Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:468/22.4BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:04/04/2024
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO;
NULIDADE INSUPRÍVEL;
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS.
Sumário: O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” (cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT) tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infração imputada ao arguido, pelo que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

Vem a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou procedente, por nulidade da decisão de aplicação de coima no montante de € 2.983,96 proferida no processo de contraordenação instaurado à Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Vila do Bispo, Lda., com o nº 1147202206000005373.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

“I) Decidiu a Meritíssima Juiz “a quo” pela procedência dos autos de Recurso e declarou a nulidade da decisão de aplicação de coima e anulou os termos subsequentes do processo de contraordenação, por entender que:

II) “(…) o órgão aplicador da coima não faz traduzir na descrição sumária dos factos um comportamento específico e concreto imputado à ora Recorrente, subsumível à norma infringida e punitiva feita constar da decisão de fixação da coima.(…);

III) Assim sendo, resulta do exposto que não pode ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação da coima, o requisito da descrição sumária dos factos a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, enfermando, assim, da nulidade insuprível prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do mesmo diploma legal.”;

IV) Salvo melhor e douta opinião, ao decidir pela procedência do pedido, incorreu a Mmª Juiz “a quo” em erro de julgamento e violou a douta sentença recorrida o disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, pelas razões que se indicam:

V) Bastando-se a lei como uma descrição sumária dos factos, afigura-se-nos que esta exigência se há-de considerar satisfeita quando, como no caso sub judice, o elemento essencial do tipo – a falta de pagamento da taxa de portagem pela circulação de veículo automóvel em infra-estruturas rodoviárias, designadamente auto-estradas – está descrito na decisão administrativa; e está, não apenas por referência à norma que prevê a contraordenação, o que não seria suficiente, mas mediante a descrição detalhada do comportamento: falta de pagamento de taxas de portagem referente ao veículo identificado pela respectiva matrícula e com referência aos trajectos expressamente indicados, com indicação dos locais, datas e horas a que se verificaram as infracções e aos montantes das respectivas taxas;

VI) É certo que a “Falta de pagamento da taxa de portagem” não está referida na parte da decisão administrativa que tem como epígrafe “Descrição Sumária dos Factos”, mas na parte intitulada “Normas Infringidas e Punitivas”, sob a indicação dessas normas;

VII) Mas essa menção, apesar de fora do lugar adequado na decisão administrativa condenatória, constitui uma efectiva descrição da factualidade que integra o tipo contra-ordenacional (e, conjugada com a demais, aduzida no lugar próprio, não deixa à Arguida qualquer dúvida sobre a factualidade que lhe foi imputada.);

VIII) Essa factualidade, conjugada com a indicação das normas que prevêem e punem a infracção, permite à Arguida exercer plenamente o seu direito de defesa relativamente à decisão de aplicação da coima;

IX) O ilícito em causa é a falta de pagamento da taxa de portagem e os comportamentos imputados à Arguida, descritos com pormenor, preenchem o tipo legal, permitindo à Arguida entender claramente o facto que lhe é imputado;

X) A norma em apreço – art. 5.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho – tutela o pagamento da taxa de portagem, sendo indiferente o modo como o não pagamento se concretizou;

XI) É certo que no referido art. 5.º se descrevem, nos seus n.ºs 1, alíneas a) e b), e 2, os diversos modos como pode concretizar-se essa falta de pagamento, uma vez que esta, em razão da diversidade de modos de pagamento, pode resultar de uma multiplicidade de circunstâncias;

XII) Mas essas circunstâncias não constituem elementos essenciais do tipo, pois se destinam apenas a concretizar um e o mesmo ilícito, qual seja a falta de pagamento da portagem. Por isso, não se exige a menção às mesmas na “descrição sumária dos factos” requerida pela primeira parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT;

XIII) Neste sentido, entre outros, acórdão do STA de 17-10-2018, proferido no processo 01004/17.0BEPRT 0588/18;

XIV) Mais, a decisão de aplicação da coima contém pois todos os elementos legais exigidos, mas se estas exigências não foram levadas à perfeição, é elemento sem relevância jurídica, pois o essencial é que a decisão seja compreendida pela arguida, para o cabal exercício do direito à sua defesa, sendo que no caso concreto dos autos, tal exigência foi observada, o que se denota pela petição apresentada, o que nos permite concluir com maior facilidade que a decisão notificada foi cabalmente entendida – neste sentido, os conselheiros Jorge Sousa e Simas Santos, no seu RGIT anotado (4.ª edição), na nota 1 ao art. 79.º, o seguinte e acórdãos do STA de 12/12/2006, proferido no P. 1045/06, e de 25/06/2015, proferido no P. 382/15, disponíveis ambos em www.dgsi.pt;

XV) Em suma, ao invés do considerado na douta sentença, a descrição sumária da factualidade constante da decisão administrativa que aplicou a coima permite à Arguida o exercício cabal do seu direito de defesa, não subsistindo dúvida alguma quanto aos factos que lhe são imputados, motivo por que não concordamos com a douta sentença quando considera que essa decisão enferma de nulidade por inobservância do requisito constante da alínea b), do n.º 1, do artigo 79.º, do RGIT.

Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.”.

* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.

* *
O Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta ao recurso jurisdicional na qual formula as seguintes conclusões:

“a) Alega a Recorrente, em síntese, que o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação e aplicação do preceito normativo contemplado no art. 79º, n.º1, al. b) do RGIT, ao considerar que a decisão que aplicou a coima deve conter a descrição sumária dos factos.

b) Ou seja, segundo a Recorrente, as exigências daquele preceito legal deverão considerar-se satisfeitas, pois a descrição sumária da factualidade, constante da decisão administrativa que aplicou a coima única, permitiu à arguida o exercício cabal do seu direito de defesa, não subsistindo dúvida alguma quanto aos factos que lhe são imputados, motivo pelo qual a decisão não padece da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT.

c) Ora, nenhuma censura se faz à sentença, na parte em que declara a nulidade da decisão, com a qual se concorda, no que se refere à omissão “da descrição sumária dos factos” por se entender que o Tribunal “a quo” fez uma correta interpretação dos mencionados preceitos legais, uma vez que estamos perante um ato que afeta direitos e interesses legítimos dos contribuintes, pelo que deve conter uma descrição clara e precisa dos factos que permita a sua perceção, na sua plenitude, aos olhos de um cidadão comum, desprovido de conhecimento jurídicos.

d) Além de ser fundamental a descrição da forma de cometimento dos factos para se apreciar a gravidade da ilicitude e da culpa do agente.

e) Vislumbra-se deste modo, que agiu a Meritíssima Juiz corretamente ao considerar que os factos em apreço consubstanciam uma nulidade insuprível do processo de contraordenação, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.
Vossas Excelências, no entanto, melhor apreciarão e decidirão como for de Justiça!”.

* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

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II- OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 412.º, nº 1, do CPP ex vi artigo 74.º, n.º 4, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença padece de erro de julgamento quanto à nulidade insuprível da decisão de aplicação da coima decorrente da descrição sumária dos factos.

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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, consideram-se provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:

A) Em 05-05-2022, foi autuado no Serviço de Finanças de Vila do Bispo, em nome de ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DE BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE VILA DO BISPO, o processo de Contra-ordenação n.º 11472022060000005373, por infracção ao artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30 de Junho (falta de pagamento de taxa de portagem), punida pelo artigo 7.º do mesmo diploma legal (cfr. fls. 3 do Documento n.º 004724807 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

B) Em 14-07-2022, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Bispo, no âmbito do processo de Contra-ordenação referido na alínea A), decisão de aplicação de coima única à arguida, ora Recorrente, no montante de €2.983,96, acrescida de €76,50 de custas processuais com o seguinte teor: “(…)
(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)


(…)

(cfr. fls. 67 a 78 do Documento n.º 004724807 dos autos, idem);
C) Com data de 27-12-2021 foi enviado, à ora Recorrente, notificação da
decisão de aplicação da coima, com o seguinte teor:

(…)”(cfr. fls. 79 do Documento n.º 004724807 dos autos, ibidem);
***
Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
Motivação da decisão de facto
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se no teor dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados pelas partes, nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade.”.

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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé foi anulada a decisão de aplicação, à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vila do Bispo, da coima no montante de € 2.983,96 por nulidade insuprível prevista no art. 63º, nºs 1, alínea d), e nº 3 do RGIT quanto à descrição sumária dos factos a que alude a alínea b) do nº 1 do art. 79º do RGIT.

O Tribunal a quo atendeu, em sede factual, à instauração do processo de contraordenação contra a arguida por falta de pagamento de taxas de portagem, no qual foi aplicada a coima no valor de € 2.983,96, pela prática de infrações previstas e puníveis nos termos das disposições conjugadas dos artigos 5º, nº 2 e 7º da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho, bem como ao teor da notificação da decisão de aplicação da coima (cfr. alíneas A) a C) do probatório). E, com base nessa factualidade, conclui pela existência de nulidade insuprível com a seguinte fundamentação:
No caso dos autos, os factos provados e susceptíveis de integrar uma conduta ilícita, são elementos referentes a uma passagem em via com portagem, a identificação do veículo que nelas passou e o montante da portagem, nada se dizendo em concreto se a mesma foi paga ou não, e sobre qual o concreto facto ilícito verificado.
Mas para além do que se referiu, importa atentar que, mesmo considerando-se a descrição da norma legal considerada como infringida temos que essa descrição se limita a “Falta de pagamento de taxa de portagem”, como sendo a caracterização da norma constante do artigo 5.º, n.º 2, da Lei nº 25/2006, de 30/06.
(…)
Como é facilmente perceptível, a descrição de uma norma como “Falta de pagamento de taxa de portagem” assenta em qualquer uma das alíneas constantes do artigo 5.º, n.º 1 e nº 2, e em qualquer das alíneas constantes do artigo 6.º da Lei nº 25/2006, de 30/06, pelo que, lendo-se a descrição sumária dos factos fica-se sem saber, qual, afinal, foi o facto decisivo praticado pela agente, constitutivo de uma infração, por a sua indicação não conter, em si mesma, quaisquer outros elementos constitutivos do tipo contraordenacional em causa.
Por outro lado, mesmo a norma indicada como norma infringida, ou seja, o artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/2006, de 30/06, exige como elemento constitutivo do tipo, que a falta de pagamento da portagem resulte “da transposição, numa infraestrutura rodoviária que apenas disponha de um sistema de cobrança eletrónica de portagens, de um local de deteção de veículos sem que o agente proceda ao pagamento da taxa devida nos termos legalmente estabelecidos.”, factualidade totalmente omitida na decisão de fixação da coima.
Ou seja, ficamos sem saber se a conduta da Impugnante se encaixou na abstracção da lei (tipicidade) para podermos concluir que houve desconformidade com o direito devido à antijuridicidade do seu comportamento ou a acção típica não justificada (ilicitude).
Como se sabe, no âmbito do processo contraordenacional, a imputabilidade de uma determinada conduta ao agente tem forçosamente de assentar na verificação real de um facto típico, ilícito e culposo, integrável num tipo objetivo e subjetivo, não sendo possível proceder a extrapolações interpretativas sem nexo direto entre os factos imputados ao arguido e as normas consideradas infringidas e punitivas.
E é precisamente isso que sucede no caso concreto dos presentes autos, em que o órgão aplicador da coima não faz traduzir na descrição sumária dos factos um comportamento específico e concreto imputado à ora Recorrente, subsumível à norma infringida e punitiva feita constar da decisão de fixação da coima.
Até porque, podendo estar em causa uma contraordenação omissiva pura (não se sabe se assim é porque não vem descrito nenhum específico comportamento do agente), em que o facto tipicamente ilícito consiste apenas em não fazer algo a que se estava legalmente obrigado a fazer dentro de determinado prazo (não pagamento da portagem), poder-se-ia entender estar cumprido o requisito legal da decisão de aplicação da coima “descrição sumária dos factos” (artigos 63.º, n.º 1, alínea d), primeira parte e 79.º, n.º 1, alínea b) do RGIT) se nesta fosse indicado corretamente qual o dever omitido e qual o momento (o termo do prazo) em que tal dever devia ter sido cumprido. Ora, repete-se, na descrição sumária dos factos não se encontra indicado qual o dever omitido, por forma a ser possível analisar se foi correta a subsunção dos factos descritos às normas infringidas e punitivas consideradas e aplicadas.
Desta feita, confrontado o conteúdo da decisão recorrida, e perante a insuficiência da descrição apontada, não se logra outrossim atingir o iter lógico e valorativo trilhado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Bispo no processo de formação da sua decisão condenatória.
Assim sendo, resulta do exposto que não pode ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação da coima, o requisito da descrição sumária dos factos a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, enfermando, assim, da nulidade insuprível prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do mesmo diploma legal.”.

Insurgindo-se contra o assim decidido veio a AT-Autoridade Tributária e Aduaneira interpor o presente recurso defendendo ter sido cumprido o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 79.º do RGIT. Alega para o efeito que a decisão recorrida descreve os factos de forma sintética e simples atenta a natureza dos factos tipificados, tendo sido cumpridos os requisitos legais que permitem que a arguida exerça o seu direito de defesa (cfr. conclusões IV a XII das alegações de recurso).

Conclui que a sentença recorrida padece de erro de julgamento tendo violado o disposto na alínea b), nº 1 do art. 79º do RGIT porquanto a descrição sumária da factualidade constante da decisão administrativa que aplicou a coima permite à arguida o exercício cabal do seu direito de defesa (cfr. conclusão XV das alegações de recurso).

Vejamos então.

Em situação idêntica à dos presentes autos e onde, aliás, figuravam as mesmas partes, foi proferido Acórdão por este Tribunal em 29/02/2024 no processo nº 448/23.2BELLE, cuja fundamentação sufragamos sem qualquer reserva, razão pela qual limitar-nos-emos a reproduzir, o que aí ficou dito, tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º, n.º 3, do C.Civil), e que de seguida se transcreve:
“(...) Importa, pois, apreciar se as decisões administrativas que aplicaram as coimas violaram os artigos 79.º, n.º 1, alínea b) e 63.º, n.º 1, alínea d), ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), na medida em que, segundo a sentença recorrida, as referidas decisões padecem de nulidade insuprível, por falta de descrição sumária dos factos.
Façamos um breve enquadramento legal.
De acordo com o disposto no artigo 79.º, n.º 1, do RGIT, a decisão que aplica a coima deverá conter, entre outros elementos, a identificação do infractor e eventuais comparticipantes [alínea a)], a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas [alínea b)] e a coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação [alínea c)].
No artigo 63.º, n.ºs 1, alínea d), 3 e 5, do RGIT, prevê-se o seguinte:
“1 – Constituem nulidades insupríveis no processo de contra-ordenação tributário:
(…)
d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.
(…)
3 – As nulidades dos actos referidos no n.º 1 têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos.
(…)
5 – As nulidades mencionadas são de conhecimento oficioso e podem ser arguidas até a decisão se tornar definitiva.”
Por sua vez, dispõem os artigos 5.º e 6.º da Lei n.º 25/2006, de 30/06, o seguinte:
“Artigo 5.º
Contraordenações praticadas no âmbito do sistema de cobrança eletrónica de portagens
1 - Constitui contraordenação, punível com coima, nos termos da presente lei, o não pagamento de taxas de portagem resultante:
a) Da transposição de uma barreira de portagem através de uma via reservada a um sistema eletrónico de cobrança de portagens sem que o veículo em causa se encontre associado, por força de um contrato de adesão, ao respetivo sistema;
b) Da transposição de uma barreira de portagem através de uma via reservada a um sistema eletrónico de cobrança de portagens em incumprimento das condições de utilização previstas no contrato de adesão ao respetivo sistema, designadamente por falta ou deficiente colocação do equipamento no veículo, por falta de validação do equipamento nos termos contratualmente acordados, por falta de associação de meio de pagamento válido ao equipamento ou por falta de saldo bancário que permita a liquidação da taxa de portagem devida.
2 - Constitui, ainda, contraordenação, punível com coima, nos termos da presente lei, o não pagamento de taxas de portagem resultante da transposição, numa infraestrutura rodoviária que apenas disponha de um sistema de cobrança eletrónica de portagens, de um local de deteção de veículos sem que o agente proceda ao pagamento da taxa devida nos termos legalmente estabelecidos.
3 - (Revogado.)
4 - Em todos os casos em que sejam devidos custos administrativos são os mesmos fixados por portaria do membro do Governo responsável pelo setor das infraestruturas rodoviárias.”
“Artigo 6.º
Contraordenações praticadas no âmbito do sistema de cobrança manual de portagens
Constitui contraordenação, punível com coima, o não pagamento de qualquer taxa de portagem devida pela utilização de autoestradas e pontes sujeitas ao regime de portagem, designadamente em consequência:
a) De recusa do utente em proceder ao pagamento devido;
b) Do não pagamento da taxa em dívida no prazo que lhe for concedido para o efeito;
c) Da passagem em via de barreira de portagem sem paragem;
d) Do não pagamento do montante correspondente ao dobro do valor máximo cobrável numa determinada barreira de portagem, importância devida sempre que o utente ali se apresente sem ser portador de título de trânsito válido, nos termos da Portaria n.º 762/93, de 27 de agosto, aplicável a todas as concessões com portagens nos termos da Portaria n.º 218/2000, de 13 de abril.”
Vejamos, adiantando-se, desde já, que se concorda com a sentença recorrida que, aliás, seguiu a Jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores.
A sentença recorrida identificou a manifesta irregularidade conducente à sanção da nulidade por violação da obrigação supra referida, isto é, depois de analisar os factos que fundamentaram as decisões de aplicação das coimas em causa, suscitou as perguntas que são as de saber se perante o disposto no art.º 5.º, e 6.º do DL 25/2006, de 30/6 (diploma que aprovou o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem) ocorreu transposição de uma barreira de portagem através de uma via reservada a um sistema electrónico de cobrança de portagens sem que o veículo em causa se encontre associado, por força de um contrato de adesão, ao respectivo sistema; se ocorreu transposição de uma barreira de portagem através de uma via reservada a um sistema electrónico de cobrança de portagens em incumprimento das condições de utilização previstas no contrato de adesão ao respectivo sistema, designadamente por falta ou deficiente colocação do equipamento no veículo, por falta de validação do equipamento nos termos contratualmente acordados, por falta de associação de meio de pagamento válido ao equipamento ou por falta de saldo bancário que permita a liquidação da taxa de portagem devida; se o Impugnante não pagou taxa de portagem resultante da transposição, numa infra-estrutura rodoviária que apenas disponha de um sistema de cobrança electrónica de portagens; se o veículo em causa passou por portagem de cobrança manual, e se o Impugnante se recusou a pagar a taxa de portagem devida; se não pagou a taxa no prazo que lhe for concedido para o efeito; se passou em via de barreira de portagem sem paragem.
Ora, tal como decidido no recente Acórdão do STA de 18/05/2022, Proc. 0278/19.6BEMDL:
«Os factos pelos quais o arguido responde devem ser-lhe imputados, pois só são ilícitos porque a lei assim o prevê. Não basta remeter para as “normas infringidas” e ”normas punitivas” tal como a AT o fez nas próprias decisões porque que são gerais e abstractas, e que se aplicam ao arguido e a todos os contribuintes verificadas as circunstâncias que determinam a sua aplicação. É necessário invocar e provar factos que, subsumidos das normas aplicáveis, nos permita aferir da validade das coimas aplicadas a cada caso, e conhecer o pedido formulado na PI.
Ou seja, ficamos sem saber se a conduta da Impugnante se encaixou na abstracção da lei (tipicidade) para podermos concluir que houve desconformidade com o direito devido à antijuridicidade do seu comportamento ou a acção típica não justificada (ilicitude). Concluímos que na decisão de aplicação de coima falta a descrição sumária de factos.” Tanto é quanto basta – mesmo que nenhumas outras falhas houvesse a registar na decisão administrativa de aplicação das coimas, e elas existem – para se vislumbrar a correcção da decisão ora recorrida e a manifesta falta de razão da Recorrente a este respeito.»
O Acórdão acabado de citar tem inteira aplicação no presente caso uma vez que aprecia uma situação idêntica à dos presentes autos.
Deste modo, não tem razão a recorrente, pelo que improcede o presente recurso jurisdicional.
Apenas uma última referência relativa à eventual renovação do acto de fixação da coima.
Como uniformemente os Tribunais Superiores têm vindo a entender:
«Constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal, espelhada nos acórdãos citados pelo recorrente nas suas alegações de recurso (cfr. a conclusão 7.º supra transcrita) bem como noutros Acórdãos recentes deste Tribunal (p. ex. de 3/6/2009, rec. n.º 444/09, de 16/9/2009, rec. n.º 683/09, de 14/10/2009, rec. n.º 699/09, de 21/10/2009, rec. n.º 872/09 e de 25/11/2009, rec. n.º 938/09), que decretada em processo judicial de contra-ordenação a nulidade insuprível da decisão administrativa de aplicação da coima, há lugar à baixa dos autos à autoridade tributária que aplicou a coima para eventual renovação do acto sancionatório.».
Deste modo, e como se determinará no dispositivo, após baixa dos autos ao tribunal recorrido, deverá este remeter os mesmos à autoridade tributária que aplicou a coima, no sentido de eventual renovação do acto sancionatório.”. (fim de citação)

Por tudo o que o vem exposto e sem necessidade de mais considerações, entendemos ser de negar provimento ao recurso, baixando os autos à 1ª instância para efeitos de remessa do processo à autoridade tributária, com vista a eventual renovação do ato sancionatório.

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III – DECISÃO

Face ao exposto, acordam as juízas da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, devendo o processo baixar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, para que este o remeta à autoridade tributária que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do ato sancionatório

Sem custas.
Lisboa, 4 de Abril de 2024
Luisa Soares
Hélia Gameiro Silva
Catarina Almeida e Sousa