Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6039/20.2T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
PRESSUPOSTOS
DUPLA CONFORME PARCIAL
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MATÉRIA DE DIREITO
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE E IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE CONDENAÇÃO DE LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ DO RECORRENTE.
Sumário :

O instituto da inadmissibilidade é aplicável ao recurso de revista quanto a um só dos capítulos do dispositivo do acórdão recorrido, quando não satisfaça os requisitos extraformais do artigo 671.º, 3 CPC.2. Todos os vícios do artigo 615.º CPC são formais: não se pode dizer que o juiz decidiu mal; o que se pode dizer é antes que o juiz infringiu regras que disciplinam o exercício da sua função jurisdicional. 3. Litiga com má fé quem insiste em impugnar no segundo grau factos que tem a obrigação de saber que não correspondem à verdade, mas não quem procura modificar o acórdão sustentando uma posição jurídica divergente, ainda que ousada.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 6039/20.2T8GMR.G1


6.ª SECÇÃO


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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


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AA, BB e Marvalu-Investimentos e Gestão Imobiliária, S.A., instauraram acção declarativa, com processo comum, contra CC, DD, Optifafe-Comércio de Telemóveis, Lda, EE e FF, pedindo que:


a) seja declarado que a dívida vertida na letra de câmbio n.º ................69, aceite pelo 1.º Réu e sacada pelo 2.º Réu, na data de 19/05/2011, com a data de vencimento em 01/08/2012, no valor de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) e posteriormente endossada à OPTIFAFE, é inexistente, com as legais consequências;


b) seja declarado que a letra de câmbio n.º ................69, aceite pelo 1.º Réu e sacada pelo 2.º Réu, na data de 19/05/2011, com a data de vencimento em 01/08/2012, no valor de 125.000,00 € (cento e vinte e cinco mil euros) e posteriormente endossada à OPTIFAFE, é falsa, com as legais consequências;


c) seja declarado que o processo executivo n.º 379/13.4... (Juízo de Execução de ... - Juiz ...) resulta de comportamentos processuais ilícitos e constitui uma burla e fraude processual, com as legais consequências;


d) sejam os Réus solidariamente condenados no pagamento aos Autores:


d.1.) de uma indemnização correspondente à quantia de €102.712,51 (cento e dois mil setecentos e doze euros cinquenta e um cêntimos), depositada no processo executivo n.º 379/13.4..., acrescida de juros contados desde a data do seu depósito (sendo sobre a quantia de € 101.629,95 desde 20/09/208, e sobre a quantia de €1.082,56 desde 15/11/2019);


d.2) de uma indemnização correspondente as todas as quantias que os Autores venham a pagar no âmbito do processo executivo n.º 379/13.4..., a título de quantia exequenda, juros de mora, juros compulsórios, custas processuais, despesas e honorários devidos ao Solicitador, ou outros, acrescida de juros desde a data do seu depósito ou pagamento naqueles autos executivos, a liquidar em execução de sentença;


d.3) de uma indemnização correspondente aos prejuízos decorrentes dos custos que os AA. suportaram e vierem a suportar com honorários de advogados, taxas de justiça e outras despesas necessárias ao exercício da sua defesa no âmbito do processo executivo n.º 379/13.4..., acrescida de juros, computadas nesta data em 8.201,25 € (oito mil duzentos e um euros e vinte e cinco cêntimos) e que deverão ser acrescidos daqueles que se vierem a liquidar em execução de sentença;


d.4) de uma indemnização a título de ressarcimento dos danos morais no valor de € 15.000,00, acrescida de juros.


Alegam que:


-Ao 1.º Autor foi reconhecido, no âmbito do processo que correu os seus termos com o n.º 485/06.1..., o direito de crédito sobre o 1.º Réu no montante de 383.076,37 €, acrescido de juros contados desde a citação e até efetiva e integral satisfação;


- na acção com o n.º 2555/13.0..., os aqui Autores foram condenados a pagar ao 1.º Réu a quantia de 83.026,70 €;


- o 1.º Autor pretendeu compensar esta quantia com o crédito de que é titular, mediante declaração que fez àquele;


- com vista a onerar ficticiamente o prédio denominado de “Quinta ...”, que o 1.º Réu declarava ser o seu único património, e com vista a impedir a cobrança coerciva do crédito titulado pelo 1.º Autor, o 1.º Réu, o 2.º Réu (que foi mandatário judicial do primeiro) e a 3.ª Ré (da qual a 4.ª Ré foi gerente e da qual a 5.ª Ré era gerente à data de entrada desta ação) gizaram um plano, através do qual foi emitida uma letra de câmbio no montante de 125.000,00 €, sendo inexistente a dívida inscrita nessa letra e sendo falsos os dizeres inscritos na mesma


- a letra em causa, e sem que exista qualquer dívida do 2.º Réu à 3.ª Ré, foi endossada por aquele a esta, a qual, com base na mesma, intentou uma ação executiva (com o n.º 379/13.4...) apenas contra o 1.º Réu (e já não contra o 2.º Réu, embora este fosse devedor cambiário); nessa execução, e no seguimento do plano traçado, o 1.º Réu não deduziu oposição, e tendo sido nomeado à penhora o direito de crédito do 1.º Réu sobre os Autores, a 3.ª Ré cumulou uma ação executiva contra estes;


- nesses autos, os Autores deduziram oposição, mas, segundo a decisão final nela proferida, não lhes foi permitida a discussão sobre a inexistência da dívida exequenda;


- para evitar a penhora, nesse processo, o 1.º Autor efectuou o depósito da quantia (total) de 102.712,51 €, tendo vindo a suportar os demais encargos processuais e com honorários, os quais, no presente, ascendem ao montante de 8.201,25 €.


- ao procederem desse modo, além da fabricação de um título falso, houve burla e fraude processuais, por ter sido simulada a propositura da ação executiva, com vista à frustração da cobrança do crédito reconhecido ao 1.º Autor.


Os RR contestaram. Terminam pugnando pela improcedência da ação e a condenação dos autores como litigantes de má-fé.


Os autores pediram também a condenação dos réus por litigância de má fé.


Dissolvida a 3ª ré, determinou-se o prosseguimento dos autos, com substituição daquela pelas sócias liquidatárias, FF e GG.


O primeiro grau proferiu sentença que:


A. Julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:


a) declarou que a dívida vertida na letra de câmbio n.º ................69, aceite pelo 1.º Réu e sacada pelo 2.º Réu, na data de 19/05/2011, com a data de vencimento em 01/08/2012, no valor de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) e, posteriormente, endossada à OPTIFAFE, é inexistente;


b) declarou que a letra de câmbio n.º ................69, aceite pelo 1.º Réu e sacada pelo 2.º Réu, na data de 19/05/2011, com a data de vencimento em 01/08/2012, no valor de 125.000,00 € (cento e vinte e cinco mil euros) e posteriormente endossada à OPTIFAFE, é falsa;


c) declarou que o processo executivo n.º 379/13.4... (que pende no Juízo de Execução de ...– Juiz ...) resulta de comportamentos processuais ilícitos e constitui fraude processual;


d) condenou solidariamente o 1.º Réu, o 2.º Réu e as antigas sócios da sociedade OPTIFAFE (caso lhes venha a ser partilhado ativo superveniente) no pagamento aos Autores:


1.º- de uma indemnização correspondente à quantia de €102.712,51 (cento e dois mil setecentos e doze euros cinquenta e um cêntimos), acrescida de juros legais, contados à taxa de juros aplicável às obrigações civis, desde a citação até integral pagamento;


2.º- de uma indemnização correspondente à quantia de €2.254,20 (dois mil duzentos e cinquenta e quatro euros e vinte cêntimos), a título de taxas de justiça já suportadas no processo executivo n.º 379/13.4..., acrescida de juros contados desde a citação até integral pagamento, à taxa legal de juros aplicável às obrigações civis;


3.º-de uma indemnização que se liquidar em incidente ulterior, correspondente a outras quantias (para além da referida em 2.º) que os Autores venham a pagar no âmbito do processo executivo n.º 379/13.4..., a título de quantia exequenda, juros de mora, juros compulsórios, custas processuais, despesas e honorários devidos à AE, acrescida de juros à taxa legal aplicável às obrigações civis desde a notificação a que nele houver lugar;


4.º- de uma indemnização a liquidar em incidente ulterior, correspondente aos prejuízos decorrentes dos custos [para além dos referidos em 2.º e em e)] que os Autores suportaram e vierem a suportar com honorários de advogados, taxas de justiça e outras despesas necessárias ao exercício da sua defesa no âmbito do processo executivo n.º 379/13.4..., acrescida de juros legais, contados à taxa de juros aplicável às obrigações civis, desde a notificação para deduzir oposição que nela houver lugar;


e) condenou solidariamente o 1.º Réu, o 2.º Réu e as antigas sócias da sociedade OPTIFAFE (caso lhes venha a ser partilhado ativo superveniente) no pagamento à 3.ª Autora da indemnização correspondente a 5.947,05 € (cinco mil novecentos e quarenta e sete euros e cinco cêntimos), acrescida de juros contados desde a citação até integral pagamento, à taxa legal de juros aplicável às obrigações civis;


f) absolveu os Réus do demais peticionado.


B. Julgou improcedente o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má-fé;


C. Julgou procedente o pedido de condenação dos Réus como litigantes de má-fé e, em consequência:


1.º- Condenou o 1.º Réu, o 2.º Réu e as antigas sócias da sociedade OPTIFAFE (caso lhes venha a ser partilhado ativo superveniente) no pagamento da multa processual correspondente a 4 UC’s;


2.º- Condenou a 4.ª Ré e a 5.ª Ré no pagamento da multa processual correspondente a 2 UC’s.


Inconformado, interpôs o 1.º réu competente recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida.


Mais condenou o recorrente CC, como litigante de má fé na instância de recurso, na multa de 15 (quinze) UCs e em indemnização de €5.000 (cinco mil euros) de indemnização a favor dos recorridos.


Inconformado, interpôs o apelante competente revista, cuja minuta concluiu da seguinte forma:


«A. Deve julgar-se o Acórdão recorrido nulo, pelos motivos alegados, nos termos do art.615º, nº1 als. b) c) e d) do C.P.C.


Conforme o que se alegou nos nºs 1.A., 1.B. e 1.C., destas alegações, que aqui se dá por reproduzido com desnecessidade de repetição, não estão especificados os fundamentos que possam fundamentar esta decisão, havendo ambiguidades, obscuridades e até contradições na interpretação das provas e factos.


A.a. – O Acórdão não se pronunciou sobre questões alegadas e impugnadas pelo ora recorrente.


- Foi alegado que os recorridos não pagaram ou dispensaram à Optifafe qualquer quantia em dinheiro, apenas juntaram caução;


- Foi alegada a inexistência de qualquer nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano;


- Alegou-se a inexistência de qualquer nexo de imputação quanto ao R-DD, no referente à imputação do facto ao lesante;


- Já que este nenhuma intervenção teve, nem qualquer prova se fez em sentido contrário, no processo de Execução 379/13, como deste consta.


Tudo foi alegado nos pontos 20 a 22 das alegações apresentadas ao Tribunal da Relação e na conclusão L. dos mesmos.


Nenhum pronunciamento o Tribunal e o douto Acórdão tiveram sobre esta matéria.


- Reconhece o Acórdão, na sua fundamentação que “terá havido” um erro de julgamento na alegada contradição entre os factos provados no arts. 20º, 21º e 22º da sentença e o nº 7º da mesma.


Não foi corrigido esse erro. Aliás foi excluído das causas de nulidade do Acórdão, o que nos parece inaceitável.


Deve o Acórdão ser julgado nulo, nos termos e pelos fundamentos alegados:


Julgada a impossibilidade de utilização e construção da”presunção judicial” que suportou a decisão, conforme o que se alegou, por falta de uma “prudente convicção” e evidente logicidade.


Deve a sentença, por estes e outros fundamentos que Vª Exª doutamente suprirão, ser revogada, com todas as consequências legais; sendo o R. Recorrente – CC, absolvido da condenação de litigante de má fé proferida pelo Tribunal da Relação.


Este Recurso de revista deve ser admitido porque:


Nele é impugnada a decisão de condenação do recorrente como litigante de má fé, em primeiro grau de jurisdição;


A decisão (Acórdão) parece reconhecer um erro de julgamento em 1ª instância, afastando-se assim de forma relevante e essencial do decidido na primeira instância.


B. O Recorrente foi condenado em 1ª instância como litigante de má fé, nos termos e pelas razões aí aduzidas.


Neste Acórdão, pelas mesmas razões e fundamentos, é de novo condenado, apenas e só porque os recorridos assim o requereram.


Parece-nos que aos fundamentos e razões da primeira instância, se juntou agora a “ousadia” de ter impugnado a decisão.


Não é legal, nem justa essa decisão, face ao estatuído no art.542º e sgs. do C.P.C., e conforme o que se alegou no Tribunal da Relação, em requerimento autónomo, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.


Deve esta condenação ser revogada.


C. O Acórdão impugnado violou e não respeitou os princípios da fundamentação da formulação da “livre convicção prudente” e da construção lógica de “presunção judicial”.


Violou, entre outros, os artigos 607º e 615º do C.Civil e 349º do C.P.C.


Deve o presente Acórdão ser julgado nulo, nos termos e pelos fundamentos alegados, ou;


Julgada a impossibilidade de utilização e construção da “presunção judicial” que suporta a decisão, conforme o que se alegou, por falta da verificação da formulação de “prudente convicção” e “evidente logicidade”, ou mesmo ausência de facto probando e factos probatórios.


Por estes e outros fundamentos, que Vªs. Exªs. doutamente suprirão, deve ser revogada com todas as consequências legais, sendo ainda o ora Recorrente CC, absolvido da condenação de litigância de má fé proferida pelo Tribunal da Relação.


A presente revista deve ser admitida porque:


Nele é impugnada a decisão de condenação do recorrente como litigante de má fé, em primeiro grau de jurisdição;


A decisão (Acórdão) parece reconhecer um erro de julgamento em 1ª instância, afastando-se assim de forma relevante e essencial do decidido na primeira instância».


Foram apresentadas contra-alegações em que os recorridos pugnam pela improcedência do recurso pela condenação do recorrente em litigante de má fé, em multa e numa indemnização a seu favor não inferior a €10.000,00.


Foram ouvidos recorrente e recorridos sobre a admissibilidade parcial do recurso e o recorrente sobre o pedido de condenação por litigância de má fé.


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Constituem questões decidendas:


i) Da admissibilidade do recurso;


ii) Da nulidade do acórdão;


iii) Da impossibilidade de utilização e construção da «presunção judicial» que suportou a decisão.


iv) Da litigância de má fé.


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São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:


1. À data de entrada da presente ação, o 1.º Autor era acionista e administrador da sociedade 3.ª Autora, a qual se dedica, entre o mais, à compra e venda de imóveis, promoção imobiliária e gestão e administração de imóveis próprios.


2. No âmbito da ação ordinária com o n.º 485/06.1..., foi proferida decisão pelo Supremo Tribunal de Justiça, a 17/01/2013, transitada em julgado a 29/04/2013, através da qual, entre o mais, o aqui 1.º Réu foi condenado a pagar ao aqui 1.º Autor a quantia de 383.076,37 €, acrescida de juros


3. Através da Ap. 4353 de 2011/02/11 [convertida em definitiva pelo Averb. – Ap. 1532 de 2013/07/01] foi inscrita a hipoteca judicial a favor do 1.º Autor, para pagamento da quantia de 396.603,29 € [reconhecida no processo identificado em 2.], sendo o montante máximo assegurado de 444.195,68 €, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n. 353/19900704, da freguesia de ..., designado por “Assento do ...”.


4. No âmbito da ação ordinária com o n.º 2555/13.0..., foi proferida decisão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a 26/10/2017, transitada em julgado em 29/11/2017, na qual os aqui Autores foram condenados a pagar a quantia de 83.026,70 € ao aqui 1.º Réu, acrescida dos juros desde a citação sobre o montante 79.026,70 €.


5. Na data de 06/02/2018, o 1.º Autor apresentou no processo referido na al. anterior um requerimento declarando pretender cumprir voluntariamente a sentença através da execução do penhor do crédito e da compensação dos créditos recíprocos.


6. Por carta datada de 05/02/2018, o 1.º Autor comunicou ao 1.º Réu que pretendia proceder à compensação dos respetivos créditos.


7. HH e II intentaram, em 05/11/2007, contra o aqui 1.º Réu a ação executiva com o n.º 4595/07.0..., no qual foi, a 06/11/2012, penhorado o prédio designado por “Quinta de ...” (descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 353/...).


8. No processo identificado em 7., o 1.º Autor reclamou e foi-lhe reconhecido o seu crédito hipotecário decorrente da decisão referida em 2., tendo o imóvel (designado por “Quinta de ...”) sido transmitido, no dia 06/02/2018, àquele para pagamento parcial do seu crédito pelo valor de 309.400,00 €.


9. Do valor referido em 2., o 1.º Autor obteve pagamento no valor de 311.569,44 € que recebeu nos parcelares de: - 309.400,00 € pela adjudicação do imóvel “Quinta de ...” no âmbito do processo executivo n.º 4595/07.0...; e -2.169,44 € no âmbito do processo n.º 1486/16.7... (através do qual o 1.º Autor executou a sentença proferida no processo n.º 485/06.1...).


10. Em 01/02/2013, a sociedade OPTIFAFE intentou contra o 1.º Réu a ação executiva com o n.º 379/13.4... para cobrança do montante de 127.500,00 €, sendo o título executivo a letra cuja cópia consta de fls. 522, dos autos apensos, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.


11. Consta dos termos dessa letra de câmbio que a sua data de emissão foi “2011-05-19”, encontrando-se sacada pelo 2.º Réu, para “pagamento de despesas e serviços”, e aceite pelo 1.º Réu, com data de vencimento de “2012-08-01”, com a importância inscrita de “125.000,00 €” (cento e vinte e cinco mil euros).


12. A letra de câmbio referida na al. anterior tem o n.º ................69 e foi disponibilizada, para venda, ao Serviço de Finanças de ... - Seção de Cobrança e Serviços Financeiros, na data de 14/12/2012.


13. Do verso dessa letra de câmbio consta o nome do 3.º Réu e o carimbo da sociedade “OPTIFAFE – Com. de Telemóveis, L.da”.


14. No âmbito da ação aludida em 10., a Agente de Execução (AE) ordenou a penhora do crédito que o 1.º Réu pudesse vir a ter sobre os Autores, por força da decisão que viesse a ser proferida no processo n.º 2555/13.0..., tendo este crédito (litigioso) sido adjudicado, em 01/02/2017, à sociedade OPTIFAFE, ali exequente.


15. A fim de evitar a penhora do seu património e os prejuízos decorrentes dessa diligência coerciva, o 1.º Autor requereu, a 21/06/2018, fosse admitido a prestar caução nos autos através de depósito, o que veio a ser deferido, depositando nos autos o valor de 101.629,95 €, mais tarde, reforçado de caução no valor de € 1.082,56, tudo num total de €102.712,51.


16. O 2.º Réu exerceu o mandato judicial conferido pelo 1.º Réu nos processos judiciais mencionados em 2., 4. e 7..


17. O 1.º Réu não deduziu embargos de executado no processo aludido em 10..


18. O 1.º Réu beneficiou, nas ações aludidas em 2., 4. e 7., de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo e neles anunciou que não dispunha de bens e rendimentos (para além da “Quinta de ...”).


19. O 2.º Réu era conhecedor da situação económica do 1.º Réu.


20. O 1.º Réu, o 2.º Réu e a sociedade OPTIFAFE (esta por intermédio de JJ) gizaram um plano, de comum acordo, com vista onerar a “Quinta de ...” e com vista a intentar uma ação executiva a fim de penhorar o crédito detido pelo 1.º Réu sobre os Autores e, assim, impedir o 1.º Autor de cobrar o seu crédito sobre o 1.º Réu.


21. Esse plano consistiu na emissão e preenchimento da letra referida em 11. a 12., com os dizeres que nela constam, e, depois, pela propositura da ação executiva a que se alude em 10.


22. Na prossecução do plano referido em 20., a 27/12/2017, a sociedade OPTIFAFE, ali exequente, apresentou, a 27/12/2017, por apenso e a cumular aos autos executivos, execução ordinária contra os aqui Autores, com vista à cobrança do crédito litigioso adjudicado à exequente, identificado na al. anterior.


23. Nessa ação executiva, os Autores, ali executados, deduziram embargos a 20/02/2018, através da petição de fls. 632/verso a 646, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, onde pediram fosse declarada:


a) A inexistência de título executivo;


b) A inexistência do crédito exequendo reclamado nos autos originários pela exequente OPTIFAFE sobre o executado originário CC e, consequentemente, declarar-se extinta a execução;


c) A inexistência do crédito exequendo reclamado nos autos cumulados pela exequente OPTIFAFE sobre os executados embargantes, devendo ser reconhecido aos executados o direito de ver operada a compensação desse crédito nos termos supra alegados.


24. Os embargos referidos na al. anterior foram julgados improcedentes, nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28/02/2019, de fls. 693 a 707, da providência apensa, confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2021, de fls. 882 a 898, com o conteúdo que se dá aqui por reproduzido.


25. A sociedade J. ..... Unipessoal, Lda., propôs a ação com o n.º 451/13.0..., a 07/02/2013, contra o 1.º Réu, para cobrança do valor de 277.000,00 €, tendo sido dada à execução a letra de câmbio com data de emissão de “2010-04-14” e vencimento em “2011-12-25” e o número ................77.


26. A letra de câmbio referida na al. anterior foi disponibilizada, para venda, ao Serviço de Finanças de ... - Seção de Cobrança e Serviços Financeiros, na data de 14/12/2012.


27. A sociedade .. ..... Unipessoal, Lda., em virtude da existência de penhora anterior sobre o prédio designado “Quinta de ...”, reclamou o seu crédito no âmbito da ação com o n.º 4595/07.0..., onde foi impugnado pelos Autores.


28. A sociedade J. ..... Unipessoal, Lda., desistiu da reclamação de créditos referida na al. anterior.


29. O objeto comercial da sociedade OPTIFAFE era o da comercialização de telemóveis, seus componentes e acessórios.


30. Na Ap. 16/20001211 do registo comercial da OPTIFAFE consta que as titulares de quotas sociais eram a 4.ª Ré e GG, estando a gerência atribuída à 4.ª Ré.31. Na Ap. 1/20180103 do registo comercial da OPTIFAFE consta que a 4.ª Ré cessou as funções de gerência por renúncia.


31. Na Ap. 2/20180103 do registo comercial da OPTIFAFE consta que a 4.ª Ré cessou as funções de gerência por renúncia.


32. Na Ap. 2/20180103 do registo comercial da OPTIFAFE consta que a 5.ª Ré foi designada gerente.


33. Na Ap. 19/20211130 do registo comercial da OPTIFAFE consta a inscrição da dissolução e encerramento da sociedade.


34. Sob a Insc. OF. 1 da Ap. 19/20211130 do registo comercial da OPTIFAFE consta o cancelamento da matrícula.


35. Na Ata n.º 26, de 25/11/2021, relativa à sociedade OPTIFAFE consta que as sócias FF e KK aprovaram “encerrar definitivamente a atividade da firma” e que “apreciadas as contas relativas ao exercício (…), tendo-se verificado um resultado 0 (zero), não havendo nem activo nem passivo”.


36. Por força da propositura da ação executiva com o n.º 379/13.4..., os Autores suportaram, e continuarão a suportar, os custos com honorários com advogados e taxas de justiça necessários ao exercício da sua defesa, tendo já gastado (à data da propositura desta ação), em taxas de justiça, 2.254,20 €.


37. Por força do aludido na al. anterior, a 3.ª Autora já suportou em honorários ao advogado €5.947,05.


38. A atuação do 1.º Réu, do 2.º Réu e da sociedade OPTIFAFE, a pendência do processo executivo com o n.º 379/13.4... e a utilização das expressões a que se alude no artigo 100.º, do requerimento com a REF.ª 40608178 (de 29/11/2021) causaram aos Autores preocupação, constrangimentos e aborrecimentos.

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1. Da inadmissibilidade parcial do recurso.

O recurso interposto tem três capítulos (sobre este conceito cfr. Francesco Carnelutti, «Capo di sentenza», Rivista Diritto Processuale, 1933,I e Cândido Rangel Dinamarco, Capítulos de Sentença, 2.ª tiragem, Malheiros Editores, São Paulo, 2004), a saber:

No capítulo A, o recorrente argui a nulidade do acórdão nos termos do art.615º, 1, alíneas b), c) e d) do CPC (serão deste código os artigos ulteriormente citados sem diferente menção), ou seja, falta de especificação dos fundamentos que justificam a decisão, ambiguidades, obscuridades e até contradições na interpretação das provas e factos e omissão de pronúncia.


No capítulo B, o recorrente insurge-se contra a sua condenação como litigante de má fé.


No capítulo C, o recorrente entende que o Tribunal da Relação violou os princípios da fundamentação da formulação da “livre convicção prudente” e da construção lógica de “presunção judicial” (artigos 607º e 615º e 349º CC).


Se é sempre admissível, em um grau, recurso da decisão que condene por litigante de má fé, independentemente do valor da causa e da sucumbência (recurso especial) ex artigo 542.º, 3, e se consequentemente é também admissível suscitar a questão de nulidade decisória como fundamento deste recurso (cfr. Acórdãos deste STJ de 7.9.2020, Proc. 12651/15.4.T8PRT.P1.S1 e de 16.12.2020, Proc. 12380, a contrario) já não parece que seja de admitir o recurso do acórdão com o fundamento do capítulo C.


Vejamos porquê.


Constitui ius receptum que é inadmissível, em resultado da chamada regra «dupla conforme» que se extrai do artigo 671.º, 3, o recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, e sem fundamentação essencialmente diferente a decisão proferida no primeiro grau.


Passar por este filtro, pressupõe três requisitos:


a) um, de carácter negativo: a inexistência de voto de vencido.


b) dois, de carácter positivo: fundamentação essencialmente idêntica e conformidade decisória.


O STJ tem também repetidamente observado que importa distinguir as figuras de «fundamentação diversa» e de «fundamentação essencialmente diferente», sendo esta mais exigente, porquanto para afastar o obstáculo da dupla conforme não basta que a sentença e o acórdão da relação que a confirme por unanimidade apresente fundamentação diferente, exige-se mais, exige-se que a diferença seja essencial.


Dito de outro modo: «o conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração de fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença da 1.ª instância, sendo antes indispensável que naquele aresto, ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa» (Ac. 10.6.2016, Proc. 1320/11.4TVLSB.L1.S1).


Ou ainda: «essa essencialidade pressupõe novidade argumentativa e consideração do enquadramento factual e/ou jurídico diferente e decisivo, que se afaste distintivamente da fundamentação da decisão apelada, não se verificando tal requisito quando o tribunal da Relação, dentro do enfoque jurídico da decisão recorrida aduz argumentos relacinados com a questão decidida que apenas lhe emprestam maior solidez» (Ac. 1.3.2016, Proc. 1813/12.6.TBPVF.P1.S1).


No caso sujeito, o Acórdão da Relação de Guimarães não tem qualquer voto de vencido.


Por outro lado, a parte decisória não podia ser mais clara: é mantida a sentença proferida (o bold é da própria Relação).


E que dizer em relação à conformidade da fundamentação?


Dizer que a mesma também se verifica. Em relação à matéria de facto, o segundo grau procedeu à sua reapreciação, conforme requerido, concretamente quanto aos factos provados n.ºs. 20,21 e 22.


Afirmou «que a factualidade constante dos nºs 20 a 22 estava, e está, no domínio da livre apreciação da prova e que era, e é, lícito o uso de presunções judiciais no que à mesma respeita»; e que «portanto, o tribunal a quo não violou qualquer norma processual ou substantiva no que a esta matéria concerne», adoptou/secundou o raciocínio utilizado pelo primeiro grau na avaliação das provas, que qualificou de assertivo, lógico e de total congruência, e concluiu «que se encontra acertadamente valorada a matéria factual a que se alude nas doutas alegações, que se mantém sem qualquer alteração».


Igual conclusão quanto à matéria de direito. O segundo grau, diante da matéria de facto inalterada, asseverou: «Quanto à solução jurídica, para que a lide tivesse, agora, decisão dissonante, impor-se-ia a alteração do quadro factual da primeira instância que não ocorreu, pelo que é mantida a sentença proferida».


O recorrente parece encontrar a desconformidade, no trecho da sentença que alude a um putativo erro de julgamento.


Porém, tal não se verifica. Em sede de apreciação das nulidades da sentença o segundo grau debruçou-se sobre eventual contradição entre os factos 20, 21 e 22, por um lado, e os 3, 7, 8 e 11, por outro, e disse: «A invocada contradição na resposta a esta matéria de facto mereceu despacho de pronúncia da Srª Juiz a quo, que o fez com completa assertividade.


E, se como ela, também nós colhemos das doutas alegações que a contradição resulta do facto de o prédio se encontrar já onerado com hipoteca judicial e por isso a originar desinteresse em gizar qualquer plano destinado a onerar o património, o que, então, daí se retiraria seria um erro de julgamento e não uma contradição derivada de incoerência lógica de actuação dos RR, o chamado error in iudicando, decorrente, no caso, de uma distorção da realidade factual (error facti)».


Não está aqui reconhecido qualquer erro no julgamento do tribunal recorrido. O que se faz é distinguir erro de actividade e erro de juízo, e advertir que o alegado vício, a existir, nunca seria um vício da primeira espécie.


Não se admite, pelo exposto, o recurso, nesta parte, ou seja , quanto ao capítulo C das conclusões das alegações.


***


2. Das nulidades do acórdão ex artigo 615.º, 1 alíneas b), c) e d)


Antes de examinarmos as nulidades em concreto, é preciso sublinhar -o que parece não ter sido bem ponderado pelo recorrente-que não é exacto dizer-se que as nulidades do artigo 615.º traduzem também erros de julgamento, porquanto se o juiz, profere uma decisão sem fundamentos, se estes fundamentos contradizem a decisão, se deixa de conhecer de determinada questão, o julgamento está inquinado de erro substancial.


Na verdade, todos os referidos vícios são formais: não se pode dizer que o juiz decidiu mal; o que se pode dizer é antes que o juiz infringiu regras que disciplinam o exercício da sua função jurisdicional.


2.1.Falta de especificação dos fundamentos (artigo 615.º, 1, al. b)


A sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.


Como explica Alberto dos Reis, «uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas: é uma peça sem base» (CPC, An., V:139).


Na linha deste processualista, a jurisprudência tem distinguido a falta absoluta de fundamentação da motivação medíocre , deficiente ou errada, para só na primeira detectar vício formal.


Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de facto e de direito.


Examinando o acórdão, facilmente se verifica que existe cabal fundamentação de facto e de direito. Basta ler. Se a decisão é justa ou injusta é outra coisa, que não pode ser arguida a coberto do citado normativo.


2.2.Oposição entre fundamentos e a decisão


É também nula a sentença se os fundamentos estiverem em


Oposição com a decisão.


Explica Antunes Varela ta lii que nestes casos «há um vício real no raciocínio do julgador (…): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pele menos, direcção diferente» (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985:690).


No caso sujeito, a linha de raciocínio do segundo grau é congruente e lógica. A acórdão recorrido, como vimos, reapreciou a prova e, tendo concluído que era de manter o julgamento de facto, retirou pertinentes consequências em sede de julgamento de direito. Não há, pois, nulidade.


***


2.3. Da omissão de pronúncia


O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.


É, pois, ainda nula a sentença, se o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.


Diz o recorrente que o acórdão não se pronunciou sobre questões alegadas e impugnadas pelo ora recorrente.


- Foi alegado que os recorridos não pagaram ou dispensaram à Optifafe qualquer quantia em dinheiro, apenas juntaram caução;


- Foi alegada a inexistência de qualquer nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano;


- Alegou-se a inexistência de qualquer nexo de imputação quanto ao R-DD, no referente à imputação do facto ao lesante;


- Já que este nenhuma intervenção teve, nem qualquer prova se fez em sentido contrário, no processo de Execução 379/13, como deste consta.


Tudo foi alegado nos pontos 20 a 22 das alegações apresentadas ao Tribunal da Relação e na conclusão L. dos mesmos».


A respeito da omissão de pronúncia a jurisprudência tem dito, sem discrepâncias: «o juiz tem de atender aos pedidos deduzidos, a todas as causas de pedir e excepções invocadas e a todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, mas não tem de se pronunciar sobre os motivos, argumentos, considerações, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e, em geral, sobre todos os meios de que a parte se socorre para fazer valer as ditas causas ou ainda, muito menos, sobre a qualificação jurídica oferecida pelos litigantes (iura novit curia) (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, Vol V, Coimbra Editora, Coimbra, 1952:56.).


«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida da questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Ibidem:143).


Esta confusão entre questões e argumentos é muito habitual colocar-se em sede de recurso, pese embora inexista obrigação de o segundo grau se pronunciar sobre todas as conclusões. Como refere o ASTJ de 10-02-2020, Proc. Nº 35/18.7GBVVC. E1.S1, «a completude e cabal fundamentação e decisão de um aresto não depende de uma exauriente análise de todos e quaisquer argumentos (ou mesmo eventuais excursos e obiter dicta) das alegações das partes, mas de uma resposta clara, compreensível, lógica e fundamentada às questões fectivamente fundantes colocadas, em já de si resumidas nas Conclusões. Por uma questão, desde logo, de economia processual, celeridade na resposta e omissão devida de atos inúteis».


A conclusão a que o recorrente se referente tem o seguinte conteúdo:


«L. Os recorridos nunca dispuseram de qualquer quantia em dinheiro, para pagar a quantia da letra.


Apenas prestaram caução, pela forma que entenderam, e sem retirarem do seu património qualquer quantia;


O recorrente e o R. DD, nenhuma interferência, acção ou omissão tiveram no desenrolar do processo de execução nº379/13.4..., referido na sentença como fundamento.


Em relação a estes, nos termos já alegados, e que aqui se dão por reproduzidos, não se verificam os requisitos típicos e legais que fundamentam o dever de indemnizar por responsabilidade civil extra-contratual».


Constata-se que o recorrente (exclui-se a parte referente ao réu DD, fora do interesse deste) está a invocar a falta de pronúncia em relação a matéria de facto.


Ora não se verifica a nulidade em discussão quando o juiz, na decisão, não se serve de factos de que devia servir-se, por terem sido articulados ou alegados pelas partes.


Isto porque uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra bem diversa, não conhecer de questão de facto de que devia tomar conhecimento: «o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão» (Alberto dos Reis, CPC, Anotado, Vol. V:145; AsRL de 9.6.2011, Proc. 1284/07.9TVLSB.L1-2 e de 18.2.2010, Proc. 08.8TJLSB.L1-2).


De resto, a Relação, aquando do julgamento sobre a matéria de facto, não tinha de se pronunciar sobre correlacionados factos já constantes da sentença e não impugnados (cfr. facto 15), sendo que, usando embora uma cláusula geral, confirmou a valoração dos factos , designadamente da matéria dos pontos 20 a 22, feita pelo primeiro grau.


Inexistem, em conclusão, as arguidas nulidades que no todo se indeferem.


***


3. Da impossibilidade de utilização e construção da «presunção judicial» que suportou a decisão.


Não se aprecia esta questão como consequência do explanado no ponto 1.


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4. Da litigância de má fé


O acórdão recorrido condenou o recorrente como litigante de má fé, no segundo grau, na multa de 15 (quinze) UCs e em indemnização de €5.000 (cinco mil euros) a favor dos recorridos.


O recorrente discorda, argumentando desta forma:


«B. O Recorrente foi condenado em 1ª instância como litigante de má fé, nos termos e pelas razões aí aduzidas.


Neste Acórdão, pelas mesmas razões e fundamentos, é de novo condenado, apenas e só porque os recorridos assim o requereram.


Parece-nos que aos fundamentos e razões da primeira instância, se juntou agora a “ousadia” de ter impugnado a decisão.


Não é legal, nem justa essa decisão, face ao estatuído no art.542º e sgs. do C.P.C., e conforme o que se alegou no Tribunal da Relação, em requerimento autónomo, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.


Deve esta condenação ser revogada».


Neste terceiro grau, pretendem os recorridos que o recorrente seja novamente condenado como litigante de má fé, em multa e numa indemnização a seu favor não inferior a €10.000,00.


Vejamos se tem razão o recorrente.


O raciocínio do acórdão é de fácil compreensão. Depois de ter chamado à colação o que se encontra provado na 1ª instância, julgamento de facto confirmado pela Relação, o tribunal concluiu que «da posse deste quadro, que o recorrente sempre tentou ocultar ao tribunal recorrido, mas não satisfeito com isso, optou, agora, por interpor também a presente apelação, persistindo num percurso de negação de factos pessoais que estão processualmente adquiridos».


De acordo com o artigo 542º, 2 diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:


a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;


b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;


c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;


d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.


A condenação da parte como litigante de má-fé corresponde a uma responsabilidade agravada.


O regime instituído com a reforma de 95/96 do direito processual civil traduziu-se, como é sabido, numa substancial ampliação do dever de boa fé processual, alargando-se o tipo de comportamento que pode integrar má-fé processual, quer substancial, quer instrumental.


A condenação em litigância de má-fé pode fundar-se, além da situação de dolo em negligência grave, compreendendo esta aquelas situações que resultam da «falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida» (Maia Gonçalves, Código Penal Português, 4ª edição, pág. 98).


Como tem destacado a doutrina, o artigo 542.º CPC sanciona três tipos de actuação substancial e um de conduta processual.


A actuação substancial sancionável pode consistir em:


i) deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não deva ignorar (artigo 542.º, n.º 2, alínea a));


ii) alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa (artigo 542.º , n.º 2, alínea b));


iii) omitir gravemente o dever de cooperação (artigo 542.º, n.º 2, alínea c)).


No domínio da conduta processual sanciona-se o uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, por qualquer das partes, a fim de:


i) conseguir um objectivo ilegal;


ii) impedir a descoberta da verdade;


iii) protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (artigo 542º, n.º 2. alínea d)).


Tal como o primeiro, o segundo grau subsumiu a factispécie concreta na alínea b), do n.º 2 do citado artigo 542.º: «Em face dos parâmetros apontados a esta figura processual, não restam dúvidas que o apelante atuou com má fé, quando resolve impugnar recursivamente factualidade pessoal que sabe corresponder à verdade, tentando trazer em recurso, uma vez mais, uma versão dissonante com o que se passou consigo próprio».


Estamos inteiramente de acordo com esta conclusão.


Realmente o apelante, mesmo sabendo qual era a verdade processual adquirida, e diante de uma factualidade meticulosamente motivada, perseverou na sua versão como se nada entretanto tivesse acontecido e a «sua verdade» tivesse saído incólume.


Uma versão similar tinha sido, de resto, desmontada pelo STJ em acção que envolveu a co-ré OPTIFAFE, a qual mereceu idêntica censura por este tribunal. Nisto deveria também o recorrente ter reflectido.


Pensamos, por conseguinte, que a condenação do recorrente como litigante de má fé na Relação não merece censura.


Já quanto ao pedido de condenação do recorrente neste grau de recurso, parece-nos que a conclusão deve ser diferente.


O artigo 20.º da CRP consagra dois fundamentais princípios, em tema de direito de defesa:


- a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos;


- todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão mediante processo equitativo.


Trata-se de regras que estabelecem a possibilidade para qualquer sujeito de agir em juízo com o fim de obter a tutela dos seus direitos, mas também de exercer o direito de defesa em qualquer estado e grau do processo.


Estas normas pareceriam preordenadas ao efeito de acordo com o qual o exercício do direito de defesa não poderia configurar um caso de responsabilidade agravada.


Não é bem assim. Como vimos, a lei sanciona as situações em que a parte tenha uma conduta abusiva, dolosa ou gravemente negligente, no exercício do direito de acção ou de resistência em juízo.


É unânime o entendimento de que a simples interposição de recurso, embora sem fundamento, não constitui dolo nem negligência grave, porque a incerteza da lei e a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as partes a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir.


Dito de uma forma simples: a falta de razão não basta para justificar a má fé.


A insistência no recurso não basta para caracterizar a má fé por abusiva utilização dos meios processuais (ASTJ de 12.5.1991, Proc. 082528).


«Os tribunais devem usar de circunspecção em matéria de condenação por litigância de má fé» (ASTJ de 3.3.1999, proc. 99B932)


«A condenação por litigância de má fé só deve ter lugar em casos chocantes, grosseiros, do uso dos meios processuais, pondo em perigo a imagem da justiça no caso concreto e em geral» (ASTJ de 3.10.2000, Proc. 01B426).


O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do estado de direito, são incompatíveis com interpretações apertadas do artigo 542.º [anterior artigo 456º], nomeadamente, no que respeita às regras das alíneas a) e b), do nº2.
É comum o entendimento de que o juízo conclusivo do processo se configura em termos não de certeza absoluta ou de verdade material, mas antes de alta probabilidade que a hipótese de partida, em resultado de um raciocínio probatório desenvolvido debaixo de incerteza, seja a mais plausível, credível e verosímil e possa por isso ser confirmada. Por outro lado, «a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu» (ASTJ de 29.5.2003, Proc. 03b3893).



No caso sujeito, o recorrente exerce em meras questões de direito o seu direito ao recurso. Está convencido de que tem razão, embora para efeitos judiciários não a tenha.


A sustentação de uma posição jurídica divergente, mesmo que ousada, não merece, neste caso, adicional medida sancionatória.


***


Tendo ficado vencidas ambas as partes, fixa-se a responsabilidade pelas custas na proporção de ¾ para o recorrente e ¼ para os recorridos, não se condenando o primeiro pelo pagamento, considerando o apoio judiciário de que beneficia (artigos 13.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho e artigo 29.1 d) do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).


***


Pelo exposto acordamos em:


i) Não admitir o recurso no que tange ao capítulo C das suas conclusões.


ii) Indeferir a arguição das nulidades do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães;


iii) Julgar improcedente o recurso quanto à condenação do recorrente pelo segundo grau, por litigância de má fé;


iv) Julgar improcedente o pedido de condenação do recorrente, formulado pelos recorridos em contra-alegações, neste terceiro grau, por litigante de má fé.


v) Condenar os recorridos na proporção de ¼ das custas devidas.


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22.2.2024


Luís Correia de Mendonça (Relator)


Leonel Serôdio


Maria Olinda Garcia