Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2395/22.6T8STR.E1.S1-A
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
ACORDÃO FUNDAMENTO
PLANO DE INSOLVÊNCIA
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
INEFICÁCIA
HOMOLOGAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (CÍVEL)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :

I - O recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, genericamente previsto nos artigos 688º a 695º do Código de Processo Civil, pressupõe necessariamente a existência de decisões finais contraditórias e conflituantes entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ambos transitados em julgado, a coberto do mesmo enquadramento jurídico e sobre o mesmo núcleo essencial de factos.

II – Havendo o acórdão fundamento e o acórdão recorrido considerado e decidido, no essencial, que a ineficácia da homologação do plano (quer no processo de insolvência, quer no revitalização) relativamente ao credor Segurança Social não afectava a sua validade e eficácia quanto aos demais credores, não colhe o menor cabimento processual a admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, pretensamente destinado a uniformizar a decisão a dar à questão jurídica em apreço, quando os acórdãos em causa não se encontram em conflito ou desacordo, perfilhando ambos, no essencial, a mesma solução jurídica concreta.

Decisão Texto Integral:

Revista nº 2395/22.6T8STR.E1.S1

Análise dos pressupostos de admissibilidade do presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência (artigo 692º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível).

Foi proferida a seguinte decisão singular de indeferimento de recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência:

“Foi proferido por este Supremo Tribunal de Justiça o acórdão datado de 17 de Outubro de 2023, e entretanto transitado em julgado, em que foi negado provimento à revista da recorrente/revitalizada.

Veio esta apresentar recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência nos seguintes termos:

A) O Douto Acórdão ora recorrido dispõe, nas suas páginas 13 e 14, que “o plano de revitalização não pode produzir efeitos que se traduzam na modificação restritiva do conteúdo dos créditos titulados pelo Instituto da Segurança Social, contra a sua vontade, constituindo violação negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, nos termos e para os efeitos do artigo 215º do CIRE”, mais referindo que “solução mais equilibrada, adequada e curial (…) consiste em fixar ineficácia relativa à homologação da aprovação do plano de recuperação no que concerne aos créditos de natureza tributária reclamados”

B) Contrariamente, o Douto Acórdão fundamento tem o entendimento nas suas páginas 17 “in fine” e 18, que se se pode resumir, conforme dele decorre, numa “válvula de segurança interpretativa” da qual resulta que, “É óbvio que não sendo um plano homologado eficaz em relação àqueles específicos credores, os mesmos continuam na posse plena dos seus créditos, os quais poderão ser acionados, com consequências nefastas para a empresa devedora, efeitos esses que, necessariamente, irão inviabilizar o acordo havido com os restantes credores, como também toda a recuperação proposta com o mesmo”,

C)Mais dispondo que “temos entendido que a circunstância de que os créditos fiscais e da Segurança Social não serem iguais aos outros, não pode conduzir a uma tal proteção que mesmo sendo tais créditos de montante reduzido, pudesse ser permitido ao Estado acabar por inviabilizar qualquer tentativa de conciliação, votando contra todo e qualquer plano de recuperação, porque nestas situações particulares, efetuando uma interpretação atualista do artigo 215º do CIRE vem-se entendendo como caso negligenciável, admitindo, por isso, a aprovação do plano a violação que se traduza numa mera modificação de prazos de pagamento e/ou numa redução de taxa de juros (…) e se tal modificação dos prazos redução dos juros não estiver à partida proibida pelas disposições tributárias abstratamente convocáveis e invocáveis”.

D)Desta forma e resumindo, enquanto o Douto Acórdão ora recorrido tem o entendimento de que, face ao disposto no artigo 215º do CIRE, a aprovação de um plano contra a vontade, neste caso, da Segurança Social, leva à ineficácia dos efeitos da homologação do plano de recuperação quanto a este credor, o Douto Acórdão fundamento entende que uma interpretação atualista do mesmo artigo 215º do CIRE, permite que a homologação abranja igualmente este credor se estiver em causa, no plano de recuperação respetivo, uma mera modificação de prazos de pagamento e/ou uma redução de taxa de juros (…) e se tal modificação dos prazos redução dos juros não estiver à partida proibida pelas disposições tributárias abstratamente convocáveis e invocáveis.

E)Não pode a Recorrente aceitar o entendimento perfilhado no Douto Acórdão ora recorrido, pois as entidades públicas estão sujeitas à Lei e assim, a sua vontade a ela tem de estar expressamente adstrita, pelo que a falta de expressa e discricionária autorização por parte da Segurança Social, não pode ser suficiente para impedir a homologação plena de um plano de recuperação por alegada violação do artigo 30º nº 2 da LGT e, consequentemente, do artigo 215º do CIRE.

F)Com efeito, em momento algum o Douto Acórdão ora recorrido refere que o teor do plano de recuperação, no que tange à sua proposta de pagamento, pretere algum dispositivo legal.

G) Na verdade, é firme entendimento da Recorrente de que o n.º 3 do art.º 30º da LGT não veio (e num Estado de Direito seria no mínimo de estranhar que o fizesse) conferir caráter indisponível ou imperativo ao sentido de voto do credor Segurança Social, no sentido de dele depender a aprovação e a validade do Plano, transformando-o num voto de qualidade ou num verdadeiro direito de veto.

H) O que se encontra em causa nestes autos é, efetivamente, o voto, a decisão casuística e discricionária da Segurança Social pois é certo que se encontra escrupulosamente respeitado o disposto no artigo 191º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, uma vez que as condições apresentadas quanto ao pagamento do seu crédito em 150 prestações é idêntico ao apresentado quanto à Autoridade Tributária e mais favorável do que relativamente aos restantes credores.

I)De igual maneira, o nº 1 do artigo 81º da Regulamentação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 1-A/2011 de 03.01, também se encontra respeitado, pois o valor máximo aí previsto de 150 prestações não foi ultrapassado.

J)Acresce que a Recorrente bem sabia que o número de prestações apresentado/proposto à Segurança Social é aquele que, dentro dos parâmetros legalmente definidos, é o imprescindível para a exequibilidade do plano de recuperação apresentado, preenchendo-se assim o nº 2 do mencionado artigo 81º.

L) Com efeito, como bem refere o Douto Acórdão fundamento na sua página 17, “…em que situação fica a empresa insolvente se à margem do plano aprovado e da eventual moratória de pagamento prevista neste e destinada a permitir-lhe obter receitas para fazer os pagamentos previstos no plano, um credor puder, afinal, atacar de imediato a massa insolvente para obter pagamento coercivo do seu crédito?”

M) Importa ainda salientar o Douto entendimento perfilhado no voto de vencido vertido no Douto Acórdão ora recorrido no qual é expresso que “… admitindo-se a não homologação parcial do “Plano”, em relação aos credores tributários, tal significaria que a satisfação de tal crédito não seria feita nem pela forma prevista no plano nem através da liquidação do património do devedor insolvente, ou seja, seria feita por uma forma diferente, ao arrepio do prescrito no CIRE (e o objetivo tido em vista com o Plano poderia ser frustrado com a liberdade de que dispunham os credores tributários para exercerem os seus direitos contra o devedor sem quaisquer restrições.”.

N) Com efeito, no âmbito da execução fiscal o entendimento com a Segurança Social é, na prática, impossível, pelo que facto de já não ter aí aplicabilidade o disposto no artigo 199º nº 13 do CPPT que isenta a sociedade recuperanda de lhe prestar garantias adicionais ou seja, “Os pagamentos em prestações ao abrigo de plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação que decorra do plano ou do acordo não dependem da prestação de quaisquer garantias adicionais.”

O) E assim, será exigido o regime regra previsto no nº 6 do mesmo artigo do predito CPPT, no qual a garantia deve ser “prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 /prct. da soma daqueles valores, exceto no caso dos planos prestacionais onde a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo do plano de pagamento concedido e custas na totalidade.”

P)A perfilhar-se o entendimento de que a decisão interna, casuística e discricionária da Segurança Social contrária à aprovação de um plano de recuperação que cumpre escrupulosamente com a própria legislação a que esta entidade se encontra sujeita é suficiente para, “de per si”, a tal plano não ficar vinculada viola, não só o princípio da tutela jurisdicional efetiva, mas igualmente o principio da legalidade e da igualdade, ínsitos nos artigos 3º, 13º nº 1 e 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

Q) Face ao exposto, tem-se forçosamente de se concluir que o Douto Acórdão ora recorrido pretere o disposto no artigo 30º nºs 2 e 3 da LGT e, consequentemente, o artigo 215º do CIRE.

Apreciando:

Nos termos do artigo 688º, nº 1, do Código de Processo Civil:

“As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”.

A admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência depende do (imprescindível) preenchimento dos seguintes requisitos legais:

1º - Existência de contradição entre dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Justiça (o acórdão recorrido e o acórdão fundamento);

2º - Verificar-se tal oposição no âmbito do mesmo quadro legislativo aplicável à mesma situação de facto tipo (isto é, ao núcleo essencial da factualidade relevante) que cada um dos arestos apreciou;

3º - Ocorrer divergência quanto à questão fundamental de direito abordada nos dois arestos, essencial e decisiva, verificando-se antagonismo directo e insanável entre as respectivas ratio decidendi, daí resultando que aplicada ao acórdão recorrido a doutrina perfilhada no acórdão fundamento o resultado final (procedência ou improcedência da acção) seria necessariamente diverso e vantajoso para o recorrente (sendo neste contexto ignoradas, por irrelevantes, eventuais diferenças ao nível das questões de facto sobre que versaram, desde que não desvirtuem a essencialidade da oposição ou conflito no domínio da questão fulcral de direito que presidiu a ambos os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça).

4º - Inexistir acórdão uniformizador de jurisprudência concordante com a interpretação da questão fundamental de direito perfilhada no acórdão recorrido, nos termos do nº 3 do artigo 688º do Código de Processo Civil.

Ora, na situação sub judice não existe qualquer hipótese de configurar uma contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento que foi apresentado pela recorrente.

Aliás, o presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência só se pode explicar por uma menos cuidada, ou porventura desatenta, leitura do acórdão apresentado como fundamento (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Março de 2015 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 664/10.TYVNG.P1.S1).

Neste aresto a questão jurídica essencial consistia em saber se a Administração Fiscal e a Segurança Social poderiam vetar, sem mais, o plano de revitalização apresentado (decisão assumida em 2ª instância), ou se este poderia ser validado com os votos dos restantes credores interessados, sem que tal afectasse os créditos daqueles organismos de natureza pública (decisão perfilhada em 1ª instância).

Perante tal controvérsia, o acórdão fundamento pronunciou-se claramente pelo segundo entendimento (repristinando a decisão de 1ª instância), com plena, absoluta e indiscutível consonância com o decidido no acórdão ora recorrido.

Em suma, tanto o acórdão fundamento como o acórdão recorrido perfilham exactamente o mesmo sentido quanto à decisão final neles adoptada, não divergindo, nem conflituando entre si (tendo ambos considerado, no essencial, que a ineficácia da homologação relativamente ao credor Segurança Social não afectava a sua validade e eficácia quanto aos demais credores).

De resto, o próprio acórdão recorrido faz expressa alusão ao ora acórdão fundamento quando o mesmo se refere à utilização de uma“válvula de segurança” relativamente a situações em que o Plano não contém restrições aos créditos da Segurança Social pouco expressivas, sem que daí resulte que esse aresto tenha concretamente considerado a produção dos efeitos da homologação do plano em relação ao dito credor Instituto de Segurança Social.

Saliente-se aliás que esta mesma referência, ínsita no acórdão fundamento e a que o acórdão recorrente igualmente alude, constitui apenas um mero obter dictum, marginal e não essencial, não influindo na concreta decisão que foi tomada em qualquer deles e que é, como se enfatizou supra, totalmente coincidente.

Sempre se acrescentará – se necessário fosse (que não é) - que no acórdão fundamento o crédito da Segurança Social ascendia apenas a €80.021,74 acrescido de juros no montante de €4.796,84, um crédito comum de € 2.444,96, acrescido de juros no montante de € 429,91, e um crédito subordinado de €48,90, enquanto no acórdão recorrido o crédito da Segurança Social ascendia a €1.110.809,26 (correspondendo 768 636,08 a capital, € 340 185,32 a juros vencidos e € 1 987,86 a despesas) e, para além do previsto pagamento em prestações, é consignado ainda no plano que:

“As ações executivas pendentes para cobrança da dívida à Segurança Social não se extinguem e mantêm-se suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos”.

Ou seja, no acórdão fundamento, perante uma dívida daquele montante (€ 80.021,74) estava causa unicamente o seu pagamento em prestações.

No acórdão recorrido, face montante impressionante da dívida à credora Segurança Social, muito superior ao dito valor de € 80.021,74, (em concreto, €1.110.809,26, correspondendo 768 636,08 a capital, € 340 185,32 a juros vencidos e € 1 987,86 a despesas), e perante a previsão de sustação de outras execuções movidas pela mesma credora contra a recuperanda (que faz acrescer ao enorme montante em dívida a susceptibilidade de virem a ser judicialmente exigíveis outras verbas referentes a execuções entretanto instauradas), considerou-se naturalmente que inexistia de todo a excepcionalidade enquadrável na figura da “válvula de segurança” citada no acórdão fundamento (mas que não constituiu em qualquer circunstância, insista-se, a sua ratio decidendi).

Pelo que é de todo em todo inexistente a invocada contradição de julgados que poderia, a verificar-se, viabilizar a admissão liminar do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.

Pelo que, face à inexistência de contradição de julgados exigida no artigo 688º do Código de Processo Civil, não se admite o presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência”.

Reclamou o recorrente para a Conferência com os seguintes fundamentos:

A) Existe contradição entre o Douto Acórdão nestes autos prolatado e o igualmente Douto Acórdão proferido por esta 6ª Secção a 24.03.2015, relativo ao processo nº 664/10.7TYVNG-P1.S1.

B) O ponto fulcral reside em saber-se se a mera vontade do credor público pode implicar uma violação negligenciável, ou não, do conteúdo do plano de recuperação tal qual decorre do artigo 215º do CIRE, que possa levar à homologação sem reservas de um plano de recuperação ou à sua ineficácia no que tange a tal credor.

C) O Douto Acórdão ora recorrido expressa que a mera vontade contrária do credor público a um plano de recuperação traduz uma violação não negligenciável que conduz, inexoravelmente, à ineficácia respetiva.

D) De forma totalmente contraria, o Douto Acórdão fundamento refere que, a ser aceite “tout court” tal “ineficácia”, os credores públicos acionarão os seus créditos, inviabilizando o plano de recuperação homologado.

E) E assim, resulta insofismavelmente deste Douto Aresto não ser suficiente a mera vontade do credor público para que o plano de recuperação seja quanto a si ineficaz, desde que do mesmo não resultem violações a “disposições tributárias abstratamente convocáveis e invocáveis”.

F) Esta divergência de entendimento não é uma minudência, mas sim o ponto fundamental sobre o qual os Acórdãos manifestamente discordam e que pode levar à sobrevivência ou à “morte” da recuperanda.

SEM PRESCINDIR:

G) O entendimento proferido pelo Douto Acórdão fundamento é aplicável a todos os planos, não estando subjugados a valores eventualmente em dívida.

H) O recurso à tal “válvula de segurança interpretativa” referida no Douto Acórdão fundamento tem “in casu” plena e reforçada aplicabilidade porquanto, não só inexiste qualquer redução global do crédito bem como a Recorrente irá ainda pagar os juros moratórios que decorrem da lei.

I)Como bem aí é referido na sua página 17, “…em que situação fica a empresa insolvente se à margem do plano aprovado e da eventual moratória de pagamento prevista neste e destinada a permitir-lhe obter receitas para fazer os pagamentos previstos no plano, um credor puder, afinal, atacar de imediato a massa insolvente para obter pagamento coercivo do seu crédito?”

J) Ou seja, o facto do crédito em dívida ser substancial, é mais um motivo para ter plena aplicabilidade a predita “válvula de segurança interpretativa”.

K) É da máxima relevância social e económica que seja uniformizada a Jurisprudência no que tange a este ponto ora em crise, para que as recuperações das sociedades sejam efetivas e não meros paliativos de uma futura e inevitável insolvência com liquidação, decorrente de uma vontade totalmente discricionária por parte de um órgão diretivo de um credor público.

L) O Estado de Direito impõe-no!

M) A Douta Decisão Singular ora reclamada, viola, no entendimento da Recorrente, o disposto no artigo 215º do CIRE.

Apreciando do mérito da reclamação:

Não assiste razão à reclamante.

Na decisão singular proferida constam, com suficiência e clareza, os fundamentos que explicam a opção pela interpretação jurídica que foi concretamente perfilhada e com a qual inteiramente se concorda.

O recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, genericamente previsto nos artigos 688º a 695º do Código de Processo Civil, pressupõe necessariamente a existência de decisões finais contraditórias e, por isso mesmo, conflituantes entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ambos transitados em julgado, a coberto do mesmo enquadramento jurídico e sobre o mesmo núcleo essencial de factos.

Na situação sub judice o acórdão fundamento e o acórdão recorrido convergem exactamente no mesmo sentido quanto à sua parte dispositiva.

Ambos consideraram e decidiram, no essencial, que a ineficácia da homologação do plano (quer no processo de insolvência, quer no de revitalização) relativamente ao credor Segurança Social não afectava a sua validade e eficácia quanto aos demais credores.

No acórdão recorrido decidiu-se que:

“o plano de revitalização não pode produzir efeitos que se traduzam na modificação restritiva do conteúdo dos créditos titulados pelo Instituto da Segurança Social, contra a sua vontade, o que constitui violação negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, nos termos e para os efeitos do artigo 215º do CIRE, extensivo ao processo especial de revitalização nos termos do artigo 17º-F, nº 7, do mesmo diploma legal.

Contudo, a imposição legal de proibição da modificação restritiva do conteúdo do crédito tributário não implica necessariamente a solução drástica de recusa da homologação judicial do plano de recuperação em processo especial de revitalização, nos termos do artigo 215º e 17º-F, nº 7, do CIRE, que o tornaria totalmente inaproveitável, com frustração dos interesses particulares envolvidos e acentuado prejuízo para a organização económica e empresarial que o sistema jurídico tende a salvaguardar até onde lhe for juridicamente possível.

A solução mais equilibrada e curial, que permitirá harmonizar os interesses sociais e económicos que o legislador se propôs salvaguardar através da instituição do processo de revitalização, bem como os compromissos internacionalmente assumidos, com a intransigente defesa dos créditos tributários em geral, consiste em fixar a ineficácia relativa à homologação do plano de revitalização no que concerne aos créditos reclamados e de que é titular o Instituto da Segurança Social.

O plano de revitalização produzirá assim os seus efeitos aproveitando à recuperanda e seus credores na medida do acordado, com excepção daqueles que teriam reflexo na esfera jurídica do Instituto da Segurança Social, enquanto entidade titular do crédito de natureza tributária, ao qual não serão oponíveis, permanecendo intangíveis e imodificáveis no seu conteúdo”.

No acórdão fundamento proferiu-se o seguinte veredicto:

“A Administração Fiscal e a Segurança Social, enquanto credores de insolvência, não podem vetar, sem mais, o plano de insolvência podendo este ser validado, com os votos dos restantes credores interessados, sem que tal afecte os créditos daqueles organismos.

O plano de insolvência aprovado contendo propostas contrárias ao preceituado nos artigos 30º, nºs 1, 2, 3, 36º, nºs 2 e 3, da LGT, e 190º, nºs 1, 2, e 6, do CRCSPSS, não deve ser objecto de recusa de homologação judicial, por nulidade dos mesmos, antes enfermando de mera ineficácia, sendo, por isso, inoponível, relativamente ao Instituto de Segurança Social”.

Tais excertos dos acórdãos são absolutamente demonstrativos da ausência de qualquer tipo de contradição entre os dois julgados em confronto.

Assim sendo, não colhe o menor cabimento processual a admissibilidade deste recurso extraordinário, pretensamente destinado a uniformizar a decisão a dar à questão jurídica em apreço, quando os acórdãos em causa não se encontram em conflito ou desacordo, perfilhando ambos a mesma solução jurídica concreta.

Pelo que a reclamação terá de ser obviamente desatendida.

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível), em Conferência, indeferir a reclamação apresentada, mantendo o despacho singular de indeferimento do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, nos termos do artigo 692º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2024.

Luís Espírito Santo (Relator)

Maria Olinda Garcia

António Barateiro Martins

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.