Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06792/13
Secção:CT
Data do Acordão:03/23/2017
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:INDISPENSABILIDADE
NON DELIVERABLE FORWARD
CUSTOS FINANCEIROS
Sumário:I - A indispensabilidade de um custo tem sido interpretada como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.
II - Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.
III - Os contratos denominados por non deliverable forward (Contrato a Termo de Moeda sem Entrega Física) podem ser definidos como “um tipo de contratos de prestação futura de moeda, não tipificados, através dos quais se acorda que, no respectivo termo, o vendedor pagará ao comprador ou o comprador pagará ao devedor a diferença entre uma taxa de câmbio pré -estabelecida e a taxa de câmbio vigente de uma determinada moeda, com referência a um montante determinado de moeda diferente”.
IV - O que as partes pretendem com este tipo de contratos é assegurar uma determinada taxa de câmbio para uma certa data futura, conseguindo atingir esse objectivo através do pagamento apenas do diferencial entre o valor de mercado e o valor convencionado na data do termo do contrato. Trata-se de operação normalmente utilizada como instrumento de hedge (cobertura), pois o contratante de um NDF garante uma taxa de câmbio futura para a moeda base do contrato, protegendo-se contra o risco de grandes variações.
V – A utilização deste tipo de instrumento financeiro é perfeitamente compreensível no quadro da política de expansão da Impugnante no continente Africano, justificando-se pela necessidade da Impugnante fazer face ao risco de flutuação cambial, assegurando uma taxa de câmbio predefinida, para um momento em que projectava vir a necessitar de Dólares, consubstanciando-se pois, numa actividade de gestão que a AT não pode, nem se deve imiscuir.
VI - Não é aceitável que a dedutibilidade fiscal de um custo financeiro (que a AT não põe em causa que tenha sido incorrido) fique dependente da consideração de dados que ocorreram posteriormente à tomada de decisão, dados esses que, ponderados num momento temporalmente mais adiantado, se conclui que poderiam ter contribuído para gerar menos custos ou gerar até proveitos.
VII - Recusar a indispensabilidade deste custo com base num juízo formulado a posteriori, já depois de conhecida a evolução das taxas de câmbio e verificar que, afinal, o risco que se pretendia afastar se não verificou, põe em causa a própria natureza deste tipo de produto financeiro e das razões económicas que o justificam.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


l – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade «Z... – Construções e Engenharia, S.A.», contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente à liquidação adicional de IRC do exercício de 2004, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:

«I. A Impugnante celebrou em 4.10.2004, na posição de vendedora, com a sociedade G... Limited, na qualidade de compradora, um contrato de NDF no valor de 40.000.000,00 €, no qual fixaram o valor do Dólar Americano em 1.2561 por cada Euro, com data de liquidação em 6.10.2009.

II. Logo em 30.12.2004, a Impugnante, celebrou com a mesma sociedade um NDF de sentido inverso, com o fito de anular os efeitos do primeiro, portanto agora na qualidade de compradora, assumindo a financeira americana, desta feita, a posição de vendedora. Este segundo NDF, que funcionou assumidamente como um destrate do primeiro – cfr. pontos 2 e 3 da matéria de facto provada, foi contratado no valor de 35.306.022,00 €, tendo no mesmo sido fixado o valor do Dólar em 1.4231 por cada Euro, com data de liquidação em 6.10.2009.

III. Na mesma data, 30.12.2004, Impugnante e G... Limited acordaram que, em resultado da celebração dos dois contratos acima descritos, a ora Impugnante pagaria à sociedade financeira americana o valor de 4.693.978 € em 6.10.2009, sendo acordado o pagamento antecipado do valor de 4.000.000,00 €, antecipação que funcionava como contrapartida da redução do valor da dívida.

IV. A Impugnante alegou que a celebração dos negócios acima descritos foi feita com o objectivo de reduzir a sua exposição ao risco de câmbio, de modo a preparar a internacionalização da empresa, mormente no mercado africano, no qual é consabido que a maior parte das transacções é efectuada em dólares americanos.

V. Os dois contratos de NDF, de sentido inverso, foram celebrados com o prazo (invulgar) de 5 anos, portanto, alegadamente para produzir efeitos em 2009, mas os seus efeitos foram confinados ao exercício em curso no ano de celebração, 2004.

VI. Ou, se quisermos colocar a questão mais correctamente, a celebração e respectiva anulação de um NDF alegadamente projectado para 5 anos foi decidida com um intervalo de 3 meses.

VII. A Impugnante levou o valor de 4.000.000,00 € à contabilidade como custo financeiro e defende nesta impugnação que é gasto dedutível por estar relacionado com a actividade da empresa e por cumprir o critério da racionalidade económica a que se reconduzirá o requisito da indispensabilidade previsto no art. 23º do CIRC.

VIII. A Administração Fiscal defende, ao invés, não estar estabelecido o direito à dedutibilidade fiscal do custo, dependendo esta de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa, cabendo à contribuinte provar a indispensabilidade das verbas contabilizadas como custos dedutíveis para a obtenção dos proveitos», sendo certo que o critério da indispensabilidade foi estabelecido pelo legislador para impedir a consideração fiscal de custos incorridos em atenção a interesses alheios ao escopo societário. Assim, a aceitação fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção de um resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta destas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa do mesmo é ou não empresarial.

IX. A sentença agora em crise considerou que os contratos se encontram justificados – o primeiro em vista da perspectiva de internacionalização para o continente africano e consequente necessidade de disponibilidades de caixa na moeda norte americana e o segundo em vista da minoração de perdas futuras.

X. Salvo o devido respeito, parece-nos que a decisão se encontra mal fundamentada, assentando numa análise simplista e contendo mesmo algumas incongruências e que não subsiste após análise crítica.

XI. Pelo funcionamento dos contratos de câmbio a termo na modalidade de NDF não há trocas financeiras no início ou durante o tempo de duração do contrato. Simplesmente, na data de liquidação, há pagamento de uma parte a outra do diferencial de câmbio, conforme decorra da evolução recíproca das taxas de câmbio.

XII. Esse é o funcionamento normal deste tipo contratual de NDF, ou, em português, sem transferência, e é assim também assumido no contrato celebrado em 4.10.2004 – cfr. ponto 1 da matéria de facto dada por provada e Doc. 9 da PI a fls. 97 e ss. dos autos, para o qual remete a sentença.

XIII. Logo neste ponto inicial começa a detectar-se incongruências entre a justificação dada para a contratação pela ora Impugnante e a realidade dos factos, no caso, a realidade do contrato celebrado, não pressupondo os NDF celebrados qualquer transferência financeira antes da data de liquidação.

XIV. Tratando-se de instrumentos financeiros derivados que visam somente a cobertura de risco de câmbio. E, como tal, tem de estar correlacionado com operações subjacentes, isto é, pagamentos e/ou recebimentos na moeda estrangeira objecto do NDF, na proximidade temporal da data de liquidação do NDF, uma vez que estes se destinam somente a cobertura do risco de variação cambial, não garantindo por si só qualquer disponibilidade de moeda previamente à data da liquidação.

XV. Conforme põe Maria Teresa Veiga de Faria in «O Regime Fiscal de Instrumentos Financeiros Derivados nos Impostos sobre o Rendimento», Ciência e Técnica Fiscal nº 386, pág. 139: «só será considerada de cobertura a operação cujo valor não exceda o valor de cobertura considerado necessário face à correlação existente entre a operação de cobertura e a operação coberta.»

XVI. Contratos e compromissos eventuais, incertos, difusos, a celebrar durante o período de duração do contrato são perfeitamente irrelevantes, exigindo outras formas de segurança cambial e/ou financeira.

XVII. Ora, a Impugnante não demonstrou a existência de quaisquer operações subjacentes com data de término próxima da data de liquidação do contrato de NDF – 6.10.2009, limitando-se a invocar operações subjacentes em 2006 e 2007 – cfr. principalmente pontos 19 a 21 da matéria de facto dada por provada e pontos 1 e 2 da matéria de facto dada por não provada.

XVIII. A, aliás douta, sentença recorrida discorre (cfr. fls. 316, primeiro parágrafo) que a testemunha M..., «desempenhando funções de planeamento e controlo na Impugnante, foi crucial para se entender e dar como provado o plano de expansão da Impugnante e a razão pela qual teria de dispor de moeda estrangeira, designadamente dólares americanos a médio prazo.»

XIX. E a fls. 320, último parágrafo, «Resulta da matéria de facto dada como provada que a Impugnante resolveu expandir a sua actividade para países africanos, tendo previsto a necessidade de possuir dólares disponíveis a médio prazo (cfr. facto provado sob o nº 19).»

XX. E ainda «A Impugnante comprovou ainda a existência de contratos de empreitada celebrados com o Instituto de Estradas de Angola em 2007, de valores avultados (cfr. facto provado sob o nº 20), e a emissão de facturas referentes à realização de obras de reabilitação em estradas angolanas, no ano de 2006 (cfr. facto provado sob o nº 21). Ou seja a Impugnante comprovou a existência de negócios e a realização de obras naquele país africano, dentro do lapso temporal abarcado pelo contrato a termo de moeda em causa.» - cfr. fls. 321, primeiro e segundo parágrafos) (em todas as citações negritos nossos).

XXI. Tornando-se evidente que todos os argumentos apresentados pela Impugnante e aceites acriticamente pela decisão agora recorrida apresentam incongruências com o teor do(s) contrato(s) celebrados, os quais nem garantem qualquer disponibilidade de moeda, por um lado, nem asseguram qualquer risco de variação cambial no período de duração do contrato, por outro – cfr. ponto 1 da matéria de facto dada por provada.

XXII. Com o que a douta decisão recorrida incorre em erro de julgamento, por contradição nos seus fundamentos.

XXIII. Há ainda um outro aspecto a ter em consideração que milita, a nosso ver, pela posição defendida pela Administração Fiscal: as alegadas necessidades de fixação de taxa de câmbio com o horizonte temporal de médio prazo, se assim pudermos considerar o prazo de 5 anos, invocados pela Impugnante e que constam da matéria de facto dada por provada – cfr. referidos pontos 19 a 21 - subitamente esfumaram-se no final de 2004…

XXIV. Com a anulação do primeiro NDF, através da celebração do 2º e 3º negócios acima descritos, de repente parece já não existir qualquer necessidade de assegurar risco de câmbio.

XXV. A crer que a contratação do primeiro tinha realmente como justificação o cenário dado, como obviar a que todo o circunstancialismo dado por provado não justificasse a necessidade de adoptar medidas, nomeadamente outros contratos, que assegurassem os efeitos inicialmente pretendidos com os NDF contratados?

XXVI. No final de 2004, todo o circunstancialismo invocado como justificação anteriormente mantinha-se, mantinha-se a vontade de expansão, mantinha-se as necessidades de fazer face às operações e transacções a realizar em África – cfr. pontos 19 a 21 da matéria de facto dada por provada.

XXVII. No entanto, não se dá conta da adopção de qualquer medida, por mais insignificante, no sentido de assegurar tais necessidades. Dir-se-ia que não ocorreu semelhante ideia a qualquer dos responsáveis pela Impugnante…

XXVIII. Assim, a premente necessidade de assegurar uma taxa de câmbio a termo desapareceu qual cortina de fumo. O que permite, ou mesmo obriga, julga a Fazenda Pública, a assumir criticamente alguma inverosimilhança no cenário defendido pela Impugnante e pela testemunha arrolada.

XXIX. Facto que não poderia deixar de ser também valorado criticamente na apreciação da prova, pesando ainda mais contra o juízo de se encontrar cumprido o ónus, sem dúvida a cargo da Impugnante, da prova da indispensabilidade do gasto.

XXX. Sendo esse um dos motivos chave para questionar a racionalidade económica por trás da celebração dos negócios descritos.

XXXI. Mas não o único. Também não pode ser aceite acriticamente que se tenha feito a aposta na valorização do Dólar em Outubro de 2004, alegadamente com base na opinião dos mais avalisados analistas – cfr. Art 106º da PI – não oferecendo qualquer outra prova além da palavra do consultor financeiro e fiscal da Impugnante.

XXXII. Bem como a necessidade de rapidamente antecipar uma perda certa de 4.000.000,00 € em contraposição a uma eventual perda futura de maior monta, com base, novamente, na opinião de analistas que previam a descida do Dólar.

XXXIII. Não sendo provada a realização de quaisquer estudos financeiros. Estranha-se, porém, que nenhum dos “mais avalisados analistas” quisesse assinar um qualquer estudo ou análise financeira a opinar quanto à recuperação do Dólar face ao Euro.

XXXIV. Atente-se mesmo que, nas alegações, apresentadas pela Impugnante nos termos do art. 120º do CPPT, quando pretende que seja dado por provado - cfr. ponto 7 da matéria de facto, a fls. 242 - que a maioria dos analistas previa uma recuperação do câmbio do dólar face ao euro, apenas convoca o depoimento da testemunha arrolada.

XXXV. E não é apresentada a mais ínfima prova documental do facto, quando o mais provável seria haver bastante documentação sobre tal aposta, quer externa à Impugnante, proveniente de meios de informação especializada, por exemplo, quer, por maioria de razão, vinda dos órgãos competentes da Impugnante.

XXXVI. Não sendo crível que um contrato desta dimensão seja celebrado pelos representantes da empresa sem a homologação de um plano sobejamente fundamentado por quem de direito.

XXXVII. Ora, na sentença dá-se conta de que a testemunha referiu como apoio as «opiniões dos analistas financeiros de então» - cfr. fls. 316, primeiro parágrafo – sem que, aparentemente, tenha suscitado alguma reflexão sobre esta questão à Meritíssima Juiz a quo.

XXXVIII. O que, acreditamos, configura um erro importante na apreciação da prova, erro que influiu decisivamente na convicção criada e no teor da decisão tomada. Erro que a Fazenda Pública não pode deixar de assacar à douta decisão recorrida.

XXXIX. Não se duvidando da existência de uma qualquer racionalidade económica subjacente ao negócio celebrado, uma vez que os dirigentes de empresas com a dimensão da Impugnante (das maiores do nosso país e detidas por capitais brasileiros, uma das mais poderosas economias emergentes do mundo) são certamente pessoas assaz inteligentes, prudentes e conhecedores do mundo.

XL. Pelo que se concede que a classificação do negócio como liberalidade poderá não ser feliz na escolha do termo.

XLI. Simplesmente, pensamos que o se quis focar com a sua utilização foi o não convencimento da justificação apresentada para a saída de fluxos financeiros.

XLII. Para que uma empresa residente possa legitimamente deduzir um gasto como custo fiscalmente aceite não pode deixar de exigir-se que este corresponda a uma racionalidade económica dirigida ao interesse societário da residente.

XLIII. Justificadamente, pois é a receita fiscal do nosso país que é sacrificada e, em consequência, o interesse da generalidade dos contribuintes do nosso país, interesse público cuja prossecução é cometida à Administração Fiscal e por que esta não pode deixar de pugnar.

XLIV. Mormente quando a dúvida se instala sobre as razões subjacentes ao gasto, como, pensamos, ter estabelecido nas presentes alegações.

XLVI. Sendo certo que a dúvida terá de ser resolvida contra a Impugnante, conforme julgou, e bem nesse ponto, a decisão recorrida e cremos por pacífico.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com o que V. Ex.as farão a habitual JUSTIÇA».


*
A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo formulado as conclusões que se seguem:

A. Salvo melhor entendimento, o recurso interposto pela Fazenda Pública deve improceder na parte sobre a matéria de facto, por incumprimento do ónus de alegação dos factos concretos que fundamentam a discordância da Recorrente para com a decisão recorrida e, bem assim, da indicação dos concretos meios de prova que, em seu entender, deveriam conduzir a decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal a quo.
B. A inspeção tributária fundamentou a correção que originou a liquidação impugnada com o argumento de que a anulação prematura do non-deliverable forward constituiu uma liberalidade.
C. Contudo, o presente recurso apresentado pela Fazenda Pública versou apenas sobre a justeza ou não da própria contratação deste instrumento financeiro (nada referindo sobre a sua anulação prematura).
D. Decorre assim das alegações de recurso que a Fazenda Pública não discute sequer se as razões externadas como fundamento para o ato impugnado são válidas ou, pelo contrário, como se decidiu na sentença recorrida, inválidas (chegando a Exma. RFP mesmo a admitir, eufemisticamente, que a razão invocada pela inspeção “não foi feliz”).
E. Ora, é jurisprudência pacífica que “A validade de um acto de liquidação deve aferir-se exclusivamente em relação às razões que a AT externou como seu fundamento, não podendo considerar-se os fundamentos que só ulteriormente à prática do acto foram invocados como seu motivo”.
F. Desta forma e salvo melhor opinião, o recurso nunca poderá proceder, visto que nunca chega a discutir a invalidade, decidida pelo Tribunal a quo, das razões externadas pela inspeção para liquidar o imposto.
G. O pagamento efetuado pela Recorrida à entidade financeira não constituiu uma liberalidade, mas sim um criterioso ato de gestão, que teve por objetivo minorar perdas decorrentes de alterações imprevistas no mercado cambial.
H. Tal como se aceita a dedutibilidade fiscal dos custos incorridos com campanhas publicitárias que não lograram ter sucesso junto dos consumidores, também são de aceitar os custos que uma empresa incorre na busca de cobertura dos riscos cambiais.
I. A não aceitação da dedutibilidade fiscal do custo incorrido pela Recorrida, com fundamento no facto deste custo não ser indispensável para a realização de proveitos, revela-se uma intolerável intromissão da Administração Tributária na gestão da empresa.
J. Com efeito, a Administração Tributária pretendeu censurar, a posteriori, a eficácia de atos de gestão que, na data em que foram tomados, defendiam os interesses da empresa.
K. No presente caso, não só há uma fundada dúvida sobre a correção fiscal efetuada pela Inspeção Tributária nos termos do artigo 100.º da LGT, como ficou demonstrada que a mesma é ilegal, não merecendo a sentença recorrida qualquer censura.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser negado provimento ao presente recurso».

*
A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.
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2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

É a seguinte a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo:

«1.No dia 04.10.2004 a ora Impugnante, na qualidade de vendedora, celebrou com a sociedade G... Limited, na qualidade de compradora, um contrato de câmbio, comummente designado por non-deliverable forward, no valor de 40.000.000,00€, tendo no mesmo sido fixado o valor do Dólar em 1.2561 por cada Euro, com data de liquidação em 06.10.2009;

Cfr. doc. n°9 junto com a p.i. -fls. 97 e ss. dos autos.

2. No dia 30.12.2004 a ora Impugnante, na qualidade de compradora, celebrou com a sociedade G... Limited, na qualidade de vendedora, outro non-deliverable forward, no valor de 35.306,022,00€, tendo no mesmo sido fixado o valor do Dólar em 1.4231 por cada Euro, com data de liquidação em 06.10.2009;

Cfr. doc. n°12 junto com a p.i. -fls. 111 e ss. dos autos.

3. No mesmo dia, 30.12.2004, a ora Impugnante e a G... Limited acordaram que em resultado da celebração dos dois contratos descritos em 1. e 2., a ora Impugnante pagaria o valor de €4.693.978 no dia 06.10.2009;

Cfr. doc. n°15 junto com a p.i. - fls. 125 e ss. dos autos. De referir que o montante visado resulta da diferença entre o valor da liquidação à taxa fixada no 1º contrato e o valor da liquidação à taxa de câmbio estimada de cerca de 1,3734, sendo a taxa de câmbio no dia 29.12.2004 anterior aquele acordo, de USD 1,3608, por cada Euro, conforme se pode confirmar por consulta à pagina: http://www.bportugal.pt/pt-PT/Estatisticas/Dominios%20Estatisticos/EstatisticasCambiais/Paginas/Taxasdereferenciadiarias.aspx. A possibilidade de realização de tais acordos, com base em estimativas dos montantes a pagar, encontra-se clausulado no ponto 7 dos non-deliverable forwards celebrados, conforme documentos n.°s 12 e 15 juntos com a p.i. - fls. 111 e ss. e 125 e ss. dos autos.

4. A ora Impugnante propôs então antecipar o pagamento do valor em causa em prestações durante o ano de 2005, contra desconto, tendo a G... Limited aceite tal proposta, reduzindo o valor devido para 4.000.000.00€;

Cfr. doc. n°15 junto com a p.i. - fls. 125 e ss. dos autos.

5. No dia 02.10.2009 cada Euro valia USD 1,4537;

Cfr. De acordo com os termos do contrato, o montante de liquidação é calculado através de fórmula aí constante: "Montante nacional x (1-taxa fixa no contrato/taxa de liquidação que aparece na página Bloomberg a 02.10.2009). Assim é a cotação do dia da estimativa - 02.10.2009, e não a cotação do dia da liquidação do contrato referido em 1. que é levada ao cálculo do montante da liquidação. A referida taxa de câmbio pode ser confirmada por consulta à página: http://www.bportugal.pt/pt-PT/Estatisticas/Dominios%20Estatisticos/EstatisticasCambiais/Paginas/Taxasdereferenciadiarias.aspx

6. O contrato de Non-Deliverable Forward celebrado entre a Impugnante e a G... Limited, no dia 04.10.2004, referido em 1., foi o primeiro contrato daquele tipo a ser realizado pela ora Impugnante;

Cfr. depoimento da testemunha ouvida.

7. Em 04.10.2004 cada Euro valia USD 1,2305, e em 29.12.2004 valia USD 1,3604;

Cfr. taxas de referência do Euro, publicadas pelo BCE e, consequentemente no Banco de Portugal, conforme se pode confirmar por consulta à pagina: http://www.bportugal.pt/pt-PT/Estatisticas/Dominios%20Estatisticos/EstatisticasCambiais/Paginas/Taxasdereferenciadiarias.aspx. Também no documento n.°11 junto com p.i., e que consubstancia em print da página do BCE relativa à flutuação cambial do Dólar face ao Euro, de 07.10.2004 a 28.12.2004, se pode verificar a depreciação de mais de 10% daquela moeda, ocorrida naquele lapso temporal.

8. Em cumprimento da ordem de serviço n.°... de 14.10.2004, foi a escrita da Impugnante objecto de fiscalização pela Equipa 20 da Divisão II dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, relativamente aos exercícios dos anos de 2003 e 2004;

Cfr. fls. 37 do processo administrativo tributário (PAT) em apenso - fls. 5 do Relatório de Inspecção.

9. Em resultado da qual foi elaborado relatório em que se propunham correcções no montante de €4.015.320,35, alterando o lucro tributável declarado relativo ao exercício de 2004 de €1.869.468,19 para €6.328.069,23 e correcções de IRC no montante de €13.708,35, e que mereceu a concordância do Sr. Director de Finanças, por despacho de 14.12.2007;

Cfr. doc. de fls. 30 do procedimento de reclamação graciosa presente no PAT em apenso, em particular a fls. 33 a 35 do Relatório da Inspecção.

10. Sendo que em tal relatório consta, além do mais, o seguinte:

«VI – NON-DELIVERABLE FORWARD
(...)
2 – FUNDAMENTOS DOS SERVIÇOS DE INSPECÇÃO
Da análise aos elementos disponíveis pela Exponente, constatou-se o seguinte:
· Foi celebrado em 04 de Outubro de 2004 com a G... Limited, um contrato de Non-Deliverable Forward, que visou assegurar a taxa de câmbio do dólar para 06 de Outubro de 2009 relativamente a investimentos efectuados no continente Africano;

· Tendo em conta a tendência de desvalorização do dólar, celebra em 30 de Dezembro de 2004, com a mesma entidade, um contrato de Non-Deliverabie Forward, em sentido contrário, visando anular os efeitos produzidos pelo 1o contrato. Por esta anulação a G... cobrou um valor de 4.693.978,00€.

· Face à disponibilidade demonstrada pela Z... em antecipar a assunção desse débito para 30 de Dezembro de 2004, o montante de 4.693.978,00€, foi reduzido para 4.000.000.00€,valor este contabilizado como custo.

Quanto aos contratos de Non-Deliverable Forward celebrados e para além do já referido no Projecto de Relatório da Inspecção, e tendo em conta o descrito quanto a esta matéria no direito de audição exercido pela Exponente cumpre-nos informar ainda:
a) Definição e Objectivos um contrato de Non - Deliverable Forward:
Tal como foi referido no Projecto de Relatório de Inspecção, entende-se por um contrato de NDF (Non Deliverable Forward), um contrato bilateral o qual permite fixar uma taxa de câmbio entre duas moedas quaisquer (ou taxa de juro), para uma data futura (data da liquidação), sem qualquer desembolso inicial. Importante realçar que neste contratos não existe a entrega física da moeda na liquidação do contrato, apenas o pagamento do diferencial, ou seja, existirá apenas um pagamento da diferença entre a taxa acordada previamente e a taxa do dia do vencimento da operação,
O uso destes instrumentos financeiros têm em vista garantir nomeadamente preços, taxas de juro ou taxas de câmbio, isto é, controlar / gerir o risco.
b) Quanto ao 1.º contrato celebrado, podemos questionar porque a Exponente celebrou a 04 de Outubro de 2004 um contrato de NDF? Segundo informações prestadas pela Exponente o contrato foi celebrado para assegurar a taxa de câmbio do USD para 2009, Mas não seria suposto existir um contrato/acordo/negócio celebrado entre a Exponente e as sociedades a quem esta deveria efectuar pagamentos à data para a qual foi assegurado a taxa?. Um contrato/acordo/negócio o qual indicaria que a 06 de Outubro de 2009 se verificaria um (ou mais) pagamentos num montante total de X UDS? E então com base neste contrato/acordo/negócio celebraria um NDF de forma a assegurar uma possível variação da taxa de câmbio do dólar para essa data.
Assim, a título exemplificativo e utilizando os dados do contrato de NDF celebrado a 04 de Outubro de 2004, entre a Z... e a G... LÍMITED foi acordado a compra de 40.000.000,00 €, à taxa de 1.25661USD por cada Euro, sendo a data de liquidação a 06 de Outubro de 2009.
Na data em que deveria efectuar os pagamentos (os quais deveriam estar associados ao tal contrato/acordo/negócio), sobre os investimentos efectuados, isto é, a 06 de Outubro de 2009,apuraria aqui sim (nesta data), a Exponente custos ou ganhos consoante a cotação do USD, isto é, diferença entre a cotação do dólar/EURO a 06 de Outubro de 2009 e a cotação acordada 1.25661 USD/ Euro.
Apesar da Exponente vir em direito de audição identificar alguns mercados e negócios no continente Africano em 2006, fica ainda por provar a indispensabilidade do 1o contrato, uma vez que o mesmo é efectuado para compromissos futuros - 06 de Outubro 2009, compromissos que continuam a não estar fundamentados.
c) O 2° contrato e o 3° contrato foram celebrados de forma a cancelar os efeitos do 1o contrato de NDF, uma vez que de acordo com os fundamentos da Exponente, assiste-se a uma forte desvalorização do dólar (USD).
Não sendo intenção da Administração Fiscal intervir na gestão da empresa porque o que se pretende é apurar a essência da operação e verificar da indispensabilidade da mesma para a obtenção dos proveitos, constatamos de acordo com os documentos n.º 5 e 6 em anexo ao direito de audição, que no período que decorre de Outubro de 2004 ao final de 2005 (por exemplo) os valores mais elevados da moeda verificam-se em Dezembro de 2004 e Janeiro de 2005, sendo que quase todos os outros ficam abaixo do valor contratado em Outubro. Ainda de acordo com os mapas apresentados, se o que se pretendeu foi assegurar a taxa de câmbio do dólar (USD), não se compreende como é que o contrato feito para 5 anos é anulado passados 3 meses, sendo que, os resultados obtidos poderiam ser ganhos, se a conjuntura sofresse alteração. Aliás, basta reportar a título de exemplo, a data da anulação para o primeiro semestre de 2005, para que a empresa obtivesse resultados favoráveis.
Como conclusão podemos referir:
a. Os dois requisitos indispensáveis para que os custos sejam aceites para efeitos fiscais são que os mesmos se achem devidamente comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.

b. O facto de os contribuintes incorrerem em custos verifica-se com o intuito da futura obtenção de proveitos. No entanto "o artigo 23° do CIRC prevê um nexo de indispensabilidade entre as componentes negativas e positivas do rendimento", CTF nº 396, p.130.

c. “O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa.", CTF nº 396, p.136.

d. “Um custo advindo de uma liberalidade representa um gasto não indispensável para a organização.", CTF nº 396, p.131.

Em resumo, e caso o primeiro contrato se viesse até a considerar como indispensável "para a realização dos proveitos ou ganhos suje/tos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora", já a sua anulação (o segundo e o terceiro contrato) se conclui como sendo uma liberalidade da empresa, até porque se mantêm todos os pressupostos que originaram a sua realização e o risco que se pretendeu assegurar ainda existe.»;

Cfr. doc. 30 do procedimento de reclamação graciosa presente no PAT em apenso, em particular a fls. 33 a 35 do Relatório da Inspecção.

11. Em 11.02.2008 foi realizada a liquidação adicional de IRC n.°..., em referência ao exercício de 2004, no valor de €1.504.770,25 e, no dia seguinte, a compensação devida através da nota de compensação n.° ..., de que resultou o saldo de €1.192.958,60, com a data limite de pagamento em 19.03.2008;

Cfr. demonstrações de liquidação de IRC e acerto de contas a fls. 25 e 26 do procedimento de reclamação graciosa presente no PAT em apenso e "prints" de aplicações informáticas da DGCI presentes a fls.75 e 77 do procedimento de reclamação graciosa presente no PAT em apenso.

12. Em 10.04.2008 foi instaurado o processo de execução fiscal n°... no Serviço de Finanças de ..., para cobrança coerciva do valor de IRC liquidado, referido do ponto anterior;

Conforme histórico da certidão de dívida - print de aplicação informática da DGCI presente a fls. 184 a 185 do PAT.

13. Em 07.05.2008 a ora Impugnante prestou garantia bancária no valor de €1.528.621,35, emitida pelo ..., que se manterá válida até instruções por escrito em contrário por parte do Serviço de Finanças de ..., o que determinou a suspensão do processo executivo referido no ponto anterior;

Cfr. documento de fls. 73/74 do procedimento de reclamação graciosa presente no PAT em apenso e histórico da certidão de dívida - print de aplicação informática da DGCI presente a fls. 184 a 185 do PAT.

14. Em 29.04.2008 foi apresentada Reclamação Graciosa da liquidação adicional de IRC referida em 11.;

Cfr. nota de entrada aposta a fls. 2 do procedimento de reclamação graciosa presente no PAT em apenso.

15. Em 10.07.2009 o Director de Finanças de Lisboa proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior, com os fundamentos exarados na informação da Divisão da Justiça Administrativa elaborada em 03.06.2009, e na qual se pode ler, entre o mais o seguinte:

«d) Do Mérito
4. A contribuinte vem reclamar do facto de inspecção tributária não ter considerado como custo para efeitos fiscais o valor de 4.000.000,00€ relativo a uma contrapartida paga à G... Limited por ocasião da revogação de um contrato "Non Deliverable Forward" (NDF) previamente celebrado.
5. Informa a contribuinte que, em 04 de Outubro de 2004, celebrou com a G... Limited (compradora) um contrato de câmbio a termo, no valor de 40.000.000,00€, tendo no mesmo sido fixado o valor do Dólar em 1.2561 por cada Euro com data de liquidação em 06/10/2009.
6. Deste modo, ficou estabelecido que a G... Limited pagaria à reclamante, no termo do contrato (06/10/2009), o montante correspondente a 40.000.000,00€ em dólares, estabelecendo-se desde logo para o efeito uma taxa de câmbio de 1,2561 Dólares por cada Euro.
7. Alega porém o sujeito passivo que face a uma constante e crescente depreciação do Dólar que se veio a revelar nos últimos meses de 2004 propôs à G... Limited uma operação em sentido contrário da anteriormente efectuada, vendendo Dólares e adquirindo Euros, fixando em 1,4231 a taxa de câmbio para 2009 nesta segunda operação.
8. Por força dos dois contratos celebrados, resultou a favor da G... Limited um crédito sobre a reclamante no montante total de 4.693.978,00€, a pagar em 06/10/2009, resultante da diferença entre as taxas de câmbio acordadas no primeiro e no segundo contrato.
9. Em virtude da proposta de antecipação de pagamento deste valor por parte da Z... para 2004, a G... Limited aceitou reduzir o pagamento para 4.000.000.00€.
10. Acontece porém que os serviços de Inspecção Tributária não aceitaram aquele valor como custo fiscal invocando, para o efeito, o art.º 23 do CIRC.
11. Perante tal facto o sujeito passivo alega o desconhecimento da evolução do Dólar em Outubro e Dezembro de 2004, e diz ter celebrado os contratos em causa atendendo aos prognósticos dos "mais avalisados analistas".
12. Alega assim que se tratam de custos financeiros e que a sua indispensabilidade não pode aferir-se, nem em função da sua aptidão para gerar, de imediato, a realização de um ganho, nem em função da sua importância para a capacidade de subsistência da empresa.
13. Questionada a empresa, pelos Serviços de Inspecção Tributária, sobre os fins e objectivos do referido contrato NDF, a mesma refere que os fins e objectivos resultam de forma clara do contrato.
14. Analisado o referido contrato pelos Serviços de Inspecção Tributária, verifica-se que o mesmo visou assegurar a taxa de câmbio do Dólar, aplicável relativamente aos investimentos efectuados no Continente Africano.
15. Acontece porém que a Z... não identificou quais os investimentos efectuados no Continente Africano nem qual a probabilidade da sua realização, não justificando a necessidade de os efectuar, motivo pelo qual os Serviços de Inspecção Tributária não aceitaram o montante de 4.000.000,00€ como custo fiscal.
16. Os mesmos Serviços acrescentam ainda que sendo o NDF um instrumento financeiro que visa garantir preços, taxas de juro ou taxas de câmbio, isto é, controlar o risco, seria suposto existir um contrato/ negócio celebrado entre a reclamante e as sociedades a quem esta deveria efectuar pagamentos em Dólares à data para qual foi assegurado a taxa, o que não se verificou.
17. Do exposto verifica-se que:
· Em 04 de Outubro de 2004, a reclamante celebrou um contrato NDF com a G... Limited, através do qual acordou a compra de 40.000.000,00€ à taxa de 1,25661 USD por cada Euro, sendo a data de liquidação 06 de Outubro de 2009.

· A 30 de Dezembro de 2004, alegando uma forte desvalorização do Dólar, foi celebrado um novo contrato com vista a anular os efeitos do primeiro, donde resultou um encargo para a reclamante no valor de 4.000.000,00€.

18. Tendo em conta a falta de justificação para a celebração daquele primeiro contrato, os Serviços de Inspecção Tributária não consideraram o valor de 4.000.000,00€ como custo para efeitos fiscais, ao abrigo do art,0 23 do CIRC.
19. Acontece que no presente processo de reclamação graciosa a reclamante tece inúmeros e diversos argumentos para o facto de o referido montante dever ser considerado como custo, contudo continua a não justificar a celebração de um contrato que supostamente serve para assegurar um preço.
20. Em parte alguma a reclamante concretiza qual o negócio que tinha em vista nem descreve o local da sua execução ou seu montante.
21. É de notar que cabe à reclamante o ónus da prova, art.0 74° da LGT, pelo que face aos elementos disponíveis, constata-se que os mesmos são insuficientes para atender ao pedido em causa.
III - CONCLUSÃO
Face ao exposto parece-nos ser de INDEFERIR a presente reclamação.
IV- INFORMAÇÃO SUCINTA
Realizada a instrução do processo, foi elaborado o projecto de decisão o qual foi comunicado à reclamante através do ofício n.º ... de 28/04/2009. Mediante esse ofício, a reclamante foi notificada para exercer, no prazo de 15 dias, o direito de audição previsto no art.º 60° da LGT.
Direito esse que exerceu através de petição que deu entrada no dia 18 de Maio de 2009, fls. 86 a 190.
Através da referida petição o sujeito passivo pretende fazer prova da necessidade de acautelar contra as flutuações cambiais entre o Dólar e o Euro, juntando aos autos cópia de dois Contratos de Empreitada que foram celebrados entre si e o Instituto de Estradas de Angola.
Junta ainda algumas facturas a título de exemplo para provar que a esmagadora maioria dos pagamentos e recebimentos em Angola e nos restantes países africanos são efectuados em Dólares.
Acrescenta também que o fortíssimo investimento da Z... em Angola arrancou em 2005, tendo sido estabelecido, já em 2006, a sucursal naquele país.
Entende assim a contribuinte ficar sobejamente demonstrada a razão económica que motivou a celebração do non deliverable forward em Outubro de 2004, ano em que diz ter sido decidida a aposta no mercado africano, mormente Angola.
Analisados os Contratos de Empreitada a que a contribuinte se refere verifica-se que os mesmos não se encontram datados, factor que nos parece ser determinante para localizar o contrato no tempo.
Verifica-se ainda que a clausula vigésima nona do mencionado contrato dispõe que o mesmo:
"inicia-se e adquire validade a partir da data em que se encontrem satisfeitas as seguintes condições cumulativamente;
a) Assinatura do Contrato;
b) Pagamento do adiantamento
c) Consignação dos trabalhos."
Ora, a contribuinte apresenta cópia dos Contratos de Empreitada. Contudo, além de não nos ser possível constatar a data da sua assinatura, não é feita prova, quer do pagamento do adiantamento, quer da consignação dos trabalhos, verificando-se ainda que as folhas que o constituem apenas estão rubricadas por uma das partes, que nos parece ser a Z....
Do exposto verifica-se não nos ser possível constatar que efectivamente aqueles contratos se tenham concretizado, porquanto não constam dos autos elementos que nos permitam aferir da existência das condições cumulativas necessárias ao início e validade dos mesmos.
Adicionalmente refira-se o facto de que, das facturas juntas aos autos a título de exemplo, não constam facturas emitidas pela reclamante ao Instituto de Estradas de Angola, o que não se percebe acabando por instalar a dúvida sobre se realmente os Contratos em causa se concretizaram ou não.
Relativamente ao argumento de que a Z... arrancou em Angola em 2005, entendendo assim ficar sobejamente demonstrada a razão económica que motivou a celebração do non deliverableforward em Outubro de 2004, apenas nos cumpre informar que face ao já exposto não nos é possível aferir da veracidade daquela data, porquanto não nos foram disponibilizados elementos que nos permitam confirmar a data em que efectivamente terão sido validados os contratos que levaram àquele arranque.
Não é intenção da Administração Fiscal valorar as decisões fiscais do contribuinte, mas cabe à contribuinte provar a indispensabilidade das verbas contabilizadas como custos dedutíveis para a obtenção dos proveitos, sempre que a Administração Tributária questione a sua indispensabilidade.

Na verdade, a regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração Fiscal intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios.
Do exposto resulta que é no conceito de indispensabilidade ínsito no art.°23 do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscais dos custos empresarias.
Deste modo, a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa do mesmo é ou não empresarial.
Assim, face à inexistência de novos argumentos que pudessem ir no sentido da correcção supra solicitada, será de manter a conclusão de acordo com o descrito em III, pelo que consideramos ser de manter o indeferimento proposto.»;
Cfr. fls. 192 e ss. do procedimento de reclamação graciosa presente no PAT em apenso.

16. Em 17.07.2009 a ora Impugnante foi informada da decisão referida no ponto anterior;

Cfr. aviso de recepção a fls. 202 do procedimento de reclamação graciosa presente no PAT em apenso.

17. Em 01.09.2009 a ora Impugnante enviou por correio a presente Impugnação Judicial a este Tribunal;

Cfr. carimbo aposto na guia de transporte dos CTT Expresso presente a fls.183 dos autos.

18. Em 09.02.2010 foi proferido pelo Director de Finanças de Lisboa despacho de manutenção do acto impugnando;

Cfr. documento da Direcção de Finanças de Lisboa presente a fls. 189 do PAT em apenso e 191 dos autos.

19. No ano de 2004 a Impugnante resolveu expandir-se, designadamente para países como a Líbia, Camarões e Angola, tendo previsto a necessidade de disponibilidade de dólares em cinco anos, atentos fluxos de caixa então realizados;

Cfr. depoimento da testemunha ouvida.

20. A Impugnante celebrou dois contratos de empreitada em 27.11.2007, com o Instituto de Estradas de Angola, no valor de USD 148.890.379,00 e 106.920.513,51;

Cfr. documentos n.°s 5 e 6 juntos com a petição inicial. Igualmente presentes a fls. 97 e ss. do procedimento de reclamação graciosa presente no PAT em apenso.

21. A Impugnante emitiu facturas com valores em Dólares, no ano de 2006, referentes a trabalhos de reabilitação de estradas sitas em Angola.

Cfr. documento n°7 juntos com a petição inicial. Igualmente presentes a fls. 129 e ss. do procedimento de reclamação graciosa presente no PAT em apenso.


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Factos não provados:
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

«1. A Impugnante estabeleceu uma sucursal em Angola, no ano de 2006;

Os documentos juntos pela Impugnante para provar o facto alegado consubstanciam-se em Balanço e Demonstração de resultados por natureza, com datas apostas de 31.03.2007 e referindo no cabeçalho "Z... ...". No entanto, tais documentos, meras fotocópias, não se encontram sequer assinados e sempre seriam manifestamente insuficientes para que se considerasse tal facto como provado, o que nos levou a desconsiderar a alegação feita, atento o princípio da liberdade de julgamento que vigora no nosso ordenamento jurídico.

2. A Impugnante contabilizava em Dezembro de 2006, como proveitos operacionais em Dólares, o montante de 44.672.247$13 e como custos operacionais na mesma moeda o montante de 41.934.039$73;

O documento junto pela Impugnante para provar o facto alegado consubstancia-se em quadro de Demonstração de resultados por natureza, com data aposta de 31.03.2007 e referindo no cabeçalho "Z... ...". No entanto, tal documento, mera fotocópia, não se encontra sequer assinado e sempre seria manifestamente insuficiente para que se considerasse tal facto como provado, o que nos levou a desconsiderar a alegação feita, atento o princípio da liberdade de julgamento que vigora no nosso ordenamento jurídico.

3. A Impugnante pagou o imposto referido em 11.;

A Impugnante peticiona, a final, que lhe seja devolvido o imposto em causa, acrescido dos juros indemnizatórios devidos. No entanto, não resulta dos autos, nem do PA em apenso, que tal pagamento tenha sido realizado. Bem pelo contrário, resulta dos factos provados sob os n.° 11 a 13, que tal pagamento não foi feito e que foi instaurado processo de execução fiscal para cobrança coerciva do valor em causa.

4. A garantia prestada pela Impugnante, referida em 13. foi parcialmente levantada;

A Impugnante peticiona, a final, que lhe atribuída uma indemnização por custos incorridos por garantia prestada e que entretanto foi parcialmente levantada. No entanto, não resulta dos autos, nem do PA em apenso, que a garantia em causa, aludida no n.°13 dos factos assentes tenha sido levantada, ainda que parcialmente.»


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Motivação:
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, não impugnados, bem como no depoimento da testemunha “ouvida M..., que se apresentou em inquirição de modo claro, objectivo e isento, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.
De referir que a visada testemunha, desempenhando funções de planeamento e controlo na Impugnante, foi crucial para se entender e dar como provado o plano de expansão da Impugnante e a razão pela qual teria de dispor de moeda estrangeira, designadamente dólares americanos a médio prazo. Mais ainda, declarou que tendo sido a primeira vez que utilizaram este instrumento financeiro, e atenta a depreciação do Dólar ocorrida então e as opiniões dos analistas financeiros de então, pensaram em estancar a perda quanto antes, o que, a final, veio a verificar-se ter sido a melhor opção.
A motivação do probatório dado como não provado encontra-se referida a propósito de cada um dos seus pontos acima fixados».
*
2.2. O direito

Em causa está a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida contra – mediatamente - a liquidação adicional de IRC do exercício de 2004, na parte em que a mesma traduz a correcção correspondente à não aceitação, como custo fiscalmente dedutível, dos encargos suportados com contratos “non deliverable forward”, celebrados entre a Impugnante, ora Recorrida, e a G... Limited.

Situando mais detalhadamente a questão que aqui nos ocupa, temos, como se verá, que os custos incorridos em 2004, pela ora Recorrida, com a tais produtos financeiros, no montante de € 4.000.000,00, não foram aceites pela AT, com expressa invocação do disposto no artigo 23º do CIRC.

Em concreto, e sem síntese, tais custos foram fiscalmente desconsiderados pelo facto de os Serviços de Inspecção terem afastado o seu carácter de indispensabilidade, qualificando-os, inclusivamente, como “liberalidade”.

O tribunal de 1ª instância, louvando-se na prova produzida, veio a acolher a pretensão da Impugnante, julgando a impugnação judicial procedente e determinando, em consequência, a anulação da liquidação na parte contestada.

É contra o assim decidido que a Fazenda Pública aqui esgrime argumentos, pretendendo a revogação da sentença e, consequentemente, a manutenção da correcção e correspondente liquidação de IRC.

Ora, centrando-nos no teor do recurso jurisdicional aqui em apreciação e tendo presente que, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam do conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, temos por seguro que as questões a apreciar são as seguintes:

(i) – saber se o Tribunal a quo errou na apreciação crítica da prova produzida e, como tal,

(ii) – se errou no julgamento efectuado que o levou a considerar o valor de € 4.000.000,00, um custo indispensável e, como tal, fiscalmente dedutível, nos termos previstos no artigo 23º do CIRC.

Vejamos, então, começando por esclarecer que, contrariamente ao que defende a Recorrida [cfr. conclusão A) das contra-alegações], não se nos afigura que se coloque aqui qualquer questão quanto ao não cumprimento, por parte da Recorrente, do ónus a que se reporta o artigo 640º do CPC (anterior artigo 685º-B), quanto à impugnação da matéria de facto.

Com efeito, da leitura atenta do teor integral do recurso jurisdicional interposto, não se vislumbra aí que a Recorrente tenha pretendido indicar pontos de facto que considera incorrectamente julgados ou factos que, tendo sido desconsiderados, deveriam integrar a matéria de facto, em face da prova produzida.

O que sucede é que, tal como autonomizámos, a Recorrente insurge-se contra o que designa por errada apreciação crítica da prova, para dizer, por um lado, que os factos provados foram erradamente valorados e não permitem, in casu, extrair as conclusões fáctico-jurídicas que o Tribunal extraiu e, por outro lado, que o depoimento da testemunha ouvida foi, ao menos relativamente a alguns aspectos, acolhido de forma acrítica.

E, a propósito da invocada deficiente apreciação crítica da prova, deixamos aqui nota de um excerto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (recurso nº 982/10.4TVLSB.L1-1, de 04702/14), o qual se nos afigura absolutamente pertinente em face do recurso da Fazenda Pública.

Como se refere em tal aresto, “o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.

Efectivamente, «a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no art. 655º, nº 1, do CPC: “o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (…).

Ora, «contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo» (…).

«O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado»(…)

De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 653º, nº 2, do CPC).

(…)

«Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção» (…).

Daí que - conforme orientação jurisprudencial prevalecente - «o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição» (…).

Na verdade, «só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento”

Servem estas palavras para dizer que, no caso, lidas as conclusões apontadas, não se alcança em que medida, manifesta e notoriamente, o Tribunal a quo poderá ter errado, sendo claro que a repetida alusão à necessidade de, no médio prazo, a impugnante possuir moeda estrangeira (tal como esclarecido pela testemunha) não contende com a circunstância, sublinhada pela Recorrente, de os específicos contratos denominados non deliverable forward (NDF) não implicarem a imediata disponibilidade de moeda estrangeira.

Com isto dito, avancemos.

Seguindo de perto o teor das conclusões da alegação de recurso, temos que a Recorrente se insurge contra a decisão sindicada defendendo que a mesma errou ao considerar que os contratos non deliverable forward se encontram justificados – o primeiro em vista da perspectiva de internacionalização para o continente africano e consequente necessidade de disponibilidades de caixa na moeda norte americana e o segundo em vista da minoração de perdas futuras.

Porém, diz a Recorrente, a análise feita é simplista e incongruente, pois que, nos contratos de câmbio a termo, na modalidade de NDF, não há trocas financeiras no início ou durante o tempo de duração do contrato; trata-se de instrumentos financeiros derivados que visam somente a cobertura de risco de câmbio. Tais contratos têm de estar correlacionados com operações subjacentes, isto é, pagamentos e/ou recebimentos na moeda estrangeira objecto do NDF.

Segundo a perspectiva da Recorrente, a Impugnante não demonstrou a existência de quaisquer operações subjacentes com data de término próxima da data de liquidação do contrato de NDF – 6.10.2009 - limitando-se a invocar operações subjacentes em 2006 e 2007.

Para a Recorrente, “não duvidando da existência de uma qualquer racionalidade económica subjacente ao negócio celebrado, uma vez que os dirigentes de empresas com a dimensão da Impugnante (das maiores do nosso país e detidas por capitais brasileiros, uma das mais poderosas economias emergentes do mundo) são certamente pessoas assaz inteligentes, prudentes e conhecedores do mundo”, (…) concede-se que a classificação do negócio como liberalidade poderá não ser feliz na escolha do termo. Contudo, diz a Recorrente, o que se quis focar com a sua utilização foi o não convencimento da justificação apresentada para a saída de fluxos financeiros.

Terminando, salienta a Recorrente que para que uma empresa residente possa legitimamente deduzir um gasto como custo fiscalmente aceite não pode deixar de exigir-se que este corresponda a uma racionalidade económica dirigida ao interesse societário da residente, o que, no caso, não se verifica.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito.

Como se resulta da matéria de facto e consta do relatório de fiscalização, no dia 04/10/04, a Z..., na qualidade de vendedora, celebrou com a sociedade G... Limited, na qualidade de compradora, um contrato de câmbio, designado por non-deliverable forward, no valor de 40.000.000,00€, tendo no mesmo sido fixado o valor do Dólar em 1.2561 por cada Euro, com data de liquidação em 06/10/09.

No dia 30/12/04, a Z..., na qualidade de compradora, celebrou com a sociedade G... Limited, na qualidade de vendedora, outro non-deliverable forward, no valor de 35.306,022,00€, tendo no mesmo sido fixado o valor do Dólar em 1.4231 por cada Euro, com data de liquidação em 06/10/09.

Nesta mesma data, a Z... e a G... Limited acordaram que em resultado da celebração dos dois referidos contratos, a Z... pagaria o valor de €4.693.978 no dia 06/10/09. De referir que, conforme resulta do ponto 3 dos factos provados, este montante resulta da diferença entre o valor da liquidação à taxa fixada no 1º contrato e o valor da liquidação à taxa de câmbio estimada de cerca de 1,3734.

Tal como resultou provado, a Z... antecipou o pagamento do valor em causa, contra desconto, tendo a G... Limited aceite tal proposta, reduzindo o valor devido para € 4.000.000.00.

É este o valor contabilizado na conta 68884 - Outros Custos Financeiros que aqui está em causa, ou seja, é este o montante corrigido cuja legalidade importa apreciar.

Para fundamentar a não dedutibilidade destes custos financeiros a AT considerou, num primeiro momento, concretamente antes do exercício do direito de audição na pendência da acção de fiscalização, que (i) a Z... não identificou quais os investimentos efectuados no continente africano, nem a probabilidade de realização desses investimentos, nem tão-pouco justificou a relação e necessidade de efectuar os contratos NDF relativamente a esses tais investimentos.

Num segundo momento, já depois de exercido o direito de audição, a AT veio a considerar que, (ii) apesar o sujeito passivo identificar alguns mercados e negócios no continente africano em 2006, ficou por provar a indispensabilidade do 1º contrato, uma vez que o mesmo é efectuado para compromissos futuros, compromissos que continuam a não estar fundamentados; quanto aos 2º e 3º contratos, celebrados para cancelar os efeitos do 1º contrato, diz a AT que, pressupondo a necessidade do 1º contrato, mal se percebe que um contrato celebrado para 5 anos seja anulado 3 meses depois, já que “os resultados obtidos poderiam ser ganhos, se a conjuntura sofresse alteração”. A este respeito, a AT vê na apontada anulação do contrato inicial e nos custos daí decorrentes uma “liberalidade” e, assim sendo, um custo não indispensável, não fiscalmente dedutível.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito.

Tenhamos presente, desde já, o disposto no artigo 23º, nº 1 do CIRC (na redacção vigente à época), segundo o qual consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os que vêm exemplificados nas diversas alíneas desse número - como por exemplo, os encargos de natureza financeira.
Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade – impõe-se, no entendimento do Tribunal, que a análise de um concreto custo seja feita em função da actividade societária, ou seja, em função do seu objectivo no âmbito da actividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa.
Como se refere no acórdão do TCA Sul, de 2/2/10 (recurso nº 3669/09), para que um custo seja fiscalmente relevante “tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer, (…), que essa relação é uma relação de causalidade necessária, uma genuína conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados”.
Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, seja, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. Quer isto dizer, pois, que fora do conceito de indispensabilidade ficarão os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.

Como se afirmou neste TCA Sul, em 22/01/15 (recurso nº 5327/12), “Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico”.

Quanto ao requisito da indispensabilidade de um custo, deve dizer-se que tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.

“Não obstante”, como avança o acórdão citado em último lugar, “se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13)”.

Vejamos, então, não perdendo de vista que, apesar de aqui estarem em causa os custos financeiros de € 4.000.000 resultantes da celebração de um 2º e 3º contratos (que anulou um 1º acordo), portanto os custos decorrentes da celebração do contrato de Dezembro de 2004 e do acordo quanto à antecipação da liquidação/pagamento dos referidos € 4.000.000, é evidente que, até como a AT motiva a correcção efectuada, estes contratos não podem ser vistos isoladamente e terão que ser analisados numa lógica conjunta, para melhor se perceber a sua justificação económica.

Vejamos, então.

Como se assinalou na sentença, os contratos denominados por non deliverable forward (Contrato a Termo de Moeda sem Entrega Física) podem ser definidos como “um tipo de contratos de prestação futura de moeda, não tipificados, através dos quais se acorda que, no respectivo termo, o vendedor pagará ao comprador ou o comprador pagará ao devedor a diferença entre uma taxa de câmbio pré -estabelecida e a taxa de câmbio vigente de uma determinada moeda, com referência a um montante determinado de moeda diferente”.

O que as partes pretendem com este tipo de contratos é, portanto, assegurar uma determinada taxa de câmbio para uma certa data futura, conseguindo atingir esse objectivo através do pagamento apenas do diferencial entre o valor de mercado e o valor convencionado na data do termo do contrato. Trata-se de operação normalmente utilizada como instrumento de hedge (cobertura), pois o contratante de um NDF garante uma taxa de câmbio futura para a moeda base do contrato, protegendo-se contra o risco de grandes variações.

Não há, como é aceite, com a celebração do contrato (ou melhor, na data em que ele é celebrado), qualquer fluxo monetário entre as partes.

Para empresas com actividade significativa no estrangeiro (importação/ exportação), com projectos de grande volume e a pagar/receber quantias avultadas em moeda estrangeira (concretamente, dólares americanos), entende-se a contratação de produtos do tipo daquele que aqui se analisa, já que, durante um determinado período de tempo (aquele que está estipulado contrato), as partes sabem que podem converter uma determinada quantia acordada (de euros em dólares, por exemplo) sem se exporem ao risco de flutuações cambiais, podendo, por outro lado, garantir a cotação nas propostas que ao longo desse período de tempo vão sendo apresentadas.

Ainda sobre este tipo de instrumento, refere Engrácia Antunes, in “Os derivados”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº30, Agosto de 2008, pág. 91 a 136, que:

“(…)

«I. Designam-se por “forwards” os contratos a prazo negociados em mercado de balcão que conferem posições de compra e de venda sobre determinado activo subjacente por preço e em data futura previamente fixados.

II. Os “forwards” são um instrumento financeiro derivado inominado (reconduzível genericamente à figura dos “contratos a prazo”, prevista no art. 2.º, nº 1, e) do CVM) que exibe profundas similitudes com os futuros: em ambos os casos estamos diante de contratos que são fonte de direitos e obrigações de compra e de venda de determinados activos subjacentes, financeiros (v.g., valores mobiliários, divisas, taxas de juros, taxas de câmbio) ou não financeiros (v.g., mercadorias) a executar por um preço, em data futura e através de um modo de liquidação previamente definidos. Todavia, os “forwards” e os “futures” distinguem-se em vários aspectos, em especial no plano da sua natureza (padronizada ou individual) e negociação (mercado organizado ou de balcão): ao passo que os futuros são contratos a prazo firme negociados em mercado organizado, os “forwards” são contratos a prazo firme negociados no balcão dos intermediários financeiros; e ao passo que os futuros são contratos totalmente padronizados, os “forwards” são contratos cujo conteúdo é passível de livre negociação caso a caso, permitindo operações de cobertura de risco individualizadas e adaptadas às necessidades particulares dos contratantes (mormente, em termos do montante do activo subjacente, prazos, e taxas aplicáveis).

III. Os “forwards” podem agrupar-se em duas categorias principais: os contratos a prazo sobre taxas de juro e taxas de câmbio.

Os contratos a prazo sobre taxas de juro (FRA ou “forward rate agreements”) são aqueles em que as partes acordam o pagamento recíproco dos juros relativos a um depósito a prazo hipotético, calculados por referência a taxas de juros contratualmente previstas e a liquidar financeiramente em data futura. Tais contratos assentam num depósito a prazo de cariz meramente fictício ou hipotético (“nominal capital amount”), com início e vencimento no futuro, e de prazo, montante e taxa predeterminados: uma das partes (designada “compradora”) compromete-se a pagar os juros resultantes da aplicação de uma taxa fixa previamente estabelecida, e a outra (designada “vendedora”) a pagar os juros correspondentes à aplicação de uma taxa variável, indexada a determinada taxa de referência também previamente acordada (v.g., “Euribor”, “Libor”, “Mid”, “Ribor”, etc.), realizando-se a liquidação mediante o mero desembolso do respectivo saldo líquido diferencial. Os contratos a prazo sobre taxas de câmbio (FXA ou “forward exchange agreements”, também por vezes denominados “outright forward currency transactions”) são aqueles em que as partes acordam o pagamento recíproco de um determinado montante pecuniário expresso em diferentes moedas ou divisas, calculado por referência a uma taxa de câmbio contratualmente prevista e a liquidar financeiramente em data futura. Tais contratos, que visam assim a negociação de divisas em data futura a câmbio predeterminado, podem ter por objecto quaisquer divisas convertíveis (habitualmente, dólares) e qualquer prazo (usualmente, não ultrapassando os cinco anos).

IV. Além destas modalidades fundamentais, os “forwards” podem ainda revestir outras variantes especiais. Pense-se nos (...) contratos a prazo com liquidação financeira (NDF ou “non deliverable forwards”), que se contradistinguem por serem contratos “forwards” que não admitem a entrega física do activo subjacente, sendo exclusivamente liquidáveis mediante o pagamento do seu saldo pecuniário diferencial (v.g., assim sucede necessariamente com os FRA).»

Este tipo de contratos, tal como o TT de Lisboa de Lisboa não deixou de assinalar, “constituem um instrumento financeiro derivado que visa cobrir o risco de flutuações cambiais, (…), e comprador e vendedor assumem o risco de o activo subjacente se vir a desvalorizar ou a valorizar no termo do contrato, sendo comuns no mercado internacional”.

Centremos a nossa atenção no caso concreto.

Como a sentença bem evidenciou, “Resulta da matéria dada como provada que a Impugnante resolveu expandir a sua actividade para países africanos, tendo previsto a necessidade de possuir dólares disponíveis a médio prazo (cfr. facto provado sob o n.º 19). O que bem se compreende, uma vez que é facto notório que os pagamentos realizados no continente africano são realizados, na esmagadora maioria das vezes, em dólares, sendo o ramo da construção o exemplo típico disso mesmo.

A Impugnante comprovou ainda a existência de contratos de empreitada celebrados com o Instituto de Estradas de Angola em 2007, de valores avultados (cfr. facto provado sob o n.º 20), e a emissão de facturas referentes à realização de obras de reabilitação em estradas angolanas, no ano de 2006 (cfr. facto provado sob o n.º 21).

Ou seja, a Impugnante comprovou a existência de negócios e a realização de obras naquele país africano, dentro do lapso temporal abarcado pelo contrato a termo de moeda em causa.

Assim, ao contrário do alegado pela AT, a Impugnante identificou investimentos efectuados no Continente Africano e justificou a necessidade de os efectuar, comprovando contratos de empreitada aí celebrados e obras aí realizadas. Mas ainda que o não tivesse feito, é perfeitamente racional que a Impugnante, estando apostada na sua internacionalização a médio prazo, sempre previsse a necessidade de dispor no futuro de moeda estrangeira, mormente dólares americanos, tendo celebrado o 1.º non deliverable forward (NDF) para assegurar uma taxa de câmbio não para um negócio específico, mas para garantir uma taxa de câmbio fixa, no espaço de cinco anos, atendendo à actividade de expansão programada e prevenindo o risco de a moeda estrangeira se valorizar.

Por outro lado, resulta da matéria de facto provada que o contrato NDF celebrado em primeiro lugar (cfr. facto provado sob o n.º 1), foi o primeiro contrato daquele tipo a ser realizado pela ora Impugnante (cfr. facto provado sob o n.º 6), o que, segundo as regras da experiência comum, sempre levará a entender uma relativa falta de segurança na sua utilização”.

Ora, até aqui, a análise feita pelo TT de Lisboa – versando sobre o 1º contrato, ou seja, o que foi celebrado em Outubro de 2004 – merece a nossa inteira concordância.

Com efeito, está inteiramente comprovada a área de actuação da Recorrida, a sua expansão internacional, com incidência no mercado africano, e, bem assim, os projectos de grandes obras (estradas) em que a mesma estava envolvida, concretamente os contratos de empreitada celebrados em 2007.

Também não sofre dúvidas que em países africanos, como é o caso de Angola, é o dólar americano a moeda de referência para pagamentos e recebimentos, o que vale, naturalmente, para a celebração de contratos como aqueles que a Recorrida celebrou, no sector das obras públicas, designadamente na construção de estradas.

Porque assim é, e considerando as importâncias avultadíssimas envolvidas (cfr. ponto 20 dos factos provados), percebe-se, sem dificuldade, a importância que as variações cambiais podem assumir neste tipo de contratos e, como tal, facilmente se entende a necessidade de recorrer a mecanismos que minimizem ou eliminem os riscos com as flutuações cambiais.

Deve acrescentar-se, tendo em conta a fundamentação motivadora da correcção, tal como consta do relatório, que estes contratos de NDF não têm que estar na dependência de um específico contrato/ negócio, de um concreto investimento, justificando-se a necessidade dos mesmos face aos vários projectos em que o sujeito estava envolvido (em África) durante um período temporal compreendido entre a data e o termo da celebração do 1º contrato de NDF.

Para mais, face à área de negócio em que a Impugnante desenvolve a sua actividade, será fácil perceber que a celebração de um contrato, é antecedida da análise das necessidades de financiamento e da ponderação dos riscos cambiais associados.

Por outro lado, o exercício da actividade da impugnante, no sector onde se insere, num contexto de franca internacionalização da empresa, não se esgota num negócio pontual, a ter lugar num determinado ano. Percebe-se que o objectivo de assegurar uma determinada taxa de câmbio, entre 2004 e 2009, não vise apenas um concreto negócio e que persiga, antes, um objectivo global e de médio prazo (de internacionalização).

Por conseguinte, na senda da internacionalização do seu negócio, é curial aceitar que, em 2004, a Impugnante perspectivasse já as suas necessidades de dólares até 2009 e que se precavesse contras as incertezas das flutuações cambiais.

Temos pois que, contrariamente ao que sugere a AT, a impugnante não apenas identificou os mercados, concretamente no continente africano, para os quais orientou a sua opção de expansão internacional, como identificou e comprovou vários projectos em que estava envolvida durante um período temporal compreendido entre a data e o termo da celebração do 1º contrato.

Por conseguinte, as dúvidas suscitadas relativamente à “indispensabilidade do 1º contrato”, não se nos afiguram minimamente sustentadas, sendo evidente, em face dos factos provados, que, como a sentença bem assinalou, “durante um período de 5 anos, a Impugnante sabia que converter € 40.000.000 em Dólares, sem se preocupar com a eventual valorização da moeda americana, porquanto assegurou contratualmente que essa valorização seria, a final, suportada por outra entidade. É claro que se o Dólar desvalorizasse seria a Impugnante a suportar o diferencial dessa descida, razão pela qual sempre se encontram entidades dispostas a celebrar este tipo de contratos”.

Assim sendo, há que concluir, com a sentença recorrida, que “a utilização deste tipo de instrumento financeiro é perfeitamente compreensível no quadro da política de expansão da Impugnante no continente Africano, justificando-se pela necessidade da Impugnante fazer face ao risco de flutuação cambial, assegurando uma taxa de câmbio predefinida, para um momento em que projectava vir a necessitar de Dólares, consubstanciando-se pois, numa actividade de gestão que a AT não pode, nem se deve imiscuir”.

Entendemos, pois, com a Recorrida, que neste concreto contexto e nas circunstâncias do sujeito passivo, a discussão sobre a indispensabilidade de a empresa recorrer a este tipo produto derivado (pelas concretas razões que o justificam) traduz uma ingerência não aceitável nas suas opções de gestão e na sua liberdade empresarial.

Prosseguindo, importa lembrar, como acima deixámos assinalado, que os custos não aceites prendem-se com a celebração de um 2º contrato e com a liquidação antecipada de € 4.000.000.

Vejamos.

Já após a celebração do 1º NDF, e em face da tendência de desvalorização do dólar americano, a Recorrida, em Dezembro desse ano, celebrou um novo NDF, de sentido contrário, ou seja, a Recorrida assumiu a posição de compradora e a G... passou à posição de vendedora.

Se no 1º contrato foi fixado um valor para o dólar de 1.2561, no 2º tal valor foi fixado em 1.4231. Ambos os contratos tinham como data de liquidação o dia 06/10/09.

Do ponto de vista da Impugnante, esta actuação surge justificada, como se referiu, pela “tendência acelerada de descida do dólar”, ou seja, como forma de “minorar as gigantescas perdas que se perspectivavam caso o NDF celebrado a 4 de Outubro se mantivesse”.

E de facto, se tivermos em atenção o período temporal que medeia entre Outubro e Dezembro de 2004, percebemos, em face da matéria de facto provada (cfr. ponto 7), que assim é, ou seja, que a desvalorização da moeda implicava por si só perdas significativas para a Impugnante, considerando como referência o valor do dólar fixado em 1.2561.

Portanto, celebrar o 2º NDF visou, conforme se demonstra, evitar/ minorar perdas financeiras que se calculavam de valor superior às que vieram a ocorrer, caso se mantivesse o 1º NDF e as condições então acordadas.

A este propósito, sustenta a AT que mal se percebe que um contrato celebrado para 5 anos seja anulado 3 meses depois, já que “os resultados obtidos poderiam ser ganhos, se a conjuntura sofresse alteração”. Daí, aliás, que os serviços de inspecção vejam nesta perda uma verdadeira liberalidade.

Nenhuma razão tem a AT, nem a aqui Recorrente que a representa.

Basta pensar que o mercado não conhece antecipadamente (não prevê sem falhas) a evolução do dólar ou de outra moeda. Se assim fosse, produtos como os referidos NDF não se justificariam, já que não se antevia qualquer utilidade na repartição do risco, caso ele fosse inexistente.

Mas mais. Vejamos, lançando mão do bem elaborado discurso que foi adoptado na sentença recorrida.

Aí se disse, a este propósito, o seguinte:

“(…)
A AT alega que bastaria à Impugnante ter esperado por meados do ano de 2005, para que beneficiasse da anulação do 1.º contrato de NDF então realizado, pelo que o encargo que teve por anulá-lo em finais de 2004 deve ser encarado como uma liberalidade.
Tal argumentação não procede. Em primeiro lugar, porque a Impugnante não sabe, em Dezembro de 2004, quais as taxas de câmbio que vigorariam no ano seguinte ou até à data de liquidação acordada do NDF. Em segundo lugar, porque a G... não aceitaria, por certo, a anulação de um contrato que implicasse um prejuízo na sua esfera.
Mas ainda que assim não fosse, o que se verifica na realidade é que a própria decisão da Impugnante em anular o 1.º NDF com a celebração do 2.º e em acordar o pagamento da diferença cambial então acordada, revelou ser a melhor decisão em termos de gestão societária. Na verdade, se o 1.º contrato tivesse sido integralmente cumprido, no dia 06.10.2009 a Impugnante teria de pagar à G... €5.440.000,00: de acordo com os termos do contrato, o montante de liquidação é calculado através da fórmula “Montante nacional x (1-taxa fixa no contrato/taxa de liquidação que aparece na página Bloomberg a 02.10.2009)”. Assim, o montante de liquidação resulta da aplicação da taxa de câmbio previamente acordada e da fixada no dia da estimativa (cfr. facto provado sob o n.º 5), à fórmula constante do contrato.
Logo, o acordo celebrado entre as contratantes dos NDF, nos termos do qual a ora Impugnante pagaria €4.000.000,00 (cfr. factos provados sob o n.º 3 e 4), foi, afinal, bastante mais benéfico para uma das contratantes – a ora Impugnante.
E quanto à decisão de apenas passados três meses de celebrado o 1.º NDF se ter procedido à sua anulação, a mesma é perfeitamente explicável pelo facto de o Dólar americano se ter depreciado mais de 10% naquele pequeno espaço temporal (cfr. facto provado sob o n.º 7), tendo a Impugnante, em novo acto de gestão, preferido anular aquele 1.º negócio, por ter perspectivado uma perda ainda maior, se nada fizesse entretanto e até à data da liquidação do 1.º NDF.
O que, afinal, se veio a revelar como providencial”.
A apreciação assim feita é correcta e, por isso, se acolhe.
Importa, então, deixar claro que, do nosso ponto de vista, não é aceitável que a dedutibilidade fiscal de um custo financeiro (que a AT não põe em causa que tenha sido incorrido) fique dependente da consideração de dados que ocorreram posteriormente à tomada de decisão, dados esses que, ponderados num momento temporalmente mais adiantado, se conclui que poderiam ter contribuído para gerar menos custos ou gerar até proveitos.

Dito por outras palavras, recusar a indispensabilidade deste custo com base num juízo formulado a posteriori, já depois de conhecida a evolução das taxas de câmbio e verificar que, afinal, o risco que se pretendia afastar se não verificou, põe em causa a própria natureza deste tipo de produto financeiro e das razões económicas que o justificam.

Não é por um custo se revelar inútil ou ineficaz do ponto de vista dos proveitos que gera que a dedutibilidade fiscal do mesmo deve ser recusada.

Já antes o dissemos e repete-se: a indispensabilidade de um custo, deve aferir-se de uma perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.

Por conseguinte, parece-nos claro concluir, como a Mma. Juíza a quo, no sentido de que, in casu, a Impugnante comprovou a indispensabilidade do custo, o nexo causal do mesmo com a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou com a manutenção da fonte produtora.

A AT, ao assim não considerar, violou o disposto no artigo 23º do CIRC.

Diga-se, por último, que nenhum sentido aqui faz a referência à figura da liberalidade (como se avançou em sede de inspecção, numa formulação que a própria Recorrente admite não ser feliz), pois que, por tudo quanto ficou dito, não estamos perante um valor que a Impugnante tenha entregue à G... num gesto de generosidade, de prodigalidade, com a única intenção de beneficiar um terceiro.

Aliás, para assim ser, num contexto empresarial, necessário seria que a AT tivesse avançado com razões objectivas que motivassem tal actuação sem contrapartida, designadamente especiais relações entre as partes envolvidas, justificação essa que não é sequer ensaiada e que se afigura, sem mais, dificilmente concebível numa sociedade da dimensão da impugnante, sujeita (face à sua dimensão) a um óbvio escrutínio por parte – desde logo – dos seus accionistas.

Em face de tudo o que vem dito, conclui-se, pois, pela improcedência da totalidade das conclusões da alegação de recurso e, consequentemente, pelo não provimento do recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida nos termos em que foi proferida.


*

3 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 23/03/17


Catarina Almeida e Sousa

Bárbara Teles

Pereira Gameiro