setembro de 2033, nos termos e ao abrigo do nº 1 do artigo 1095º.

§ único: O presente contrato renovar-se-á, no fim do prazo inicial, por períodos iguais e sucessivos de dois anos.

Cláusula 3ª

§ primeiro: O local ora arrendado destina-se exclusivamente à habitação, escritório, alojamento local, hotel, apartamentos turísticos e hostel, não lhe podendo ser dado outro fim sem autorização escrita da primeira outorgante.

§ segundo: A primeira outorgante autoriza desde já a cessão de exploração ou o trespasse dos estabelecimentos comerciais instalados nos espaços arrendados.

Cláusula 4ª

A partir da renda que se vence no mês de Outubro de 2019, referente a Novembro de 2019, o valor da renda mensal passará a ser de € 1.269,18.

Cláusula 5ª

§ primeiro: a renda ora estipulada será actualizada nos seguintes termos:

a)A partir da renda que se vencerá no mês de Agosto de 2021, relativa a Setembro de 2021, o valor da renda mensal passará a ser de € 1.423,02;

b)A partir da renda que se vencerá no mês de Agosto de 2023, relativa a Setembro de 2023, o valor da renda mensal passará a ser de € 1.923,00

§ segundo: a partir da renda que se vencerá no mês de Agosto de 2024 a renda será actualizada anualmente de acordo com o coeficiente anual publicado em Portaria do Governo/Instituto Nacional de Estatística.

§ terceiro: Para comunicar a nova renda, a primeira outorgante deverá enviar à segunda outorgante uma carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de trinta dias em relação ao vencimento da renda.

§ quarto: As actualizações comunicadas pela primeira outorgante à segunda outorgante incorporam-se na renda para todos os efeitos, designadamente para efeitos das actualizações sucessivas.».

22 – A Cláusula 9ª do escrito de 01/03/2016 passou a ter a seguinte redacção:

«A segunda outorgante [a ora R.] não pode fazer qualquer obra ou benfeitoria sem autorização prévia e por escrito da primeira outorgante.

§ primeiro: No caso da primeira outorgante autorizar a execução de quaisquer obras ou benfeitorias, ficarão as mesmas a constituir parte integrante do local, não tendo a segunda outorgante direito a ser indemnizada seja a que título for, nem a alegar direito de retenção.

§ segundo: A segunda outorgante executará, no prazo de trinta meses contados a partir da celebração do presente contrato as seguintes obras que estão desde já autorizadas:

- Limpeza total de paredes amovíveis e tectos

- Execução de Divisórias em pladur para quartos de habitação

- Execução de casas de banho

- Reparação de esgotos, água, electricidade e gás, necessários para a habitabilidade

- Levar prumada de esgotos aos saguões

- Colocação de tectos falsos em pladur

- Substituição de janelas e portas

- Colocação de sistema de internet e televisão

- Pavimentar ou revestir a líneos ou madeira (colocação de piso flutuante)

- Pinturas gerais.

§ terceiro: Para garantia da execução das obras referidas no número anterior e das obras referidas na Cláusula 11ª do Contrato I [o datado de 01/08/2015], a segunda outorgante [a ora R.] entregará à primeira outorgante uma letra no valor de € 350.000,00, com o número ................90, com o pacto de preenchimento que constitui o Anexo II do presente contrato e dele faz parte integrante.

§ quarto: A execução das obras referidas no presente parágrafo será fiscalizada pela primeira outorgante, podendo deslocar-se ao local arrendado para esse efeito sempre que entenda.

§ cinco: Caso as obras descritas no parágrafo segundo careçam de licenciamento pela Câmara Municipal de ..., ou venham a ser embargadas, por motivo não imputável à segunda outorgante, o prazo aí estipulado será prorrogado pelo que tempo em que perdurar a impossibilidade da sua execução.».

23 – Em resultado das alterações introduzidas por esse aditamento aos escritos de 01/08/2015 e de 01/03/2016, a retribuição devida à A. pela R. pela cedência do uso e fruição de todas as fracções do prédio era, à data de interposição da acção, de € 33.000,00.

24 - O período de duração da cedência do gozo e fruição à Ré de todas as parcelas do edifício e o montante total da retribuição à Autora, de € 33.000,00, entre elas acordados, teve em consideração a obrigação da Ré executar as obras.

25 – Por carta datada de 30 de Abril de 2020, a Ré comunicou à A. o seguinte:

«Como é do conhecimento de V.Exa, o país encontra-se a atravessar um estado de emergência, decretado no dia 18 de Março de 2020, regulamentado pelo Governo, através do Decreto Lei nº 2-A/2020, de 20 de Março, que ordenou encerramento dos estabelecimentos constantes do anexo I, no qual se encontra prevista a nossa atividade de restauração.

Em face do exposto, vimo-nos obrigados a proceder ao encerramento do nosso estabelecimento comercial, deixando assim de dispor de liquidez, que nos permita assegurar os nossos compromissos, no qual se inclui o pagamento da renda.

Pelo exposto, serve a presente que para informar V.Exa, que reunimos todos os requisitos estabelecidos na alínea b), do artigo 7.º da Lei nº.4-C/2020 de 6 de Abril, pelo que, nos termos do disposto no artigo 8.º, da mesma lei, iremos diferir o pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para os 12 meses posteriores ao término desse período, as quais serão pagas em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, juntamente com a renda do mês em causa que se vencer nessa data.

Assim, cumprindo o dever de informação previsto no artigo 6.º, da Lei n.º 4- C/2020 de 6 de Abril, serve a presente para informar V.Exa que iremos diferir o pagamento da renda do mês de Abril de 2020 e as seguintes até ao primeiro mês subsequente após o término do estado de emergência, as quais serão pagas nos termos definidos na identificada Lei.».

26 – A Autora enviou á Ré carta datada de 26 de Junho de 2020, nos seguintes termos:

“Na sequência da carta datada por V.Exª do dia 20 de Abril de 2020 através da qual invocaram a aplicação da moratória concedida pela Lei nº 4-C/20 de 6 de Abril, venho informar o seguinte.

Conforme resulta do artigo 8º da referida Lei:

Diferimento de rendas de contrato de arrendamento não habitacional

O arrendatário que preencha o disposto no artigo anterior pode diferir o pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para os 12 meses posteriores ao término desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda do mês em causa.

Tendo em conta que o estado de emergência cessou no mês de Maio, venho informar que a partir do dia 1 de Julho deverão iniciar o pagamento das rendas cujo deferimento foi solicitado, que o pagamento deverá ser feito em duodécimos e ser feito no prazo de 12 meses.

Mais informo que o referido pagamento deverá ser feito em conjunto com as rendas que se forem vencendo mensalmente.».

27 - Desde aquela sua carta a R. pagou á A.:

€ 8.250,00 no mês de Abril de 2020,

€ 8.250,00 no mês de Maio 2020,

€ 8.250,00 no mês de Junho de 2020,

€ 33.000,00 no mês de Julho de 2020,

€ 33.000,00 no mês de Agosto de 2020,

€ 33.000,00 no mês de Setembro de 2020,

€ 33.000,00 no mês de Outubro de 2020.

28 – No dia 11/12/2020, em que o vento e a chuva eram intensos, a autora deparou-se com o imóvel desocupado e com as janelas abertas, e pelo menos uma já partida.

29 - Porque não dispunha de exemplares das chaves do imóvel, a autora dirigiu-se ao local que no edifício se encontrava indicado para tratamento de assuntos, sito nas proximidades, com vista a que se procedesse ao fecho das janelas do imóvel.

30 - Nesse local, o funcionário da R. CC, também já conhecido da A., informou esta que não tinha as chaves do imóvel e que não conseguia chegar ao contacto com o Senhor EE, contacto que a A. também tentou e não logrou.

31 - Foi solicitada a intervenção dos Bombeiros, tendo em conta o perigo para os peões decorrente do risco de quebra de vidros para a via pública.

32 - Com a presença da Autora e de dois agentes da PSP a porta do edifício foi arrombada e os Bombeiros (do Regimento de Sapadores de ...) procederam ao fecho de todas as janelas, com acondicionamento das que não tinham vidros, para evitar futuros acidentes.

33 - Entretanto, para que o imóvel não ficasse sem fechadura, a Autora procedeu à instalação de nova fechadura, tendo ficado na posse das chaves do imóvel.

34 – Nesse mesmo dia, horas mais tarde, a nova fechadura do imóvel foi forçada e o canhão da mesma retirado

35 – (…) e a porta de entrada - sem fechadura - encontrava-se bloqueada pelo que aparentavam ser barras de ferro colocadas pelo interior do imóvel.

36 - A Autora apresentou na PSP participação dessa ocorrência.

37 - Àquela data o gerente da R. BB dispunha das chaves do edifício e foi o mesmo que procedeu ao bloqueamento da porta de entrada do edifício com o que aparentava ser barras de ferro colocadas pelo interior do imóvel.

38 - No dia 13 de Dezembro de 2020, foi concretizada a notificação judicial avulsa da Autora, promovida pela Ré, da qual consta:

«(...)

12°

Sucede que, por forma a realizar as obras acordadas, a requerente, solicitou um relatório técnico especializado (...)

13°

Para espanto da requerente, o relatório em causa, mostra um edifício em elevado estado de degradação da estrutura, causado nomeadamente por infiltrações de água que levaram ao apodrecimento da estrutura de madeira, fissuramento de paredes e apodrecimento de rebocos, com a instabilidade da estrutura, depara-se também com o desnivelamento de todo o pavimento de vários pisos do edifício.

14°

Concluindo o relatório que, não existem condições de segurança para qualquer trabalho/reparação/remodelação.

15°

Em face à situação em causa, a requerente, não pode realizar as obras acordadas, sob pena de outros danos serem provocados no imóvel em discussão, nomeadamente a derrocada do mesmo.

16°

Mais, em face ao supracitado e infra mencionado, a requerente, não consegue obter a licença para as obras que pretendem realizar, em face às obras urgentes que ali têm que ser feitas.

17°

Veio a requerente veio a saber (após consulta de vários processos camarários, aonde se encontram notificações, editais, a notificar a requerida da realização de obras, sob pena de realização de obras coercivas) que, muito antes da requerida celebrar os contratos em causa, a requerida tinha conhecimento das ocorrências e estado de insalubridade do edifício, que colocam em causa a estrutura do imóvel.

18°

Mesmo em face ao supra referido, a requerida celebrou os contratos em discussão, sem dar conhecimento prévio da situação mais gravosa de insalubridade do imóvel.

19°

A requerida sabia, que seria impossível à requerente cumprir com o estipulado no contrato, no concerne às obras.

20°

Mais, em face ao estado de degradação do imóvel, a requerente desocupou o imóvel, por não garantir a sua segurança, bem como dos clientes, que ali vão ao restaurante.

21°

A requerente, não pretende resolver os contratos, mas sim que, a requerida suspenda a sua execução nos termos da Lei n° 13/2019 (RLOPA), até que, a mesma (na qualidade de proprietária), faça as obras urgentes.

22°

Senão o fizer, o requerido invoca a exceção do não cumprimento do contrato, até que haja condições para que, a requerente possa fazer o gozo do imóvel arrendado. (...)

Pretende a Requerente, comunicar expressamente que, serve a presente Notificação Judicial Avulsa para dar conhecimento do seguinte:

1) Que as alegadas reparações no imóvel, são de carácter urgente;

2) Que o requerente, não pode executar as obras para qual acordou realizar, por não conseguir obter licença para o efeito, derivado do estado de insalubridade do imóvel;

3) Que notifica a requerida para a realização das obras nos termos do disposto nos artigo 1031°, alínea b), 1074°, n° 1 e 1111°, n° 2 Código Civil.

4) Que a requerida suspenda a execução do contrato de arrendamento nos termos da Lei n° 13/2019 (RJOPA), até que a Requerida (na qualidade de proprietária), faça as obras urgentes.

5) Senão o fizer, o requerente invoca a exceção do não cumprimento do contrato, até que haja condições para que, a requerida possa fazer o gozo do imóvel arrendado, nos termos do disposto no artigo 428° do C.C.».

39 - Na sequência da notificação referida no artigo antecedente, no dia 13 de Janeiro de 2021 a Autora enviou à R. carta registada com aviso de recepção refutando todos os argumentos da referida notificação, nomeadamente reafirmando que a Ré sempre teve conhecimento do estado de conservação do imóvel e que assumiu a obrigação de execução de obras significativas em todo ele.

40 - O imóvel necessita de obras de conservação e de beneficiação geral, o que a R. sempre conheceu.

41 - Frequentemente a R. deixou voluntariamente janelas abertas no edifício permitindo propositadamente a infiltração de águas pluviais, provocando intencionalmente o agravamento da degradação do imóvel da A.

E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:

A - Que a Ré tenha executado obras não autorizadas pela Autora, tenha demolido paredes para criar espaços mais amplos e alterado a compartimentação do imóvel sem respeitar as regras construtivas e alterado as cargas sobre as estruturas de madeira.

B - Que a Ré tenha executado instalações sanitárias em locais que não existiam e sem que tivesse assegurado o correcto escoamento das águas, provocando infiltrações que se propagaram por todo o imóvel e consequente fissuração do mesmo.

C - Que a R. tenha procedido a enchimento de cerca de 20 cm sobre o pavimento original.

D - Que a A. tenha sido intimada em várias ocasiões pela C M ... para a realização de obras urgentes no edifício que não tenham sido efectuadas.

E - Que aquando da outorga do escrito de 01/08/2015 e do aditamento de 25/10/2019 a R. desconhecesse, designadamente por ter sido ocultado pela A., que a qualquer momento a C M ... poderia determinar a realização de obras no imóvel.

F - Que por causas imputáveis à A. a R. não tenha obtido da C M ... licença para a realização das obras que se comprometeu efectuar.

G - Que o edifício careça da realização de obras estruturais sem as quais a R. não poderá realizar as obras a que se vinculou.

H - Que não existam condições de segurança para a realização de qualquer trabalho/reparação/remodelação no edifício.

I - Que o estado do imóvel impossibilite o desenvolvimento da actividade de restauração da R..

J - Que a R. só tenha deixado de pagar a retribuição à A. quando teve conhecimento do estado de insalubridade do imóvel.

O DIREITO

Nota prévia – Da admissibilidade do recurso por via normal e da delimitação do seu objecto

Do confronto entre o Acórdão recorrido e a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância resulta, sem margem para dúvidas, que aquele confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, esta, configurando-se o obstáculo conhecido como “dupla conforme” (cfr. artigo 671.º, n.º 3, do CPC).

Porém, no que respeita à 1.ª questão, relativa à decisão sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, aquilo que está em causa é uma decisão nova, respeitante aos poderes próprios do Tribunal da Relação, pelo que é inconcebível falar em dupla conformidade de decisões.

Em confirmação veja-se, por todos, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2015 (Proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1), em cujo sumário se afirma:

I - A dupla conformidade, como requisito negativo geral da revista excepcional, supõe duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito, ambas determinantes para a decisão, sendo a segunda confirmatória da primeira.

II - Quando o tribunal da Relação é chamado a intervir para reapreciação das provas e da matéria de facto, nos termos dos arts. 640.º e do NCPC (2013), move-se no campo de poderes, próprios e privativos, com o conteúdo e limites definidos por este último preceito, que não encontram correspondência na decisão da 1.ª instância sobre a mesma matéria.

III - Embora haja uma decisão sobre a matéria de facto da 1.ª instância e, uma outra, da Relação, que reaprecia o julgamento da matéria de facto, não poderá afirmar-se que, quando se questiona o respeito pelas normas processuais dos arts. 640.º e 662.º pela Relação, existe uma questão comum sobre a qual tenham sido proferidas duas decisões conformes”.

O recurso pode, assim, ser admitido por via normal.

Mas o recurso pode ser admitido por via normal apenas quanto àquela 1.ª questão; subsiste uma questão que só poderá ser apreciada se o recurso for admitido por via excepcional.

Atendendo a que o recurso é interposto como revista excepcional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 2, al. a), do CPC, e não se vislumbrando outros obstáculos para lá da dupla conforme, quem decidirá é a Formação referida no n.º 3 do artigo 672.º do CPC.

Antes de se determinar a remessa dos autos, porém, há que apreciar daquela (única) questão.

Do não conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

O Tribunal recorrido concluiu que não era de conhecer a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com a seguinte fundamentação:

“Percorrido todo o corpo alegacional, decalcado nas conclusões, constata-se que a Apelante Ré efectua algumas alusões à matéria factual fixada, parecendo, nalguns segmentos, pretender questioná-la.

É o que resulta, nomeadamente e exemplificativamente, dos seguintes trechos:

- no artº. 15º, onde se referencia que “ao contrário da sentença, de facto a testemunha CC disse que havia conhecimento da necessidade de obras por banda da Recorrente, mas não de obras de beneficiação e não de obras profundas/estruturais”;

- no artº. 24º, “escamoteando-se no facto do valor da renda cobrada ser inferior, algo que não logrou fazer prova”;

- no artº. 26º, “conforme a Recorrente fez crer em sede de audiência de julgamento, a mesma somente não executou as restantes obras, derivado ao estado de insalubridade do imóvel”;

- no artº. 29º, no parecer do técnico contratado sobre o estado do imóvel, “e ao contrário do que se fez reproduzir em sede de sentença, a Recorrente não poderá realizar a resto das obras ao qual se vinculou por contrato, em virtude do locado necessitar de obras estruturais prévias”;

- no artº. 40º, “salvo o devido respeito, andou mal o tribunal quando optou por não ter em conta o testemunho de CC, aquando do invocado abandono do local”;

- no artº. 42º, “como tal, aos factos ocorridos em 10 de Dezembro não correspondem à verdade”;

- no artº. 48º, “os factos referidos a que se tentaram dar ênfase, como demonstre de negligência, abandono do locado, não correspondem à verdade, foram factos ocasionai (…)”;

- no artº. 50º, “a A. procurou em sede de julgamento tentar provar motivos, e insinuações (…)”;

- no artº. 58º, “salvo o devido respeito e em face à prova produzida, na modesta opinião Recorrente, eventualmente confundido com os testemunhos realizados pelos responsáveis dos pareceres, é balizar o que são obras profundas e estruturais”.

Ora, traduzirá tal alegação efectiva impugnação da matéria factícia fixada na sentença apelada?

(…)

Ora, compulsadas as alegações e as conclusões recursórias apresentadas pela Ré/Apelante, verifica-se o seguinte:

- a Ré não impugna ou contradiz qualquer ponto da factualidade dada como provada ou não provada ;

- com efeito, não indica ou enuncia a Recorrente quais os alegados pontos factuais que considera incorrectamente julgados, os aparentes meios probatórios que o sustentam, bem como a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre tal factualidade putativamente impugnada;

- por outro lado, tal eventual impugnação, ainda que fazendo alusão, por mínima que seja, a um testemunho, donde decorre menção aos meios probatórios gravados, sempre conduziria a equacionar acerca da necessidade de observância do nº. 2 do mesmo artº. 640º, do Cód. de Processo Civil;

- decorre, assim, com nitidez, inexistir o mínimo cumprimento do enunciado ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto recursório e das pretendidas consequências duma pretensa ou putativa impugnação da matéria factual;

- pelo exposto, conclui-se, antes de mais, pela concreta inexistência duma verdadeira impugnação da matéria de facto, de que cumpra conhecer;

- e, ainda que assim não se entendesse, sempre seria igualmente de concluir pelo efectivo incumprimento do ónus prescrito no citado nº. 1, do artº. 640º, do Cód. de Processo Civil, o que sempre determinaria a total rejeição dum suposto recurso de impugnação da matéria de facto, o que se decide”.

A recorrente não se resigna e insiste que, ao contrário do que entendeu o Tribunal recorrido, cumpriu os ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pelo que cabia ao Tribunal apreciar e decidir a questão (cfr., em especial, conclusões 44 a 58).

Porém, é visível que não lhe assiste razão.

O artigo 640.º do CPC, com a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, é do seguinte teor:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes (…)”.

Com relevância para a interpretação e a aplicação desta norma, destaca-se o recente Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2023 (Proc. 296/19.4T8ESP.P1.S1), cujo excurso, acompanhado de diversas referências à doutrina e à jurisprudência, é particularmente útil para a compreensão do problema e a sua resolução.

Diz-se aí:

29. O Supremo Tribunal de Justiça tem distinguido um ónus primário e um ónus secundário — o ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, e o ónus secundário de facilitação do acesso “aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida”, consagrado no n.º 2.

30. O ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, analisa-se ou decompõe-se em três:

Em primeiro lugar, “[o] recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” 2. Em segundo lugar, “deve […] especificar, na motivação, os meios de prova que constam do processo ou que nele tenham sido registados que […] determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos” 3. Em terceiro lugar, deve indicar, na motivação, “a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”4.

31. O critério relevante para apreciar a observância ou inobservância dos ónus enunciados no art. 640.º do Código de Processo Civil — logo, da observância ou inobservância do ónus primário de delimitação do objecto — há-de ser um critério adequado à função5, conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade6 7.

32. O requisito de que o critério seja adequado à função coloca em evidência que os ónus enunciados no art. 640.º pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso 8 e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido 9. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade pronunciam-se sobre a relação entre a gravidade do comportamento processual do recorrente — inobservância dos ónus do art. 640.º, n.ºs 1 e 2 — e a gravidade das consequências do seu comportamento processual: a gravidade do consequência prevista no art. 640.º, n.ºs 1 e 2 — rejeição do recurso ou rejeição imediata do recurso — há-de ser uma consequência adequada, proporcionada e razoável para a gravidade da falha do recorrente10.

33. Entre os corolários dos requisitos de que o critério seja adequado à função e conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade está o de que “a decisão de rejeição do recurso […] não se deve cingir a considerações teoréticas ou conceituais, de mera exegética do texto legal e dos seus princípios informadores, mas contemplar também uma ponderação do critério legal […] face ao grau de dificuldade que [a inobservância dos ónus do art. 640.º] acarrete para o exercício do contraditório e para a própria análise crítica por parte do tribunal de recurso”11”.

A verdade é que, analisando as conclusões de apelação relevantes (as que são destacadas no Acórdão recorrido na parte reproduzida acima), é visível que não há observância dos ónus legalmente impostos para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A recorrente limita-se, tão-só, a manifestar insatisfação com alguns dos resultados contidos na decisão sobre a matéria de facto e fá-lo de forma incidental, dispersa e intermitente (a propósito e entre as alegações acerca da questão de direito) e sem sequer identificar os concretos pontos de facto alegadamente mal julgados, portanto, sem cumprir o ónus primário da al. a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.

Face a este comportamento processual, não há a mínima possibilidade de se entender que existe impugnação da decisão sobre a matéria de facto nos termos e para os efeitos do artigo 640.º do CPC12.

Saliente-se que não é gratuitamente que aqueles ónus estão previstos. Como se diz, por exemplo, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de (Proc. 6713/19.6T8GMR.G1.S1, eles têm em vista “assegura[r] a inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, a possibilidade de um contraditório esclarecido”.

Confirma-se, em suma, a inobservância dos ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o que, mesmo numa interpretação do artigo 640.º do Código de Processo Civil em termos adequados à função e conformes com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, justifica – rectius: impõe – o não conhecimento da questão.

Diga-se ainda, a terminar, que não existe qualquer razão – nem a recorrente aponta alguma – para duvidar da observância, pelo Tribunal a quo, do disposto no artigo 662.º do CPC.

Na verdade, não se encontra nenhum sinal de que a actuação do Tribunal recorrido consubstancie o “mau uso”13 (uso indevido, insuficiente ou excessivo) dos poderes-deveres previstos no artigo 662.º do CPC.

Dispõe-se nesta norma:

1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados (…)”.

O Tribunal recorrido exerceu os seus poderes-deveres decidindo não alterar a decisão sobre a matéria de facto simplesmente porque terá entendido que nada o impunha ou aconselhava.

Também por aqui falece, portanto, a pretensão da recorrente.


*


III. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1.º) negar provimento à revista, confirmando-se o Acórdão recorrido no que respeita à decisão de não conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

2.ª) determinar a remessa dos autos à à Formação referida no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, para a apreciação liminar dos pressupostos de admissibilidade da revista excepcional no que respeita à questão restante, relativamente à qual se verificou existir dupla conforme nos termos atrás explanados.


*


Custas a final.

*


Lisboa, 14 de Março de 2024

Catarina Serra (relatora)

Afonso Henrique

Paula Leal de Carvalho

______


1. Manteve-se a numeração das conclusões na sequência das alegações, que foi opção da recorrente.

2. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, p. 165.

3. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., p. 165.

4. Cft. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., p. 166.

5. Cfr., por exemplo., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 2016 (Proc. 889/10.5TBFIG.C1-A.S1), de 2 de Junho de 2016 (Proc. 725/12.8TBCHV.G1.S1) e de 14 de Dezembro de 2017 (Proc. n.º 2190/03.1TBPTM.E2.S1.

6. Cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 2016 (Proc. 889/10.5TBFIG.C1-A.S1), de 8 de Fevereiro de 2018 (Proc. 8440/14.1T8PRT.P1.S1), de 11 de Julho de 2019 (Proc. 121/06.6TBOBR.P1.S1) ou de 3 de Outubro de 2019 (Proc. 77/06.5TBGVA.C2.S2).

7. Como sintetiza Abrantes Geraldes, “o Supremo tem realçado a necessidade de extrair do texto legal soluções capazes de integrar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando prevalência aos aspectos de ordem material” (Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 174).

8. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2018 (Proc. 290/12.6TCFUN.L1.S1), em que se diz que “os requisitos formais de admissibilidade da impugnação da decisão de facto, mormente os constantes do artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objecto e alcance teleológico da pretensão recursória”.

9. Expressão dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2018 (Proc. 134116/13.2YIPRT.E1.S1) e de 22 de Março de 2018 (Proc. 290/12.6TCFUN.L1.S1).

10. Cfr., por exemplo, Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Coimbra, Almedina, 2018 p. 770.

11. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2018 (Proc. 134116/13.2YIPRT.E1.S1).

12. Como diz Abrantes Geraldes (Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., p. 167), “pretendendo o recorrente a modificação da decisão de um tribunal de 1.ª instância e dirigindo essa pretensão a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção de prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas”.

13. Partilha-se a expressão usada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.07.2015 (Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1).