Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:717/23.1BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:04/04/2024
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PRAZO
Sumário:I Nos termos do preceituado no n.º 1 do artigo 170º do CPPT, o pedido de dispensa de prestação de garantia deve ser apresentado no prazo de 15 dias a contar da apresentação do meio de reacção (gracioso ou judicial);
II – Não se encontra legalmente prevista a possibilidade de tal pedido ser apresentado em momento prévio ao da interposição do meio de reacção gracioso ou judicial.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO


A…., S.A., melhor identificado nos autos, deduziu reclamação, nos termos do disposto nos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1007202301074911, após notificação do despacho de indeferimento proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Faro, ao abrigo de delegação de poderes, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia por si formulado no referido processo.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por decisão de 27 de dezembro 2023, julgou a reclamação totalmente improcedente.

Não concordando com a decisão, a Recorrente, A…, S.A., interpôs recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«I) A contribuinte, ora recorrente, é executada no processo de execução fiscal para cobrança da dívida exequenda, no valor de € 1.050.458,43;

II) Esta dívida exequenda resultou de um procedimento de inspeção tributária externo, cujo termo inicial ocorreu em 26.05.2022, tendo as conclusões do relatório final do procedimento de inspeção tributária sido notificadas à contribuinte em 13.12.2022, através do ofício n.º 8278, da Direção de Finanças de Faro;

III) Com fundamento nas conclusões do relatório do procedimento de inspeção tributária e nas correções técnicas, no montante de € 3.712.335,30, feitas ao resultado fiscal, foi efetivado pelos serviços da AT o ato de liquidação de IRC n.º 2022 8310029566, de 19.12.2022, no valor de € 816.120,48;

IV) Em face da complexidade das matérias envolvidas nas correções técnicas feitas ao resultado fiscal e perante a necessidade de aproveitar integralmente o prazo legal para apresentação dos meios de reação para sindicar a legalidade do ato de liquidação e das correções à matéria coletável de IRC do período de tributação de 2018 e, ainda, do imperativo de obstar à realização de penhoras que pudessem constituir um obstáculo à continuidade do exercício da atividade económica, a contribuinte requereu, nos termos do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT, a suspensão do processo de execução fiscal;

V) Em 03.04.2023, a contribuinte dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira, por via postal registada, nos termos do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT e do artigo 52.º da LGT, um requerimento a manifestar a intenção de apresentar impugnação judicial ou reclamação graciosa para sindicar a legalidade do ato de liquidação de IRC que deu origem ao processo de execução fiscal n.º 10072092301074911, instaurado para cobrança coerciva da dívida exequenda e acrescido no valor de € 833.877,30;

VI) Em ordem a obter a suspensão do processo de execução fiscal, e a correlativa declaração de situação tributária regularizada, em face do teor e finalidade do normativo do n.º 2 do artigo 169.º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 117.º-A do CPPT, em 03.04.2023, a contribuinte dirigiu um outro requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira com vista à constituição parcial de garantia através da penhora de dois prédios urbanos de que a executada é proprietária, e requereu a dispensa de prestação de garantia para o remanescente da dívida exequenda e acrescido, porquanto, a executada não é titular de outros bens idóneos suscetíveis de penhora;

VII) Em 07.06.2023, a contribuinte apresentou reclamação graciosa para sindicar a legalidade do ato de liquidação de IRC relativo ao período de tributação do ano de 2018, no valor de € 833.877,30;

VIII) Por despacho de 05.05.2023, proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Faro, ao abrigo de delegação de poderes, e exarado em informação elaborada na Direção de Finanças de Faro no âmbito do processo n.º 708120237403008913, o pedido de dispensa de prestação de garantia foi indeferido;

IX) Basicamente, a decisão de indeferimento teve por fundamento que, de acordo com o n.º 1 do artigo 170.º do CPPT não se encontra legalmente prevista a possibilidade do pedido de dispensa de prestação de garantia ser deduzido anteriormente à apresentação de reclamação graciosa ou impugnação judicial.

X) Em 22.05.2023, a contribuinte procedeu à apresentação, nos termos dos artigos 276.º a 278.º do CPPT, de reclamação dos atos do órgão da execução fiscal, com fundamento em prejuízo irreparável e ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia no processo de execução fiscal n.º 1007202301074911;

XI) Através do ofício referência 004844120, de 29.12.2023, a contribuinte foi notificada da sentença judicial que considerou improcedente a reclamação deduzida contra os atos do órgão da execução fiscal interposta para sindicar a legalidade do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia;

XII) Para fundamentar a sentença, o Tribunal a quo invocou jurisprudência ínsita no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01630/19.2BELRS, de 20.04.2020, bem como do seu sumário, sendo que este estabelece que “I - O pedido de dispensa de prestação de garantia, previsto e regulado no artigo 170.º do CPPT, não é equiparável ao pedido de suspensão da execução fiscal apresentado previamente ao meio de reação gracioso ou judicial, acompanhado da competente prestação ou constituição de garantia, previsto e regulado no n.º 2 do artigo 169.º do CPPT. II - O pedido de dispensa de prestação de garantia deve ser apresentado, nos termos do n.º 1 do artigo 170.º do CPPT, no prazo de 15 dias a contar da apresentação do meio de reação (gracioso ou judicial) e não pode ser apresentado previamente à interposição daquele meio de defesa e garantia por parte do executado. (…)”;

XIII) A contribuinte não pode acolher a interpretação subscrita pelo Tribunal a quo dos normativos da Lei Geral Tributária (LGT) e do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que regulamentam a matéria relativa à suspensão do processo de execução fiscal, de constituição e dispensa de prestação de garantia;

XIV) A interpretação do Tribunal a quo nega e recusa a possibilidade do pedido de dispensa de prestação de garantia poder ser feito antes da apresentação do meio de defesa gracioso ou judicial focaliza-se para o efeito na norma do n.º 1 do artigo 170.º do CPPT e ignora por completo a ratio legis do normativo do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT;

XV) Atentos os normativos do artigo 9.º do Código Civil, há que realçar que as normas jurídicas não se interpretam só com base na letra da lei, e que as normas jurídicas devem ser interpretadas com base em todas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (art.º 11.º da LGT), isto é, a interpretação das normas jurídicas tem de ter em consideração a ratio legis e a unidade do sistema jurídico;

XVI) O Tribunal a quo ao sufragar a interpretação decorrente da jurisprudência firmada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01630/19.2BELRS, de 20.04.2020, caiu em erro de julgamento de direito, porquanto, não teve em consideração a ratio legis dos normativos do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT, do n.º 4 do artigo 52.º da LGT e da alínea d) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 177.º-A do CPPT;

XVII) O Tribunal a quo limita-se a fazer uma interpretação estritamente literal do normativo do n.º 1 do artigo 170.º do CPPT, e ignora em absoluto a ratio legis do normativo do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT e não faz uma interpretação lógica e sistemática dos normativos legais da LGT e do CPPT que regulamentam a matéria relativa à suspensão da execução fiscal, prestação de garantia e dispensa de prestação de garantia;

XVIII) A interpretação que o Tribunal a quo faz no sentido de que apenas é possível pedir a dispensa de garantia no prazo de 15 dias após a apresentação do respetivo meio gracioso ou judicial de defesa é assaz limitativa e redutora dos direitos e garantias dos contribuintes, violando, assim, os princípios da proporcionalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça;

XIX) In casu, o que está causa não é a situação normal ou regra de constituição de garantia idónea com vista à obtenção de suspensão do processo de execução fiscal, mas sim a situação de exceção prevista no n.º 2 do artigo 169.º do CPPT;

XX) E não se diga que, caso o legislador tivesse pretendido que também nesta situação se aplicasse o instituto da dispensa de garantia, tê-lo-ia dito expressamente no normativo do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT;

XXI) A prestação/constituição de garantia no processo de execução é feita à luz dos normativos dos artigos 169.º, 195.º, 199.º e 199.º-A do CPPT e do artigo 52.º da LGT;

XXII) A norma do n.º 8 do artigo 169.º do CPPT estabelece que “[c]aso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reação previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora”;

XXIII) A falta de prestação de garantia idónea dentro do prazo de 15 dias a contar do facto relevante (apresentação de meio de defesa ou pedido de pagamento fracionado), ou a inexistência de autorização para dispensa da mesma, no mesmo prazo, origina a prossecução dos termos normais do processo de execução, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 199.º do CPPT;

XXIV) O processo de execução fiscal caracteriza-se pela sua celeridade e simplicidade de termos, daí que o normativo do artigo 177.º do CPPT estabeleça que “[a] extinção da execução verificar-se-á dentro de um ano contado da instauração, salvo causas insuperáveis, devidamente justificadas”;

XXV) Decorrido o prazo de 30 dias após a citação, sem que a dívida exequenda e acrescido se mostre paga ou o executado tenha lançado mão a qualquer outra possibilidade de reação prevista na lei, o órgão de execução fiscal procede à penhora, tal como decorre do normativo do n.º 1 do artigo 215.º do CPPT;

XXVI) Decorre do princípio da legalidade, conforme prescrito no n.º 3 do art.º 85.º do CPPT e n.º 3 do art.º 36.º da LGT, que a Administração Tributária só pode conceder moratórias ou a suspensão do processo de execução fiscal nos casos expressamente previstos na lei;

XXVII) É fundamental ter em consideração que para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 177.º-A do CPPT, a constituição de garantia é equiparada à sua dispensa e à sua caducidade;

XXVIII) Importa considerar que, nos termos do n.º 2 do artigo 190.º do CPPT, a citação deve conter “(...) a indicação de que, nos casos referidos no artigo 169.º e no artigo 52.º da lei geral tributária, a suspensão da execução e a regularização da situação tributária dependem da efetiva existência de garantia idónea, cujo valor deve constar da citação, ou em alternativa da obtenção de autorização da sua dispensa”;

XXIX) Ainda que se alegue que requerer a suspensão da execução fiscal não é a mesma coisa que requerer a dispensa de prestação de garantia, a verdade é que, nos casos em que o executado não seja titular de bens ou rendimentos idóneos e suficientes para constituir garantia, o executado só pode obter a suspensão da execução fiscal caso lhe seja autorizada a dispensa de prestação de garantia;

XXX) Não se compreende como é que na sentença recorrida e no Acórdão do STA, proferido no processo n.º 01630/19.2BELRS, de 20.04.2020, se admite que o pedido de dispensa de garantia apenas pode ser realizado no prazo de 15 dias após a apresentação do respetivo meio gracioso ou judicial de defesa para sindicar a ilegalidade do ato de liquidação ou a exigibilidade da dívida exequenda e ignora-se, em absoluto, a ratio legis do normativo do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT;

XXXI) A posição decorrente do Acórdão do STA, proferido no processo n.º 01630/19.2BELRS, de 20.04.2020, e plasmada na sentença recorrida, emerge exclusivamente da interpretação da letra do n.º 1 do artigo 170.º do CPPT, não tendo em consideração os demais normativos que dispõem sobre a dispensa de garantia, mormente o n.º 4 do artigo 52.º da LGT e a norma do n.º 3 do artigo 199.º do CPPT;

XXXII) Importa considerar que o aditamento do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT resultou da circunstância dos contribuintes, por causa da celeridade verificada na tramitação do processo de execução fiscal, estarem impedidos de beneficiar/usufruir do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT (120 dias) e do prazo previstos no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT (3 meses), para deduzir reclamação graciosa ou impugnação judicial para sindicar a ilegalidade do ato de liquidação constitutivo da dívida exequenda;

XXXIII) Esta impossibilidade resulta da circunstância de, na sequência da citação, caso o contribuinte não proceda ao pagamento da dívida exequenda ou não apresente, no prazo de 45 a 60 dias, meio gracioso ou

judicial de defesa, por força do normativo do n.º 1 do artigo 215.º do CPPT, o devedor pode de imediato ver os seus bens ou rendimentos penhorados;

XXXIV) A penhora efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 215.º do CPPT, tem lugar quando o contribuinte ainda está a usufruir do prazo que a lei prescreve para lançar mão ao meio de reação adequado para sindicar a ilegalidade do ato de liquidação;

XXXV) Não se podem colocar em causa direitos fundamentais e essenciais dos contribuintes, tal como é a possibilidade de poder usufruir em pleno e na totalidade dos prazos prescritos na lei para deduzir os respetivos meios de defesa;

XXXVI) A ratio legis do normativo do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT assenta nestas circunstâncias e consiste na forma que legislador encontrou para estabelecer justiça e equilíbrio entre os interesses da Fazenda Pública na celeridade da tramitação da execução fiscal e os interesses do executado em usufruir na plenitude dos prazos legais de interposição dos respetivos meios de defesa e, assim, ver estabelecido e garantido, nos termos da lei, o acesso à justiça e a tutela plena e efetiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos;

XXXVII) Nesta medida, não se compreende nem se pode aceitar uma interpretação assente exclusivamente na letra do normativo do n.º 1 do artigo 170.º do CPPT, e defender que a dispensa de prestação de garantia apenas pode ser requerida no prazo de 15 dias após a apresentação do meio gracioso ou judicial de defesa;

XXXVIII) É fundamental ter em consideração a razão teleológica ou finalidade do preceito do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT e fazer uma interpretação, tal como decorre do n.º 1 do artigo 11.º da LGT, sistemática, lógica e racional dos normativos da LGT e do CPPT que regulamentam a temática da prestação/constituição de garantia versus dispensa de prestação de garantia;

XXXIX) A petição referida no n.º 3 do artigo 199.º do CPPT também é a petição ou requerimento que o contribuinte tem de apresentar nos termos do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT, podendo o contribuinte na mesma invocar os pressupostos da dispensa de garantia, apelando ao n.º 4 do artigo 52.º da LGT, e solicitar a dispensa de garantia, sempre que não detenha condições patrimoniais que lhe permitam prestar garantia nos termos da lei tributária;

XL) A interpretação da lei tributária efetuada pelo Tribunal a quo, e perfilhada na sentença recorrida, é ilegal porque não tem em consideração uma interpretação sistemática, lógica e racional dos normativos legais aplicáveis e, outrossim, porque consubstancia a violação dos princípios da igualdade, da legalidade e da justiça, porquanto, impede os contribuintes que não sejam titulares de acervo patrimonial suscetível de constituir garantia idónea de lançar mão aos meios de defesa gracioso ou judicial para sindicar a ilegalidade do ato de liquidação;

XLI) O pedido de dispensa de garantia efetuado pela contribuinte, ora recorrente, foi efetuado no tempo adequado e legal, pelo que o mesmo não podia ser indeferido com o fundamento de que o pedido de dispensa de prestação de garantia deve ser apresentado, nos termos do n.º 1 do artigo 170.º do CPPT, no prazo de 15 dias a contar da apresentação do meio de reação (gracioso ou judicial) e não pode ser apresentado previamente à interposição daquele meio de defesa e garantia por parte do executado;

XLII) De acordo com a melhor doutrina, na exegese da lei fiscal, o intérprete deve levar em conta não só o elemento léxico, como o lógico. O interprete deve investigar, então, o motivo por que foi a lei elaborada (occasio legis, mens legislatoris), os princípios que presidiram à sua elaboração, os antecedentes históricos da disciplina legal (estudo histórico), enfim o seu estudo sistemático, aí compreendida a apreciação do fim visado pela lei e do enquadramento desta no sistema jurídico a que pertence;

XLIII) Importa sublinhar que o elemento sistemático compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico;

XLIV) Em face das simbólicas aproximações que invocámos dos elementos interpretativos das leis, importa concluir que a consideração da ratio legis da norma do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT é compatível com o instituto da dispensa da garantia e que o contribuinte que não tenha acervo patrimonial que lhe permita proceder à constituição de garantia nos termos da lei tributária, com o requerimento formulado nos termos do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT deve apresentar pedido de dispensa de garantia invocando e provando os respetivos pressupostos legais;

XLV) Só esta interpretação é que é compatível com a ratio legis da norma do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT e com a mens legislatoris, sob pena da prática de ato ou prolação de decisão que induza ou projete de forma irremediável uma situação de prejuízo irreparável na esfera jurídica do contribuinte;

XLVI) O indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia, tem por efeito a não suspensão do processo de execução fiscal, situação que é suscetível de colocar em causa a continuidade do exercício da atividade económica e contribuir para inviabilizar que a executada possa fazer a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, colocando, assim, em causa a tutela plena, efetiva e eficaz dos seus legítimos interesses;

XLVII) É inequívoco que o legislador pretendeu que na situação da alínea d) do n.º 1 do artigo 177.º-A do CPPT, se admita uma situação de regularização da situação tributária não só mediante a apresentação/constituição de garantia, mas sim também mediante a autorização, a requerimento do interessado, da dispensa da prestação de garantia;

XLVIII) O interessado não pode efetuar/apresentar o seu requerimento, como se diz na sentença recorrida, no prazo de 15 dias a pós a apresentação do meio gracioso ou judicial de defesa, mas sim conjuntamente com o requerimento previsto no n.º 2 do artigo 169.º do CPPT, tal com fez a contribuinte, ora recorrente;

XLIX) Aquando da apresentação do requerimento, nos termos do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT, a pedir a suspensão do processo de execução fiscal, em face da norma do n.º 3 do artigo 199.º do CPPT, o contribuinte tem o direito de invocar e provar os pressupostos da dispensa da garantira (n.º 4 do art.º 52.º da LGT) e solicitar que a mesma lhe seja autorizada, sob pena de ilegalidade;

L) É redutor e limitativo dos direitos e garantias dos contribuintes, com absoluto prejuízo da interpretação lógica e sistemática dos normativos legais aplicáveis, dizer que no processo de execução fiscal a dispensa de prestação de garantia apenas pode ser requerida no prazo de 15 dias após a apresentação do meio gracioso ou judicial de defesa;

LI) É inequívoco que a sentença recorrida encerra uma interpretação muito restritiva das normas tributárias, concreta e nomeadamente, das normas do artigo 52.º da LGT e dos normativos n.ºs 1 e 2 do artigo 169.º do CPPT, dos normativos do artigo 177.º-A do CPPT e da norma do n.º 3 do artigo 199.º do CPPT;

LII) A sentença recorrida, não obstante subscrever jurisprudência firmada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01630/19.2BELRS, de 20.04.2020, enferma de erro de julgamento de direito, sendo a decisão ilegal, devendo, consequentemente, ser revogada e substituída por outra que acomode a pretensão da contribuinte, ora recorrente, em conformidade com a adequada interpretação da lei e a correta aplicação do direito.

Por todas as razões expostas e aduzidas, e com o mui douto suprimento dos Venerandos Conselheiros, deve o presente Recurso Jurisdicional ser considerado procedente e, consequentemente, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que considere procedente o pedido de dispensa de prestação de garantia, assim se fazendo a adequada interpretação e correta aplicação do direito e a costumada JUSTIÇA.»


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A Recorrida, FAZENDA PÚBLICA, notificada do recurso interposto, optou por não contra-alegar.
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O Exma. Procuradora-Geral Adjunta do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A) Na sequência da inspeção tributária que correu termos a coberto da ordem de serviço n.º º OI202101300, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Faro, foi emitida, em nome da ora Reclamante, a liquidação n.º 20228310029566, no valor total de € 828.179,38, com data limite de pagamento em 07-02-2023 – cfr. fls. 38 a 47 do registo do sitaf n.º 004830163;

B) Não tendo sido efetuado o pagamento voluntário da referida quantia, foi instaurado contra a ora Reclamante o processo de execução fiscal n.º 1007202301074911, para cobrança coerciva de dívida de IRC do ano de 2018, no montante global de € 828.179,38 – cfr. fls. 119-120 do sitaf;

C) Em 06-03-2023, no âmbito do processo de execução fiscal referido na alínea antecedente, foi emitido, em nome da ora Reclamante, ofício de citação pessoal – cfr. fls. 49 do registo do sitaf n.º 004830163;

D) Em 03-04-2023, a ora Reclamante apresentou, junto do Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira, requerimento pelo qual pediu a suspensão do processo de execução fiscal referido nas alíneas antecedentes, referindo que era sua intenção apresentar impugnação judicial ou reclamação graciosa para sindicar a legalidade do ato de liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios referente ao período de tributação do ano de 2018 – cfr. fls. 50 a 52 do registo do sitaf n.º 004830163;

E) Na mesma data, a Reclamante apresentou exposição escrita, dirigida ao Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira, da qual consta, designadamente, o seguinte:

(…)





- cfr. fls. 53 a 57 do registo do sitaf n.º 004830163;

F) Em 05-05-2023, pela Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Faro, em regime de substituição por delegação de competências, foi proferido despacho de indeferimento dos requerimentos referidos nas alíneas antecedentes – cfr. fls. 32 a 36 do registo do sitaf n.º 004830163G) Em 07-06-2023, a Reclamante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC em causa – facto não controvertido; cfr. fls. 122 a 160 do sitaf.;»


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Factos não provados

«Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.»


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Motivação da decisão de facto

«A convicção do Tribunal quanto aos factos provados decorre da análise crítica dos elementos documentais juntos aos autos, bem como da consulta, na plataforma SITAF, da tramitação eletrónica de processos que correm termos neste Tribunal, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório.»

Ao abrigo do preceituado no artigo 652º do CPC, aditam-se ao probatório os seguintes factos:

h) Em 04/05/2023 foi prestada informação pela Direcção de Finanças de Faro, referente ao pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela Reclamante, da qual se extrai o seguinte: “Conclusão

De acordo com o nº1 do artigo 170º do CPPT não se encontra legalmente prevista a possibilidade do pedido de dispensa de prestação de garantia ser deduzido anteriormente à apresentação de reclamação graciosa ou impugnação judicial.

No caso de ter já sido deduzida impugnação judicial, deve a executada dar conhecimento da mesma à AT, sendo que face ao exposto e de acordo com os nº1 e 4 do artº 52º da LGT, afigura-se não estarem reunidas as condições necessárias para que possa ser concedida a dispensa de garantia, para efeitos de suspensão do processo executivo em referência.

Nestes termos, caso o executado pretenda a suspensão da execução deverá constituir ou prestar garantia idónea, a qual poderá consistir em qualquer dos meios previstos no artigo 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ou então constituir penhor sobre o crédito detido sobre a sociedade C… B…, Ldª, no montante de € 1.524.262,68. (…)” – Cfr. documento a fls. do SITAF, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido.

i) O despacho de indeferimento referido em g) tem o seguinte teor: “Concordo. Indefiro o pedido nos termos e fundamentos propostos. (…)” – Cfr. documento a fls. do SITAF;


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o tribunal a quo errou no seu julgamento ao ter considerado que nada havia a apontar ao acto reclamado (de indeferimento do pedido de dispensa de garantia), no que respeita ao cumprimento da legalidade, concluindo pela improcedência da reclamação.

Em causa está o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pela Recorrente em momento anterior ao da apresentação do meio gracioso ou judicial, circunstância que não vem posta em causa em sede de recurso – identificado pela Reclamante, no intróito da p.i. nos seguintes termos: “despacho proferido pelo Director de Finanças de Faro, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia em relação ao remanescente da dívida exequenda e acrescido exigidos no processo de execução fiscal nº 1007202301074911”.

A sentença recorrida, seguindo jurisprudência do STA, concluiu que o pedido de dispensa de prestação de garantia deve ser apresentado, nos termos do preceituado no nº1 do artigo 170º do CPPT, no prazo de 15 dias a contar da apresentação do meio de reacção (gracioso ou judicial) e não pode ser apresentado previamente à interposição daquele meio de defesa por parte do executado.

Este entendimento foi, igualmente, expresso no acto reclamado.

A ora Recorrente considera que é inequívoco que a sentença recorrida encerra uma interpretação muito restritiva das normas tributárias, concreta e nomeadamente, das normas do artigo 52º da LGT e dos normativos nºs 1 e 2 do artigo 169º do CPPT, dos normativos do artigo 177º-A do CPPT e da norma do nº3 do artigo 199º do CPPT.

Afirma que é redutor e limitativo dos direitos e garantias dos contribuintes, com absoluto prejuízo da interpretação lógica e sistemática dos normativos legais aplicáveis, dizer que no processo de execução fiscal a dispensa de prestação de garantia apenas pode ser requerida no prazo de 15 dias após a apresentação do meio gracioso ou judicial de defesa.

Comecemos por dizer que a sentença recorrida se fundamentou em Acórdão proferido pelo STA sobre esta matéria, cujo entendimento acolheu expressamente.

Como supra vimos, está em causa saber se é admissível requerer a dispensa da prestação de garantia, no âmbito de um processo de execução fiscal, em momento anterior ao da entrada/apresentação do meio gracioso ou judicial contra o acto de liquidação em causa.

Esta questão foi abordada e decidida, pelo STA, em Acórdão proferido no âmbito de um recurso de revista deduzido de Acórdão do TCA, no processo nº 636/18.3BELRS, em 17/02/2021, que passamos a transcrever, na parte relevante:

“(…) Dispõe o n.º 4 do artigo 52º da LGT que a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado. Por sua vez, dispõe-se o n.º 1 do artigo 170º do CPPT que, quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da apresentação de meio de reacção previsto no artigo anterior. Resulta desta disposição legal que o pedido de dispensa de prestação de garantia pode ser deduzido no requerimento da reclamação graciosa ou nos 15 dias seguintes à apresentação desse mesmo requerimento.

Não se encontra legalmente prevista a possibilidade de o pedido de dispensa de prestação de garantia ser deduzido em momento anterior ao da apresentação do requerimento de reclamação graciosa. Se é verdade que é comummente aceite que os actos processuais e procedimentais podem ser praticados antes do inicio do respectivo prazo legalmente estabelecido para o efeito, neste caso tal possibilidade não existe uma vez que o legislador fez depender a formulação do pedido de dispensa da prestação de garantia da anterior dedução, no caso, da respectiva reclamação graciosa. Na verdade, só se poderia ponderar uma dedução antecipada do pedido de dispensa de prestação de garantia, face à apresentação do requerimento de reclamação graciosa, tal como se assinala no acórdão recorrido, se houvesse uma proximidade temporal tal que, por esse facto, se pudesse concluir que o pedido de dispensa de prestação de garantia constituía uma parte integrante do requerimento de reclamação graciosa, o que não é o caso. Efectivamente a dedução singela do pedido de dispensa de prestação de garantia, como no caso dos autos, é um acto inútil e ineficaz, porque a entidade recorrida não pode conhecer do mesmo, o que se traduz na prática de um acto que ilegal. Na verdade, percebe-se bem que assim seja, porque ao contrário da prestação de garantia voluntária por parte do devedor, na dispensa de prestação de garantia a administração fiscal fica sem qualquer garantia do seu crédito e não faz sentido que aceite ficar em tal posição sem que ao menos o devedor demonstre já ter impugnado, pela via graciosa ou contenciosa, o acto que o afecta. Ou seja, é sempre ilegal a dedução do pedido de dispensa de prestação de garantia se não ocorrer em simultâneo ou nos 15 dias posteriores ao da apresentação da reclamação graciosa, exceptuando-se os casos em que haja uma proximidade temporal tão curta entre os dois requerimentos que se deva considerar que o primeiro ainda faz parte integrante do segundo.(…)”

Regressando ao caso dos autos, não temos dúvidas em concordar com o decidido na sentença recorrida, em linha com o Acórdão do STA que citámos.

Não merece, assim, censura a decisão recorrida, ao considerar que o pedido de dispensa de prestação de garantia não poderia ser apresentado previamente à interposição do meio de defesa por parte do executado.

Em conclusão, será de negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, de 4 de Abril de 2024

(Isabel Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)

(Maria de Lurdes Toscano)