Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:665/09.8BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/23/2017
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:FACTURAS FALSAS
Sumário:I - Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
II - A AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada da(s) operação(ões) referida(s) na(s) factura(s) ser(em) simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela S..., Lda., contra a liquidação de IRC e juros compensatórios do exercício de 1999, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

A. Foi deduzida Impugnação Judicial contra a liquidação de IRC, liquidação adicional no valor de € 11.831,09, relativo ao ano de 1999, resultante do facto de a AT ter desconsiderado uma factura apresentada pela impugnante, retirando-a do valor de custos por a considerar inidónea e não representar qualquer despesa efectivamente realizada pela empresa, impugnação essa que foi julgada procedente na 1ª instância, decisão com a qual, a representação da Fazenda Pública se não conforma, vindo apresentar o presente recurso.

B. A factura desconsiderada como custo pela Inspecção Tributária, correspondia a serviços alegadamente prestados pela sociedade P.... Lda. na instalação de uma máquina de cortar briquetes, serviços esses facturados antes da chegada da máquina às instalações da impugnante e pagos por cheque levantado e endossado a A..., sócio da impugnante, apesar de não ser fisicamente possível montar uma máquina antes de esta se encontrar nas instalações a que se destina, nem ser aceitável pagar um serviço e endossar o seu montante a outrem.

C. A decisão de procedência teve essencialmente como motivação, a convicção do Meritíssimo Juiz de que o Relatório da Inspecção continha uma fundamentação insuficiente sobre o conceito de “Capacidade instalada”, conclusão que a rfp não aceita por se tratar de um conceito genérico e perfeitamente perceptível pelos destinatários o que a torna legal e legítima.

D. A douta sentença recorrida aceitou também, embora considere pouco plausível, que os serviços tenham sido prestados antes da chegada da máquina a instalar.

E. A representação da Fazenda entende, ao contrário, que ficou claramente demonstrada sua tese de que a factura desconsiderada pelos serviços de inspecção não correspondeu a serviços prestados, correspondendo tal factura desconsiderada a “custos resultantes de operação simulada” (factura nº 98) com a consequente aplicação dos nºs. 3 e 4 do art. 19º do CIVA.

F. A apreciação da sentença deveria ser efectuada tomando em atenção a existência de indícios que demonstram claramente que se está perante uma operação simulada e que a impugnante conhecia a estrutura empresarial do emitente da factura.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente, revogando-se a decisão recorrida, com o que será feita a costumada

JUSTIÇA


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Em síntese, entende a EMMP que “…no caso em apreço, os elementos constantes do RIT, não configuram uma probabilidade séria que permita concluir poder ser a factura em causa falsa”.

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Com dispensa de vistos, vêm os autos à conferência para decisão.

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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, a questão que constitui objecto do presente recurso, consiste em saber se a sentença recorrida errou ao considerar que a AT não cumpriu o ónus da prova que lhe competia quanto à demonstração de indícios de falsidade da factura nº 98, emitida por P..., Lda, em 19/01/99.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

A) A Impugnante é uma sociedade por quotas que exerce a actividade de "Comércio a retalho de máquinas" inscrita com o CAE 52481 – cfr. fls. 81 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

B) Em 19/01/1999, a sociedade P..., Lda., emitiu em nome da Impugnante a factura n.º 98, enunciando “a instalação, e concepção do sistema de arrefecimento de briquetes e instalação de máquina de fazer briquetes”, no valor total de 6.645.600$00 - cfr. fls. 87 dos Autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos;

C) Em 4/03/1999, a sociedade “P...”, emitiu em nome da Impugnante o instrumento constante a fls. 88 dos Autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, denominado de “Commercial Invoice” no valor total de 600.000 - cfr. fls. 88 dos Autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos;

D) Em 11/03/1999, a Impugnante emitiu em nome da sociedade N... a guia de remessa n.º 1061, enunciando “1 Máquina de Briquetes” - cfr. fls. 90 dos Autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos;

E) Em 23/11/2001, a Impugnante emitiu o cheque n.º 0710080034 do ... a favor de P..., Lda. no valor de 6.645.600$00, o qual foi posteriormente endossado - cfr. fls. 101 dos Autos;

F) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º …, de 19/06/2002, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria da DGCI, desencadearam à Impugnante a acção de inspecção externa relativamente ao exercício de 1999, em sede de IRC, no âmbito da qual procederam a correcções à matéria tributável no montante de 28.331,72€ com recurso a correcções meramente aritméticas - cfr. fls. 82 dos Autos;

G) Em 12/07/2002 foi elaborado o relatório de fiscalização constante a fls. 81 a 86 dos Autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções ao ano de 1999 em sede de IRC, e das quais com interesse para a causa se destacam as seguintes: « (…)

II. Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva

II.1. Credencial e período em que decorreu a acção

A presente acção inspectiva foi determinada pela Ordem de Serviço n.º ..., de 19 d Junho de 2002 e decorreu entre o dia 26 de Junho de 2002 e o dia 01 de Julho de 2002.

II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal

O motivo que esteve na origem desta acção inspectiva relaciona-se com a requisição n.º 4/2002, do Sr. Director de Finanças Adjunto, a solicitar a inspecção junto do sujeito passivo S..., Lda., a fim de se verificarem os factos descritos na Informação Preliminar.

O âmbito desta acção inspectiva é o contemplado no PNAIT 221.40 e incidiu sobre o período de Janeiro de 2001.

II.3. Outras situações

Em 19 de Fevereiro de 2002 foi elaborada uma Informação Preliminar com destino ao Núcleo de Averiguações Criminais desta Direcção de Finanças, relativa ao exercício de 1999 e em face da qual foi instaurado o Procº, lnqº. n.º …/02.5 IDLRA.

III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

III.1. Factos analisados que indiciam a presumível prática de crime fiscal

No decurso da visita feita a coberto da Ordem de Serviço n.º ... junto do sujeito passivo P..., Lda., verificou-se o seguinte:

a) no exercício de 1999 é emitida a factura n.º 98 (anexo 1) para a sociedade S..., Lda., NIPC ..., de 99.01.19, no montante total com IVA incluído de € 33.148,11 (6.645600SCO);

b) a supra factura refere instalação, concepção do sistema de arrefecimento de briquetes e instalação de máquina de fazer briquetes, e;

c) não se reconhece capacidade instalada suficiente para prestar estes serviços.

Na visita junto do sujeito passivo S..., Lda. constatou-se o seguinte:

a) a máquina de fazer briquetes, a que a factura n.º 98 do sujeito passivo P..., Lda. se refere, foi adquirida na Áustria, conforme factura do respectivo fornecedor de 1999 -03- 04 (anexo 2), chegou às instalações da S... Lda. em 10 de Março de 99 -ver CMR do transportador em anexo 3 - e no dia seguinte foi transportada para as instalações do cliente N... da Madeira, NIPC …, em ... (anexo 4 e 5), e;

b) a máquina chegou com o quadro eléctrico danificado, bem como com algumas amolgadelas, de acordo com as observações no quadro 18 do CMR do transportador.

Relativamente ao pagamento da factura n.º 98, emitida pela sociedade P..., Lda., apurou-se que esta dívida foi liquidada em 23 de Novembro de 2001, como se constata pelo extracto de conta e do documento de pagamento emitido pela S..., Lda. -anexo 6 e 7.

O pagamento foi realizado com o cheque n.º 10080034, sobre o ..., e verifica-se que não terá sido depositado, mas sim descontado ao balcão (ver tipo de movimento indicado no extracto de conta bancária, anexo 8).

Realça-se ainda um outro facto, a liquidação desta dívida ocorre após a S..., Lda. ter sido visitada pela Inspecção Tributária para recolha de elementos no âmbito da acção que estava a decorrer ao sujeito passivo P..., Lda.

Conclusões

A factura analisada, emitida pela sociedade P..., Lda., não titula verdadeiras transmissões de bens e/ou prestações de serviços porque:

• não nos parece possível que a sociedade emitente tenha capacidade instalada suficiente para prestar estes serviços;

• a chegada da máquina às instalações do cliente acontece numa data muito posterior aos serviços da sua instalação, recorde-se que a factura n.? 98 se refere a serviços ocorridos em Janeiro de 99 (???), mas a máquina instalada, a que a factura se refere, apenas chega ao seu destino em Março de 99 (!!!), e;

• o meio de pagamento não é depositado numa conta da sociedade P..., Lda., mas sim descontado ao balcão, pelo que se corrige o seguinte na sociedade S..., Lda.:

Em sede de IRC

Ano Descrição Disposição infringida Valor

1999 Custos resultantes de operação simulada (Factura 98) Art. 23º do CIRC 28.331,72€

(…)»;

H) Em 21/11/2002, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria remeteram para a Impugnante, por carta registada com aviso de recepção, o Relatório referido na alínea anterior – cfr. fls. 24 dos Autos;

I) Em 26/11/2002, foi emitida em nome da Impugnante a liquidação adicional n.º … referente ao IRC de 1999 no valor de 11.831,09€ - cfr. fls. 22 dos Autos;

J) O imposto referido na alínea anterior foi pago a 27/12/2002 no âmbito do Decreto-Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro – cfr. dístico aposto na Guia Mod. 82 constante a fls. 23 dos Autos;

K) A PI deu entrada neste Tribunal a 20/04/2009 - cfr. fls. 1 dos Autos.


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Motivação: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos Autos e no Processo Administrativo apensos aos mesmos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, bem como, nos depoimentos das testemunhas arroladas.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


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2.2. De direito

Está em causa apreciar se a sentença recorrida decidiu correctamente ao considerar que, relativamente à factura emitida pela sociedade P..., Lda., a AT não tinha logrado cumprir o ónus da prova que sobre ela impendia, no sentido de recolher indícios sérios de que subjacente à referida factura não estava uma real operação económica.

A Recorrente, Fazenda Pública, discorda do assim decidido, sustentando, no essencial, que os indícios elencados no relatório inspectivo são suficientes para que se considere satisfeito o ónus da prova que impende sobre a AT, devendo concluir-se, portanto, pela falsidade da factura em causa.

Com efeito, defende a Recorrente que estamos perante a “existência de indícios que demonstram claramente que se está perante uma operação simulada e que a impugnante conhecia a estrutura empresarial do emitente da factura”.

Vejamos, então, começando por relembrar as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta.

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a AT fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às apontadas facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrida, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ou seja, a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada da(s) operação(ões) referida(s) na(s) factura(s) ser(em) simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.

Como se refere no acórdão do TCAN, de 23 de Novembro de 2012 (proc. nº 1523/05.0 BEVIS-Aveiro), “no que concerne à prova que compete à Administração – (…) -, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (expressão de Castro Mendes citado por Saldanha Sanches), pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.

Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspectiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que a factura relativamente à qual o correspondente custo foi desconsiderado não teve subjacente qualquer operação económica realizada entre a Impugnante, S..., Lda., e a sociedade P..., Lda.

Só respondendo afirmativamente a esta questão é que importaria saber se a Impugnante logrou demonstrar em Tribunal que, não obstante os indícios colhidos, é real, isto é, existiu efectivamente, tal operação económica entre estes concretos sujeitos.

Como dissemos, a sentença recorrida considerou que a AT não tinha cumprido o ónus de prova que a lei lhe impõe neste caso.

Para assim concluir o Mmo. Juiz alinhou o seguinte discurso argumentativo:
“(…)

Todavia, no caso dos Autos, os indícios recolhidos pela AF são insuficientes para suportar, objectivamente e às luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da S..., Lda. e de proceder à respectiva liquidação adicional.

Passemos a explicar melhor.

Como decorre da matéria de facto provada, a AF considerou que a factura contabilizada pela Impugnante e nas quais figura como emitente a sociedade comercial P..., Lda., não corresponde a efectivas transacções porque, citamos:

«(…) • não nos parece possível que a sociedade emitente tenha capacidade instalada suficiente para prestar estes serviços;

• a chegada da máquina às instalações do cliente acontece numa data muito posterior aos serviços da sua instalação, recorde-se que a factura n.? 98 se refere a serviços ocorridos em Janeiro de 99 (???), mas a máquina instalada, a que a factura se refere, apenas chega ao seu destino em Março de 99 (!!!), e;

• o meio de pagamento não é depositado numa conta da sociedade P..., Lda., mas sim descontado ao balcão, (…)».

Mas apenas com estes indícios recolhidos é de concluir que a AF não se desonerou das obrigações probatórias que sobre si impendiam no sentido de cumprir o programa de fundamentação substancial do acto que a lei exige .

Por exemplo, a pág. 3 do Relatório da Inspecção, diz-se que não se reconhece capacidade instalada suficiente para [P..., Lda.] prestar estes serviços.

Mas isto é uma conclusão.

Ora, onde estão os factos que permitiram ao Sr. Inspector formular esta conclusão?

É a sua opinião pessoal? O que necessitava então possuir a referida sociedade? Mais funcionários? Maiores instalações?

Nada diz o Relatório.

Mais adiante, a fls. 4 do Relatório, volta-se a concluir que “…não nos parece possível que a sociedade emitente tenha capacidade instalada suficiente para prestar estes serviços;»

Mas porquê?

Mais uma vez, o Relatório é omisso quanto a este ponto.

Quanto ao argumento que chegada da máquina às instalações da fábrica acontecer em data posterior aos serviços da sua instalação, e apesar do Tribunal entender que tal facto é inusitado, a verdade é que a tese avançada pela Impugnante ao longo da p.i. acaba por ser plausível…

Quanto ao meio de pagamento, por si só, também não é suficiente para demonstrar qualquer ilicitude da parte do Impugnante.

Quer isso dizer, que para o Tribunal esta inércia da inspecção não se mostra conforme aos deveres legais de investigação da verdade material que sobre incidem sobre a AF, gerando assim um défice de investigação que não pode deixar de enfraquecer a prova indiciária recolhida, acrescida do facto de uma fundamentação lacónica bem patente no Relatório.

Quer isso dizer que do probatório, os indícios recolhidos pela AF não permitem suportar, objectivamente, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da Impugnante e proceder à liquidação em causa nos presentes Autos.

As conclusões vagas que a Administração Fiscal fez da P..., Lda. não são suficientes para concluir que a factura contabilizada pela Impugnante não subjaz a prestações de serviços”.

Desde já se adianta que o assim decidido não merece censura.

Vejamos, seguidamente, as razões para assim entendermos, não perdendo de vista que a fundamentação a ter em consideração é unicamente aquela que está, em termos de contemporaneidade, subjacente à correcção efectuada e ao acto de liquidação consequente, ou seja, aquela que consta do RIT.

Ora, afirmar que “não nos parece possível que a sociedade emitente tenha capacidade instalada suficiente para prestar estes serviços” é, para os efeitos aqui em apreciação, pouco mais que nada.

O emprego do verbo “parecer” transmite, por si só, a ideia de opinião, não evidenciando a verificação de uma realidade objectivamente apreendida.

Por seu turno, a singela afirmação de que a emitente não terá “capacidade instalada suficiente para prestar estes serviços” é, uma vez mais, uma declaração que, para os efeitos aqui em apreciação, pouco ou nada nos adianta.

Tratando-se uma afirmação conclusiva, interessava, para poder apreciar o bem fundado do carácter concludente da mesma, perceber as razões e os dados objectivos, com base nos quais foi possível aos serviços de inspecção concluir nos termos em que o fizeram.

Daí que as interrogações formuladas pelo Mmo. Juiz a quo se coloquem, com idêntica pertinência, a este Tribunal de recurso. Afinal, fica por saber qual era efectivamente a capacidade instalada da emitente e em que medida ela não era suficiente para prestar os serviços em causa.

Sobre estes aspectos o RIT nada diz.

Por conseguinte, este primeiro indício é, para o que para aqui importa, inelutavelmente imprestável.

Quanto ao pagamento da factura em causa, os elementos adiantados pelos serviços de fiscalização também de pouco servem, enquanto indícios de que se está perante uma operação simulada.

Vejamos em detalhe o que afirmámos.

A AF evidencia, a este propósito, o seguinte: “O pagamento foi realizado com o cheque n.º 10080034, sobre o ..., e verifica-se que não terá sido depositado, mas sim descontado ao balcão”; “a liquidação desta dívida ocorre após a S..., Lda. ter sido visitada pela Inspecção Tributária para recolha de elementos no âmbito da acção que estava a decorrer ao sujeito passivo P..., Lda”.

Pretendem os serviços de inspecção, mais uma vez, retirar de tal circunstancialismo indícios sérios e seguros de que a prestação de serviços em causa não teve lugar.

Salvo o devido respeito, não se descortina aqui nenhum dado que possa contribuir para a conclusão extraída.

Primeiro, porque o facto de o pagamento da factura ter sido efectuado após visita da fiscalização à sociedade Impugnante, sendo um dado que respeita unicamente à oportunidade do pagamento, é um elemento do exclusivo domínio das relações entre o adquirente e o fornecedor do serviço. São aqui conjecturáveis, na dinâmica das relações estabelecidas entre empresas, várias situações absolutamente plausíveis, como a mora no cumprimento ou por exemplo o incumprimento integral (ou não defeituoso) do contratado.

Segundo, porque o facto de o cheque ter sido levantado ao balcão e não ter sido depositado na conta da sociedade P..., Lda é um facto que se esgota em si mesmo e nada tem a ver com a prestação de serviços em si mesma.

É verdade, e este Tribunal não desconsidera, que a ora Recorrente salienta que o referido cheque foi “levantado e endossado a A..., sócio da impugnante”.

Porém, como se verifica, essa é uma afirmação que não encontra qualquer respaldo no relatório de inspecção (no qual apenas se alude à circunstância de o cheque ter sido levantado ao balcão) e que não decorre da matéria de facto [cfr. ponto E) dos factos provados, onde se alude unicamente ao endosso do cheque].

Por conseguinte, também este indício avançado em sede de inspecção pouco ou nada nos adianta.

Resta, portanto, um último elemento avançado e que, porventura, pode desencadear mais interrogações sobre os serviços prestados, tal como descritos na factura desconsiderada.

Mas, como veremos, é também um elemento insuficiente e isolado (arredados que estão os demais) na fundamentação que nos termos da lei aqui era exigível.

Vejamos.

A este propósito, e no essencial, a AT levanta dúvidas sobre a efectiva prestação dos serviços em causa porque: “a chegada da máquina às instalações do cliente acontece numa data muito posterior aos serviços da sua instalação, recorde-se que a factura n.º 98 se refere a serviços ocorridos em Janeiro de 99 (???), mas a máquina instalada, a que a factura se refere, apenas chega ao seu destino em Março de 99 (!!!)”

Ora, a constatação do apontado desfasamento temporal (por antecipação) entre a facturação e a chegada da máquina às instalações do cliente é um dado que, não sendo o habitual nas relações comerciais, se percebe que tenha gerado dúvidas nos serviços de fiscalização.

Contudo, tais dúvidas deviam ter levado a AT a perceber as razões para tal ter sucedido, em vez de servirem apenas para, sem mais, serem erigidas como indício da falta de materialidade da operação titulada pela factura.

Vejamos.

Pode acontecer que o serviço prestado, por qualquer razão (e a impugnante adianta várias), tenha sido antecipadamente facturado.

Note-se, aliás, que os serviços facturados, tal como descritos na factura, não se limitam à instalação de uma máquina mas, também, à concepção do sistema de arrefecimento de briquetes a instalar na máquina, o que nos leva a ponderar a possibilidade de, ao menos esse serviço, ter sido gerado/criado previamente à sua instalação física.

Definitivamente, este desfasamento temporal não serve para afastar a efectiva prestação do serviço descrito na factura, sendo, aliás, de realçar que a AT não põe em causa sequer que a máquina tenha sido adquirida pela Impugnante, na Áustria, tenha sido transportada para Portugal e tenha sido instalada no cliente final, a sociedade N... da Madeira, em ....

Portanto, este elemento, por si só, sem outros indícios fortes e conclusivos, não nos adianta muito, sendo de todo incapaz de sustentar (por si só) o entendimento perfilhado pela AT.

Quer isto dizer, que os serviços inspectivos, louvando-se unicamente nos elementos que fomos analisando, não estavam habilitados a concluir como concluiram relativamente à factura emitida pela sociedade P.... Os elementos recolhidos são, como fomos dizendo, escassos e frágeis.

Assim, reiterando tudo aquilo deixámos dito, conclui-se, como na sentença, que no caso sub judice não se verifica a existência de indícios sérios de que a factura emitida, em 1999, pela P..., Lda., não corresponda a uma operação real.

Com efeito, não estamos, pelas razões atrás expostas, perante indícios que traduzam uma probabilidade elevada de a factura em causa não titular uma operação real, ou seja, de que o apontado emitente não tenha prestado os serviços nela mencionados. Os elementos nos quais a AT se apoiou para fundamentar a desconsideração da factura são insuficientes e inconsistentes.

Fundamentando-se a liquidação adicional de IRC no não reconhecimento dos inerentes custos declarados pelo contribuinte, era à AT que cabia provar a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação. No caso, a AT não demonstrou que as facturas não correspondiam a verdadeiras operações (ou que correspondiam a operações simuladas).

De resto, só se esta prova fosse feita é que passava a recair sobre a impugnante o ónus de provar que, apesar dos indícios recolhidos quanto à simulação das operações, a factura titulava efectivamente uma operação real.

Assim sendo, como se entende que é, há que concluir, com o Tribunal a quo, dando razão à impugnante, ora Recorrida, confirmando-se o juízo de ilegalidade da liquidação adicional de IRC sindicada.
Para mais, tal como decidido, tem a Recorrida direito a juros indemnizatórios, nos exactos termos determinados pelo Tribunal a quo (que, de resto, não foram postos em causa), pois que ocorreu o pagamento indevido do imposto adicionalmente liquidado, determinado por erro imputável aos serviços, do qual resultou a anulação do acto tributário sindicado.

Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 23/03/17


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)