Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:539/17.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/15/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:REVERSÃO. DÍVIDAS FISCAIS. CULPA PELA FALTA DE PAGAMENTO. SENTENÇA PROFERIDA EM PROCESSO DE INSOLVÊNCIA. VALOR EXTRAPROCESSUAL DA MATÉRIA DE FACTO ASSENTE. DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:A aparente identidade fáctica existente entre a sentença proferida em processo de insolvência e a matéria de facto controvertida no processo de oposição à execução fiscal não desonera o tribunal tributário de realizar as diligências instrutórias necessárias com vista ao apuramento, com rigor, da materialidade relevante para a integração do juízo de culpa. // Ao não proceder ao apuramento da matéria de facto relevante para a integração do juízo de culpa do revertido pela falta de pagamento das dívidas exequendas, a sentença incorreu em défice instrutório, determinante da sua anulação.
Votação:UNAMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório

A………………………, executado por reversão no processo de execução fiscal n.º …………………………..e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa-7, originariamente contra a sociedade “E ……………………………….., Lda.”, por dívidas de IVA, IRS (retenção na fonte), IRC e Imposto de Selo, relativas aos anos de 2010 a 2014, no valor global de 37.381,46 EUR, deduziu no Tribunal Tributário de Lisboa oposição. O Tribunal Tributário, por sentença proferida a fls. 249 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 13 de Maio de 2020, julgou procedente a oposição judicial, determinando a extinção do processo executivo e apensos instaurados contra o oponente. Inconformada com o assim decidido, a Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional, tendo nas suas alegações de fls.265 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), formulado as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a acção procedente, por provada, e determinou a extinção do processo de execução fiscal nº……………………….. e apensos, instaurado ao oponente por reversão.
B. Para chegar a tal conclusão, após deixar prejudicada a questão da falta de demonstração pela AT da insuficiência do património da devedora originária o douto tribunal a quo entendeu que “não foi por culpa do oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente para solver as dívidas fiscais, logrando o mesmo ilidir a presunção de culpa que sobre si recaia, prevista na referida al. b) do n.º 1 do art.º 24 da LGT”.
C. Consentindo “que a impossibilidade de pagamento das dívidas fiscais em questão se deveu a razões totalmente alheias ao Oponente, pois a crise financeira, de tesouraria da sociedade devedora originária, que impossibilitou o cumprimento das suas obrigações, deveu-se a uma grave crise económica e financeira mundial que teve em Portugal um dos espaços de maior repercussão, mas também porque logrou demonstrar uma actuação tendente a evitar uma situação de incumprimento da sociedade.”
D. Com a devida vénia, a Fazenda Pública não se pode conformar com tal sentido decisório, considerando existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos de execução e deficiente análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, e consequente, erro na aplicação do disposto nos artigos 74º da Lei Geral Tributário (LGT) e 342º do Código Civil (CC).
E. Em jeito de resumo, entende a Fazenda Pública que o tribunal a quo não instruiu o probatório de forma a poder concluir que o oponente/recorrido ilidiu a presunção de culpa que o onerava e nem dos itens dados por assentes se pode chegar a tal conclusão.
F. Efetivamente, na perspetiva da Fazenda Pública os factos levados ao probatório, como seja o descrito nos pontos D), E) F), G), H), I), J), K) e L, mostram-se claramente insuficientes para concluir que o oponente/recorrido foi capaz de ilidir a presunção de culpa na falta de pagamentos dos impostos.
G. Na prática, dada a natureza dos impostos em falta nos PEF’s revertidos o que resulta dos autos é um comportamento censurável e habilitante a onerar o Oponente com a obrigação de pagar tais dívidas, por reversão.
H. Antes de se debruçar sobre a fundamentação da sentença sob recurso, entende esta Fazenda Pública, face aos elementos carreados para os autos, designadamente o documento nº3 junto com a contestação, constituído por sentença do Tribunal da Comarca de Lisboa no Processo n.º 771/2014.7IDSLB, deverá ser aditado à matéria assente o seguinte facto:
T) Em 19-09-2016, o Tribunal da Comarca de Lisboa proferiu sentença no processo n.° 771/2014.7IDLSB, em que foram arguidos a sociedade E ……………………………, Lda., e bem assim A ………………………….., L ……………………., N……………………. e V………………………, condenando-os pela prática, em autoria material e na forma continuada de crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105 n°1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção introduzida pela Lei n°105/01, de 05.06, por ter sido comprovado que os arguidos receberam as importâncias que incluíram nas referidas declarações periódicas como correspondente ao IVA por si liquidado nos períodos de 2014/02 entre outros.
I. Sendo que de tais elementos probatórios sempre o tribunal poderia extrair que a gerência deixou de entregar o IVA referente ao período de 2014/02 [IVA que se encontra em cobrança coerciva nos autos de execução em presença], utilizando-o em proveito da sociedade, dando-lhe, assim, destino diverso daquele a que estava legalmente destinado, facto de per si indiciador da culpa do oponente no não pagamento daquelas dívidas tributárias.
Escrutinemos agora a fundamentação da sentença.
J. Salienta-se, desde logo, que o oponente/recorrido não põe em causa que tenha exercido a gerência da devedora originária, nem o tribunal a pôs em causa.
K. A reversão, recorda-se, foi efetuada ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 24º, da LGT, recaindo assim sobre o opoente/Recorrido, o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento das dívidas da sua gerida se não efetuou.
L. Diz a douta sentença que “ cabe apurar se o Oponente logrou provar que a falta de pagamento da dívida lhe não era imputável (não lhe basta criar a dúvida), alegando e provando factos que permitam demonstrar que a insuficiência do património da sociedade executada para satisfazer as dívidas em causa nos autos não se deveu a culpa sua, isto é, é àquele que cabe demonstrar que a sua acção ou omissão não era idónea, segundo um juízo de causalidade adequada, à ocorrência da insuficiência do património social.”.
M. E acrescenta “Se pretende ilidir a presunção de culpa, no mínimo, não pode deixar de provar que se empenhou no pagamento dos créditos fiscais e/ou na preservação do património societário que há-de, a final, garantir o seu pagamento (o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários – artigo 50.º, n.º 1, da LGT e 601.º do Código Civil).”
Ora, N. Apesar de tal raciocínio, a douta sentença suportada em prova documental e testemunhal claramente insuficiente e descurando prova documental junta pela Fazenda Pública com a contestação, designadamente a sentença proferida nos autos nº 771/2014.7IDLSB do Tribunal da Comarca de Lisboa, concluiu, erroneamente, e em abono da tese do oponente, de que o mesmo satisfez o ónus legal que sobre si impendia de provar a não imputabilidade da falta de pagamento ou entrega dos impostos em causa-IVA, IRS (retenções na fonte) e IRC, dos anos de 2010 a 2014.
O. De todo modo, a Fazenda Pública abre aqui um parêntesis para fazer notar o douto tribunal de recurso que, apesar do tribunal a quo afirmar que a sua convicção quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos, o que efetivamente se retira da sentença, e da sua fundamentação, é que a convicção daquele tribunal quanto à prova da culpa do oponente fundou-se essencialmente na prova testemunhal e pontualmente nas circunstâncias que foram descritas pela devedora originária no requerimento de declaração de insolvência e que o tribunal de insolvência aceitou como válidas na sentença de insolvência da devedora originária, nos exatos termos, sem qualquer escrutínio ou valoração.
P. Na verdade, a sentença considerou provados os factos constantes das alíneas G), I), J) exclusivamente com base nos depoimentos das testemunhas N …………………… e C ………………………. e os factos constantes das alíneas D), H), K) e L) com base nesses depoimentos e na sentença de insolvência.
Q. Ora, na perspetiva da Fazenda Pública, não se colocando em causa a clareza dos referidos depoimentos, coloca-se em causa a aptidão do declarado pelas referidas testemunhas e bem assim da prova documental carreada aos autos, designadamente a sentença de insolvência, para dar como provada a ausência de culpa do oponente.
Atentemos,
R. Afirma o douto Tribunal que “o oponente satisfez o ónus legal que sobre si impendia de provar a não imputabilidade da falta de pagamento ou entrega dos impostos em causa no presente processo.”
S. Ajuizando que “O Oponente logrou provar factos demonstrativos de não lhe ser imputável a insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária, não só porque ficou claramente demonstrado que a impossibilidade de pagamento das dívidas fiscais em questão se deveu a razões totalmente alheias ao Oponente, pois a crise financeira, de tesouraria da sociedade devedora originária, que impossibilitou o cumprimento das suas obrigações, deveu-se a uma grave crise económica e financeira mundial que teve em Portugal um dos espaços de maior repercussão, mas também porque logrou demonstrar uma actuação tendente a evitar uma situação de incumprimento da sociedade.”
T. Ora, entende esta Fazenda Pública que o probatório não permite extrair o juízo fáctico de inexistência de culpa do oponente na falta de pagamento das dívidas em execução, não se inferindo dos factos assentes que a impossibilidade de pagamento das dívidas fiscais se deveu a fatores totalmente alheios à sociedade, e bem assim que tenham sido tomadas medidas concretas e adequadas por parte da gerência para obviar a essa situação de incumprimento.
U. Cotejando os factos assentes, não se alcança em que medida a crise financeira que assolou o mundo e o país a partir de 2009 afetou a atividade da sociedade, de modo a impedi-la de cumprir com as suas obrigações fiscais, nem que a gerência tenha tomado as medidas necessárias e profícuas para evitar a derrapagem da situação financeira da sociedade devedora originária.
V. Da matéria assente constante das alíneas l) e j) o que se infere é que a gerência privilegiou o pagamento dos fornecedores estratégicos e dos salários, e que se limitou a reduzir o número de trabalhadores.
W. De modo algum, o douto tribunal poderia ter concluído que o oponente logrou demonstrar quer através dos documentos juntos aos autos quer através da prova testemunhal produzida que as dificuldades e os constrangimentos da sociedade em cumprir as suas obrigações fiscais não se deveu a má gestão, mas sim a fatores externos à sociedade.
X. No caso dos autos importa atentar que as dívidas que integram os processos de execução fiscal revertidos para o oponente referem-se a IVA, IRC e IRS (retenções na fonte), pelo que a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de impostos que traduzem um fluxo monetário na empresa que, ao não serem entregues nos cofres do Estado, estão a ser afetos a fins alheios ao seu destino legal único, sendo que o «desvio» da destinação das verbas recebidas não pode, assim, deixar de indiciar um comportamento censurável do gestor.
Y. In casu, o oponente alegou que a sociedade não recebia atempadamente dos clientes, porém não cuidou de indicar e demonstrar factos concretos, pormenorizados, consistentes e bem documentados, relativos aos clientes que se atrasaram no pagamento das faturas, quais os períodos e valores em débito, as datas de realização dos pagamentos, o porquê do atraso no pagamento.
Z. Não obstante, erroneamente assentiu o douto tribunal que a crise internacional levou a que a sociedade tivesse dificuldades de recebimento de clientes, e que a maioria destes só pagava ao fim de mais de noventa dias, sendo que o Estado demorava, entre 120 a 180 dias.
AA. Donde, salvo o devido respeito, a sentença errou na valoração da prova produzida, pois conclui apenas e só com fundamento em considerações genéricas retiradas da prova testemunhal produzida [claramente insuficiente] nos autos, que a crise internacional levou a que os clientes da executada não efetuassem os pagamentos dos serviços e das vendas de bens atempadamente.
BB. Ficando por esclarecer: Em que medida a crise impediu os clientes [e que clientes] de pagar as faturas atempadamente? Que clientes é que se atrasaram? Por que valores se atrasaram? Quando pagaram?
CC. De resto, o atraso no pagamento das faturas por parte dos clientes, de modo algum desoneraria a recorrida de proceder à entrega do IVA.
DD. Donde, salvo o devido respeito, entende esta Fazenda Pública que o oponente não provou que não lhe foi nem é imputável a falta de pagamento dos impostos revertidos.
Ademais,
EE. Observa-se, que não será pagando prioritariamente as dívidas dos trabalhadores em detrimento das dívidas fiscais, oriundas em impostos repercutidos a terceiros e retidos na fonte, nem pagando aos fornecedores estratégicos, que se afasta a presunção de culpa.
FF. Na verdade, muito embora o douto Tribunal declare que o pagamento prioritário dos salários e dos fornecedores estratégicos não permite infirmar a conclusão de que a gerência não teve culpa na insuficiência do património da devedora originária para pagamento da dívida exequenda, pois que que tais opções da gerência, estão justificados por razões sociais, e bem assim porque tais medidas se mostram essenciais ao regular desenvolvimento das empresas.
GG. Na perspetiva da Fazenda Pública, e salvo o devido respeito, tal asserção mostra-se desacertada, porque subjacente ao pagamento dos impostos legalmente devidos estão também questões sociais, igualmente atendíveis, porquanto a obtenção de receitas através da cobrança regular de impostos é tarefa essencial no Estado de Direito Social, e bem assim porque o pagamento dos impostos constitui igualmente medida essencial ao regular desenvolvimento da atividade das empresas.
HH. De resto, sublinha-se que atenta a natureza das dívidas em presença [IVA e retenções na fonte], mais censurabilidade assume o pagamento prioritário das dívidas de salários e aos fornecedores estratégicos.
II. Assim, e ao invés do sentenciado, deveria o douto tribunal a quo ter concluído que a conduta do oponente foi adequada à insuficiência do património da devedora originária para pagamento das dívidas em execução.
JJ. A apresentação da devedora originária ao PEC, ou ao S.................., ou mesmo a apresentação à insolvência, não permite ilidir a presunção de culpa na falta de pagamento daqueles impostos, até porque tais medidas são o final de uma sequência de acontecimentos.
KK. E pese embora o tribunal sublinhe que a apresentação à insolvência constitui uma medida preventiva dos credores, demonstrativa da observância dos deveres de cuidado e diligência, certo é que no caso quando a gerência requereu a insolvência da sociedade devedora originária já há muito esta se encontrava impossibilitada de cumprir com as suas obrigações, o que consubstancia uma conduta censurável, nada consentânea com a figura do bonnus pater família.
De qualquer modo, LL. A douta sentença em momento nenhum se referiu à natureza dos impostos em cobrança nos PEF’s revertidos, nem tão pouco é ensaiada uma demonstração de ausência de culpa pelo Oponente, face ao alegado na petição de oposição e à natureza dos impostos em causa nos autos, bastando-se com meras referências genéricas, imprecisas, para concluir pela ausência de culpa do oponente.
MM. Diz a douta sentença que “a partir de 2009, face à crise económica e financeira mundial que também assolou o país, a sociedade executada originária teve uma acentuada redução da sua actividade e proveitos, particularmente no sector automóvel, e dificuldades no recebimento dos créditos sobre clientes, criando-lhe necessariamente problemas de tesouraria [cfr. alínea D) do probatório].
Com efeito, é facto público e notório, as dificuldades sentidas por Portugal, e concretamente pelo seu tecido produtivo, face à profunda crise económica mundial iniciada em 2008, e que teve particular impacto no país, face ao seu desequilíbrio orçamental, o que determinou a imposição de medidas económicas restritivas e o fraco investimento estatal. Ocorrendo ainda uma forte contracção do financiamento bancário, face à crise que assolou o sector.”.
NN. A Fazenda Pública levanta várias questões: Em termos concretos, e considerando as suas áreas de negócio, em que medida a devedora originária ficou afetada por força da crise económica? Qual a grandeza da redução da atividade e proveitos? Essa redução na facturação é consequência directa dessa retracção no mercado automóvel? Qual o impacto das medidas económicas restritivas e o fraco investimento estatal na atividade da sociedade? Em que medida a contração no financiamento bancário afetou a devedora originária?
OO. Perguntas a que a matéria assente não dá qualquer resposta, nem a mesma resulta da análise da prova documental junta e da prova testemunhal produzida.
PP. O Oponente não explicou minimamente porque razão não entregou oportunamente ao Estado as importâncias recebidas e retidas [relativas ao IVA e IRS e IRC dos anos de 2010 a 2014], ajuizando que privilegiou o pagamento dos fornecedores e dos funcionários.
QQ. No entanto, a sentença aceitou e valorou tal explicação a favor do oponente, o que na perspetiva da Fazenda Pública mostra-se errado, pois esse comportamento apenas permite concluir, num juízo de normalidade, que o Oponente se apropriou daquelas importâncias em proveito da sociedade!
RR. Além disso, o douto tribunal a quo aquiesceu “que a gerência pagou, ainda que parcialmente, as dívidas que tinha com a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., designadamente através da indicação de créditos que tinha sobre clientes.
De resto, maior pagamento poderia ter ocorrido se as acções desenvolvidas pela gerência no sentido da recuperação da empresa não se tivessem frustrado, pela não aprovação do “S..................”, devido ao atraso da resposta, ainda que afirmativa, por parte da Segurança Social. O que, de todo, não lhe é imputável.”.
SS. A Fazenda Pública questiona que factos levados ao probatório permitiram ao tribunal extrair o juízo fáctico de que mais pagamentos ocorreriam à Autoridade Tributária e Segurança Social se as ações desenvolvidas pela gerência no sentido da recuperação da empresa não se tivessem frustrado, e bem assim que as ações desenvolvidas pela gerência no sentido da sua recuperação se frustraram pela não aprovação do S.................., devido ao atraso da resposta da Segurança Social.
TT. Porque da prova documental e testemunhal produzida e vertida no probatório, designadamente a alínea l), apenas se retira que o IGFSS, IP, demorou cerca de um ano a responder, ficando por esclarecer, pese embora o oponente o tenha alegado, que reuniões foram realizadas, com que periodicidade, em que datas, quem foram os intervenientes, ou seja, não ficou demonstrado quais as démarches (úteis e necessárias) promovidas pela gerência junto do IGFSS, IP, para que a aceitação ao S.................. se tornasse uma realidade, e bem assim se pudesse concluir que a não aceitação do S.................. pelo IAPMEI se deveu ao atraso na resposta do IGFSS, IP., e não a inércia da gerência.
UU. Donde, o douto Tribunal apenas poderia ter assentido que o S.................. não foi aprovado pelo IAPMEI, e que a Segurança Social demorou um ano a responder, nada podendo concluir quanto as démarches desenvolvidas pela gerência, nem que o atraso na resposta pela Segurança Social não lhe é imputável, no sentido de não ter sido por inoperância sua que o último recurso de recuperação da empresa o “S..................” não se concretizou.
Uma última nota de reparo à douta sentença sob recurso.
VV. Como pode aquele aresto não ter valorado a condenação da gerência no crime de abuso de confiança fiscal pelo douto Tribunal da Comarca de Lisboa no Processo n.º 771/2014.7IDSLB, e daí ter extraído as devidas conclusões, designadamente que houve culpa no não pagamento das dívidas tributárias ora revertidas, atenta a censurabilidade subjacente aquele crime.
WW. Concludentemente, considera a Fazenda Pública que douta sentença errou no seu julgamento, pois o Oponente/Recorrido não conseguiu ilidir a presunção de culpa na falta de pagamentos dos tributos em causa nos PEF’s revertidos.
XX. E, deste modo, entende a Fazenda Pública que a sentença aqui em escrutínio deverá ser revogada.
YY. A Fazenda Pública requer, ainda, muito respeitosamente a V.ªs Ex.ªs, ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6º do RCP.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com todas as legais consequências.»

X
O recorrido apresentou contra-alegações, conforme requerimento de fls. 294 e ss. (numeração em formato digital–sitaf), no qual expendeu conclusivamente o seguinte:
«A) Das questões objecto de apreciação, a douta sentença veio a considerar que efectivamente o Recorrido logrou provar a ausência de culpa relativamente ao não cumprimento das obrigações fiscais.
B) A Recorrente não se conforma com a interpretação e conclusão do douto tribunal, alegando erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração e deficiente análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer.
C) E delimita o objecto do recurso aos factos provados descritos nos pontos D), E) F), G), H), I), J), K) e L, considerando que os mesmos são insuficientes para concluir que o Recorrido foi capaz de ilidir a presunção de culpa na falta de pagamentos dos impostos.
D) Antes de mais, tendo em conta as considerações feitas acerca da relevância da sentença que condenou o Recorrido por um crime de abuso de confiança fiscal (Proc. nº771/2014.7IDLSB, que correu termos no Tribunal da Comarca de Lisboa), em 30 dias de multa, importa referir que a Recorrente confunde responsabilidade criminal com a responsabilidade de natureza fiscal, em apreciação nos presentes autos.
E) O facto gerador da responsabilidade tributária é autónomo da responsabilidade criminal, por isso, as causas de extinção duma e de outra são distintas.
F) Não obstante, tal como considera a douta sentença, a não existência de culpa do Recorrido na insuficiência do património da sociedade executada, resulta da prova documental e testemunhal produzida no âmbito dos presentes autos.
G) Quanto ao ponto D) dos factos provados, importa desde já que a crise que assolou o tecido empresarial nacional e internacional, a partir de 2009, é um facto público e notório,
bem como, o facto de no caso da sociedade insolvente, ter sido determinante para o incumprimento das suas obrigações fiscais.
H) Daí que, não se possa concordar, por falta de fundamento, com a conclusão da Recorrente, no sentido de que não se vislumbra que a gerência tenha tomado as medidas necessárias e profícuas para evitar a derrapagem da situação financeira da sociedade devedora originária.
I) A prova de ausência de culpa do Recorrido resulta do encadeamento dos factos devidamente demonstrados e provados.
J) Com efeito, tal como consta da sentença de insolvência da sociedade executada e apesar das grandes dificuldades com que se debatiam, os sócios-gerentes da sociedade, sempre acreditaram numa possível recuperação, na expectativa do relançamento da actividade da empresa.
K) Nesta medida, de forma a assegurar a sua viabilização e recuperação, a gerência da sociedade executada recorreu ao PEC – Plano Extrajudicial de Conciliação (nº2213), cuja acta final de credores foi outorgada em 26/07/2012.
L) A redução do cash-flow operacional da sociedade executada implicou que a empresa concentrasse todo o seu esforço financeiro no cumprimento de salários e obrigações bancárias, por imposição de cativação de dinheiros pelos mesmos, passando o fundo de maneio passou a ser negativo.
M) Face à iminência do incumprimento do acordo do PEC, a gerência da sociedade executada, acreditando na viabilização da empresa, encetou contactos com os credores públicos no sentido de alargar parte da dívida que não tinha sido incluída no Acordo com os credores, transitando para um novo processo no âmbito do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial - S.................., criado pelo Decreto-Lei nº 178/2012 de 3 de Agosto, de forma a garantir a implementação de um processo de recuperação e viabilização.
N) No entanto, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP (IGFSS), a partir de 27/08/2014, tomando conhecimento de tal facto em reunião ocorrida nessa data, promoveu penhoras generalizadas sobre os saldos bancários da sociedade executada e créditos sobre clientes, tendo ainda reduzido mais a capacidade da sociedade para fazer face às suas obrigações legais.
O) A Oponente ficou totalmente paralisada, com a penhora dos saldos bancários e créditos sobre clientes, por via das penhoras ordenadas pelo IGFSS.
P) Não obstante, tendo em vista a recuperação da empresa e a manutenção de postos de trabalho, foi celebrado acordo de pagamento com aquela entidade pública, em 120 prestações, cuja divida englobando a quantia exequenda, juros de mora e custas totalizava, em 09/10/2014, o valor total de 4.918.586,48€.
Q) Por sua vez, o referido IGFSS, arrecadou a penhora dos saldos bancários até 08/10/2014, no valor de 369.463,20€.
R) Estes montantes colocaram a empresa numa situação extremamente difícil e sem qualquer fundo de maneio.
S) De forma a tentar viabilizar a sociedade executada e a sua recuperação, a gerência apresentou o pedido de adesão ao S.................., sendo que tal pedido veio a ser aceite (Procedimento S.................. nº ……………….), em 06/10/2014.
T) A AT veio a aceitar o acordo proposto, em 15/10/2014, no âmbito das negociações promovidas pelo IAPMEI (em capital, juros e custas representava um crédito de 5.905.146,44€).
U) Mais de 90% dos credores aceitaram o acordo proposto no âmbito do S...................
V) O IGFSS, por razões que a Oponente desconhece, só viria a responder em 29/09/2015, ou seja quase um ano depois do início das negociações.
W) O que acabou por determinar que o IAPMEI comunicasse que o processo S.................. ………………, foi extinto em 19-11-2015, pelo motivo de” Não obtenção de acordo no prazo máximo permitido” (art. 15º), do DL 178/2012 de 3 de Agosto.
X) A extinção do S.................., devido à conduta do IGFSS, precipitou a situação de insolvência e determinou a inviabilidade e recuperação da empresa.
Y) Estes factos atrás referidos são matéria dada como assente na douta sentença de insolvência (fls. 17 a 33 dos autos).
Z) Atendendo, assim, aos factos e prova carreada para os autos (testemunhal e documental), o Recorrido logrou provar que, não obstante os esforços encetados pela gerência da empresa devedora originária para a sua recuperação e manutenção, não foi possível alcançar tal desiderato devido aos fatores externos à gestão da sociedade.
AA) Na previsão legal da alínea b) do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, que ora releva, o legislador estabelece a imputação da falta de entrega ou pagamentos dos tributos ao gestor que, tendo o prazo de pagamento ou de entrega da prestação tributária terminado no seu período de gerência, os não tenha efectuado, a menos que se demonstre que não lhe foi imputável essa falta.
BB) Assim, demonstrada que seja a falta de pagamento ou de entrega da dívida tributária por parte da sociedade originária devedora, recairá sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto.
CC) No caso concreto, face à factualidade assente resulta clara a prova da falta de culpa do Recorrido na falta de pagamento dos tributos.
DD) Decidiu bem a douta sentença, porque do probatório consta factualidade provada que permite concluir que a insuficiência patrimonial da sociedade se ficou a dever a factores exógenos, em termos que não poderiam ser previstos e acautelados por um gestor criterioso e diligente.
EE) Na realidade, os factos provados descrevem de forma circunstanciada os diversos esforços e diligências que o Recorrido, enquanto gerente da devedora inicial, levou a cabo para resolver os problemas financeiros da sociedade, os esforços juntos dos credores e finalmente, o cumprimento do dever de apresentação à insolvência, medida preventiva também dos credores.
FF) Em concreto, a situação que originou os incumprimentos, nomeadamente quanto às restrições de crédito, amortização antecipada de empréstimos bancários, atrasos nos pagamentos por parte dos clientes, adesão a planos de pagamento, adesão a procedimentos de recuperação da empresa (PEC e S..................), e redução de custos, nomeadamente pessoal.
GG) Importa, ainda, que a gerência da devedora originária consciente das suas obrigações legais foi sempre liquidando as dívidas à AT, até ao mês anterior ao pedido de insolvência, através de indicação de créditos sobre clientes, tal como é referido na douta decisão ora posta em crise.
HH) Pelo que, o argumento de que privilegiou salários e fornecedores essenciais, como facto demonstrativo da culpa do Recorrido, não procede porque a gerência foi sempre assegurando o pagamento das obrigações fiscais.
II) Acresce que, o recorrido descreveu e provou a actuação da Segurança Social, que incumpriu o prazo legal fixado de resposta e que determinou a extinção do S.................., que teve a virtualidade de precipitar a insolvência da sociedade.
JJ) O Recorrido actuou com a diligência de um bonus pater familias, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial a do art. 64º do CSC, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade, à luz do art. 487º nº 2 do CC.
KK) O Recorrido provou que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável
LL) Daí que, ao contrário do alegado pela AT, a sentença recorrida não incorreu em erro quanto aos juízos valorativos fácticos que retirou da factualidade dada como provada.
MM) De igual forma, a douta decisão não errou no julgamento de direito efectuado, considerando verificada a ilegitimidade do Recorrido, enquanto revertido no processo de execução fiscal, por ter logrado a presunção de culpa que sobre si recaia, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
NN) Não deixa de se assinalar, que a Recorrente não põe em causa a matéria de facto, mas pretende, outrossim, questionar a força probatória da sentença de insolvência e dos factos provados extraídos da mesma no Ponto L) dos factos provados.
OO) Ora, a Recorrente nunca impugnou a sentença de 16/03/2016, proferida pelo Tribunal de Comarca de Lisboa, Lisboa-Instrução Central-1ª Secção Comércio, Processo nº…………………..1TBSLB, em que a sociedade E …………………….., Lda. foi declarada insolvente.
PP) Contudo, ao colocar em crise a força probatória da sentença de insolvência, a Recorrente alega em clara violação de uma decisão transitada em julgado.
QQ) No processo de insolvência, a Recorrente foi parte, enquanto credora reclamante, com privilégio creditório, assim reconhecida e ainda como membro da comissão de credores.
RR) Com efeito, a Recorrente não pode pretender que o Tribunal pudesse agora vir discutir questões de facto que já foram definitivamente decididas acerca das circunstâncias que levaram à declaração de insolvência.
SS) A autoridade do caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito, sendo que o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.
TT) Pelo que a autoridade do caso julgado implica que numa segunda ação seja aceite uma decisão proferida numa anterior ação, decisão esta que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto daquela segunda ação, enquanto questão prejudicial. Esta autoridade pode decorrer quer da decisão proferida na anterior ação, quer dos seus fundamentos. (Ac. Do Tribunal da Relação de Évora, de 16-12-2010 e no mesmo sentido Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15-03-2011, disponíveis em www.dgsi.pt).
UU) Destarte, falece a impugnação da força probatória documental da sentença de insolvência, alegada pela Recorrente.
VV) A Recorrente não logrou contrariar a prova junta aos autos, nomeadamente documental, acerca da ausência de culpa do Recorrido no incumprimento tributário.
WW) E tal questão também não passa pela natureza dos impostos nestes autos, que nunca foram matéria controvertida, nem pela sindicância da mesma.
XX) O que está em causa são os factos concretos que levaram à prova da efectiva ausência de culpa do Recorrido.
YY) Importa levar em linha de conta que a AT não pode ignorar o facto de ter aprovado quer o PEC, em 2012, quer o S.................. em 2014 e que nesse âmbito uma das condições para a aprovação dos respectivos planos de viabilização, era a prestação de garantias pela
sociedade no valor das dívidas exequendas.
ZZ) Ora, a Recorrente aprovou os acordos de credores nos processos de recuperação extrajudiciais a que a empresa recorreu e tem conhecimento directo e detalhado das circunstâncias que conduziram à insolvência.
AAA) Caso a Recorrente considerasse que existia uma gestão danosa ou negligente do Recorrente que tivesse contribuído para o incumprimento da sociedade, não teria aprovados os planos de pagamento prestacionais ou os planos viabilização financeira da sociedade (PEC e S..................).
BBB) Ou seja, a AT tem conhecimento dos clientes que atrasaram os pagamentos, porque tal consta dos respectivos PEF e das penhoras sobre clientes indicadas pela sociedade devedora.
CCC) A AT tem conhecimento da grandeza da redução da facturação da sociedade e do impacto do sector automóvel, porque recebeu as contas anuais (modelo 22 e IES), e os mesmos constavam como elementos obrigatórios do processo de insolvência, nos termos do art. 24º do CIRE.
DDD) Para além, de constarem dos planos de viabilização que foram apresentados pela gerência da sociedade, no âmbito do PEC e S.................. e que a Recorrente aprovou.
EEE) A Recorrente ao tentar negar factos, que são do seu conhecimento directo e pessoal, assume um comportamento contraditório, o que constituiu abuso de direito sobre forma de venire contra factum proprium, proibida pelo art. 334º do CC.
FFF) A douta sentença não incorreu, pois, em erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos de execução e deficiente análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer nem na apreciação da prova, nem no enquadramento jurídico que fez da questão da verificação do ónus da prova da ausência de culpa do Recorrido no incumprimento tributário.
GGG) Assim, sendo ilidida a presunção da culpa por parte do oponente, pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, não pode operar a reversão, tal como decidiu a douta sentença recorrida.
Nestes Termos,
Com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pela Recorrente, por a decisão não ter incorrido em erro de julgamento, nem na apreciação da prova, nem no enquadramento jurídico que fez da questão da verificação do ónus da prova da ausência de culpa do Recorrido no incumprimento tributário, devendo ser, em consequência, confirmada a douta decisão recorrida.»
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«A) Pelo averbamento da inscrição Ap. ……………….., foi registada na Conservatória de Registo Comercial do Porto a constituição da sociedade E ………………………………, Lda., com o seguinte objecto social: ”Exercício do comércio, importação e exportação de motores de qualquer espécie, de geradores de energia, de automóveis ligeiros e pesados de pneumáticos, de máquinas terrestes e rodoviárias, ferroviárias, navios, e aeroportuárias e, bem assim, de todos os acessórios e componentes relacionados; Fornecimento, instalação e montagem de máquinas, de material e de equipamento eléctrico, electrónico, mecânico, e electromecânico, incluindo a sua importação e exportação; bem como de todos os acessórios e componentes relacionados; Indústria de vulcanização e recauchutagem de pneumáticos, exploração de estações de serviço e de oficinas de reparação de automóveis, de motores e máquinas, incluindo montagem, construção de componentes e de todos os trabalhos de implantação e instalação terrestre, marítima e naval, incluindo a sua importação e exportação, a execução de empreitadas e fornecimento de obras públicas e particulares e o comércio e industria de bens e tecnologias militares” (cfr. certidão permanente junta a fls. 16 a 26 da certidão do processo de execução fiscal apensa aos autos);
B) Em 12.02.2003, o ora Oponente foi designado como gerente da sociedade mencionada em A) supra, passando a gerência da sociedade a ser constituída pelo ora Oponente, por L …………………….., H …………………….., F ……………………., L ………………………., N ………………….. e V ……………….. (cfr. certidão permanente junta a fls. 16 a 26 da certidão do processo de execução fiscal apensa aos autos);
C) A sociedade identificada em A) supra obrigava-se “[p]elas assinaturas de dois gerentes ou um gerente e um procurador de outro gerente, ou ainda pelas de um gerente e um mandatário da sociedade ou ainda pela assinatura de qualquer um dos gerentes L ............... ou A …………………….” (cfr. certidão permanente junta a fls. 16 a 26 da certidão do processo de execução fiscal apensa aos autos);
D) Face à crise económica e financeira ocorrida no país, a sociedade identificada na alínea A) supra, a partir de 2009, teve uma acentuada redução da sua actividade e dificuldades no recebimento dos créditos sobre clientes (cfr. depoimento das testemunhas N ……………… e ……………………; sentença de declaração de insolvência junta a fls. a fls. 17 a 33 dos autos);
E) Perante dificuldades em cumprir as suas obrigações, face à factualidade assente na alínea anterior, a sociedade identificada na alínea A) supra aderiu a um Plano Extrajudicial de Conciliação (PEC), cuja acta final de credores foi outorgada em 26.07.2012 (matéria não controvertida – cfr artigo 24º da petição inicial e artigo 58º da contestação; cfr. ponto 16 da sentença de declaração de insolvência junta a fls. 17 a 33 dos autos);
F) Face à eminência de incumprimento do PEC mencionado na alínea anterior, a sociedade identificada na alínea A) supra apresentou um pedido de adesão ao S.................. – Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial, o qual veio a ser aceite em 06.10.2014, e aprovado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (matéria não controvertida – cfr. artigo 33º da petição inicial e artigo 58º da contestação; cfr. pontos 27 e 28 da sentença de declaração de insolvência junta a fls. 17 a 33 dos autos);
G) O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., aquando do pedido de adesão ao S.................., promoveu penhoras generalizadas sobre os saldos bancários e créditos sobre clientes daquela sociedade (cfr. depoimento das testemunhas N............................ e C.............. ……………….);
H) O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. demorou cerca de um ano a responder ao pedido de adesão ao S.................. mencionado em F) supra, determinando a extinção do respectivo procedimento (cfr. depoimento das testemunhas N.............. ………….. e C.............. …………….; sentença de declaração de insolvência junta a fls. 17 a 33 dos autos);
I) Perante as dificuldades de tesouraria da sociedade identificada em A) supra, a sua gerência privilegiou o pagamento dos fornecedores estratégicos e dos salários dos seus trabalhadores (cfr. depoimento das testemunhas N.............. ………… e C.............. ………………..);
J) A gerência da sociedade identificada em A) supra, perante as dificuldades financeiras desta, para redução dos seus custos, procedeu à redução de trabalhadores, com rescisão dos mais velhos (cfr. depoimento das testemunhas N.............. ………….. e C.............. ……………….);
K) Perante a não aprovação do pedido de adesão ao S.................., e face à impossibilidade de cumprir os seus compromissos, a gerência da sociedade identificada em A) supra requereu a insolvência da referida sociedade (cfr. depoimento das testemunhas N.............. …………… e C.............. ……………….; cfr. sentença de declaração de insolvência junta a fls. a fls. 17 a 33 dos autos);
L) Em 16.03.2016, por sentença proferida pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, no âmbito do processo n.º …...1T8LSB, foi declarada a insolvência da sociedade identificada na alínea A) supra, constando da referida sentença, nomeadamente, o seguinte:
« Texto no original»
(cfr. sentença de declaração de insolvência junta a fls. 17 a 33 dos autos);
M) M) Foram instaurados pelo Serviço de Finanças de Lisboa 7, contra a sociedade identificada em A) supra, o processo de execução fiscal n.º ……………….. e seus apensos n.ºs ……………………, ………………., ………………….., ………………………, ……………………, ………………, …………………, ………………., …………………., ……………………., ………………………, ……………….., ………………….., …………………, ………………….., ………………., …………………, ……………………….., ………………….., …………………., …………………………, …………………., ……………………,
…………………., ……………………….., ……………………., ………………., ……………………, …………………….., ………………………., ………………, …………………, relativos a IVA dos períodos de Março, Abril, Maio, Junho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2010, Março, Maio, Junho, Setembro, Outubro e Novembro de 2011, Novembro de 2012, Janeiro, Fevereiro e Outubro de 2013, Fevereiro e Março de 2014, e IRS (retenções na fonte), IRC e imposto de selo dos anos de 2010, 2011 e 2013, no valor global de 2.278.435,02 EUR, tendo datas limite de pagamento voluntario compreendidas entre 20.04.2010 e 09.06.2014 (cfr. documentos de fls. 3 e 4 dos autos e fls. 236 a 237 da certidão do processo de execução fiscal apensa aos presentes autos);
N) Em 17.05.2016, no âmbito dos processos de execução fiscal identificados na alínea M) supra, foi elaborada informação por funcionário do Serviço de Finanças de Lisboa 7, da qual consta o seguinte:
“(…) 2. A divida exequenda da responsabilidade da sociedade ascende ao total de €6.075.461,70;
3. A divida exequenda nos presentes autos é de € 2.278.435,02 (…);
4. A sociedade não se encontra cessada, embora tendo sido proferida sentença de declaração de insolvência em 16/03/2016, no âmbito do processo ………………., a correr termos na Inst. Central de Lisboa – 1ª Sec. Comércio - J4, que nos foi comunicada através do ofício com a referência …………………, datado de 22/03/2016 e onde é requerida a avocaçao de todos os processos de execução fiscal pendentes, nos termos do artigo 181° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
5. A reversão do processo de execução fiscal é o ato administrativo tributário através do qual se efetiva a responsabilidade subsidiária, nos termos do artigo 23° da Lei Geral Tributária (LGT). A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário e dos responsáveis subsidiários, sem prejuízo do beneficio da excussão;
(…)
7. Assim, encontram-se preenchidos os requisitos dos artigos 153° e 160° do CPPT; 8. Por consulta à certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial (Ap. ………….), em particular aos órgãos de gerência designados desde 12 de fevereiro de 2003, verifica-se que os factos tributários e os períodos de pagamento das dívidas em causa nos presentes autos ocorreram durante a gerência (art.º 24º n.º 1 alínea b) da LGT) exercida por:
- A…………………………., NIF. …………….;
- L……………………, NIF. …………………….;
- N…………………., NIF. …………………………; e
- V………………………., NIF. ……………………..;
9. Os responsáveis subsidiários identificados no ponto anterior requereram pagamentos em prestações e/ou certidões de dívida, bem como se apresentaram em reuniões com o órgão de execução fiscal no Serviço de Finanças de Lisboa 7 e/ou na DADE/Direção de Finanças de Lisboa, representando a executada e devedora originária, o que configura a prática de atos de gerência,
10. A Lei 64-B/2011, de 30 de Dezembro (OE/2012), procedeu a alterações ao n.º 7 do artigo 23.º da LGT, o qual passou a prever a possibilidade de reversão nas situações de insolvência em que seja solicitada a avocação dos processos de execução fiscal, nos termos do n.º 2 do artigo 181° do CPPT;
11. O órgão de execução fiscal não pode praticar atos coercivos, designadamente penhoras e vendas de bens do responsável subsidiário, sem que tenha ocorrido a excussão do património do devedor originário, conforme disposto no n.º 2 do artigo 23° da LGT e ofício-circulado n.º 60 091 de 27.07.2012, da Direção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários (DSGCT);
Assim tendo em conta as instruções emanadas e provenientes da DSGCT e face ao acima exposto, sou de opinião de que se preparem os processos com vista à sua reversão contra os gerentes mencionados no ponto 8, procedendo à sua notificação para o exercício do direito de audição prévia nos termos dos artigos 23 n. 4 e 60° da LGT”. (cfr. documentos de fls. 103 e 104 da certidão do processo de execução fiscal apensa aos autos);
O) No seguimento da informação mencionada na alínea anterior, por despacho datado de 17.05.2016, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 7, foi determinada a notificação do ora Oponente para audição prévia à reversão dos processos de execução fiscal identificados na alínea M) supra (cfr. documento de fls. 111 da certidão do processo de execução apensa aos autos);
P) Notificado para o efeito, por ofício datado de 15.05.2016, o Oponente apresentou requerimento tendo em vista o exercício do direito de audição prévia à reversão em causa, alegando que tal reversão não deveria ser decretada e requerendo a apensação dos processos de execução fiscal aí indicados, bem como a produção de prova testemunhal (cfr. documentos de fls. 209 a 220 da certidão do processo de execução apensa aos autos);
Q) Em 15.09.2016, foi exarada informação pelo Serviço de Finanças de Lisboa 7, no âmbito dos processos de execução identificados na alínea M) supra, da qual consta, designadamente, o seguinte: // “(…)
II. Da análise do direito de audição
A) Da fundada insuficiência de bens penhoráveis da devedora originária e do benefício da excussão prévia:
- A reversão do processo de execução fiscal pode ser decidida contra um responsável subsidiário mesmo sem que o património do devedor originário esteja totalmente excutido. Basta que existam fundadas razões para se poder concluir que os bens do activo da devedora originária são insuficientes para pagar a totalidade da dívida, o que fica devidamente demonstrado, por si só, com a declaração de insuficiência –os bens do ativo são insuficientes para fazer face ao passivo que a empresa assumiu perante diversos credores;
- Além disso, refere o nº2 do artigo 153º do CPPT que “o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:
a. Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;
b. Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido”.
- Apesar de se estabelecer a regra de que “a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão” (artigo 23º, nº2, da LGT), ela tem ínsito que se possa concluir pela «fundada insuficiência» e decidir a reversão antes da excussão do património da devedora originária, pois só assim se compreende que se ressalve que a reversão não prejudica o benefício de excussão;
- Tal como já tinha sido referido na informação prestada inicialmente e que acompanhou a notificação para o exercício do direito de audição prévia, a Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro (OE/2012), procedeu a alteações ao nº7 do artigo 23º da LGT, o qual passou a prever a possibilidade de reversão nas situações de insolvência em que seja solicitada a avocação dos processos de execução fiscal, nos termos do nº2 do artigo 181º do CPPT. O órgão de execução fiscal não pode praticar atos coercivos, designadamente penhoras e vendas de bens do responsável subsidiário, sem que tenha ocorrido a excussão do património da devedora originária, conforme disposto no nº2 do artigo 23º da LGT e ofício-circulado nº60091 de 27.07.2012, da Direção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários (DSGCT), mas não está impedido de concluir o projeto de reversão contra os responsáveis subsidiários à data dos factos tributários, pelo que não procede o alegado pelo exponente.
B) Da culpa por parte do gerente
- Por consulta à certidão permanente da Conservatória do registo Comercial (Ap.4/191229), em particular aos órgãos de gerência designados desde 12 de fevereiro de 2003, verifica-se que os factos tributários e dos períodos de pagamento das dívidas em causa nos presentes autos ocorreram durante a gerência do ora recorrente;
- Tendo a reversão sido projetada nos termos da alínea b) do artigo 24º da LGT, ou seja, “pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”, cabe ao gerente o ónus da prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento das dívidas em causa, ocorrendo uma presunção legal da culpa, devolvendo-se ao ora exponente o ónus da prova; // (…)
- Por conseguinte, incumbe ao requerente, de forma a contrariar a presunção legal, prestar prova necessária e suficiente, de que a falta de pagamento das dívidas tributárias pela sociedade não lhes é imputável, demonstrando a inexistência de nexo de causal entre a sua conduta e esse resultado. No caso em concreto e, dado que o requerente não logrou demonstrar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias, não será de atender a presente alegação do exponente.
Assim, por todo o exposto, sou da opinião de que se efetive a responsabilidade subsidiária do exponente, pelas dívidas em cobrança coerciva nos presentes autos, através do recurso ao instituto jurídico da reversão, nos termos do disposto no artigo 23º, em conjugação com o artigo 24º, nº1, alínea b), ambos da LGT e com o artigo 153º do CPPT, proponho a prossecução da reversão.
(…)” (cfr. documentos de fls. 214 a 215 verso da certidão do processo de execução apensa aos autos);
R) Em 16.09.2016, foi proferido despacho de reversão contra o Oponente da execução identificada em M) supra, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 7, com o seguinte teor:
Vista a informação prestada com a qual concordo, importa ainda referir:
A notificação para o exercício do direito de audição, é um procedimento preparatório para o processo de reversão que se inicia com a citação do devedor subsidiário.
No exercício do direito de audição, os notificados poderão desde logo demonstrar perante a AT que não existem fundamentos para a reversão.
Em vista do informado, importa referir o seguinte: o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de algumas circunstâncias tal como se encontra contemplado no artº24º da LGT.
São pressupostos da responsabilidade subsidiária, os factos previstos nas alíneas a) e b) do nº1 do artº24º da LGT, ocorrendo a responsabilidade prevista na al. a) quando. Por culpa das pessoas em funções de administração ou gestão, o património do devedor se tornou insuficiente para o pagamento da dívida tributária. Mas a prova deste pressuposto é da responsabilidade da AT.
No caso presente a reversão foi efetuada ao abrigo da al. b) do citado artº24º da LGT.
O requerente, A………………………………….., vem em resumo, alegar não estarem preenchidos os pressupostos legais da reversão, por não estar demonstrada ou fundamentada a insuficiência dos bens da devedora originária e que não existe culpa do requerente na insuficiência do património da sociedade executada, que conduziu à declaração de insolvência.
Face ao antes alegado, afigura-se-nos estarmos perante uma contradição, pois afirma não estar “demonstrada ou fundamentada a insuficiência dos bens da devedora originária” para logo de seguida dizer que, não teve culpa “na insuficiência dos bens da devedora originária que levaram à declaração de insolvência”. Parece-nos que não é necessário provar a insuficiência de bens da devedora originária, já que tal é assumido pelo requerente.
A reversão do processo de execução fiscal pode ser decidida contra um responsável subsidiário, mesmo sem que o património do devedor originário esteja totalmente excutido. Basta que existam fundadas razões para se concluir que os bens do devedor originário são insuficientes para pagar a totalidade dos valores em dívida, situação aplicável ao caso sub judice.
Quanto à insuficiência de bens da devedora originária, importa referir que a sociedade encontra-se em processo de insolvência.
Nos termos do artº3, nº1 do CIRE, é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas. Caso houvesse bens suficientes para satisfazer todos os credores, certamente a sociedade não se teria apresentado à insolvência, como fez.
Os constrangimentos financeiros da sociedade existem já há vários anos, tanto mais que aderiu a um PEC e mais tarde a um S.......... o que demonstra bem as dificuldades para cumprir com as suas obrigações de pagamento perante a AT e outros credores.
Quanto à existência de bens da devedora originária e cumprido o oficio circulado nº60091, de 27.07.2012, da Direção de Serviços de Gestão de Créditos Tributários, “sempre que seja declarada a insolvência do devedor originário, deve o órgão de execução fiscal apreciar a possibilidade de reversão das dívidas tributárias, perante os indícios de insuficiência de bens penhoráveis que emergem da declaração de insolvência da pessoa coletiva executada, pressuposto da responsabilidade tributária subsidiária, à luz do nº2, do artº23º da LGT”.
Contudo, diz ainda o mesmo ofício circulado que “pese embora a consagração legal deste dever de reversão, não poderá o órgão de execução fiscal praticar atos coercivos, designadamente penhoras e vendas de bens do responsável subsidiário, sem que tenha ocorrido a excussão do património do devedor originário, nos termos do disposto no nº2, do artº23º da LGT”.
Ainda quanto ao projeto de reverão, verifica-se que em sede de direito de audição prévia, não é posto em causa a gerência de facto e de direito nos períodos em causa, tanto mais que o requerente à data do términus do cumprimento legal das obrigações em causa, que originaram as dívidas, surge na certidão permanente e no sistema informático da AT como gerente.
Os gerentes e Administradores das sociedades devem atuar com diligencia de um bom pai de família, observando os deveres de cuidado e assumindo uma gestão criteriosa, no interesse da sociedade, o que não se verificou, face aos processos executivos objeto de análise.
Assim, no sentido da efetivação da responsabilidade subsidiária do mesmo pelas dívidas em cobrança coerciva no processo referido, através do recurso ao instituto jurídico da reversão, nos termos do disposto no artº23º em conjugação com o artº24º da LGT e artº153º do CPPT, prossigam os autos por reversão contra o identificado gerente, realizando-se a citação do despacho de reversão, ficando o processo suspenso contra ele, desde o prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adoção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei. (cfr. documento de fls. 225-225 verso da certidão do processo de execução apensa aos autos);
S) O acervo de bens móveis e imóveis da sociedade identificada na alínea A) supra, que constituem a sua massa insolvente, encontram-se a ser vendidos através da sociedade LC Premium (cfr. documentos juntos a fls. 87 a 107 dos autos e fls. 180 a 190 da certidão do processo de execução apensa aos autos).
*
FACTOS NÃO PROVADOS: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.
*
A decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa, no que concerne aos factos descritos nas alíneas A) a C), E), F) e L) a S), efectuou-se, exclusivamente, com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e da certidão do processo de execução apensa, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. //Quanto à factualidade vertida nas alíneas D) e G) a K) a convicção do tribunal formou-se com base no depoimento das testemunhas N ………………… e C……………….. e, ainda, com base no exame dos documentos especificados em cada uma dessas alíneas da matéria de facto provada.// N ………….. exerceu funções na sociedade executada originária, de 1982 a 2016, no seu departamento administrativo e financeiro, tendo, por isso, um conhecimento directo da factualidade em causa. O mesmo se verifica quanto à testemunha C…………., que desempenhou funções na referida sociedade, de 2002 a 2016, sendo a responsável pelo departamento de recursos humanos, à data dos factos. // No que respeita ao facto assente em D) do probatório, ambas as testemunhas referiram que a sociedade executada originária tinha como clientes grandes empresas, muitas delas do sector publico, ou com o mesmo relacionadas, e que, perante a crise financeira mundial então ocorrida, começou a sentir muitas problemas de tesouraria. Tendo a testemunha C ………………… expressamente declarado que, perante tal conjuntura de crise, passaram a haver menos obras, diminuindo também as vendas. Mais referindo ter ocorrido uma crise na actividade do sector automóvel. // Ambas as testemunhas declararam, por outro lado, que a sociedade, nesse contexto, deparou-se com muitas dificuldades de recebimento de clientes, tendo a testemunha N …………………. referido que a maioria dos clientes só pagava ao fim de mais de 90 dias. Sendo que o Estado demorava, por regra, entre 120 a 180 dias. // Quanto aos factos fixados nas alíneas G) a K) do probatório, os mesmos foram expressamente declarados pelas mencionadas testemunhas. // Com efeito, ambas as testemunhas, de forma congruente, declararam que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., aquando da apresentação do pedido de adesão ao S.........., promoveu penhoras generalizadas sobre os saldos bancários e créditos sobre clientes da executada originária, tendo demorado cerca de um ano a responder ao pedido de adesão ao S.........., o que determinou a extinção do respectivo procedimento. // De igual modo, declararam as testemunhas que, face à não aprovação do pedido de adesão ao S.........., e perante a impossibilidade de cumprir os seus compromissos, a gerência da sociedade requereu a insolvência da mesma. // Também resultou do depoimento das referidas testemunhas que, perante as dificuldades de tesouraria da sociedade, a sua gerência privilegiou o pagamento dos fornecedores estratégicos e dos salários dos seus funcionários, tendo em vista evitar a paragem da actividade da sociedade e a degradação da situação económica dos seus trabalhadores. // As testemunhas ouvidas declararam igualmente, de forma expressa, que a gerência da sociedade executada originária, perante as dificuldades financeiras desta, tendo em vista a redução dos seus custos, procedeu à redução dos seus trabalhadores, rescindo (por acordo) com os mais velhos (mais perto da reforma). // Os depoimentos das testemunhas mostraram-se credíveis e congruentes entre si, o que logrou convencer o tribunal da sua veracidade. // Refira-se, por outro lado, que os mesmos factos foram também dados como provados na sentença de declaração de insolvência junta a fls. 17 a 33 dos autos.»
X
No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente pretende aditar ao probatório o teor da sentença proferida pelo Tribunal de Comarca de Lisboa no P. n.º …………….7IDLSB, referida na conclusão H).
Constitui jurisprudência assente a de que o tribunal deve «apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada. Para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados» (1).
O recorrido argumenta que a matéria de facto em apreço não releva nos presentes autos, porquanto se trata de sentença proferida em processo crime, o qual em nada contende com a responsabilidade subsidiária do gerente da sociedade devedora originária, em causa nos presentes autos.
Salvo o devido respeito, não assiste razão ao recorrido. O facto que se pretende aditar respeita a sentença proferida em processo crime, em que foram condenados a sociedade devedora originária e o ora oponente, por crime de abuso confiança fiscal, relativo à não entrega ao Fisco de IVA (2013/2014) retido. Tal matéria releva na economia dos presentes nos autos na medida em que constitui elemento fáctico a atender no juízo de aferição da culpa do oponente na falta de fundos da sociedade devedora originária para garantir o cumprimento daas dívidas fiscais exequendas.
Em face do exposto, impõe-se determinar o aditamento ao probatório do quesito seguinte:
«T) Em 19-09-2016, o Tribunal da Comarca de Lisboa proferiu sentença no processo n.° ………..IDLSB, em que foram arguidos a sociedade E l…………………., Lda., e bem assim A …………….., L ……………………., N …………… e V ………………………………, condenando-os pela prática, em autoria material e na forma continuada de crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105 n°1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção introduzida pela Lei n°105/01, de 05.06, por ter sido comprovado que os arguidos receberam as importâncias que incluíram nas referidas declarações periódicas como correspondente ao IVA por si liquidado nos períodos de 2013 e 2014 – doc. junto com a contestação.
Termos em que julga procedentes as presentes conclusões de recurso.
X
No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii) [infra], a recorrente censura os elementos elevados às alíneas D), G), H) I), J), K) e L), do probatório, porquanto os mesmos não possuem suporte probatório adequado, sustenta.
Apreciação. A sentença contém um conjunto de elementos dados como assentes com base no elenco probatório retirado da sentença de declaração de insolvência da sociedade devedora originária e-ou com base na prova testemunhal.
Estão em causa os quesitos seguintes:
«D) Face à crise económica e financeira ocorrida no país, a sociedade identificada na alínea A) supra, a partir de 2009, teve uma acentuada redução da sua actividade e dificuldades no recebimento dos créditos sobre clientes (cfr. depoimento das testemunhas N.............. …………… e C.............. …………………; sentença de declaração de insolvência junta a fls. a fls. 17 a 33 dos autos);
G) O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., aquando do pedido de adesão ao S.................., promoveu penhoras generalizadas sobre os saldos bancários e créditos sobre clientes daquela sociedade (cfr. depoimento das testemunhas N.............. …………..e C.............. ……………..);
H) O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. demorou cerca de um ano a responder ao pedido de adesão ao S.................. mencionado em F) supra, determinando a extinção do respectivo procedimento (cfr. depoimento das testemunhas N.............. ………….. e C.............. ………………..; sentença de declaração de insolvência junta a fls. 17 a 33 dos autos);
I) Perante as dificuldades de tesouraria da sociedade identificada em A) supra, a sua gerência privilegiou o pagamento dos fornecedores estratégicos e dos salários dos seus trabalhadores (cfr. depoimento das testemunhas N.............. …………… e C.............. ………………..);
J) A gerência da sociedade identificada em A) supra, perante as dificuldades financeiras desta, para redução dos seus custos, procedeu à redução de trabalhadores, com rescisão dos mais velhos (cfr. depoimento das testemunhas N.............. ……………. e C.............. ……………..);
K) Perante a não aprovação do pedido de adesão ao S.................., e face à impossibilidade de cumprir os seus compromissos, a gerência da sociedade identificada em A) supra requereu a insolvência da referida sociedade (cfr. depoimento das testemunhas N.............. …………………. e C.............. …………….; cfr. sentença de declaração de insolvência junta a fls. a fls. 17 a 33 dos autos);
L) Em 16.03.2016, por sentença proferida pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, no âmbito do processo n.º ………….T8LSB, foi declarada a insolvência da sociedade identificada na alínea A) supra, constando da referida sentença, nomeadamente, o seguinte: // (…)»
Apreciação.
No que respeita aos elementos referidos em G) e H), trata-se de factos que são passíveis de prova documental, que, com maior precisão e detalhe, permitirão aferir das circunstâncias concretas da sua ocorrência. Assim, o carácter impreciso e genérico dos mesmos e a falta de suporte probatório adequado, determina a sua eliminação. Assistindo, nesta parte, razão à recorrente.
Prosseguindo.
A matéria das alíneas I), J), e K), respeita a factos da vida empresa, a qual pode ser comprovada através da prova testemunhal. Pelo que nenhum reparo merece a mesma.
No que respeita à alínea L), a mesma deu por assente que a sentença de insolvência contem um conjunto de enunciados fácticos, os quais são coligidos na alínea referida. Nesta medida, a mesma não merece reparo.
Em face do exposto, impõe-se eliminação da matéria de facto assente dos quesitos das alíneas G) e H). O que se determina.
Termos em que se julgam parcialmente procedentes as presentes conclusões de recurso.
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto provada, pelo não aditamento ao probatório de elemento que considera relevante [conclusões H) e I)] [apreciado supra]
ii) Erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto provada, dado que as alíneas D), G), H) I), J), K) e L) não possuem prova de suporte adequada [conclusões P) a Q), salvo O)] [apreciado supra]
iii) Erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto assente, porquanto a convicção do tribunal quanto à prova da culpa do oponente fundou-se essencialmente na prova testemunhal e pontualmente nas circunstâncias que foram descritas pela devedora originária no requerimento de declaração de insolvência e que o tribunal de insolvência aceitou como válidas na sentença de insolvência da devedora originária, nos exatos termos, sem qualquer escrutínio ou valoração [conclusão O)].
iv) Erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto assente, porquanto, em face das provas produzidas, ficou por esclarecer em que medida a crise impediu os clientes (e que clientes) da sociedade devedora originária de pagar as facturas atempadamente [conclusões AA) e BB)].
v) Erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto assente, porquanto, em face das provas produzidas, ficou por esclarecer em que medida a devedora originária ficou afectada pela crise económica de 2008? [conclusões MM) e NN)]
vi) Erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto assente, porquanto, em face das provas produzidas, da prova documental e testemunhal apenas se retira que o IGFSS, IP, demorou cerca de um ano a responder, ficando por esclarecer quais as diligências promovidas pela gerência da sociedade junto do IGFSS, IP, para que a aceitação do S.................. se tornasse uma realidade? [conclusões SS) e TT)]
vii) Erro de julgamento quanto à apreciação a matéria de facto assente e quanto ao correcto enquadramento jurídico da causa, porquanto o recorrido não logrou comprovar a ausência de culpa no incumprimento dos créditos fiscais exequendos [demais conclusões do recurso]

2.2.2. A sentença julgou procedente a oposição, com base na asserção de que o oponente logrou demonstrar que não foi por sua culpa que os créditos fiscais exequendos (IVA – 2011, 2012, 2013, 2014; IRS, retenções na fonte; IRC e Imposto de Selo, 2010, 2011 e 2013) deixaram de ser satisfeitos.

2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iii), a recorrente põe em causa o relevamento da matéria de facto provada, constante da sentença de insolvência.
Apreciação.
A questão que se suscita não reside em dar como provado, como tal, o elenco probatório constante da sentença de insolvência, mas antes em aferir da sua relevância no quadro do juízo de apreciação das circunstâncias que ditaram a falta de fundos na devedora originária que a tornaram incapaz de garantir o cumprimento dos créditos fiscais exequendos.
Na fundamentação de direito da sentença consta, designadamente, o seguinte:
«De referir ainda que a gerência pagou, ainda que parcialmente, as dívidas que tinha com a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., designadamente através da indicação de créditos que tinha sobre clientes. // De resto, maior pagamento poderia ter ocorrido se as acções desenvolvidas pela gerência no sentido da recuperação da empresa não se tivessem frustrado, pela não aprovação do “S..................”, devido ao atraso da resposta, ainda que afirmativa, por parte da Segurança Social. O que, de todo, não lhe é imputável».
As asserções de facto que constituem a premissa do raciocínio do tribunal recorrido, ora recenseado, apenas constam da matéria de facto provada da sentença de insolvência (v. ponto 35 da mesma). O que coloca a questão da atendibilidade dos factos dados como assentes em processo distinto do presente. A este propósito, suscita-se a seguinte questão: pode o tribunal dar como provados factos considerados como tal em fundamentação de facto de sentença proferida noutro processo?
A questão levantada mereceu a atenção deste TCAS, sobre a qual o mesmo teve ocasião de referir o seguinte. «O preceito do artigo 623.º, do CPC, estabelece a eficácia probatória legal extraprocessual da sentença penal condenatória transitada em julgado, com recurso ao estabelecimento duma presunção ilidível da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação, invocável em relação a terceiros»(2). «O princípio da eficácia extraprocessual das provas, consagrado no art.º 522º, nº 1, do CPC/61, significa que a prova produzida (nomeadamente, depoimentos) num processo pode ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão, seja da pessoa que requereu a prova, seja de pessoa diferente, mas apoiada no mesmo facto. // Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial»(3).
Na doutrina, Maria José Capelo e Nuno Brandão (4) afirmam que «[o]s factos, cuja realidade foi demonstrada num determinado processo, não têm a virtualidade de serem aproveitados, enquanto tal, fora daquele processo onde foram apreciados. (…) // A eficácia extraprocessual de uma decisão só se evidencia pela força de caso julgado material, sob a forma de indiscutibilidade do pedido emergente de uma determinada causa de pedir. // A inadmissibilidade de “transferência” de factos provados de uma acção para outra não é contrariada pela consagração de um valor extraprocessual da prova. Trata-se de regras que actuam em campos diversos: uma contende com a impossibilidade de se “importarem” factos provados, outra chancela “a eficácia extraprocessual” da prova. // Em nome da economia processual e da celeridade, o artigo 421.º do CPC permite que os depoimentos e as perícias possam ser utilizados contra a mesma parte num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil, tudo se passará, por conseguinte, como se a prova tivesse sido produzida no “segundo” processo, desde que aquele (primeiro processo) não ofereça garantias inferiores».
Assim, a referência à matéria de facto dada como provada na sentença de insolvência não pode relevar, como factos dados como provados, no contexto do presente processo, sem ulterior instrução e corroboração a realizar, no quadro do presente processo. Não existe qualquer eficácia de caso julgado associada, dado que os pedidos e a causa de pedir, seja na acção falimentar, seja nos presentes autos de oposição à execução deduzida pelo revertido/oponente. são distintos.
Pelo que, contendo a sentença de insolvência elementos de facto que incidem sobre o juízo de imputação ao gerente/revertido da falta de fundos na sociedade devedora originária, questão que constitui objecto dos presentes autos, não podem tais elementos de facto deixar de ser aferidos, instruídos e, com a máxima precisão, determinados pelo tribunal, titular dos presentes autos. Pelo que a sentença recorrida, ao tomar como premissa do seu juízo de não imputação da culpa factos elencados no probatório da sentença de insolvência, sem ulterior corroboração/confirmação dos mesmos, através de instrução adequada, incorreu em erro de julgamento na determinação da matéria de facto, pelo que não se pode manter, nesta parte. A mesma deve ser anulada e substituída por decisão que amplie e precise a base probatória da sentença (artigo 662.º/2/c), do CPC), nos termos referidos em 2.2.4.
Termos em que se julga procedente a presente conclusão de recurso.

2.2.4. Nos fundamentos de recurso referidos em iv) a vi), a recorrente invoca que a sentença padece de défice instrutório. No essencial, está em causa o impacto da crise económica de 2008 sobre a actividade da sociedade devedora originária, bem como sobre a alegada incapacidade de resposta dos organismos e mecanismos nacionais para superar a situação económica da sociedade devedora originária.
Apreciação.
A recorrente censura a sentença sob escrutínio, porquanto a mesma não recolheu elementos de facto que logrem esclarecer o seguinte:
i) Em que medida a crise financeira que assolou o mundo e o país a partir de 2009 afetou a atividade da sociedade, de modo a impedi-la de cumprir com as suas obrigações fiscais, nem que a gerência tenha tomado as medidas necessárias e profícuas para evitar a derrapagem da situação financeira da sociedade devedora originária (conclusão U).
ii) Em que medida a crise impediu os clientes [e que clientes] de pagar as faturas atempadamente? Que clientes é que se atrasaram? Por que valores se atrasaram? Quando pagaram? (conclusão BB).
iii) Em termos concretos, e considerando as suas áreas de negócio, em que medida a devedora originária ficou afetada por força da crise económica? Qual a grandeza da redução da atividade e proveitos? Essa redução na facturação é consequência directa dessa retracção no mercado automóvel? Qual o impacto das medidas económicas restritivas e o fraco investimento estatal na atividade da sociedade? Em que medida a contração no financiamento bancário afetou a devedora originária? (conclusão NN).
iv) Que reuniões foram realizadas, com que periodicidade, em que datas, quem foram os intervenientes, ou seja, não ficou demonstrado quais as démarches (úteis e necessárias) promovidas pela gerência junto do IGFSS, IP, para que a aceitação ao S.................. se tornasse uma realidade? (conclusão TT).
A matéria de facto referida não resulta do probatório ou não resulta do mesmo, de forma precisa e explícita. Contudo, tal matéria releva e contende com juízo de imputação de culpa do revertido na falta de pagamento dos créditos fiscais em causa nos autos.
«Cabe ao tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada. Para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados»(5).
A base probatória da sentença deve ser alargada e precisada, com vista a aferir do bem fundado da presente pretensão extintiva da execução fiscal, através conciliação dos elementos colhidos oficiosamente pelo tribunal (artigo 114.º do CCPT), com os demais elementos constantes dos autos.
Nos termos do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, «[a]nular a decisão proferida em 1.ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos discriminados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta». Ao não proceder ao apuramento da matéria de facto em apreço, a sentença incorreu em défice instrutório, determinante da sua anulação, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, devendo, por isso, os autos ser devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda às diligências instrutórias necessárias e à prolacção de nova decisão.
Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento das demais conclusões do recurso.

2.2.5. No que respeita ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, é de lembrar que, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento» (6). «A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes» (7). Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for». No caso em exame, o valor da causa corresponde a €2.278.435,02.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que o direito fundamental de acesso aos tribunais (art.º 20.º, n.º 1, da CRP) implica que os custos da prestação do serviço da justiça sejam comportáveis atenta a capacidade contributiva do cidadão médio. «Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor) patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. A aferição da complexidade da causa deve ter em conta o disposto no artigo 530.º/7, do CPC. Assim, consideram-se de especial complexidade, as acções que: «a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou // c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas».
No caso em exame, os autos não preenchem nenhum dos requisitos enunciados com vista a aferir da especial complexidade dos mesmos. Por outras palavras, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual. Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final, em relação a ambas as partes.
Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP. Termos em que se procederá no dispositivo.


Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em determinar a anulação da sentença, por défice instrutório, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, nos termos referidos em 2.2.4.
Custas pelo recorrido, sem prejuízo da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, em relação a ambas as partes.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunto- Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunto –Ana Cristina Carvalho)

(1) Acórdão do TCAS, de 09.07.2020, P. 9281/16.7BCLSB.
(2) Acórdão do TCAS, de 26.01.2017, P. 9805/16.
(3) Acórdão do TCAS, 24.01.2020, P. 34/09.0BECTB.
(4) “A eficácia probatória das sentenças penais e das decisões finais contra-ordenacionais no âmbito do processo civil”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 4006, pp. 25/46.
(5) Acórdão do TCAS, de 09.70.2020, 9281/16.7BCLSB.
(6) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
(7) Salvador da Costa, Regulamento das Custas…, cit., p. 236.