Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2020/16.4T8GMR.G1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
ABUSO DO DIREITO
CASO JULGADO
TRANSACÇÃO
TRANSAÇÃO
LIBERDADE CONTRATUAL
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
DUPLA CONFORME PARCIAL
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
NULIDADE DE ACÓRDÃO
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 10/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / MORA DO CREDOR.
Doutrina:
- Alves Velho, Sobre a revista excepcional, Aspectos Práticos, Colóquio sobre o novo CPC, in www.stj.pt;
- António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, p. 282, 604 e 605;
- António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, p. 196 a 198 e 427;
- Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 247 e 248;
- Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, p. 339;
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Vol. IX, 3ª edição, p. 496 e 497.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 613.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 405.º, 810.º, N.º 1 E 812.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 27-09-2011, PROCESSO N.º 81/1998.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-04-2019, PROCESSO N.º 1119/04.4TBMFR.L1.
Sumário :
I – Havendo no acórdão da Relação duas decisões distintas, ambas abrangidas pelo recurso de revista dele interposto, este recurso, na sua modalidade normal, apenas pode ser admitido quanto a uma dessas decisões se apenas em relação a ela ocorrer a inexistência de dupla conforme.

II – A apreciação das nulidades de acórdão que na alegação do recorrente vierem arguidas quanto à decisão que não admite recurso de revista compete à Relação.

III - O poder jurisdicional que se esgota por força do nº 1 do art. 613º do CPC é apenas o do juiz que proferiu a decisão, com as exceções que o nº 2 o mesmo artigo prevê, e não o do tribunal “ad quem”.

IV – Traduzindo a invocação do abuso do direito, feita pela ré, uma exceção perentória, e afirmando-se na sentença a sua não verificação, a não impugnação desta decisão leva a que sobre ela se forme caso julgado, não podendo a Relação retomar a análise dessa qualificação e adotá-la.

V – Acordando as partes em que, em caso de não pagamento pontual de uma das prestações devidas, seriam devidos juros de mora sobre o capital em dívida, e acordando ainda em que a falta de pagamento de qualquer dessas prestações daria lugar à obrigação de pagamento de uma outra quantia, esta última estipulação constitui uma cláusula penal puramente compulsória, através da qual se pretendia compelir a devedora a cumprir pontualmente, sem qualquer influência na indemnização e a acrescer ao mais que era, e continuou a ser, devido.

VI – Trata-se de espécie que escapa ao figurino do instituto da cláusula penal, tal como se acha concebido no art. 810º, nº 1 do CC, visto não fixar o montante da indemnização exigível, mas que encontra no princípio da liberdade contratual, consagrado no art. 405º do mesmo diploma, fundamento bastante para a sua aceitação.

VII – A cláusula penal puramente compulsória é igualmente passível de sofrer a redução prevista no art. 812º do CC.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL



    I - AA, Lda, intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB - Associação de Futebol, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia global de € 50.315,40, acrescida de juros de mora vincendos à taxa comercial até à data do integral e efetivo pagamento, assim decomposta:

a) € 9.532,56, por incumprimento do clausulado na transação do processo nº 991/12.9TJVNF, sendo € 1.000 da falta das duas prestações, € 13,62 relativos aos respetivos juros vencidos e € 8.518,94 da cláusula penal;

b) € 40.782,84, por incumprimento do contrato de fornecimento exclusivo de bens, sendo a quantia (mínima) de € 1.782,84 a título de prejuízo/dano direto, a quantia de € 6.000,00 de dano emergente (honorários e despesas judiciais com advogados) e a quantia de € 33.000,00 a título de lucros cessantes e prejuízos padecidos com a falta de promoção e publicidade da firma, quanto esta última a fixar pelo Tribunal segundo juízos de equidade.

Para tanto, alegou, em síntese:

- quanto ao pedido referido em a): na mencionada ação foi lavrada uma transação nos termos da qual a ré se obrigou a pagar-lhe € 17.000,00 em 34 prestações mensais e iguais entre 2.5.2013 e 2.2.2016, sendo estipulada uma cláusula penal de € 8.518,94 para o caso de não pagamento de qualquer das prestações, o que ocorreu quanto às 33ª e 34ª prestações;

- quanto ao pedido referido em b): dedicando-se ao fabrico, comércio, importação e exportação de vestuário, calçado e artigos de desporto, celebrou com a ré, em 9.4.2013, um contrato para o fornecimento, em exclusivo, de todos os artigos de desporto para a prática de futebol por todas as equipas e camadas da ré, bem como de todos os artigos de merchandising que consistiam em equipamentos, contrato este cujo incumprimento imputa à ré, daí tendo decorrido os prejuízos cujo ressarcimento pede nos termos acima referidos.

A ré contestou a defender a total improcedência da ação.

Alegou, em síntese, que, devido à situação económica do País e à situação económico-financeira das equipas profissionais da Segunda Liga Portuguesa, foi liquidando as prestações com algumas dificuldades, tendo pago, antes da sua citação, as duas últimas prestações e que, sempre que se atrasou, avisou o sócio gerente da Autora, por isso considerando abusiva a exigência da cláusula penal, que é superior a metade do total devido inicialmente; negou o incumprimento do contrato de fornecimento exclusivo e, bem assim, que a autora tenha sofrido os danos que invoca.

      Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a ré a pagar à autora:

a) € 500,00 por incumprimento do clausulado na transação do processo nº 991/12.9TJVNF, a título de cláusula penal;

b) € 319,71, por incumprimento do contrato de fornecimento exclusivo de bens;

c) juros à taxa legal decorrente da aplicação da Portaria nº 277/2013 de 26 de Agosto, sobre as quantias referidas em 1) e b) desde 12 de Abril de 2016 até integral e efetivo cumprimento;

Quanto ao mais, absolveu a ré do pedido.

    Inconformada, a autora apelou, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão que julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença.

      Deste acórdão trouxe a autora a este STJ o presente recurso de revista que qualificou como excecional, ao abrigo da al. c) do nº 1 do art. 672º do CPC, por invocada contradição do acórdão recorrido com um outro proferido pela mesma Relação em 4.10.2017, quanto à aplicação do regime da redução da cláusula penal.

      Nas alegações apresentadas, a recorrente formulou as conclusões que expurgadas das atinentes à admissibilidade da revista excecional e, bem assim, das relativas à impugnação do acórdão na parte em que proferiu decisão sobre o segundo dos pedidos formulados pela autora[1], passamos a transcrever:

(…)

8) O acórdão recorrido defende a aplicação do instituto do abuso de direito para reduzir o valor da cláusula penal apontando-o como alegadamente excessivo;

9) Porém, não se compreende que o acórdão recorrido defenda a modalidade de abuso de direito, quando não alterou a decisão de 1.a instância que defendeu precisamente o contrário, isto é, que "a questão não deve ser enquadrada na previsão do artigo 334° do Código Civil, mas antes, no artigo 812°, na medida em que, a ratio do preceito constitui uma válvula de escape para comportamentos abusivos", como infra se irá descrever em pormenor;

10) O acórdão fundamento - e bem - defende que o uso da faculdade da redução da cláusula penal não é oficioso, sob pena de violação do princípio da proibição do julgamento «ultra petitum», nos termos do disposto no artigo 609.°, n.° 1 do CPC;

11) De acordo com o citado Acórdão, o controlo judicial da cláusula penal deve limitar-se aos casos de manifesto abuso, não para limitar de forma injustificada a liberdade contratual e os legítimos interesses do credor;

12) A aplicação da redução da cláusula penal deve ter em linha de conta os objetivos tidos em vista com a cláusula, na justa medida que a ratio da cláusula penal visa reforçar o direito do credor ao cumprimento da obrigação e a satisfação do interesse do credor;

13) No caso do acórdão citado e do acórdão recorrido as partes estabeleceram a cláusula penal fixando a indemnização devida, quer para o incumprimento definitivo (sem prejuízo continuar a ser devida a quantia acordada), quer para o cumprimento defeituoso;

14) Nos dois acórdãos (o fundamento e o que aqui se recorre) existe uma total discrepância do conceito de equidade, senão vejamos, no Acórdão fundamento supra mencionado, interpretou a cláusula penal no sentido de não ser reduzida oficiosamente, sob pena de violação o princípio da proibição do julgamento «ultra petitum»;

15) Aliás, o acórdão fundamento defende ainda que, não basta que a cláusula seja excessiva, que ultrapasse o montante dos danos até porque também lhe anda associada uma função compulsória, terá que ser manifestamente excessiva, podendo não ocorrer dano, esse simples facto não justificar a redução;

16) No acórdão recorrido existe a referência que nas circunstâncias concretas de sucessivos incumprimentos do R. e a má-fé da mesma que dá causa à presente ação, quando não obstante de ter existido mora e a A. ter direito a acionar a cláusula penal o valor alegadamente ser excessivo tendo em conta o exposto e o facto de tanto mais de durante o período de quase três anos de sucessivos atrasos da R. nunca interpelou (de forma escrita, mas apenas de forma informal), justificado a redução da cláusula penal com base em alegados juízos de equidade mas com alegados diferentes fundamentos;

17) A intervenção moderadora do Tribunal, nos termos do disposto do artigo 812.° do Código Civil estabelece que o mesmo pode e deve socorrer-se de todos os factores de ponderação de que disponha.

18) O acórdão recorrido defende igualmente que existiu mora, com atrasos nos pagamentos prestacionais reiterados, sem qualquer justificação, não apenas nas últimas duas prestações que foram pagas antes da citação e posteriores à distribuição do presente processo judicial, mas também no decorrer do plano prestacional, tendo ocorrido o primeiro atraso no pagamento da 2.a prestação e seguintes, Cfr. Ponto 2 e 3 dos factos dados como provados;

19) O acórdão fundamento defende que na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal o MM Julgador deverá ter em consideração factores primordiais, com a natureza e condições na formação do negócio, à situação respetiva das partes, nomeadamente a sua situação económica e social, os seus interesses legítimos, patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo presumível no momento da celebração do contrato e ao prejuízo efetivo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má-fé do devedor (aspeto importante, se não mesmo determinante, parecendo não se justificar geralmente o favor da lei ao devedor de manifesta má fé e culpa grave, mas somente ao devedor de boa fé que prova a sua ignorância ou impotência de cumprir); ao próprio caráter a forfait da cláusula e, obviamente e à salvaguarda do seu valor cominatório;

20) A redução da cláusula penal dever ser interpretada de acordo com apreciação global de todo o circunstancialismo objetivo e subjetivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má-fé, de forma que o julgador não pode reduzir a cláusula penal sem tomar tais factos em consideração;

21) Ora, o tribunal recorrido ignorou todos esses factos, sendo que o controlo judicial da cláusula penal deve ser limitado aos casos de manifesto abuso, para limitar de forma injustificada a liberdade contratual e os legítimos interesses do credor;

22) A jurisprudência e a doutrina são unânimes em defender que apenas deve ocorrer a redução da cláusula penal quando for manifestamente excessiva, nos termos do disposto no artigo 812.° do CC;

23) Não basta que a cláusula seja excessiva, que ultrapasse o montante dos danos, até porque também lhe anda associada uma função compulsória, deve tratar-se de montante excessivamente desproporcional em relação ao dano e aos objetivos tidos em vista com a cláusula;

24) Na verdade, pode mesmo não ocorrer dano, esse simples facto não justifica a redução da cláusula penal;

25) Não podemos olvidar que o MM Julgador tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula penal excessiva, e que só tem o poder de reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva;

26) Uma cláusula penal de montante superior (mesmo excessivo) ao dano efectivo não é proibida pela lei, não tendo o juiz poder para a reduzir, assim como supra se mencionou a ausência de dano, por siso, não legítima a intervenção judicial;

27) No caso em apreço, o acórdão recorrido em 1.a instância defendeu que a situação subjudice não se encontrava no artigo 334.° do CC, abuso de direito, mas antes no artigo 812.°, redução da cláusula sendo esta a válvula de escape para comportamentos abusivos;

28) O acórdão recorrido, ex officio, defendeu a redução da cláusula penal, aderindo impropriamente a uma "diferente fundamentação" (que não é de todo qualquer diferente fundamentação mas mera repristinação de matéria de excepção já transitada em julgado), contrariando com esse comportamento a decisão de primeira instância já transitada em julgado e ainda o acórdão fundamento;

29) No caso sub judice, da fundamentação do acórdão recorrido não erradica que a cláusula penal seja manifestamente excessiva, mas apenas que o "valor peticionado é excessivo";

30) Analisando a questão de forma objectiva e subjectiva, no caso sub judice constatamos que Autora e Ré celebraram um contrato de transação na ação declarativa sob a forma de processo, na qual o pedido foi reduzido ao valor de € 17.000, sendo € 15.095,38 respeitante ao capital em dívida, € 958 de taxa de justiça paga pela Autora e o restante a 50% da remuneração devida ao Mandatário Judicial da primeira, prescindindo do montante de € 8.518,94;

31) No quadro global de negociação em que se fixou a cláusula penal, o valor de 8.518,94€ anteriormente perdoado com um acordo de pagamento celebrado pelas partes, acordo que foi incumprido com sucessivos atrasos no pagamento pontual das prestações;

32) In casu não nos afigura que aquela cláusula seja sequer excessiva, quanto mais manifestamente excessiva, pois resulta da mesma um perdão pela A. desse mesmo valor a título de fornecimentos que em virtude do incumprimento da R. realizou uma transação que visava em pagamentos prestações com determinadas datas de vencimentos que a mesma por sucessivas vezes não cumpriu;

33) Aliás, não estamos falar de um incumprimento residual de apenas uma ou duas prestações de um total de trinta e quatro prestações, estamos a falar de um incumprimento generalizado da R. da data de pagamento de quase todas as prestações que não foram feitas nas respectivas datas de vencimento, implicando muitas chamadas de atenção verbais pela A.;

34) Por outro lado, o princípio da liberdade contratual permite a livre opção de escolha de qualquer tipo contratual com submissão às suas regras imperativas, analisando-se em dois subprincípios, na liberdade de conclusão e na liberdade de conformação, sendo a primeira está explicitamente consagrada nos artigos 232.° e 233.°, ambos do CC e implicitamente no artigo 405.° e a segunda está explicitamente consagrada no artigo 405.° do mesmo diploma legal;

35) A cláusula penal prevista era um instrumento para que a R. cumprisse na íntegra com a obrigação principal, uma vez o incumprimento já era uma prática reiterada e consequentemente previram expressamente que seria devida em caso de "falta de pagamento de qualquer das prestações na data do seu vencimento";

36) A R. tinha o dever de adoptar comportamentos conformes às normas jurídicas concretizada pelos deveres de cooperação, de esclarecimento e de informação, ou seja, o dever de não adoptar comportamentos que sejam substancialmente desconformes, de acordo com o ínsito princípio da lealdade;

37) Nos sucessivos atrasos nos pagamentos, a A. frequentemente interpelava a R. (ponto 15. dos factos dados como provados), existiu ainda o incumprimento do contrato de fornecimento exclusivo;

38) A recorrente não se conforma que o Tribunal a quo refira que a cláusula penal correspondia à dívida a título de fornecimentos de um processo judicial anterior que foi "perdoado" pela recorrente e perante a dívida de duas prestações, a "pena" se apresenta como desproporcionada, mesmo desmesurada;

39) A conduta da R. é totalmente atentatória de todos os princípios contratuais, adoptado práticas reiteradas de incumprimento que o MM Julgador entendeu erroneamente a actuação da A. como desproporcional, desmesurada ou até mesma abusiva;

40) O incumprimento da R. ao contratualizado, sendo já uma prática reiterada, nada mais legítimo que a A. recorrer ao Tribunal para a justa composição do litígio;

41) À luz do disposto no artigo 233.° do C.C. o julgador deveria dar preponderância ao acordado entre as partes, isto é, da manifestação de vontade contratual, expressa no sentido de perdoados anteriores fornecimentos pela A. e em caso de incumprimento da R. do acordado ser devido o referido valor;

42) O MM Julgador deveria ter em atenção que a cláusula penal in casu tinha como ratio compelir a R. a cumprir no tempo devido e de forma pontual, tendo a A. toda a legitimidade e direito de exigir judicialmente com a cláusula penal, que funciona como uma espécie de sanção para o não cumprimento ou cumprimento defeituoso (mora), quando a R. reiteradamente incumpriu com vários acordos lesando a A., tendo na última transação perdoado/reduzido o valor reclamado e acordado a título de cláusula penal mediante a cominação que o incumprimento contratual ou o cumprimento defeitoso seria devido o referido valor;

43) No caso subjudice o MM Julgador não teve em consideração a apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má-fé, que o juiz poderia ou não reduzir a cláusula penal;

44) No caso subjudice os requisitos do artigo 812.° do CC não se aplicam...

45) Salvo o devido respeito, o MM Julgador não pode reduzir uma cláusula penal de montante superior (mesmo excessivo) ao dano efectivo, pois tal desiderato não é proibido pela lei, não tendo o MM Juiz poder para a reduzir...

46) No exercício do seu equitativo e excepcional poder moderador, o Julgador só goza da faculdade de reduzir a cláusula penal que se revele extraordinária ou, manifestamente, excessiva, tendo sempre presente o seu valor cominatório e dissuasor, e não uma cláusula penal, meramente, excessiva, cuja pena seja superior ao dano;

47) Não se concebe assim o entendimento sufragado pela douta decisão com a redução da cláusula penal ao montante de € 500,00, em função da cláusula quinta da transação, sendo atentatória à legalidade, às finalidades e não obedecendo aos requisitos e pressupostos legais do artigo 812.° do CC;

48) A R. nenhum facto alegou ou provou que traduzisse na conclusão que a cláusula penal em discussão fosse manifestamente excessiva, como ainda revelou que a mesma teve origem em incumprimentos passados imputáveis à mesma;

49) O circunstancialismo do caso em apreço não existiu nenhuma manifesta excessividade da cláusula penal, mesmo admitindo (o que não se concebe) que a cláusula penal seja excessiva, a mesma não podia ser reduzida pelo MM Julgador, por não obedecer aos requisitos do artigo 812.° do CC;

50) Com efeito, face a estes circunstancialismos o MM Julgador deveria ter-se socorrido do disposto nos artigos 233.°, 236.° e 405.°, ambos do Código Civil, o que não o fez, violando assim o disposto nestes preceitos;

51) A redução da cláusula penal viola de forma flagrante e manifestamente desproporcional o juízo de equidade estabelecido por lei;

52) Pelo que, a douta sentença deveria ser revogada e a R. ser condenada ao pagamento da cláusula penal € 8.518,94;

53) Face a todo o exposto, é nosso entendimento, que o douto acórdão merece revista, por padecer de erro de julgamento, contradição com a jurisprudência já transitada em julgado e violação da lei, pois não teve em conta factos provados e julgados, que resultem do processo de sentença, alienando princípios fundamentais de equidade, imediação e de justiça;

Acresce ainda que, a título subsidiário,

54) Do ponto de vista da admissibidade do presente recurso existe ainda a questão quanto à violação das regras de caso julgado formal em que a primeira instância já havia decidido, sem que essa decisão fosse objecto de qualquer recurso, que "a questão não deve ser enquadrada na previsão do artigo 334° do Código Civil, mas antes, no artigo 812°, na medida em que, a ratio do preceito constitui uma válvula de escape para comportamentos abusivos";

55) Ao não ter sido objecto do recurso a decisão de 1.a instância de afastar o instituto jurídico do abuso de direito transitou em julgado e, tendo transitado e sendo tal instituto matéria de excepção, não podia o Acórdão agora recorrido alterar tal matéria de excepção ex officio;

56) Salvo melhor opinião, o acórdão recorrido andou mal em aplicar ex officio uma matéria de excepção confundido essa matéria com uma alegada e errada "diferente fundamentação da decisão";

57) Não se trata de fundamentar com recurso a diferentes regras jurídicas uma mesma decisão mas antes de repristinar matéria de excepção julgada improcedente em primeira instância e que - como se disse - não foi objecto de qualquer recurso, tendo sedimentado com caso julgado formal tal decisão;

58) A aqui recorrente versou o recurso quanto à nulidade processual e à violação do julgamento «ultra petitum» e a violação do dispositivo com a redução da cláusula penal e ao facto de não ter em consideração todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto;

59) O instituto da cláusula penal e da redução não podem ser confundidos com o instituto autónomo do abuso de direito que tem requisitos/pressupostos distintos;

60) O acórdão que aqui se recorre "repristina", faz renascer ex officio um instituto jurídico, contrariando uma decisão transitada em julgado com a fundamentação da existência da modalidade de abuso de direito que a 1.a instância entendeu não existir;

61) É certo que o tribunal recorrido veio afirmar que induziu "diferente fundamentação" para lograr tal intento;

62) Mas julgar verificada ou inverificada matéria de excepção não pode confundir-se - a título algum - com a diferente fundamentação jurídica de uma decisão, nem com o conhecimento oficioso do abuso de direito;

63) Porém, a reapreciação da questão do abuso de direito não podia ser do conhecimento oficioso do Tribunal da Relação agora recorrido por já dela ter tomado conhecimento com trânsito em julgado o tribunal de primeira instância já que tal decisão não foi objecto de qualquer recurso;

64) Mas não foi isso que aconteceu no caso subjudice já que, pelo contrário, subsistem duas decisões contraditórias sobre a mesma questão do abuso de direito, a saber, a de primeira instância que refere não se encontrarem preenchidos os requisitos do artigo 334.°, do CC (decisão não atacada pela via de recurso, repita-se!) e a da Relação que julgou posteriormente precisamente o contrário;

65) Mas não o devia, nem podia ter feito porque não há controle hierárquico das decisões de primeira instância já que as diferenças hierárquicas entre tribunais são delimitadas e balizadas pelos poderes de conhecimento recurso que não se estendem às questões que entretanto hajam transitado em julgado;

66) A prolação da sentença faz cessar o poder jurisdicional pelo que, quando o Tribunal da Relação se pronuncia contra a decisão da primeira instância já o poder jurisdicional (do juiz de primeira instância e das instâncias superiores) se tinha esgotado quanto ao instituto do abuso de direito nos termos do disposto no artigo 613.°, do CPC;

67) No nosso caso, como já se disse, o questão do abuso de direito não foi objecto de recurso, o tribunal tomou dela conhecimento e decidiu em primeira instância não se encontrarem verificados os pressupostos do artigo 334.°, do CC e a "imprópria correcção" realizada pela Relação também se não insere nos casos a que faz referência o citado 613.°, n.° 2, do CPC;

68) A lei não ignora a existência deste tipo de conflitos e, por isso, por força do disposto no artigo 625.°, n.os 1 e 2, do CPC, neste caso, deve prevalecer a decisão de primeira instância;

69) O tribunal emitido decisão pela não verificação dos pressupostos do artigo 334.°, do CC e não tendo essa decisão sido atacada transitou naturalmente em julgado com os efeitos decorrentes dos artigos 619.° a 621.°, todos do CPC;

70) Por isso, ao voltar a bulir com a decidida questão do abuso de direito o tribunal agora recorrido violou nessa medida o disposto nas apontados normativos, a saber, nos artigos 613.°, 625.°, n.os 1 e 2 e 619.° a 621.° todos do CPC;

71) E, por outro lado, tomou conhecimento de questão de que não devia nem podia, isto é, tomou conhecimento de non vexata quaestio porque pacífica, serena, decidida e transitada em julgado pela primeira instância e, ao agir desta forma, o acórdão agora recorrido incorreu na nulidade prevista na alínea d), n.° 1, do artigo 615.°, do CPC, que por decorrência do disposto no artigo 684.°, n.° 1, do CPC, deve a mesma ser suprida e modificada e conhecer-se dos demais fundamentos do recurso, mormente sobre todo o julgado indemnizatório;

72) Deve, por isso e nos termos expostos, de forma subsidiária, com este novo fundamento, receber-se e analisar-se o presente recurso, ao menos, como mero recurso de revista perante o alegada violação do caso julgado ex vi do disposto no artigo 629.°, n.° 2, do CPC.



         Não houve contra-alegações.

    A Formação a que alude o nº 3 do citado art. 672º proferiu acórdão onde considerou que, tendo a sentença sido confirmada na Relação sem voto de vencido mas com fundamentação particularmente diferente – na sentença a questão foi decidida à luz do art. 812º do CC, ao passo que na 2ª instância se entendeu que a autora agia com abuso do direito, instituto com assento legal no art. 334º do mesmo diploma –, não tem cabimento a revista excecional, por inexistência de um requisito indispensável, como o é a dupla conformidade das decisões das instâncias, impeditiva da revista normal.

    E, no mesmo acórdão, ordenou-se: “Nos termos do art. 672º nº 5 do C. P. Civil, remeta os autos à distribuição a fim de que o Exmº Conselheiro Relator aprecie os pressupostos de que depende a admissibilidade da revista normal”.

        


II - Da (in) admissibilidade da revista:

Decidida se mostra, pois, por este acórdão da Formação a efetivamente inexistente dupla conformidade entre as decisões das instâncias quanto ao primeiro dos pedidos formulados pela autora, cuja causa de pedir é constituída pelo incumprimento do clausulado na transação do processo nº 991/12.9TJVNF e pelo funcionamento da aí convencionada cláusula penal.

Por isso, e porque nada mais a tal obsta, a revista nesta parte é de admitir, ou seja, no tocante à decisão proferida sobre o primeiro dos pedidos cumulados na petição inicial - o de condenação da ré a pagar à autora € 9.532,56, por incumprimento do clausulado na transação do processo nº 991/12.9TJVNF, sendo € 1.000 da falta das duas prestações, € 13,62 relativos aos respetivos juros vencidos e € 8.518,94 da cláusula penal.


Acontece, porém, que não só nesta parte o acórdão da Relação é posto em causa pela recorrente.

Esta, nas conclusões 73ª a 149ª das suas alegações de recurso, impugna, igualmente, a decisão proferida naquele acórdão sobre o segundo dos pedidos cumulados - o de condenação da ré a pagar-lhe € 40.782,84, por incumprimento do contrato de fornecimento exclusivo de bens, sendo a quantia (mínima) de € 1.782,84 a título de prejuízo/dano direto, a quantia de € 6.000,00 de dano emergente (honorários e despesas judiciais com advogados) e a quantia de € 33.000,00 a título de lucros cessantes e prejuízos padecidos com a falta de promoção e publicidade da firma, quanto esta última a fixar pelo Tribunal segundo juízos de equidade.

    Fá-lo arguindo nas conclusões 73º a 114ª três nulidades por omissão de pronúncia e criticando, nas conclusões 115ª a 149ª, a aplicação aos factos do regime jurídico tido como pertinente.

   Todavia, neste âmbito o recurso de revista não pode ser admitido pela existência de dupla conforme, matéria sobre a qual se não pronunciou o referido acórdão da Formação.

Com efeito, se se constata a existência de fundamentação essencialmente diferente nas decisões emitidas na sentença e no acórdão recorrido quanto ao primeiro dos pedidos formulados, o mesmo não se pode dizer da fundamentação usada pelas instâncias na apreciação e decisão da segunda das pretensões deduzidas.

Importa lembrar que, tal como se escreveu no acórdão proferido em 11.4.2019 na revista nº 1119/04.4TBMFR.L1[2], “Para descaraterização da figura de dupla conformidade de julgados não releva uma qualquer dissemelhança das fundamentações, sendo necessário que a diferença existente entre cada uma delas seja essencial.

E, assim, «pressuporá (…) que a solução jurídica perfilhada pela Relação, e em termos determinantes para a mesma, decorra da convocação, interpretação e aplicação de normas ou institutos jurídicos em termos «perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida na 1ª instância» – cfr., v.g., acs. de 19-02-2015 (proc.302913/11.6YIPRT.E1.S1), de 30-4-2015 (proc. 1583/08.2TCSNT.L1.S1).»[3]

Ou, no dizer claro e expressivo do acórdão deste STJ de 28/05/2015[4], «Só pode considerar-se existente – no âmbito da apreciação da figura da dupla conforme no NCPC (2013 – uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância.»”

         Ora, no caso nada disto se verifica.

Com efeito, na sentença, em sede de fundamentação jurídica, os factos apurados foram valorados como elementos constitutivos de um contrato de fornecimento e de patrocínio publicitário e na ótica do regime legal do cumprimento das obrigações.

E no acórdão recorrido, depois de se concluir, em sede de impugnação da decisão proferida sobre alguns dos factos, pela manutenção do quadro factual descrito na sentença como provado, aderiu-se ao enquadramento jurídico nesta feito, como o revela o seguinte trecho em que o acórdão impugnado versa a matéria deste pedido: “Por outro lado, a sentença recorrida não “aniquilou” a cláusula penal constante do contrato misto de fornecimento e sponsoring que consistia, em caso de incumprimento, no pagamento de honorários ao Mandatário da A.. Com efeito, como se realça na sentença recorrida, nessa cláusula não foi estabelecido qualquer valor, pelo que a mesma foi aí densificada nos termos aí expostos e com os quais se concorda, podendo a A. reclamar os honorários em causa a título de custas de parte.”

Não existe, pois, e como acima adiantámos já, fundamentação essencialmente diferente nas decisões das instâncias quanto a este pedido; havendo ainda confirmação, por unanimidade, do decidido na sentença, existe dupla conformidade que, nos termos do citado nº 3 do art. 671º, exclui a admissibilidade do recurso de revista.

E, como é também claro, o que foi decidido no acórdão recorrido a este propósito não é abrangido pelo fundamento invocado pela recorrente no sentido do cabimento da revista excecional, limitado que foi por ela à decisão proferida sobre o outro pedido.

        

Assim, o recurso não é de admitir quanto a esta parte do acórdão – como adiante se decidirá -, cabendo às Exmas. Senhoras Desembargadoras do Tribunal da Relação de Guimarães o conhecimento das nulidades que nesse âmbito são atribuídas pela recorrente ao aresto impugnado.

     Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação – visto o conteúdo das conclusões que, como é sabido, delimitam o objeto do recurso - as de saber se:

    - O acórdão padece da nulidade que lhe é atribuída e se viola caso julgado já formado nos autos;

     - É caso de redução da cláusula penal convencionada e em que medida.

 


    III – Com interesse para a decisão do recurso vêm descritos como provados os seguintes factos:

1. A Autora tem por objeto o fabrico, comércio, importação e exportação de vestuário, calçado e artigos de desporto [alínea A) do despacho em referência].

2. No âmbito da ação declarativa sob a forma de processo sumário correspondente ao processo nº 991/12.9TJVNF que correu termos no … Juízo Cível de …, movida pela Autora contra a Ré, por requerimento de 2 de Maio de 2013, as mesmas acordaram:

1ª. Em fixar o valor do pedido em € 17.000, respeitante ao capital em dívida (€ 15.095,38) e a custas de parte, sendo que o valor de € 958 correspondia a taxa de justiça paga pela Autora e o restante a 50% da remuneração devida ao Mandatário Judicial desta;

2ª Que a Ré se obrigava a pagar à Autora a quantia de € 17.000 em 34 prestações mensais e sucessivas, no montante de € 500 cada, vencendo-se a primeira no dia 2 de Maio de 2013 e as restantes no dia 2 de cada mês, sendo que a última se vencia a 2 de Fevereiro de 2016;

3ª Que o pagamento das prestações seria efetuado por cheque a ser enviado para o escritório do Mandatário forense da Autora, Dr. CC;

4ª Que a falta de pagamento de uma das prestações na data do seu vencimento importava o pagamento de todas as outras, incluindo o pagamento de juros de mora, até integral pagamento, sobre o capital em dívida;

5ª Que a falta de pagamento de qualquer das prestações na data do seu vencimento importava, ainda, pagamento, a título de cláusula penal do montante de € 8.518,94, montante que correspondia ao valor objeto do processo judicial que correra termos entre ambas sob o nº 780/07.2TJVNF no … Juízo Cível de …, o qual se extinguira por desistência judicial na sequência de transação extrajudicial efetuada pelas partes, correspondente à parte que a segunda contraente prescindira no âmbito do processo nº 991/12.9TJVNF;

6ª A previsão de um eventual atraso no pagamento de qualquer das prestações deveria ser imediatamente comunicado [alínea B) do despacho em referência e documento de fls. 96 a 99].

3. A transação identificada em 2) foi homologada por sentença proferida em 8 de Maio de 2013, transitada em julgado a 12 de Junho de 2013 [alínea C) do despacho em referência e documento de fls. 96 a 99].

4. A quantia referida em 2) foi paga pela Ré da seguinte forma:

- 1ª prestação em 2 de Abril de 2013, cheque nº 81…720, € 500;

- 2ª prestação, em 3 de Junho de 2013, cheque nº 27…726, € 500;

- 3ª prestação, 2 de Julho de 2013, cheque nº 10…275, € 500;

- 4ª prestação, em 2 de Agosto de 2013, cheque nº 78…289, € 500;

- 5ª prestação, em 2 de Setembro de 2013, cheque nº 04…953, € 500;

- 6ª prestação, em 2 de Outubro de 2013, cheque nº 90…965, € 500;

- 7ª prestação, em 5 de Novembro de 2013, cheque nº 88…976, € 500;

- 8ª prestação, em 5 de Dezembro de 2013, cheque nº 34…693, € 500;

- 9ª prestação, em 14 de Janeiro de 2014, cheque n.º 77…699, € 500;

- 10ª prestação, em 27 de Fevereiro de 2014, cheque nº 27…269, € 500;

- 11ª prestação, em 7 de Abril de 2014, cheque nº 43…278, € 500;

- 12ª prestação, em 6 de Maio de 2014, cheque nº 90…841, € 500;

- 13ª prestação, em 9 de Junho de 2014, cheque nº 36…847, € 500;

- 14ª prestação, em 15 de Julho de 2014, cheque nº 52…856, € 500;

- 15ª prestação, em 18 de Julho de 2014, cheque nº 25…859, € 500;

-16ª e 17ª prestações, em 9 de Setembro de 2014, cheque nº 66…876, € 1.000;

- 18ª prestação, em 8 de Outubro de 2014, cheque nº 54…154, € 500;

- 19ª prestação, em 26 de Novembro de 2014, cheque nº 97…160, € 500;

- 20ª prestação, em 22 de Dezembro de 2014, cheque nº 52…165, € 500;

- 21ª prestação, em 28 de Janeiro de 2015, cheque nº 77…173, € 500;

- 22ª prestação, em 25 de Fevereiro de 2015, cheque nº 23…179, € 500;

- 23ª prestação, em 30 de Março de 2015, cheque nº 03…192, € 500;

- 24ª prestação, em 12 de Maio de 2015, cheque nº 55...197, € 500;

- 25ª e 26ª prestações, em 3 de Setembro de 2015, cheque nº 76…320, € 1.000;

- 27ª e 28ª prestações, em 25 de Setembro de 2015, cheque nº 31…325, € 1.000;

- 29ª prestação, em 10 de Dezembro de 2015, cheque nº 74…331, € 500;

- 30ª e 31ª prestações, em 5 de Fevereiro de 2016, por transferência bancária, € 1.000;

- 32ª prestação, em 23 de Março de 2016, por transferência bancária, € 500 [alínea D) do despacho em referência e documentos de fls. 26 a 43, 46 a 53, 55 vº e 56].

5. Em momento anterior à citação da presente ação, ocorrida em 12 de Abril de 2016, a Autora recebeu as 33ª e 34ª prestações do acordo identificado em 2), no montante de € 1.000 [alínea K) do despacho em referência].

15. Havia contactos frequentes entre Autora e Réu sobre os atrasos no pagamento das prestações [resposta ao artigo 9º da contestação].



    IV – Debrucemo-nos então sobre as questões suscitadas.


Da nulidade atribuída ao acórdão e da invocada violação de caso julgado:

Em conclusões prolixas e repetitivas, em desrespeito inaceitável do espírito de síntese que o art. 639º, nº 1 do CPC aponta como matriz a adotar na sua elaboração[5], a recorrente argui na conclusão 71ª a nulidade por excesso de pronúncia que teria sido cometida no acórdão recorrido, ao abordar a questão do abuso do direito.

    Como resulta das conclusões que antes elaborou sob os nºs 9ª, 27ª, 28ª e 54ª a 70ª, a autora funda tal vício no facto de o acórdão recorrido ter afirmado a existência de abuso do direito – a partir do qual reduziu a cláusula penal -, com o que teria, na sua tese, não só apreciado questão sobre a qual se esgotara já o poder jurisdicional do julgador, mas também violado o caso julgado já formado no sentido da inexistência do abuso do direito.

    Parte, para o efeito, da passagem da sentença que, em sede de fundamentação jurídica, e perante invocação feita pela ré no sentido de que a autora estaria a exercer abusivamente o direito emergente da cláusula penal, se optou pelo uso do instituto da redução da cláusula penal, em detrimento do abuso do direito, nos termos que de seguida transcrevemos:

“A Ré defende que a Autora atua em abuso de direito e, efetivamente, o comportamento permissivo ao longo de 35 meses, aparentemente compreensivo para com as informações que lhe iam chegando sobre as dificuldades de tesouraria, choca com a exigência de um valor correspondente a cerca de metade da dívida que estava em causa no momento em que a transação foi outorgada.

Se esse valor fazia sentido quando foi acordado, uma vez que era a segunda ação e o valor da cláusula penal correspondia à dívida em causa na primeira, decorridos quase três anos sobre a data da transação e perante uma dívida de € 1.000 que foi paga antes da citação, ou seja, entre 1 e 11 de Abril de 2016, a pena apresenta-se como desproporcionada, mesmo desmesurada.

O comportamento presente da Autora é tanto mais chocante quando é certo que o maior interregno nos pagamentos coincide com o momento em que a Ré incumpriu o contrato de fornecimento ao escolher outra marca como fornecedora de todos os equipamentos desportivos, para a época 2015/2016, em detrimento da demandante.

No entanto, afigura-se que a questão não deve ser enquadrada na previsão do artigo 334º do Código Civil, mas antes, no artigo 812º, na medida em que, como vimos, a ratio do preceito constitui uma válvula de escape para comportamentos abusivos dos credores.”

        

Diga-se, desde já, que não pode acolher-se a afirmação/pretensão da recorrente no sentido de que estas questões – nulidade do acórdão e violação de caso julgado – só a título subsidiário sejam apreciadas por terem sido por si suscitadas nesses exatos termos.

Isto porque, a haver nulidade do acórdão recorrido, a sua apreciação é prioritária, uma vez que, a proceder, poderia não haver lugar à apreciação do mérito do recurso; e, a existir violação de caso julgado, a mesma impediria a prolação da nova decisão de mérito sobre a mesma matéria no acórdão recorrido.

     Assim sendo, importa referir, liminarmente, que a Relação não exerceu poder jurisdicional que já estivesse esgotado.

     Se o proferimento da sentença implicasse o esgotamento do poder jurisdicional dos tribunais superiores, não haveria lugar, naturalmente, ao julgamento de recursos quanto à matéria decidida em 1ª instância. O poder jurisdicional que se esgota por força do nº 1 do art. 613º do CPC é apenas o do juiz que proferiu a decisão, com as exceções que o nº 2 o mesmo artigo prevê.

A este propósito, escreve, expressivamente, Lebre de Freitas[6]: “Com a sentença, e ressalvados os casos em que ainda lhe é consentido completá-la ou alterá-la, o juiz da comarca deixa de poder pronunciar-se sobre a matéria da causa (art. 613-1). A partir daí (…) é perante o tribunal da relação que o processo vai prosseguir.” – sublinhado nosso.

        

E que dizer da invocada violação de caso julgado?

        

Revisitemos o que nos autos se passou:

- Na contestação a ré pediu a absolvição do pedido quanto à pretensão assente na cláusula penal, com fundamento em que o seu exercício envolvia abuso do direito, por ter havido muitos atrasos, quase desde o início, e só ter sido proposta a ação quando faltavam duas prestações, aliás já pagas à data da citação, sendo a cláusula usurária – arts. 8º-13º;

- Na sentença não foi acolhida a existência de abuso do direito, mas enquadrou-se a situação de facto analisada no instituto da redução da cláusula penal, condenando-se a ré a pagar, não os € 8.518,94 nela estipulados, mas somente € 500,00;

- A ré, apesar de vencida por esta decisão – sustentara a existência de abuso do direito, que não foi reconhecido, e pedira, com base nele, a absolvição do pedido –, não recorreu da sentença, designadamente interpondo recurso subordinado.

      A invocação do abuso do direito, feita pela ré, traduz, em termos processuais, uma exceção perentória.

     Impugnou a autora o decidido na sentença quanto à redução da cláusula penal levada a cabo, pugnando pela condenação da ré no integral pagamento da quantia prevista a tal título, não pondo em causa, naturalmente, a negação da exceção perentória do abuso do direito.

      O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que são formuladas na alegação do recorrente, como flui dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC. Daí que o conteúdo da decisão recorrida não abrangido pelo âmbito assim delimitado fica coberto pela força do caso julgado, não podendo os seus efeitos ser prejudicados pela decisão do recurso – cfr. nº 5 do citado art. 635º.

      Isto leva à conclusão de que a decisão proferida em 1ª instância quanto à exceção do abuso do direito, e que recusou a sua verificação, se tornou definitiva por não ter sido impugnada, por isso não podendo aceitar-se o acórdão recorrido quando retomou a análise dessa qualificação e a adotou, com isso violando caso julgado já formado.

      Neste momento subsiste, pois, inalterada a condenação, emitida na 1ª instância, no pagamento de € 500,00 a título de cláusula penal, com redução do seu montante operada à luz do art. 812º do CC[7] - o que representa um “minus” em relação à absolvição do pedido, pretendida pela ré com base no abuso do direito.

     É esta decisão - substancialmente mantida no acórdão recorrido, embora com recurso a diverso enquadramento jurídico - que nos compete apreciar no presente recurso.

      

Da cláusula penal:

Comecemos por relembrar, em termos breves, o regime legal da cláusula penal.

Escreveu-se no acórdão deste STJ de 27.09.2011[8]: “A cláusula penal, como é aceite pela doutrina e reconhecido pela jurisprudência, pode revestir três modalidades: cláusula com função moratória ou compensatória, - dirigida, portanto, à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor; cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação, como refere Gravato Morais (…)., substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhuma delas; e cláusula penal de natureza compulsória, em que há uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento: a finalidade das partes, nesta última hipótese, é a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização. Na cláusula penal de tipo compulsório, afirma Almeida Costa, «as partes pretendem que a pena acresça à execução específica ou à indemnização calculada nos termos gerais» (…).

     É entendimento consonante com o sustentado por António Pinto Monteiro[9], que, distinguindo entre cláusula penal “stricto sensu”, cláusula de liquidação prévia do dano ou de fixação antecipada da indemnização e cláusula penal puramente compulsória, diz:

“A primeira visa, fundamentalmente, compelir o devedor ao cumprimento, legitimando o credor, em caso de incumprimento, a exigir, a título sancionatório, uma outra prestação – a pena –, em alternativa à que era inicialmente devida e de maior vulto que esta.

A segunda visa, (…), facilitar a reparação do dano, nos termos previamente fixados pelas partes, não possuindo, pois, especiais intuitos compulsórios, antes a finalidade de evitar dúvidas e litígios ulteriores a respeito do montante da indemnização. Todavia, poderá vir a ter, ainda que indirectamente ou a título meramente eventual, um efeito coercitivo, designadamente quando a soma acordada se revele, na circunstância concreta, superior ao montante indemnizatório a que o credor poderia aspirar, nos termos gerais (…).

Finalmente, a cláusula penal puramente compulsória não tem qualquer influência sobre a indemnização. As partes acordam que a pena convencional, não cumprindo o devedor voluntariamente, acrescerá à execução específica da prestação ou à indemnização correspondente.”


     Não diverge a qualificação feita pelas instâncias da cláusula penal mencionada no facto provado descrito sob o nº 2, al. 5ª.


     A sentença atribuiu-lhe a natureza de cláusula penal moratória “(…) na medida em que (as partes) previram expressamente que seria devida em caso de «falta de pagamento de qualquer das prestações na data do seu vencimento».”

      Já o acórdão recorrido, partindo da mesma passagem do texto da transacção feita pelas partes, atribui-lhe natureza sancionatória.

         Mas isto não significa a existência de contradição.

      A sentença, ao qualificar daquela forma a cláusula em questão, arrimou-se ao entendimento seguido por Calvão da Silva[10], que, a propósito da “(…) estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou não cumprir exactamente nos termos devidos (…) será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária …)”, procede à seguinte distinção: “(…) Se estipulada para o caso de não cumprimento, chama-se cláusula penal compensatória; se estipulada para o caso de atraso no cumprimento, chama-se cláusula penal moratória.”[11]

     Por outro lado, o acórdão recorrido refere-se à cláusula penal “stricto sensu” de que fala Pinto Monteiro, o qual menciona igualmente a possibilidade de a mesma ser uma pena moratória ou uma pena compensatória, consoante for estipulada para o caso de mora ou para o caso de não cumprimento[12], mostrando-se ambas, aliás, expressamente previstas no nº 1 do art. 811º, nº 1. Embora no acórdão recorrido se não mencione, de modo expresso, qual, de entre estas duas espécies está aqui em causa, é de presumir que se considerou a mesma como moratória, posto que, como aí se diz, a autora tem “(…) direito a acionar a cláusula penal uma vez que existiu mora no cumprimento da obrigação.”

      Assim, há entre as decisões das instâncias uma clara sintonia quanto a qualificar a referida cláusula penal como pertencendo à primeira das espécies referidas por Pinto Monteiro.

        

Não acompanhamos, porém, esta qualificação.

     É verdade que a cláusula penal foi prevista para ser aplicada, como dela consta, em caso de falta de pagamento, na data do seu vencimento, de qualquer uma das 34 prestações mensais de € 500,00 ajustadas na al. 2ª da transação a que se refere o facto provado descrito sob o nº 2.

      Mas tal não implica, necessariamente, uma função indemnizatória.

No teor da transação firmada pelas partes encontra-se uma passagem – cfr. a al. 4ª do facto provado descrito sob o nº 2 – onde se lê que “(…) a falta de pagamento de uma das prestações na data do seu vencimento importava o pagamento de todas as outras, incluindo o pagamento de juros de mora, até integral pagamento, sobre o capital em dívida;”

      Isto é, em caso de não pagamento pontual de qualquer uma das prestações combinadas, a transação garantia, sem mais, ao credor o recebimento sobre a totalidade do capital em dívida da indemnização que o art. 806º estatui em caso de mora no cumprimento de obrigações pecuniárias.

      Estando por esta via acautelada a garantia da indemnização dos prejuízos resultantes da mora, não se vê que seja possível ver a citada cláusula como o meio escolhido pelas partes para garantir o ressarcimento desses mesmos prejuízos.

      Ademais a pena convencionada – pagamento de € 8.518,94 – não reporta aos prejuízos que eventualmente emergissem para o credor do atraso ou da falta de pagamento daquelas prestações, nada se encontrando no texto do contrato de transação que permita estabelecer qualquer relação com tais prejuízos e, nessa medida, a justifique pelo propósito de os ressarcir.

      Diversamente, o recebimento dessa quantia pela autora traduziria, somente, a recuperação de igual montante peticionado num outro processo judicial que correu termos entre as mesmas partes e que terminou na sequência de acordo extrajudicial a que chegaram, como decorre do seguinte trecho: “(…) montante que correspondia ao valor objeto do processo judicial que correra termos entre ambas sob o nº 780/07.2TJVNF no … Juízo Cível de …, o qual se extinguira por desistência judicial na sequência de transação extrajudicial efetuada pelas partes, correspondente à parte que a segunda contraente prescindira no âmbito do processo nº 991/12.9TJVNF.) - alínea 5ª do facto provado, descrito sob o nº 2.

Trata-se, apenas, da recuperação de uma anterior pretensão da autora, relativa a factos diversos dos que geraram o direito de crédito que nesta ação se pretende fazer valer, não tendo sido através do pagamento dessa quantia que as partes procuraram o ressarcimento dos prejuízos que a mora no cumprimento da correspondente obrigação justificaria.

        

Excluída, assim, a sua função ressarcidora, não pode ver-se nesta cláusula penal coisa diferente de uma ameaça, ou meio compulsório, através da qual se pretendia compelir a devedora a cumprir pontualmente, sem qualquer influência na indemnização e a acrescer ao mais que era, e continuou a ser, devido.

Como escreve ainda António Pinto Monteiro[13], “A pena é, assim, exclusivamente compulsória, pois o seu único objectivo é compelir o devedor ao cumprimento e não o de dispensar o recurso à indemnização em caso de não cumprimento.”

     Deve, pois, ser qualificada como cláusula penal puramente compulsória.

Assim foi entendido no acórdão deste STJ de 27.9.2011, acima referido, que versou caso semelhante.

     Trata-se, sem dúvida, de espécie que escapa ao figurino do instituto da cláusula penal, tal como se acha concebido no art. 810º, nº 1, visto não fixar o montante da indemnização exigível.

Porém, este STJ não tem visto obstáculos à sua aceitação, como o demonstram os seus acórdãos de 27.9.2011 – já mencionado – e os que nele são citados – de 12.10.1999[14] e de 5.7.2001[15],

Na verdade, o princípio da liberdade contratual, consagrado no art. 405º, constitui fundamento bastante para a sua aceitação.

Ainda seguindo António Pinto Monteiro[16]: “Seria irrealista e insensato considerar que a cláusula penal exclusivamente compulsória seria proibida só porque não coincide com a noção que dela dá o nº 1 do art. 810º. Já por aqui se vê quão inadequada é esta noção. (…) Em suma, o princípio da liberdade contratual (…) legitima as partes a estipularem outras espécies de cláusulas penais (…).”

E também: “(…) a cláusula penal é uma figura milenar, mesmo quando estipulada na modalidade de pura sanção coercitiva, pelo que não seria metodologicamente correcto rebaptizar agora esta figura, passando a denominá-la por sanção pecuniária compulsória convencional para extrair daí, ipso facto, a sua proibição, com o argumento de que a lei teria consagrado apenas a sanção pecuniária compulsória decretada pelo tribunal (…).”[17]


         Passemos, agora, a avaliar o acerto da decisão recorrida.

     A doutrina vem considerando que a cláusula penal puramente compulsória é igualmente passível de sofrer a redução prevista no art. 812º.

     Defendem-no António Pinto Monteiro[18] e Menezes Cordeiro[19] e assim julgou este STJ, no acima citado acórdão de 27.9.2011, onde se pode ler:

“É certo que o regime dos artºs 810 e 811º não se aplica às cláusulas penais compulsórias, mas apenas às de natureza indemnizatória, como logo se pode inferir da conjugação do texto do nº 1 do artº 810º com o nº 3 do artº 811º. E a circunstância de ser predominantemente literal o argumento que no sentido exposto se retira destas normas em nada diminui o seu valor intrínseco, pois sabe-se que a letra da lei (o chamado elemento gramatical) é simultaneamente ponto de partida e ponto de chegada na interpretação jurídica: o artº 9º do CC ordena que na fixação do sentido e alcance da lei o julgador reconstitua a partir dos textos o pensamento legislativo, proibindo-o, todavia, de considerar qualquer um que não tenha um mínimo de correspondência verbal na letra da norma. (…) Sem dúvida pois que, estando de todo ausente da pena exclusivamente compulsória qualquer intuito indemnizatório, em caso algum ela poderá constituir, segundo a vontade das partes, a liquidação de um dano; e isto leva-nos a afirmar que ela extravasa do âmbito definido pelo artº 810º, nº 1 e balizado, depois, no artº 811º. Todavia, tal não quer dizer que a norma do artº 812º não possa, e até deva, aplicar-se às cláusulas penais compulsórias, como é o caso da analisada no presente processo. Em primeiro lugar porque, desde logo, o preceito não faz qualquer distinção entre os diversos tipos de cláusulas a que acima fizemos referência, não se vendo nenhuma razão de ordem material, substantiva, para que o intérprete a faça; na realidade o excesso manifesto, a evidente desproporção, único fundamento que justifica a intervenção do tribunal em nome da equidade, é susceptível de ocorrer em todos os tipos de cláusulas penais, quiçá até com maior premência nas de natureza compulsória. Em segundo lugar porque este artigo encerra, como nos parece certo, um princípio de alcance geral, destinado a corrigir abusos no exercício da liberdade contratual, sempre possíveis em razão da ligeireza, da precipitação ou da menor reflexão com que as partes actuam, males estes não raro induzidos pela pres­são que a escassez de tempo para bem decidir coloca sobre os contraentes.”


     Importa então saber se, como defende a recorrente, a cláusula penal que vimos analisando não é manifestamente excessiva, devendo a ré ser, por isso, condenada a pagar-lhe a totalidade do valor nela fixado.


     A sentença concluiu pelo seu manifesto excesso, fundada no retardamento da reação judicial da autora contra os repetidos atrasos no pagamento das prestações por parte da ré, com os quais contemporizou longamente.


     O histórico das relações entre as partes, descrito no facto provado nº 4, mostra que, depois de um período inicial em que a ré cumpriu pontualmente ou com atraso de poucos dias, a partir da 10ª prestação e até à 23ª, registaram-se atrasos mais significativos, por vezes superiores a um mês, até que, entre as 25ª e 32ª prestações, passaram a oscilar entre os dois e os quatro meses, com exceção do pagamento da 28ª prestação em que tal atraso se ficou pela ordem dos 50 dias.

     Isto significa que a ré, embora mal – e, até, diga-se, de forma progressivamente pior –, foi cumprindo, sem que contra isso a autora se rebelasse, impondo o cumprimento da cláusula penal acordada.


      Como ensina Menezes Cordeiro[20], na cláusula penal compulsória “(…) não se pode lidar (…) com o prejuízo real como referência para o «excesso»: este é necessário, sob pena de se esvair a dimensão compulsório-penal. (…) A sindicância do tribunal vai ponderar se a «ameaça» é adequada ou se representa, simplesmente, um enriquecimento inaceitável do lesado.”

     Apesar de desde cedo a ré ter dado razões para que a autora procurasse valer-se daquele poderoso meio compulsório, esta não o fez, limitando-se a manter com aquela contactos frequentes cujo teor se ignora, não podendo, por falta de prova, aceitar-se que esses contactos se tenham traduzido nas “(…) muitas chamadas de atenção verbais (…)” de que se fala na conclusão 33ª, ou nas interpelações de que se fala na conclusão 37ª.

     Daí que a exigência integral da cláusula penal, se podia ter-se como justificada numa fase em que o atraso da ré respeitasse a uma significativa parcela da dívida, passa a ter um cariz manifestamente excessivo e inadequado num momento em que a obrigação estava já quase por completo satisfeita.

      Por isso se considera justificada e equilibrada a redução operada na sentença e mantida, embora com outro enquadramento jurídico, no acórdão recorrido.



    IV – Pelo exposto;

a) Julga-se finda a revista, por não ser de conhecer do seu objeto, por inadmissibilidade, quanto à decisão respeitante ao segundo dos pedidos formulados pela autora.

b) Quanto ao mais nega-se a revista, confirmando-se o decidido no acórdão recorrido.

         Custas a cargo da recorrente.

        

No Tribunal da Relação de Guimarães proceder-se-á à apreciação das nulidades atribuídas ao acórdão que acima se disse serem da sua competência.


Lisboa, 3.10.2019


Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)

Catarina Serra

Bernardo Domingos

_________

[1] Nesta parte, o recurso de revista vai rejeitado, por inadmissibilidade, como mais à frente se verá.
[2] Acórdão relatado por quem subscreve na mesma posição o presente.
[3] Alves Velho “Sobre a revista excepcional, Aspectos Práticos” – Colóquio sobre o novo CPC, acessível via www.stj.pt  
[4] Relator Conselheiro Lopes de Rego, Processo nº 1340/08.6TBFIG.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[5] O que é evidenciado, desde logo, pelas numerosas conclusões que mais não são do que a reprodução de longos parágrafos do não menos extenso arrazoado que as precedeu.
[6] Cfr. A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, pág. 339
[7] Diploma a que pertencem as normas de ora em diante referidas sem menção de diversa proveniência.
[8] Proc. nº 81/1998.C1.S1, relator Cons. Nuno Cameira, disponível em www.dgsi.pt
[9] Cfr. Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, págs. 282 e 604-605
[10] Cfr. Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, págs. 247-248
[11] Cfr. ibidem
[12] Cfr. Cláusula Penal e Indemnização, pág. 427
[13] Cfr. RLJ, ano 141º, pág. 191
[14] Proc. nº 99A696, relator Cons. Afonso de Melo
[15] Proc. nº 1763/01, relator Cons. Araújo Barros.
[16] Cfr. RLJ cit., pág. 194
[17] Cfr. ibidem, pág. 195
[18] Cfr. ibidem, págs. 196-198
[19] Cfr. Tratado de Direito Civil, Vol. IX, 3ª edição, págs. 496-497
[20] Cfr. obra e local citado.