Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:895/11.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/04/2024
Relator:MARIA ISABEL FERREIRA DA SILVA
Descritores:RCP – ARTIGO 6º Nº 7 E 14º Nº 9.
DISPENSA DE PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:I– Verificando-se o exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente, ao abrigo do nº 7, do art. 6º do RCP.
II– Após a nova redação dada ao artigo 14º nº 9 do RCP, introduzida pela Lei nº 27/2019 de 28/3, a parte vencedora, nas situações em que deva ser pago o remanescente da taxa de justiça nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.
III- A nova redação dada ao artigo 14º nº 9 do RCP ocorreu na sequência do acórdão nº 615/2018 do Tribunal Constitucional, datado de 28/11/2018 (proc nº 1200/17) que julgou inconstitucional a norma que impunha a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-o a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14º, nº9, do RCP na redação da Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:



I - RELATÓRIO


A Fazenda Pública, ora recorrente, deduziu “recurso”, dirigido a este Tribunal, tendo por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 09.09.2015, que julgou deserta a instância, tendo condenado em custas a impugnante, ora recorrida - A….., SA, propugnado a recorrente pela dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, salientando nas suas alegações que a sentença recorrida é omissa quanto à dispensa do remanescente da taxa de justiça.


Salienta a recorrente que ao não ter sido dispensado o remanescente da taxa de justiça pelo Tribunal a quo existe omissão de pronuncia e que, apesar de ser vencedora terá de pagar custas nos termos do artigo 14º nº 9 do RCP, sendo desproporcional.


Após ter sido notificado da decisão recorrida veio a recorrente através de requerimento de 29.09.2015 (fls. 838/850 do SITAF) pedir a reforma da mesma pelo facto da mesma ser omissa quanto ao remanescente da taxa de justiça, defendendo que a simplicidade do processo, que o valor da ação é superior a 275.000 EUR e que teve uma postura de colaboração com o Tribunal e dificilmente obterá o ressarcimento das custas que venha a pagar em sede de custas de parte.


Por despacho de 16.10.2015, o Tribunal entendeu que o poder jurisdicional se havia esgotado, tendo convidado a recorrente a reformular o seu pedido de reforma de sentença de modo a ser convolado em recurso para este TCA (Cf. Pág. 867/871 do SITAF).


Em 20.11.2015 a recorrente, acatando o convite dirigido pelo Tribunal a quo, viu convolado o pedido de reforma em recurso dirigido a este Tribunal (Cf. Pág. 878/883 do SITAF).



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A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:


“I- O presente recurso visa a dispensa do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor tributário superior a €275.000,00 quando o volume do processado não se afaste do que é comum, a complexidade das matérias abordadas se revele relativamente diminuta e a conduta processual das partes se pautou pelo princípio da colaboração com a justiça, abstendo-se da prática de actos inúteis, fornecendo todos os elementos necessários à boa decisão da causa, evitando porventura a realização oficiosa de todo o tipo de diligências (neste sentido cf. Acórdão do TCASul de 13-03-2014, proferido no Proc. 07373/14).


II- Assim, e porque, quer a conduta processual da impugnada se pautou pelo princípio da colaboração com a justiça, abstendo-se da prática de actos inúteis, fornecendo todos os elementos necessários à boa decisão da causa, evitando porventura a realização oficiosa de todo o tipo de diligências, quer porque a própria causa se veio a revelar diminuta, requer-se, desde já, que a Fazenda Publica seja dispensada do remanescente da taxa de justiça, correspondente ao valor tributário superior a €275.000,00”.



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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser rejeitado na medida em que a decisão, na parte sindicada, lhe foi completamente favorável, entendendo não ter a recorrente legitimidade para interpor o presente recurso ou, pelo menos, interesse em agir.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

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QUESTÃO PRÉVIA: (art. 652º nº 1 b) do CPC)

Porque foi suscitada pelo MP a ilegitimidade da recorrente e a falta de agir, importa previamente analisar estas questões.
No entendimento do MP a recorrente não tem legitimidade para o recurso na medida em que é parte vencedora, assim como não tem interesse em agir.
Estabelece o artigo 280º (Recursos das decisões proferidas em processos judiciais), nº 1, do CPPT o seguinte:
“1. Das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo Representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo nas situações previstas no nº 3.”
Em sentido semelhante, o artigo 631º nº 1 do CPC, preceitua que:
“1- Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido”.
Estes preceitos estabelecem um pressuposto subjetivo dos recursos – a legitimidade ativa - que o relator do Tribunal ad quem deve apreciar (art. 652º nº 1 al. b) do CPC, ex vi, art. 2º al. e) do CPPT).
Porém, mais do que analisar o comportamento da parte que precede a decisão (critério formal), cabe aferir em que medida a decisão sob recurso é ou não objetivamente desfavorável (vd. António Santos Abrantes Geraldes, ob. Cit., pág. 99).
O pressuposto da legitimidade afere-se através do prejuízo que a decisão determina na esfera jurídica do recorrente. Ao passo que, o interesse em agir (art. 644º, nº 4, 660º e 671º nº 4 do CPC) está já ligado à utilidade prática que decorre da utilização de meios jurisdicionais e, relativamente aos recursos, aos efeitos potenciados pela decisão que vier a ser proferida pelo tribunal superior, sendo a falta de interesse processual que permite arredar que uma parte, não obstante ter ficado objetivamente vencida numa decisão interlocutória, nenhuma vantagem venha a retirar da sua revogação, alteração ou até anulação (vd. Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, vol. I, pp 242 e ss; António Santos Abrantes Geraldes, ob. Cit., pág. 99).
Na situação colocada, analisando a decisão recorrida, o Tribunal a quo decidiu o seguinte:

“ Em face do exposto, visto o artigo 281/1 CPC, aplicável ex vi artigo 2º e) declaro deserta a instância.
Custas pela Impugnante, artigo 527/1 CPC, aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT”

Enfrentemos agora a questão da ilegitimidade da recorrente.

Não há dúvidas que numa análise formal a recorrente é efetivamente parte vencedora.
Contudo, atendendo ao recurso que nos vem dirigido (alegações e conclusões), e bem assim ao pedido de reforma da sentença que previamente a recorrente solicitou ao julgador em 1ª instância e que foi convolada no presente recurso (cf. Págs. 838/850 867/871 e 878/883 do SITAF), a pretensão da recorrente passava por obter uma pronuncia quanto à dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6º nº 7 do RCP, na medida em que em causa está uma ação de valor muito superior a 275.000,00 EUR, salientando que apesar das custas ficarem a cargo da recorrida dificilmente obterá os montantes que vier a pagar (artigo 14º nº 9 RCP), em sede de custas de parte, o que alega ser desproporcional.
Na verdade, de acordo com o entendimento do estabelecido no artº 14º nº 9 do RCP, à data dos factos, nas situações em que devia ser pago o remanescente da taxa de justiça (quando não havia dispensa) e o responsável pelo impulso processual não fosse condenado a final, o mesmo devia ser notificado para efetuar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.
Bom de ver está que ao não obter dispensa do remanescente da taxa de justiça o recorrente fica numa situação desfavorável face aos seus interesses, na medida em que, apesar de parte vencedora teria de pagar o remanescente da taxa de justiça nos termos do citado artigo 14º nº 9 do RCP.
Recorrendo de novo aos ensinamentos de António Santos Abrantes Geraldes, diremos que: “(…) É parte vencida aquela que é objetivamente afetada pela decisão, ou seja, a que não obteve a decisão mais favorável aos seus interesses.” (In, Ob. cit. pág. 100).
É verdade que após a nova redação dada ao artigo 14º nº 9 do RCP, introduzida pela Lei nº 27/2019 de 28/3, a parte vencedora, nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.
No entanto, não era essa a redação da norma à altura dos factos nem aquando da interposição do recurso em 2015, a qual ocorreu apenas em 2019, depois de ter sido declarada a inconstitucionalidade dessa norma (art.14 nº 9) por violação do acesso ao direito e do princípio da proporcionalidade (art.18 nº 2 e 20 CRP) ao exigir o pagamento da taxa de justiça à parte absolvida, impondo-lhe o ónus de reaver da parte contrária, através das custas de parte, o que pagará ao Estado, tal qual alega o recorrente.
Com efeito, foi no acórdão nº 615/2018 do Tribunal Constitucional, datado de 28/11/2018 (proc nº 1200/17) que aquele alto tribunal julgou “inconstitucional, a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-o a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14º, nº9, do RCP”.
Justificou o Tribunal que “a exigência do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que, por ser absolvido do pedido, venceu totalmente a ação civil e, por conseguinte, não é condenado em custas, obrigando-o a obter o montante que pagou em sede de custas de parte, revela-se, pois, uma solução inconstitucional porque comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição”.
Ainda em 12.04.2023, aquele mesmo Tribunal Constitucional, no processo 186/23, voltou a sublinhar a inconstitucionalidade da norma resultante do artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, na redação da Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, que impõe o pagamento do remanescente da taxa de justiça à contrainteressada que venceu totalmente o processo, obrigando-a a pedir o reembolso do montante que pagou em sede de custas de parte.

Visto isto, analisada a pretensão (objetiva) da recorrente, tendo em conta a desproporcionalidade por si defendida ao ser parte vencedora e ainda assim ser onerado com o encargo de reaver os valores pagos em sede de custas de parte caso não houvesse dispensa de pagamento do remanescente, nos termos do art. 14º nº 9 do RCP na redação da Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, cremos que a mesma tem legitimidade e interesse em agir.
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II -QUESTÕES A DECIDIR:

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].
Nas suas alegações de recurso a recorrente formula duas conclusões que se prendem unicamente com um pedido de dispensa de remanescente da taxa de justiça que havia solicitado em 1ª instância.
Assim, relendo ambas as conclusões, constatamos que nenhum erro de julgamento ou nulidade é apontado à decisão recorrida nas conclusões recursarias.
Porém, revisitando as alegações de recurso, dali se colhe que a recorrente se insurge quanto à omissão da decisão que julgou deserta a instância por nada referir quanto à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça face ao elevado valor da ação.
Como bem refere António Santos Abrantes: “(…) revelando-se alguma deficiência na formulação de conclusões tendo por referência o teor da motivação, fica aberta a possibilidade de ser proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do artº 639º nº 3, sem embargo de se poder concluir, através da ligação intrínseca entre diversas questões abordadas na decisão recorrida ou nas alegações, que a enunciação de alguma ou algumas nas conclusões do recurso revela, ainda que de modo implícito, a vontade de obter a reapreciação de outra ou outras questões. (…)”- In Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed., pág. 135.

Cumpre, assim, ao Tribunal apreciar:
(i) Se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto não se pronunciou sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça;
(ii) Caso a mesma se verifique, julgar em substituição, e aferir se estão reunidos os pressupostos para ser decretada a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça;
(iii) Não se verificando a arguida omissão de pronúncia, apreciar da concreta subsunção normativa no citado artigo 6.º, nº7, do RCP, e do concreto preenchimento dos requisitos legais atinentes à aludida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

“(…)

A) Por carta registada com aviso de receção depositada em 2014.12.03, foi comunicado a I……, na qualidade de legal representante de A….., SA, a renúncia ao mandato (cf. fls. 1833 e 1835 - numeração do processo físico); do ofício enviado transcreve-se:


Fica V. Exa. por este meio devidamente notificada, na qualidade de legal representante da Impugnante do douto despacho, cuja cópia se junta bem como do duplicado do requerimento de renúncia ao mandato apresentado pela Ilustre Mandatária - Dra. E…..

Mais se notifica para, no prazo de 20 dias, a contar da assinatura do A/R, constituir novo mandatário, por nestes autos ser obrigatória a sua constituição, com a cominação prevista no artigo 47 n° 2 e 3 do CPC:

(...);


B) Por carta registada em 2004.12.23, I…… informou não ter conseguido encontrar quem aceite administrar a sociedade (cf. fls. 1836 a 1843 - Id.);





C) O processo tem o valor de € 4 214 750,96;

D) Por despacho de 2015.03.31, constante de fls. 1860 dos autos - numeração do processo físico - que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi declarada a suspensão da instância”.


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No despacho de convite ao aperfeiçoamento dirigido à recorrente, que antecede a convolação do pedido de reforma da sentença, o Tribunal a quo fixou a seguinte factualidade:

“(…)

A) Em 2011.04.29, A….., SA, veio impugnar a liquidação de IVA dos anos de 2006 e 2007, no montante global de € 4 214 750,96;

B) Em 2012.11.30, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido;
C) Em 2012.12.14, a Impugnante recorreu da sentença;
D) E, em 2012.12.17, a Fazenda Pública interpôs recurso da sentença;

E) Por despacho de 2013.01.16, os recursos foram admitidos;

F) Por Ac. TCAS de 2013.09.17, foi concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, notificado às partes em 2013.09.18;

G) Por carta registada em 2013.10.08, a MI Advogada E…….. veio renunciar à procuração;

H) Os ofícios de notificação da renúncia foram devolvidos ao remetente;

I) Em 2013.12.18, o Serviço de Finanças de Torres Novas informou que o administrador único da sociedade faleceu em 2012.08.16;

J) Entretanto, a MI Advogada veio informar a morada da nova sede social da Impugnante;

K) Todavia, as notificações enviadas para o novo domicílio indicado vieram devolvidas com a menção mudou-se;

L) Por despacho de 2014.05.28, foi ordenada a remessa dos autos à 1a Instância;

M) Posteriormente a sócia da Impugnante, I……, foi notificada da renúncia;

N) Ouvido o Ministério Público, por despacho de 2015.03.31, foi suspensa a instância.

O) Em 2015.09.09, a instância foi declarada deserta.

P) Em 2015.09.29, deu entrada o pedido de reforma da sentença quanto a custas”.



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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

Como se viu o recorrente afronta a decisão recorrida pelo facto de nada ali ser dito acerca do remanescente da taxa de justiça, alegando que a decisão, que foi de deserção, não foi complexa, houve colaboração das partes e o valor tributário é superior a €275.000,00, estando reunidos, portanto, os pressupostos da dispensa vertidos no artigo 6º nº 7 do RCP.


Importa então analisar, primeiramente, se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto não se pronunciou sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

A nulidade por omissão de pronúncia, prevista no artigo 125º nº 1 do CPPT (assim como no art. 615º do CPC), verifica-se quando o Tribunal, em violação do seu dever de cognição, consagrado no artigo 608º nº 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2º al. e) do CPPT, deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar ou seja, sobre todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
É tendo em consideração o disposto no artigo 608º, nº 2 do CPC, que se terá de aferir da nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do art. 615º, do CPC.
Preceitua o art. 608º, nº2, do CPC que o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Deste modo, a nulidade em causa, representado a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas.

Apreciando.

Consultando os autos, informam os mesmos que, em 09.09.2015, o Tribunal a quo decidiu julgar deserta a instância e condenou a impugnante/recorrida nas custas, nada referindo acerca da dispensa do remanescente da taxa de justiça.
O valor da ação fixada pelo Tribunal a quo foi de 4. 214. 750,96 EUR (Cf. ponto C) dos factos provados).
O artigo 6º nº 7 do RCP, à data dos factos estabelecia que: “Nas causas de valor superior a € 275.000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual da parte, dispensar o pagamento”.
Do normativo transcrito emerge que, quando o valor da ação seja superior a 275.000,00 EUR, como sucede na situação colocada, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, a não ser que o juiz entenda, fundamentadamente, que a (boa) conduta das partes e a simplicidade da lide, justifique a sua dispensa.
Por outro lado, também as partes podem requerer ao Tribunal, nos próprios articulados e/ou antes do transito em julgado do processo, a dispensa daquele pagamento.
Como se disse no acórdão do STJ de 12.04.2023, Processo 18932/16.2 TBLSB.L3.S1, diremos nós também que: “III - Verificando-se o exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente, ao abrigo do nº 7, do art. 6º do RCP”.
Ora, vendo o articulado de contestação da ora recorrente, nada foi requerido acerca da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que é bastante para se concluir que não houve omissão por parte do Tribunal ao não se pronunciar acerca dessa questão não colocada pelas partes, pese embora lhe assistisse a faculdade de o fazer, como se vê do normativo transcrito.
Não obstante, como se disse, nada impedia a recorrente de fazer o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça em momento posterior (o que fez, mas que veio a ser convolado no presente recurso), até porque, aquele pedido pode ser feito até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, consoante igualmente avançamos.
Com efeito, no que se refere ao momento para a parte deduzir a dispensa/redução da taxa de justiça remanescente, dada a divergência jurisprudencial, o Supremo Tribunal de Justiça, por AUJ nº1/2022 (publicado no DR 1ª Série de 3/1/2022) fixou a seguinte uniformização: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar, de acordo com o nº 7 do art. 6º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final do processo”

Revisitando a decisão, é verdade que nada foi dito acerca da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça em 1ª instância, o que poderia ter sido feito se assim o Tribunal a quo o entendesse, mas, como também não fora requerido antes da decisão de 09.09.2015, não se pode extrair a conclusão que existe nulidade por omissão de pronúncia.


E por assim ser, conclui-se que a decisão recorrida não padece da arguida omissão de pronúncia.


Aqui chegados, há, então, que aferir se estão reunidos os pressupostos para a concessão da dispensa do remanescente da taxa de justiça, realidade que, conforme já referido anteriormente, não obstante não tenha sido objeto de apreciação na decisão recorrida, pode/deve ser objeto de apreciação nestes autos, aquilatando-se, assim, do seu concreto preenchimento.


Vejamos então.

Na situação trazida, está em causa uma ação cujo valor foi fixado em € 4 214 750,96 (valor correspondente ao montante das liquidações de IVA de 2006 e 2007 impugnadas) - Cf. pontos C) da matéria de facto assente na sentença recorrida.

Através de despacho datado de 2015.03.31 (fls. 1860 dos autos - numeração do processo físico), o Tribunal a quo determinou a suspensão da instância – Cf. ponto D) da matéria de facto assente na decisão recorrida.

Em 09.09.2015 o Tribunal julgou deserta a instância, condenanado a recorrida/impugnante nas custas – Cf. fls. 818/823 do SITAF.

Informam ainda os autos e foi consignado na decisão posta em crise, que, em 30.11.2012 havia sido proferida uma primeira decisão (cf. pág. 388/444 do SITAF), que veio a ser revogada por este Tribunal em 17.09.2013.

O STJ, no acórdão de 12.12.2013, decidiu que a norma constante do nº 7 do artigo 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275.000,00, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

Deve haver proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça a pagar por cada interveniente no processo e a contraprestação inerente aos custos deste para o sistema de justiça dada a sua bilateralidade.

Tendo em conta este este enquadramento normativo e jurisprudencial, debrucemo-nos sobre o caso sujeito.

A tramitação dos presentes autos, no que respeita à atividade processual, consubstanciou-se nos articulados, produção de prova testemunhal, prolação da sentença, recursos e prolação de acórdão.

Posteriormente, após ter baixado processo à primeira instância, foi proferida decisão de deserção da instância.

As decisões proferidas quer na primeira quer na segunda instância, como se alcança da sua análise, não implicaram particular especialização jurídica ou técnica, sendo certo que a decisão de deserção assumiu notória simplicidade.

No que respeita ao critério da conduta processual das partes nada existe a apontar ou a censurar.

Considerando o valor da ação (superior a 275.000 EUR), à simplicidade das questões colocadas (que na sentença recorrida se cinge à deserção da instância), ao facto de não ter sido a recorrente condenada nas custas, e bem assim ao comportamento das partes ao longo do todo o processo, será de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Importa, por fim, trazer à colação o discorrido pelo STJ, em decisão singular prolatada em 20/12/2021 (relator Cons. Abrantes Geraldes), processo nº 2104712.8 TBALM.L1S1, disponível em www dgsi.pt, onde se consignou o seguinte:

Neste contexto, parece mais correta a tese segundo a qual o último órgão jurisdicional que intervém deve apreciar não apenas a dispensa ou redução da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes, como se reconheceu explicitamente nos Acs. do STJ, de 24-5-18, 1194/14 e de 8-11-18, 567/11, em www.dgsi.pt.

Aliás, esta é a única solução que se harmoniza com o regime da taxa de justiça remanescente que agora emerge do nº 9 do art. 14º do RCP que recentemente foi introduzido, nos termos do qual a parte totalmente vencedora na ação - o que apenas se revela com o trânsito em julgado da decisão - fica desonerada do pagamento da taxa de justiça remanescente.

Este preceito revela que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias, com efeitos designadamente na exigibilidade da taxa de justiça remanescente, assume sempre natureza provisória, ficando a sua exigibilidade ou a sua quantificação dependente dos resultados futuros. Por isso, terminando o processo na Relação ou, depois, no Supremo, o apuramento da quantia devida a título de taxas de justiça remanescente, assim como a identificação do interessado a quem é de imputar a responsabilidade pelo seu pagamento estão condicionados pelo resultado que a final vier a ser declarado”.

Note-se que o art. 6 nº 7 RCP ao definir o critério para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça está a pressupor um juízo de valoração global do processo, logo só pode ser feito com a decisão final, pelo que o argumento da autonomia dos recursos para efeito das custas (arts. 527 nº 1 CPC e 1 nº 2 RCP) não parece ser consistente, pois que uma coisa é a tributação autónoma em cada um dos graus de jurisdição, outra a dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça. É certo que a taxa de justiça integra as custas (art.3 nº1 RCP), mas do que se trata não é da dispensa da taxa em cada um dos graus, mas da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a € 275.000,00.

Considerando que a Lei nº 27/2019 de 28/3, alterou o nº9 do art. 14, dando-lhe a seguinte redacção - “9 - Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final” – daqui resulta agora que dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça já nem sequer está dependente do pedido do interessado, nem sequer da intervenção oficiosa do tribunal, porque a dispensa opera automaticamente (ope legis), e a única condição é obviamente que “não seja condenado a final”.

Sumariou-se ainda noutro douto aresto do STJ de 12.04.2023, Processo 18932/16.2 TBLSB.L3.S1, que na integra acompanhamos, o seguinte:

“ I- Só o tribunal da última decisão determina qual a parte responsável pelas custas sendo que a parte não condenada a final fica dispensada do pagamento do remanescente.

II- Cabe ao tribunal que profere a decisão final a apreciação da dispensa/redução do remanescente da taxa de justiça devida, abarcando toda a tramitação processual nas demais instâncias.

III - Verificando-se o exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente, ao abrigo do nº 7, do art. 6º do RCP.

IV- Sendo a questão a decidir nos recursos de apelação e no de revista respeitante, apenas, à deserção da instância, trata-se de questão de analise simples e não trabalhosa, justificativa da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas instâncias de recurso”

E por assim ser, face a todo o exposto, considera-se que, in casu, se encontram reunidos todos os pressupostos para que seja decretada a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede o valor de €275.000,00.


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IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, e conceder provimento ao recurso, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Sem custas.


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Lisboa, 04 de abril de 2024

Isabel Silva
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Jorge Cortês
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Sara Diegas
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