Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:517/21.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:REVOGAÇÃO DO DESPACHO DE REVERSÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CUSTAS PROCESSUAIS
NATUREZA DA OPOSIÇÃO
Sumário:I- Subsumindo-se a situação fática no artigo 280.º, nº 3, do CPPT, porquanto se procedeu à junção de quatro sentenças do mesmo Tribunal Tributário que perfilham solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, não obsta à admissão do recurso o valor da causa.
II-O artigo 536.º, nº 3, do CPC, é incutido pelo princípio de que, não havendo sucumbência, não é legítimo onerar o Réu ou o Demandado com o pagamento das custas da ação, por ele não ter dado origem ao facto determinante da inutilidade superveniente da lide, o que dimana do princípio da causalidade na sua formulação negativa. Donde, apenas se a inutilidade for imputável ao Réu ou Requerido, será este o responsável pela totalidade das custas.
III-Configurando-se a causa da inutilidade superveniente da lide na revogação do despacho de reversão, tal implica que as custas devam ser suportadas pela AT, porquanto foi ela que deu causa a essa revogação, após a dedução da oposição e ao abrigo do artigo 208.º, nº2 do CPPT. Não obsta a tal condenação, o facto da AT não ter sido citada para contestar atenta, desde logo, a natureza da oposição a qual configura uma contestação à própria execução fiscal e bem assim o facto de a apresentação da oposição implicar despesas para a Oponente, que não se circunscrevem, apenas à taxa de justiça.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:acórdão

l – RELATÓRIO

T..., LDA (doravante Recorrente ou TAPIG) interpôs recurso com fundamento em oposição de julgados da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou verificada a inutilidade superveniente da lide, atenta a revogação do despacho de reversão, declarando, em consequência, extinta a instância e sem custas.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

“A. A sentença de que ora se recorre encontra-se em oposição com as soluções jurídicas adoptadas nas sentenças proferidas no âmbito dos processos de oposição às execuções fiscais com os n.os 434/21.7BELRS, 435/21.5BELRS, 436/21.3BEBLR e 516/21.5BELRS todas tramitadas pelas Unidades Orgânicas 1 e 3 do Tribunal Tributário de Lisboa e transitadas em julgado, partilhando a primeira com estas últimas identidade quanto à questão fundamental de Direito, bem como às situações fácticas, verificando-se igualmente ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica aplicável desde o momento em que ocorreram os respetivos trânsitos em julgado e a prolação da sentença de que ora se recorre.

B. Estando em causa a quem é que é imputável a responsabilidade do surgimento do processo, cuja instância posteriormente se extinguiu com fundamento na inutilidade superveniente da respectiva lide, com a consequente e respectiva condenação no pagamento das custas que no processo são devidas, o Sr. Juiz “a quo” concluiu na sentença “sub judice” pela impossibilidade dessa condenação, por a Autoridade Tributária não ter sido notificada para contestar, querendo, pelo que se não encontrava, por conseguinte, estabilizada a respectiva instância, situação essa que entendeu ser suficiente para desconsiderar, por completo, a aplicação da norma constante no n.º 3 do artigo 536.º do Cód. Proc. Civil, aplicável aos processo tributários “ex vi” da alínea e) do artigo 2.º do Cód. Proc. e Proc. Tributário, não se tendo debruçado, desse modo, quanto à imputabilidade subjetiva daquela extinção processual e suas correspondentes consequências tributário-processuais.

C. Contudo, nos termos do disposto no artigo 260.º do Cód. Proc. Civil, a instância estabiliza-se com a citação da parte contrária, que no processo tributário se reporta ao executado, porquanto os autos se reportam a uma execução fiscal, pelo que se destina a dar a conhecer ao executado que contra si foi movido um processo de execução fiscal, bem como a servir, regra geral, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 203.º do Cód. Proc. e Proc. Tributário, de momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo para apresentação de oposição à execução fiscal.

D. não se destinando a dar a conhecer ao órgão de execução fiscal que foi apresentado pelo executado uma oposição à execução fiscal.

E. Mais acresce que a AT tomou conhecimento do teor da oposição à execução fiscal não através de um ato praticado pelo tribunal, mas antes porque o executado nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 207.º do Cód. Proc. e Proc. Tributário, deve apresentar a mesma junto do órgão de execução fiscal, momento em que lhe é facultada a oportunidade para se pronunciar quanto ao mérito da respetiva causa, bem como para revogar o acto que tenha dado fundamento à instauração da execução fiscal, nos termos do preceituado no n.º 3 do artigo 208.º de semelhante diploma legal, sem prejuízo de vir a ser notificada, posteriormente, nos termos do disposto no artigo 210.º do Cód. Proc. e Proc. Tributário, para, querendo, apresentar contestação.

F. Não obstante, nos quatro processos referidos na precedente conclusão A., outra foi a solução jurídica adoptada, pois em todos eles foi a Autoridade Tributária condenada a pagar custas de parte à ora Recorrente, atendendo a que ali foi considerado que a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide é imputável à Autoridade Tributária, porquanto, a revogação por esta última dos despachos de reversão fiscal que originaram a instauração dos processos de execução fiscal só ocorreu após a apresentação pela Recorrente das respectivas oposições, procedimento esse que foi considerado como causa bastante para que a responsabilidade da ora Recorrente se eximisse, já que o órgão de execução fiscal exerceu a dita faculdade revogatória prevista no n.º 3 “in fine” do artigo 208.º do Cód. Proc. e Proc. Tributário em momento posterior ao da apresentação dessas oposições fiscais.

G. Impõe-se, por conseguinte, alterar a decisão constante da sentença de que ora se recorre no sentido de se condenar a Autoridade Tributária a pagar custas processuais e de parte à ora Recorrente, porquanto esse é o sentido das sentenças com as quais a sentença “sub judice” se encontra em oposição, dado que a responsabilidade pela extinção da instância a essa entidade foi imputada em razão da falta de fundamento da prolação do despacho de reversão fiscal, reconhecida que foi na sua revogação em momento posterior ao da apresentação da oposição à execução fiscal por aquele acto motivada.

H. Mais importa alterar a sentença de que ora se recorre no que respeita ao valor fixado à causa pelo Sr. Juiz “a quo”, visto que o mesmo determinou que esse valor é referente à soma de todos os valores liquidados pela Autoridade Tributária no âmbito de todas as execuções fiscais movidas contra a Recorrente, que se não se chegaram a apensar em sede de oposição, devendo, por conseguinte, ser somente considerado para o apontado efeito o valor da dívida exequenda constante do despacho de reversão e de liquidação junto à oposição com o respectivo doc. n.º 14.

Nestes termos e nos de melhor de Direito ao caso aplicáveis que os Srs. (as) Juízes Desembargadores adequadamente suprirão, deve ser concedido integral provimento ao presente recurso, devendo, consequentemente, a sentença de que ora se recorre ser alterada em conformidade com o peticionado nas antecedentes conclusões D) e E), com todas as devidas e legais consequências, assim de fazendo Justiça.”


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A Recorrida optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado Ministério Público (DMMP), junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Visando a decisão do presente recurso, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:


1. Corre termos no Serviço de Finanças de Almada 3, o processo de execução fiscal n.º ... e apensos, sendo devedora originária M..., visando a cobrança coerciva de dívidas de Imposto Municipal de Imóveis (IMI), do ano de 2013, no valor total de 1.198,81 (cfr. Certidão de dívida junta ao PEF, e doc. 14 junto com a p.i., facto corroborado pelo teor da informação do artigo 208.º do CPPT junto aos autos);


2. Por despacho de reversão, datado de 19 de outubro de 2020, o processo de execução fiscal referido no número anterior, reverteu contra a Oponente, na qualidade de proprietária (cfr. doc. 14 junto com a p.i., facto corroborado pelo teor da informação do artigo 208.º do CPPT junto aos autos);


3. A 05 de novembro de 2020, a Oponente foi citada, mediante ofício nº 3153, da Direção de Finanças de Sesimbra, da reversão referida na alínea antecedente, (facto não controvertido e corroborado pelo teor do talão de expedição postal e respetivo AR e pela informação do artigo 208.º do CPPT junto aos autos);


4. A presente oposição foi apresentada, via carta registada, em 04 de dezembro de 2020, junto do Serviço de Finanças de Sesimbra (cfr. Talão de expedição postal e pela informação do artigo 208.º do CPPT junto aos autos);


5. A 16 de dezembro de 2020, foi proferida informação complementar, pelo Serviço de Finanças de Sesimbra, ao abrigo do artigo 208.º do CPPT, da qual se extrata, designadamente, o seguinte:



«Texto no original»




(…)



«Texto no original»














«Texto no original»







(cfr. informação do artigo 208.º do CPPT junto aos autos);


6. A 17 de dezembro de 2020, e na sequência da prolação da informação referida no ponto antecedente, foi proferido despacho pela Chefe do Serviço de Finanças de Sesimbra, por delegação de competências da Diretora de Finanças de Setúbal, com o seguinte teor:


“Concordo com os fundamentos de facto e de direito enunciados na informação que antecede, que aqui dou reproduzida na íntegra.


Revogue-se o ato de reversão aqui em crise de acordo com o nº2 do art. 208.º do CPPT.


Diligências necessárias.


Notifique-se o mandatário do oponente da revogação do ato contestado.”


(cfr. despacho de revogação junto a fls. dos autos);


7. No âmbito dos processos de oposição com os nºs 434/21.7BELRS, 435/21.5BELRS, 436/21.3BELRS e 516/21.5BELRS, foram proferidas decisões julgando extinta a instância por inutilidade superveniente face à revogação do respetivo despacho de reversão, tendo a Fazenda Pública sido condenada nas respetivas custas processuais, delas se extratando, designadamente, o prolatado no âmbito do processo nº436/21:

“Nos termos do n.º 3 do artigo 536.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do
CPPT, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide não previstos nos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo, como é o caso dos autos, “a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”.
Ora, in casu, como referido supra, verifica-se que a impossibilidade superveniente da lide foi motivada pela extinção da execução, ocorrida depois da apresentação da oposição, extinção aquela derivada da revogação do despacho de reversão, pelo que, sendo a referida inutilidade imputável à Exequente, é a mesma responsável pelas custas do processo [neste sentido, vd. o acórdão referido supra].” (cfr. decisões juntas aos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

8. As decisões identificadas no ponto antecedente não foram objeto de interposição de recurso jurisdicional (facto alegado pela Recorrente e confirmado mediante consulta à plataforma SITAF);



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A convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto estruturada supra, fundou-se no teor dos documentos disponíveis na plataforma SITAF e na posição das partes, conforme referido em cada um dos números do probatório.

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III.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Tribunal Tributário de Lisboa, julgou verificada a inutilidade superveniente da lide, atenta a revogação do despacho de reversão, declarando, em consequência, extinta a instância e sem custas.

Importa, desde logo, ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença:

o Incorreu em erro de julgamento, ao ter fixado o valor da causa em €3 952,26;

o Dirimida a questão do valor da causa, e sendo o seu valor inferior à alçada dos tribunais tributários se o recurso se subsume no artigo 280.º, nº3 do CPPT;

o Assumida a legitimidade e legalidade da interposição de recurso, importa aferir se o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento, ao não ter condenado a Fazenda Pública nas respetivas custas processuais.

A Recorrente defende no atinente ao valor processual que o Tribunal a quo fixou, erroneamente, o valor do processo no montante de €3.952,26, na medida em tal montante é referente à soma de todos os valores liquidados pela AT no âmbito de todas as execuções fiscais movidas contra a Recorrente, que não se chegaram a apensar em sede de oposição, devendo, por conseguinte, ser somente considerado para o apontado efeito o valor da dívida exequenda constante do despacho de reversão.

Vejamos, então.

Resulta do teor da decisão recorrida que o Tribunal a quo fixou e justificou tal fixação da forma que infra se transcreve:

“De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, cumpre fixar o valor da causa.

Como se retira do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea e), do CPPT, no contencioso associado à execução fiscal, o valor atendível para efeitos de custas ou outros previstos na lei é o que corresponda ao montante da dívida exequenda.

Está em causa a reversão de um PEF contra responsável subsidiário, tendo em vista a cobrança coerciva de uma dívida na importância de € 3 952,26, sendo este, por conseguinte, o valor que fixo à causa, por ser o correspondente ao montante da quantia exequenda.”

E a verdade é que pese embora se valide a fundamentação de direito e a determinação do valor da causa adotada pelo Juiz a quo, a mesma não foi, devidamente, aplicada à factualidade em contenda. E isto porque, in casu, e que conforme resulta do probatório, a citação da reversão sub judice identifica como valor da quantia exequenda o montante de €1.198,81 e não, como arbitrado na decisão recorrida, a quantia de €3.952,26 (cfr. facto constante no ponto 1).

Aliás, tal asserção é, desde logo, validada no âmbito da informação oficial do órgão da execução fiscal na qual é, expressamente, evidenciado que a quantia exequenda objeto de citação de reversão ascende a €1.198,81 (cfr. facto constante no ponto 5).

E por assim ser assiste razão à Recorrente, fixando-se, nessa medida, o valor da causa em €1.198,81.

Aqui chegados, e não obstante o valor da causa se cifrar em €1.198,81, tal não obsta à admissibilidade e apreciação do presente recurso, visto que o mesmo foi interposto ao abrigo do artigo 280.º, nº 3, do CPPT, o qual dispõe que “Para além dos casos previstos na lei processual civil e administrativa, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário”.

Com efeito, no caso vertente, in casu, a situação fática subsume-se no aludido normativo, tendo a Recorrente procedido à junção de quatro sentenças do mesmo Tribunal Tributário que perfilham solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica aplicável que a, ora, visada.

E por assim ser, não obstante o valor da causa ser inferior à alçada dos tribunais tributários de 1ª instância a qual se encontra fixada a partir de 1 de janeiro de 2015, em €5.000,00 (cfr. artigo 105.º da LGT, 280.º, nº2 do CPPT, 44.º, nº1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário-Lei nº 62/2013, de 26 de agosto) tal não obsta à sua admissibilidade e apreciação, razão pela qual passamos à apreciação do erro de julgamento atinente à errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito da condenação em custas.

A Recorrente defende que pese embora o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo tenha decretado a impossibilidade da condenação em custas, por a AT não ter sido notificada para contestar, donde, não estar estabilizada a respetiva instância, a verdade é que no âmbito da execução fiscal a instância estabiliza-se com a citação da parte contrária, que in casu se reporta ao executado, não se destinando, por isso, a dar a conhecer ao órgão de execução fiscal que foi apresentado pelo executado uma oposição à execução fiscal.

Aliás, foi essa a solução propugnada nos quatro processos convocados, tendo a AT sido condenada em custas, na medida em que foi considerado que a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide era imputável à AT, porquanto a revogação por esta última dos despachos de reversão fiscal que originaram a instauração dos processos de execução fiscal só ocorreu após a apresentação pela Recorrente das respetivas oposições.

Conclui, assim, que deve alterar-se a decisão constante da sentença de que ora se recorre no sentido de se condenar a AT em custas.

O Tribunal a quo esteou a sua condenação “sem custas” da seguinte forma:
“Nos presentes autos, porque não chegou a haver lugar à notificação Fazenda Pública para, querendo, apresentar contestação (cfr. artigo 210.º do CPPT), a instância não chegou a estabilizar-se (cfr. artigo 260.º CPC), pelo que não haverá lugar a condenação judicial por custas, dada a inexistência de custas de parte a reclamar ou de encargos a contabilizar, sem prejuízo da taxa de justiça devida pela Oponente, pelo impulso processual da propositura da acção.”

Por seu turno, e conforme já evidenciado anteriormente as decisões visadas e convocadas para fundar a oposição condenaram a AT em custas, porquanto entenderam que a causa de extinção da instância lhe era imputável, a isso não obstando a fase liminar do processo, atento o consignado no artigo 536.º, nº3 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

E a verdade é que ajuizamos que assiste razão à Recorrente, atenta, por um lado, a causa da inutilidade superveniente da lide, e por outro lado, a própria natureza do processo de oposição à execução fiscal, a isso não obstando, naturalmente, a Fazenda Pública não ter sido chamada ao processo para contestar a oposição.

Mas, expliquemos porque assim o entendemos.

Preceitua o artigo 536.º, nºs 3 e 4 do CPC, no atinente à regra da repartição das custas que:
“3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.”

Com efeito, a regra é de que quando a instância se extingue por inutilidade superveniente da lide, o pagamento das custas fica a cargo do Autor, salvo se a inutilidade resultar de facto imputável ao Réu, que neste caso as pagará.

Note-se que, o artigo 536.º, nº 3, do CPC, é incutido pelo princípio de que, não havendo sucumbência, não é legítimo onerar o Réu ou o Demandado com o pagamento das custas da ação, por ele não ter dado origem ao facto determinante da inutilidade superveniente da lide, o que dimana do princípio da causalidade na sua formulação negativa. Donde, apenas se a inutilidade for imputável ao Réu ou Requerido, será este o responsável pela totalidade das custas.

In casu, não é controvertido que inexiste a, necessária, imputação, quer subjetiva ou objetiva, à Oponente, para que a mesma seja responsabilizada pelas custas, entendendo, no entanto, o Tribunal a quo, que como a AT não havia sido chamada a contestar, não poderia ser condenada em custas.

Porém, não entendemos que esta seja a interpretação que melhor se coaduna com a letra e a ratio legis, desde logo, porque o processo de execução fiscal, não obstante corra perante órgãos da AT, tem natureza judicial, conforme, expressamente, regulamenta o artigo 103.° n.° 1 da LGT, competindo, por seu turno, ao órgão da execução fiscal -uma vez autuada a petição- a remessa do processo, por via eletrónica, no prazo de 20 dias, ao tribunal de 1.ª instância competente com as informações que reputar convenientes, em ordem ao consignado no artigo 208.º do CPPT.

Aliás, esta é a posição que se coaduna com o entendimento que tem sido propugnado pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, no sentido de que a oposição se configura como que uma contestação à própria execução fiscal, convocando-se, para o efeito, o doutrinado no Aresto prolatado pelo STA no âmbito do processo nº 0154/15, datado de 06 de maio de 2015, e demais jurisprudência aí citada, e mais recentemente o Aresto do STA, proferido no processo nº 02731/15, de 08 de maio de 2019, que defendem-para efeitos de aplicação do artigo 486.º A do CPC, aplicando-se, mutatis mutandis- que “[n]ão repugna, ao menos para os efeitos de falta de pagamento atempado da taxa de justiça, aplicar o disposto no artigo 486. º-A do CPC - relativo ao pagamento da taxa de justiça na contestação - à oposição à execução fiscal, porquanto nesta há lugar à citação do executado e a oposição configura-se como que uma contestação à própria execução fiscal. E não repugnando tal aplicação, que se traduz em possibilitar o pagamento, embora tardio, da taxa de justiça devida pelo impulso processual (acrescida de multa), deve ela ser considerada aplicável, atento o princípio "pro actione", concretização processual do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, mais do que pelo princípio da igualdade das partes» pois «por força da lei, não há como assegurar, nesta matéria, igualdade de tratamento quanto às consequências do não pagamento atempado da taxa de justiça».

Esta jurisprudência justifica-se no caso da oposição, dada a natureza deste meio processual (que se assume como uma contestação à execução fiscal).” (destaques e sublinhados nossos).

De resto, e como doutrinado por Jorge Lopes de Sousa (1), e convocado, outrossim, no Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 098/12, de 15 de fevereiro de 2012:

“Ainda que a revogação da reversão tenha como consequência a inutilidade superveniente da lide, essa decisão cabe aos tribunais, porque, para além de a petição lhes ser dirigida, estamos perante uma decisão que pressupõe a intervenção de um terceiro neutro e imparcial, que não prossegue outro interesse que não seja o de dirimir o litígio que lhe é submetido, para alcançar a sua justa composição e a realização do direito e da justiça.

No sentido da competência dos tribunais milita ainda o facto de a apresentação da oposição implicar despesas para a oponente, que não se circunscrevem, como pretende a recorrente, à taxa de justiça, incluindo-se outras, tais como os honorários de advogado, pelo que lhe deverá ser dada oportunidade de ser indemnizada, nos termos das regras sobre custas de parte.” (destaques e sublinhados nossos).

Neste particular, e no sentido, ora, propugnado vide o Aresto prolatado pelo STA, no âmbito do processo nº 0789/15, datado de 27 de janeiro de 2016 -também prolatado em fase liminar, donde, inteiramente transponível para o caso dos autos- extratando-se no que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“Alega o recorrente que o despacho de reversão foi revogado pelo órgão de execução fiscal, dando lugar à inutilidade superveniente da lide que conduziu à extinção da instância, o que implica que administração tributária seja condenada ao pagamento das custas.

No que lhe assiste razão.(…)

No caso subjudice resulta dos autos que, já depois de deduzida a oposição à execução fiscal, com fundamento de não verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do oponente, o despacho de reversão foi revogado pelo órgão de execução fiscal ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 208 do CPPT - cf. fls. 47 -, por entender que, afinal, não se verificavam esses mesmos pressupostos. Verifica-se, pois, a inutilidade superveniente da lide, que é causa da extinção da instância, nos termos do artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil, uma vez que o resultado almejado com a oposição já se mostra satisfeito.” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, face a todo o supra expendido, sendo a causa da inutilidade superveniente da lide a revogação do despacho de reversão, tal implica que as custas devem, contrariamente, ao decidido pelo Tribunal a quo, ser suportadas pela AT, porquanto foi ela que deu causa a essa revogação, após a dedução da oposição e ao abrigo do artigo 208.º, nº2 do CPPT. E por assim ser, assiste razão à Recorrente, devendo, nessa medida, a decisão recorrida ser revogada e a AT ser condenada em custas.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, no atinente ao segmento de condenação em custas, devendo, em consequência, a AT ser condenada em custas, pelas razões expostas anteriormente.

Custas pela Recorrida.


Registe. Notifique.


Lisboa, 26 de maio de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)

(1) Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, volume IV, página 552.