Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:568/08.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:RENÚNCIA DA POSIÇÃO DE ARRENDATÁRIO
PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO
ADEQUAÇÃO E FORMALIDADE DO NEGÓCIO
“NOMEN IURIS”
INDISPENSABILIDADE
Sumário:I-No âmbito da demonstração da funcionalidade da despesa e sua interligação com o escopo empresarial, a prova documental pode e deve ser coadjuvada pela prova testemunhal.
II- Um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, em nada podendo relevar, para o efeito, a circunstância da operação económica se apresentar improdutiva ou economicamente prejudicial ou mesmo danosa;
III-A especialização dos exercícios não obedece a um critério financeiro, mas sim económico;
IV-A concreta adequação do negócio jurídico à substancialidade da operação, ou seja, se podia ter sido formalizado com aquele “nomen iuris” ou se existiria outra mais avalizado não pode acarretar, sem mais, a desconsideração e a falta de dedutibilidade fiscal do custo, se o único pressuposto sindicado pela AT se coadunou com a sua indispensabilidade;
V-Estando o custo em contenda, devidamente documentado e contabilizado, e associado a um encargo suportado pela Recorrida que visou compensar pecuniariamente um arrendatário, por forma a tornar o bem imóvel devoluto, e permitir a sua ulterior venda, em ordem à prossecução do objeto social da empresa, o mesmo é indispensável para a realização dos proveitos, donde fiscalmente dedutível.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “S..., LDA” contra a liquidação adicional nº 20078310017617, no montante de €83.175,63, relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2004, e respetivos juros compensatórios, no montante total de €92.518,64, resultantes de movimento de compensação.


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A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:


I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a impugnação deduzida por S... LDA contra a liquidação adicional nº 20078310017617, no montante de €83.175,63, relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2004, e respetivos juros compensatórios a que se refere o ato de liquidação nº 20071997719, no valor de €9.343,01, no montante total de €92.518,64, resultantes de movimento de compensação.

II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 23.º CIRC.

III. Se bem alcançamos a fundamentação da sentença ora recorrida, a indispensabilidade do custo resultou demonstrada, apenas, da produção da prova testemunhal, sendo que daí resultou provado que se o contrato de renúncia ao arrendamento não tivesse sido celebrado, a venda do imóvel em 2004 não se havia concretizado, “Cabendo tal negócio, dentro do objeto da Impugnante, exercício da atividade de compra e venda de bens imóveis, CAE70120, pela qual, a Impugnante se encontrava inscrita na Administração Tributária”.

IV. Importa ter presente que, em sede de tributação em IRC, o lucro tributável tem como suporte o resultado apurado na contabilidade a qual deverá, designadamente, estar organizada nos termos da lei comercial e fiscal e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade e refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo permitindo o controlo do lucro tributável. (cfr. artigo 17º, nº 3, als. a) e b) e do CIRC).

V. E nesta conformidade estando a contabilidade organizada, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexatidões ou outros indícios fundados de que ela não reflete a matéria tributável efetiva do contribuinte por força do art.º 75º da LGT.

VI. A sentença ora recorrida, baseando-se, exclusivamente, na prova testemunhal deu como assente que o contrato de renúncia ao arrendamento foi celebrado por V..., em vez de o ser em nome da Impugnante, devido “(…) à falta de liquidez da empresa, que à data era ainda a N…, LDA, e pela urgência que o inquilino tinha em mudar as suas instalações, face ao estado de degradação do prédio, cfr facto E).”

VII. De acordo com o RIT – relatório de inspeção tributária, a imputação deste valor ao custo do prédio carece de credibilidade por vários motivos:

“(…) Relativamente a este valor, o único documento justificativo apresentado no decurso desta acção inspectiva consiste numa declaração referente a uma indemnização ocorrida em 15 de Maio de 2001 a favor de J..., NIF ...por benfeitorias relativas a um consultório médico efectuadas no 1.º andar do prédio em causa (vd. anexos)

- a mesma foi efectuada em 2004, ano da venda do prédio , quando a referida declaração se encontra datada de 15 de maio de 2001 surgindo, pois, a sua contabilização extemporânea, relativamente ao período do facto a que respeita;

- não foi apresentado qualquer meio de pagamento comprovativo do mesmo, sendo que apenas se constatou ter sido contabilizado por contrapartida da conta POC 26.8.01.1 – Outros credores e devedores – Sr. V....

- Por outro lado não existem provas de que o contribuinte alegadamente indemnizado tenha realizado benfeitorias e declarado aquele valor para efeitos de IRS sendo que, além disso, consta do sistema informático da DGCI que o mesmo faleceu em 6 de Outubro de 2003. Embora a empresa seja alheia à situação pessoal do referido sujeito passivo, esta não deixa de constituir um elemento relevante para a apreciação da consistência e credibilidade deste encargo.”

VIII. Nesse contrato refere-se no ponto 2.1.3 que o inquilino “desencadeara já algumas acções tendentes à realização coerciva de obras no imóvel.” E que, o segundo contraente (V...), pretende adquirir o imóvel em que se situa o consultório, bem como o edifício contíguo. Ora, se pretende adquirir o edifício pode concluir-se que não era o senhorio do arrendatário, não tendo sido esclarecido quem era o senhorio.

IX. Por outro lado, não sendo o senhorio, não poderia estabelecer com a parte uma renúncia à posição de arrendatário. Quando muito poderia ter celebrado um contrato de trespasse ou cessão do estabelecimento comercial, nos termos em que o fizera por exemplo com o cabeleireiro (que, contrariamente ao alegado pela testemunha, no RIT consta como custo aceite por via do trespasse; do mesmo modo como o trespasse do supermercado, também aceite). Ou seja, nunca o primeiro contraente poderia ter renunciado ao contrato de arrendamento por via do documento apresentado.

X. Na verdade, quer a contabilidade quer o confuso depoimento das testemunhas não merece credibilidade, pois não existem provas de que o contribuinte alegadamente indemnizado tenha realizado benfeitorias e declarado aquele valor para efeitos de IRS, como refere o RIT.

XI. Assim, ao contrario da convicção formada pelo tribunal a quo, não pode, salvo o devido respeito, a Fazenda Pública valorar a produção de prova testemunhal como relevante e, até, decisiva, para a apreciação do requisito da indispensabilidade do custo.

XII. Bem sabe a Impugnante e não pode ignorar que, estabelece o artigo 23.º do CIRC, na redação vigente à data dos fatos tributários, no seu n.º 1, que se consideram “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente (…)”.

XIII. O conceito de indispensabilidade encerra o critério de repartição entre os gastos não aceites e os fiscalmente aceites como elementos negativos da determinação do lucro tributável, “constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 17.º, do Código do IRC.

XIV. Diga-se, desde logo, que este conceito de indispensabilidade tem vindo a ser utilizado, na sua aplicação concreta, segundo uma perspetiva restrita, exigindo a correlação direta entre um gasto suportado e um rendimento obtido (princípio da necessidade) e numa aceção mais lata, que admite a dedutibilidade de qualquer gasto que seja incorrido no âmbito de operações relativas ao escopo societário (ótica económico-empresarial).

XV. O artigo 23.º do CIRC enumera de forma exemplificativa as despesas efetuadas pelas empresas que podem ser consideradas gastos, ou seja, como componentes negativas do resultado líquido do exercício, tendo como elemento preponderante a indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora. Assim não aceitou a Administração Tributária como custos para efeitos fiscais, as verbas assim contabilizadas por entender não contribuírem para a formação de rendimentos sujeitos a IRC nem para a manutenção da fonte produtora, conforme dispõe o artigo 23º do CIRC.

XVI. Não ignoramos que estão vedadas à AT atuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, também não ignoramos que, se a AT duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respetivo escopo societário

XVII. Tendo a Administração Fiscal, posto em dúvida a necessidade do custo contabilizados pela recorrida, competia-lhe provar a existência da indispensabilidade tais despesas o que não logrou fazer.

XVIII. Desta forma, ao contrário do decidido na sentença ora recorrida, não tem o depoimento das testemunhas a virtualidade de contradizer os fundamentos invocados pela Administração Tributária quanto à contabilização extemporânea do custo, e à falta de apresentação de qualquer meio de pagamento comprovativo do mesmo, sendo que apenas se constatou ter sido contabilizado por contrapartida da conta POC 26.08.01.1 – Outros credores- Sr. V....

XIX. Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação judicial.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!


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O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, apresentou contra-alegações, alegando em sua defesa, o seguinte:

“No que tange à invocação da indispensabilidade dos custos ou gastos para efeitos de apuramento da matéria tributável me sede de IRC (art.º 23.º do CIRC) existe já jurisprudência e doutrina tão sedimentadas na ordem jurídica portuguesa, que se torna desnecessário e fastidioso invocar todos os seus aspetos, razão pela qual a ora recorrida se limita a respigar, para comodidade do Tribunal ad quem, que, conforme decidido no Acórdão proferido no proc. 7424/14.4BCLSB, secção do CT do TCA Sul, de 31-10-2019, citamos: “I. Cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa a indispensabilidade de um determinado custo, atento o disposto no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, à época vigente. II. O juízo de falta de indispensabilidade do custo não se compadece com apreciações de oportunidade ou razoabilidade desse mesmo custo, sob pena de se tratar de uma ingerência na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.”

Na mesma linha, respigando, o STA, no Acórdão proferido no processo n.º 0627/16, de 28 de junho de 2017, entendeu que: “A indispensabilidade deve ser entendida como referindo-se à existência de uma ligação dos custos à atividade desenvolvida pelo contribuinte. Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa, tendo em vista a obtenção de ganhos, independentemente do resultado, positivo ou negativo, que em concreto proporcionaram. Como tal, só não serão indispensáveis os custos que não tenham qualquer relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.

Assim, o controlo a efetuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só pode desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.”

Ora, os factos demonstram que a ora Recorrida, em 2000, celebrou, para desocupação de fração arrendada do imóvel, um acordo entre V... (gerente da S... a atuar individualmente para não especular o negócio) e o advogado do Sr. J..., um contrato de renúncia à posição de arrendatário, tendo sido necessário pagar uma compensação pecuniária pelo não exercício dos correspondentes direitos, como é normal em relações contratuais similares, compreendendo dois pagamentos, nos valores dados como provados, ocorrendo o segundo deles com a entrega das chaves.

Em resultado deste acordo, foi não apenas emitido cheque, o que se na douta sentença recorrida se dá como provado, a que, como meio de prova do alegado, se junta cópia da declaração expressa do seu advogado comprovando tal recebimento (doc. nº 3), que demonstra inequivocamente os factos que se alegam.

Falece, assim, e sem necessidade de fazer apelo aos demais documentos juntos aos autos, a reiterada e fastidiosa invocação do representante da fazenda pública de que a prova se baseia exclusivamente em prova testemunhal – porque há contratos, há pagamentos, há recibos, há declarações, há cheques copiados frente e verso juntos aos autos e transcritos que desmentem a afirmação do representante da fazenda pública, relevam até que ponto desceu a sua argumentação, que confirmam plenamente a bondade e procedência da Douta sentença recorrida.

De resto, como bem se prova nos autos, existem vários outros documentos que comprovam a operação económica realizada, assim como atos normais de depósito dos montantes envolvidos, provados por cópia dos referidos cheques.

Por outro lado, improcede a invocação da Fazenda Pública de que não há provas da realização de benfeitorias bem andou a Douta sentença recorrida ao decidir no sentido de que a S... é alheia à situação pessoal do Dr. J..., nunca podendo ser penalizada por tal.

Além disso, como facilmente dele resulta, o contrato assinado em 25 de outubro de 2000 não diz respeito ao ressarcimento de benfeitorias, antes tratando-se de um contrato de renúncia à posição de arrendatário da fração sita no 1º andar do prédio sito na Praça …, conforme resultado do seu teor.

Por consequência, a renúncia à posição de arrendatário constitui um negócio necessário e relevante para o desenvolvimento da atividade da S..., ora recorrida, pois sem ele, como facilmente se compreende, o imóvel não teria ficado devoluto nem teria sido possível realizar a sua subsequente venda!

Não se entende, assim, como é que a AT propugna que a indemnização paga não poderia constituir um gasto indispensável à formação dos proveitos à luz do art.º 23.º do CIRC.

Ademais, nos autos comprovou-se a devida relevação contabilística das operações realizadas, conforme bem o nota e dá como regular a douta sentença recorrida, que também neste particular não merece censura.

Não é demais salientar que os contribuintes têm liberdade económica para gerir os seus negócios, e quando os celebram com um propósito manifestamente claro, normal e frequente no comércio jurídico são absolutamente válidos. No caso vertente, tratando-se de arrendamento comercial, é usual e lícito negociar-se uma indemnização como contrapartida pela renúncia a direitos que, no caso, o arrendatário detinha e de que, por esse motivo, prescindiu.

A renúncia é um negócio jurídico legítimo e, no caso, necessário pelas razões que se invocaram, como é consabido, um ato voluntário abdicativo pelo qual o arrendatário perde um direito de que é titular, sem que ocorra a transferência desse direito para outrem.

Bem andou, pois, a Douta sentença recorrida ao fundamentar a sua decisão nesta pacífica prova e bem assim na melhor Doutrina, de resto igualmente invocada pela ora recorrida, António Moura Portugal, in A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, e em jurisprudência impactante, como é o caso dos Acórdãos do TCA - Tribunal Central Administrativo Sul, Acórdão de 17.07.2007, proferido no processo nº 01107/06 (2º Juízo) e o STA no Acórdão do STA, 2ª Secção, de 29.03.2006, recurso nº 01236/05, entre muitos de outros.

A S..., ora recorrida, transcreve apenas uma única frase em abono da necessidade deste gasto, e da bondade, manifesta procedência e boa ponderação empregue na sentença recorrida (Acórdão do STA, 2ª Secção, de 29.03.2006, recurso nº 01236/05 ): “O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa, mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais.”

Adicionalmente refere a Fazenda Pública no ponto 27. das suas alegações de recurso, a necessidade de uma “correlação direta entre o gasto e o rendimento”, como se esta correlação não decorresse já, com toda a clareza da natureza do negócio, do facto de ele corresponder a uma coisa natural e frequente no comércio jurídico e a uma evidente necessidade de libertar o imóvel para que com ele se continue a desenvolver a atividade da S..., como veio a suceder.

Não há, aqui, como bem o considerou provado a Douta sentença recorrida, que duvidar do interesse societário desta despesa, pois que antes do negócio o que a S... tinha no seu ativo era um imóvel objeto de arrendamento para fins comerciais, que conferiam ao arrendatário o direito de exercer o arrendamento pelo tempo que o desejasse, e o que a S... ora recorrida veio a deter, foi um imóvel completamente livre daquele ónus.

Realidade que é muito diferente, como qualquer meridiano jurista bem reconhece!

Parece, finalmente, o Representante da Fazenda Pública desconhecer o princípio da autonomia da vontade que carateriza as relações jurídicas de direto privado, do qual decorre m as liberdades previstas no art.º 406.º do CC, de celebração, de estipulação e de seleção do tipo negocial, liberdade essa que quer negar às partes nos negócios em causa, com o intuito de defender a todo o custo a sua estafada e improcedente tese!

Termos em que não padece a Douta sentença recorrida dos vícios que lhe são assacados, a qual respeita os princípios da justiça material, da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, pelo que bem andou ao decidir pela ilegalidade do ato de liquidação oportunamente impugnado, qual deve, por ser ilegal, ser integralmente anulado conforme bem decido.

Termos em que, com o Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela AT, confirmando-se integralmente a Mui Douta decisão recorrida.

Assim se fazendo JUSTIÇA.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Em face dos elementos juntos aos autos e das regras de experiência comum, resultam provados os seguintes factos, considerados bastantes e com interesse para a decisão do mérito da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito:

A. A Impugnante, iniciou atividade em 1.04.1989, ficando inscrita pelo exercício da atividade de compra e venda de bens imóveis, CAE70120, e enquadrada no regime geral de tributação de IRC, cfr Relatório de inspeção tributária de 6.09.2007, constante de fls 177 a 188 do processo administrativo tributário – PAT;

B. Em 19.10.2000 a Sociedade E...LDA, celebrou um contrato promessa de compra e venda com V..., mediante o qual, aquela sociedade prometia vender àquele, ou a quem este indicasse, o prédio urbano sito na Praça …, em Lisboa, inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia de S. …., cfr anexo 7 ao Relatório de inspeção tributária de 9.12.2004, constante de fls 39 a 44 do processo administrativo tributário –PAT e da Contestação;

C. No mesmo dia, 19.10.2000, foi emitido um cheque de V... a favor de E...LDA, cfr anexo 8 ao Relatório de inspeção tributária de 9.12.2004, constante de fls 39 a 44 do PAT e da Contestação;

D. Em 25.10.2000, foi celebrado por escrito um contrato de renúncia à posição de arrendatário entre J..., na qualidade de 1º contraente e V..., na qualidade de 2º contraente. Com o seguinte teor,


«Imagem no original»

cfr Documento1 junto com a Petição Inicial e depoimento de ambas as testemunhas;

E. O contrato de renúncia à posição de arrendatário foi celebrado por V... devido à falta de liquidez da N…, LDA, então proprietária do Imóvel e da qual aquele era sócio, e devido à urgência que o inquilino tinha em mudar de instalações face ao estado de degradação em que o imóvel se encontrava, cfr depoimento de ambas as testemunhas;

F. O verdadeiro objetivo da celebração do contrato de renúncia à posição de arrendatário era libertar a fração, tornando o prédio devoluto para posterior venda, cfr depoimento de ambas as testemunhas;

G. Na sequência do contrato de renúncia à posição de arrendatário, o 2º contraente, V..., emitiu em 29.11.2000, um cheque à ordem do 1º contraente, no valor 25.000.000$00 escudos, que este recebeu, e emitiu documento de quitação, a saber,


«Imagem no original»

cfr Documentos 2 e 3 juntos com a Petição Inicial e depoimento de ambas as testemunhas;

H. Em 5.12.2000 a Sociedade N..., LDA celebrou contratos de trespasse dos estabelecimentos comerciais (cabeleireiro e leitaria das frações correspondentes ao R/C do prédio sito na Praça ... tornejando para a Av. ...., tendo pago Esc.50.000.000$00, a cada, cfr anexo A31 a A36 do Relatório de inspeção tributária de 6.09.2007, constante de fls 177 a 188 do PAT e depoimento de ambas as testemunhas;

I. Mediante escritura pública de cessão de quotas e alteração do pacto social outorgada em 20.12.2000, os sócios que constituíam a sociedade N..., LDA cederam as suas quotas e a empresa alterou a sua designação para S... – ...., LDA, cfr Relatório de inspeção tributária de 6.09.2007, constante de fls 177 a 188 do PAT;

J. Em 8.05.2001 a S... – GESTÃO IMOBILIÁRIA, LDA, adquiriu por escritura pública de aquisição celebrada com a E...LDA, no ato representada por V..., o prédio urbano sito na Praça ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial sob o artigo ...da freguesia de ..., cfr anexo 5 do Relatório de inspeção tributária de 9.12.2004, constante de fls 39 a 44 do PAT e da Contestação, e anexo A39 a A48 do Relatório de inspeção tributária de 6.09.2007, constante de fls 177 a 188 do PAT;

K. Em 16.05.2001 o 2º contraente do referido contrato de renúncia à posição de arrendatário, V..., emitiu um cheque à ordem do 1º contraente, no valor 25.000.000$00, que este recebeu, e emitiu documento de quitação, a saber,


«Imagem no original»

cfr Documentos 4 e 5 juntos com a Petição Inicial e depoimento de ambas as testemunhas;

L. Em 2004, na contabilidade da Impugnante, constava como custo na conta POC 4413 – imobilizações em curso, o valor de €249.398,95, por contrapartida da conta POC 26.8.01.1 – Outros credores-Sr. V..., cfr Relatório de inspeção tributária de 6.09.2007, constante de fls 177 a 188 do PAT e depoimento de ambas as testemunhas;

M. E o referido prédio sito na Praça …., em Lisboa, foi contabilizado na conta POC 328049 – Mercadorias-prédios para revenda, pelo montante de €2.449.927,42, cfr Relatório de inspeção tributária de 6.09.2007, constante de fls 177 a 188 do PAT

N. Em 6.05.2004 foi outorgada escritura de compra e venda, mediante a qual, José Domingos Marques dos Santos, na qualidade de sócio gerente com poderes de representação da sociedade S..., LDA, vendeu à sociedade C..., SA, representada no ato por V..., na qualidade de seu administrador, o prédio urbano sito na Praça ..., em Lisboa, escritura posteriormente retificada quanto ao valor da venda, €2.285.936,90, em 16.05.2004, cfr Relatório de inspeção tributária de 6.09.2007 constante de fls 227 a 236 do PAT;

O. Em 30.09.2004 foi celebrada escritura de dissolução e liquidação da Impugnante, eram seus acionistas, A.., J...., M..., A..., V..., cfr documentos juntos com o requerimento de fls 102 a 120 do processo Sitaf;

P. Em 15.10.2004 a Impugnante cessou a atividade, cfr Relatório de inspeção tributária de 6.09.2007, constante de fls 177 a 188 do PAT;

Q. Em 21.02.2007 foi proferido Despacho, relativo à Ordem de serviço nº OI200504485 de 7.07.2005, pelo qual foi determinada a realização de ação de inspeção à atividade da Impugnante, no exercício de 2004, a qual derivou do facto de ter sido constatado que a Impugnante cessou a atividade neste exercício, sendo necessário averiguar o destino que foi dado aos bens que constavam no imobilizado e nas existências de mercadorias, cfr Relatório de inspeção tributária de 6.09.2007, constante de fls 177 a 188 do PAT;

R. Em resultado da ação de inspeção supramencionada, e após decorrido o prazo para o exercício do direito de audiência de interessados, foi concluído em 6.09.2007, o Relatório de Inspeção à atividade da Impugnante, do qual, com relevo para os autos, ressalta o seguinte,


«Imagem no original»

cfr Relatório de inspeção tributária de 6.09.2007, constante de fls 177 a 188 do PAT;

S. Sobre tal relatório foi exarado o seguinte despacho,


«Imagem no original»

cfr Relatório de inspeção tributária de 6.09.2007, constante de fls 177 a 188 do PAT;

T. E do Relatório de inspeção assim como do teor do despacho que antecede, foi dado conhecimento à Impugnante mediante Oficio dos Serviços de Inspeção Tributária com registo RO193071662PT, cfr Relatório de inspeção tributária de 6.09.2007, constante de fls 312 a 315 do PAT;

U. Em sequência, foi emitido Documento de correção único e, em 12.11.2007, os atos de liquidação agora impugnados, cfr Relatório de inspeção tributária de 6.09.2007, constante de fls 278 a 303 e 319 a 323 do PAT;

V. Em virtude da falta de cumprimento da obrigação tributária, foi aberto, em 13.01.2008, processo de execução fiscal nº 3239200801005103, em nome da Impugnante, cfr fls 29 do PAT;


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada, o seguinte:

“Face à prova produzida inexistem outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar já que as demais asserções integram, no mais, meras considerações das partes e conclusões de facto e/ou de direito.”


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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A convicção do Tribunal assentou na prova documental relativa ao processo administrativos tributário nº 269/08 e nos demais documentos juntos aos autos pelas partes, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório, os quais não foram impugnados pelas mesmas e sobre os quais não existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade.

Relativamente à prova testemunhal, cabe antes de mais referir que a perceção da signatária sobre os depoimentos oferecidos resulta apenas da audição da audiência através do SITAF, e de acordo com a qual, considera que, todas as testemunhas arroladas pela Impugnante, Manuel António Ferreira Alves, contabilista certificado, e José Domingos Marques dos Santos, à data dos factos, sócio da Impugnante, demonstraram conhecimento direto dos factos sobre os quais foram inquiridas face à relação de colaboração/assessoria que a primeira testemunha tinha com os sócios da Impugnante, e da qualidade de sócio/liquidatário da segunda testemunha, sendo este, também filho de outro sócio da Impugnante, V..., respondendo ambos, pelo que se pode perceber, de forma esclarecida e credível às questões colocadas.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IRC, do exercício de 2004.

Ab initio, importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:

Ø O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que a indispensabilidade resultou provada apenas da produção e valoração da prova testemunhal, descurando a factualidade descrita no RIT.

Ø A decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, ao ter decidido pela ilegalidade da correção, porquanto não se encontrando provada a indispensabilidade do custo, o mesmo não é fiscalmente dedutível, em ordem ao consignado no artigo 23.º do CIRC.

Apreciando.

A Recorrente começa por evidenciar que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que a indispensabilidade do custo resultou demonstrada, apenas da produção e valoração da prova testemunhal.

Mais sublinhando que, o confuso depoimento das testemunhas não merece credibilidade, até porque inexistem quaisquer provas de que o contribuinte que auferiu a indemnização tenha declarado aquele valor para efeitos de IRS, não podendo, assim, a decisão recorrida valorar a prova testemunhal produzida e computando-a relevante para efeitos de demonstração do requisito da indispensabilidade.

Ora, atentando nas conclusões coadjuvadas com as suas alegações de recurso, resulta, desde logo, que a Recorrente não impugna a matéria de facto -em ordem aos requisitos estabelecidos no artigo 640.º do CPC- decorrente da prova documental e testemunhal não requerendo qualquer aditamento por complementação ou substituição, limitando-se, tão-só, a sindicar, genérica e conclusivamente, a prova testemunhal, mas sem daí extrair uma cominação e sem a devida particularização quanto ao probatório dos autos.

Aduza-se, em abono da verdade, que não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo (1).

Não podendo, nessa medida, a Recorrente limitar-se a evidenciar que o depoimento das testemunhas é confuso, sem densificar as razões atinentes a essa adjetivação.

Ademais, quando é colocada em causa a credibilidade do depoimento das testemunhas, não basta a mera alegação que o depoimento não é crível. E isto porque, se a convicção formada pela Recorrente sobre a credibilidade do depoimento da testemunha, não coincide com a convicção do julgador, tem de objetivar-se a ausência de credibilidade ponto da discordância, impondo-se ao Recorrente que indique as razões de ciência em que se firma, e bem assim as passagens da gravação demonstrativas da desconformidade.

De resto, como é consabido os depoimentos das testemunhas quando, críveis, com razões de ciência perfeitamente evidenciados e devidamente ponderados, podem e devem ser valorados na exata medida da convicção do julgador e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.

In casu, conforme resulta, de forma clara e inequívoca, da motivação da matéria de facto, o Tribunal a quo enunciou as razões pelas quais entendeu credibilizar os depoimentos, quais as razões de ciência atinentes ao efeito, não tendo a Recorrente sindicado os mesmos com os devidos trechos que poderiam acarretar uma valoração distinta e inclusive díspar redação, nem, tão-pouco, contraditado e refutado com a devida substanciação.

Mais importa relevar que, contrariamente ao que é evidenciado pela Recorrente, a prova valorada e que permitiu a fixação da factualidade reputada relevante para efeitos da assunção da indispensabilidade do custo, donde, da ilegalidade da correção, não se fundou apenas e só na prova testemunhal.

Com efeito, e conforme resulta da fundamentação de facto, verifica-se que foram ponderados documentos escritos denominados de contratos, meios de pagamento, concretamente, cheques nominativos e declarações de quitação, conforme resulta, expressamente, das alíneas B), C), D), G), J) e K).

É certo que as alíneas E) e F), fundaram-se, exclusivamente, na prova testemunhal, no entanto, e ainda que a Recorrente não substancie as razões atinentes à insusceptibilidade dessa valoração para efeitos da fixação da factualidade em contenda, a verdade é que atentando no seu teor não se vislumbra que as mesmas não pudessem fundar-se na prova testemunhal, até porque não nos encontramos, neste domínio, perante prova vinculada, ou seja, decorrente da aplicação de normas imperativas em matéria de direito probatório (artigo 364.º, nº1 do CC).

De resto, como é consabido e como aliás é propugnado, e bem, na decisão recorrida no âmbito da demonstração da funcionalidade da despesa e sua interligação com o escopo empresarial, a prova documental pode e deve ser coadjuvada pela prova testemunhal.

Ademais, importa ter presente que há muito que é Jurisprudência assente que se um dado movimento contabilístico não se encontrar comprovado, por um documento externo, ou mesmo se a densificação de uma determinada realidade cuja efetividade não é colocada em crise, tal não pode, sem mais, afastar a sua dedutibilidade fiscal em sede de IRC.

Com efeito, “o custo indocumentado, pode relevar fiscalmente se o contribuinte provar, por qualquer meio admissível, a efectividade da operação e o montante do gasto, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.(2)”

Até porque, a densidade de suporte documental em termos de IRC é distinta da exigível em sede de IVA, porquanto o facto de uma dada transação não se encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, não preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que se admite a prova das características da transação através de qualquer meio.

Como doutrina Rui Duarte Morais, “julgamos ser doutrina e jurisprudência pacíficas, que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito. É que a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva” (3).

E por assim ser, face a todo o expendido anteriormente, conclui-se que inexiste o apontado erro de julgamento de facto, mantendo-se, assim, a matéria de facto inalterada.


***


Aqui chegados, encontrando-se devidamente estabilizada a matéria de facto, vejamos, então, se a decisão recorrida padece de erro julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

Apreciando.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que dos autos não resultou demonstrada a indispensabilidade dos custos, não se podendo extrapolar que o contrato de renúncia ao arrendamento foi vital para a realização da venda do imóvel em 2004.

Sublinhando, ainda, que no decurso da ação inspetiva apenas foi apresentada uma declaração referente a uma indemnização ocorrida em 15 de maio de 2001, a favor de J..., existindo, assim e desde logo, uma contabilização extemporânea.

Adensando, ainda, que o contribuinte beneficiário não declarou a alegada indemnização para efeitos de IRS, o que não pode deixar de constituir um elemento relevante para a apreciação da consistência e credibilidade deste encargo, ainda que exógeno à empresa.

Dissente a Recorrida, sustentando, desde logo, que o controlo a efetuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só pode desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

Sufragando a manutenção da decisão recorrida na medida em que resultou provado que o acordo celebrado visou a desocupação de fração arrendada do imóvel, com o correspondente pagamento de uma compensação pecuniária pelo não exercício dos correspondentes direitos, suportados mediante os respetivos cheques e declarações de quitação.

Sustentando, in fine, que o contrato assinado em 25 de outubro de 2000 não diz respeito ao ressarcimento de benfeitorias, antes tratando-se de um contrato de renúncia à posição de arrendatário da fração sita no 1º andar do prédio sito na Praça Duque de Saldanha, nº 10, negócio este celebrado ao abrigo do princípio da autonomia da vontade e necessário para o desenvolvimento da atividade da S..., visto que sem ele o imóvel não teria ficado devoluto nem teria sido possível realizar a sua subsequente venda.

O Tribunal a quo, começa por evidenciar que “[a] Impugnante é alheia à situação pessoal e fiscal do Sr. J..., pelo que não poderá ser penalizada pela conduta do mesmo.”

Densificando, depois, por reporte para o acervo probatório dos autos que “[d]o depoimento das testemunhas e dos factos B) a G) e K) a N), resultou demonstrada a indispensabilidade do custo, pois se o contrato de renúncia ao arrendamento não tivesse sido celebrado, a venda do imóvel em 2004 não se havia concretizado. Cabendo tal negócio, dentro do objeto da Impugnante, exercício da atividade de compra e venda de bens imóveis, CAE70120, pela qual, a Impugnante se encontrava inscrita na Administração Tributária cfr factos A) e I).”

Decidindo, in fine, pela verificação dos vícios de violação de lei arguidos pela Impugnante, ora, Recorrida.

Ora, analisando a aludida fundamentação nenhuma censura merece a decisão recorrida, porquanto realizou uma correta análise do regime jurídico vigente com a devida transposição para o caso vertente.

Mas, expliquemos porque assim o entendemos.

Comecemos por convocar a fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária, porquanto, como é consabido, só a fundamentação nele gizada releva para efeitos de justificação das correções realizadas.

Conforme descrito no probatório -não impugnado-mormente, na alínea R), a AT avançou como fundamentação para a realização da correção visada o seguinte:

O único documento justificativo apresentado no decurso da ação inspetiva reside numa declaração referente a uma indemnização ocorrida a 15 de maio de 2001, a favor de J....

Concretizando, depois, que a imputação deste valor ao custo do prédio carece de credibilidade porquanto:

- A contabilização foi efetuada no ano de 2004, ou seja, no ano da venda, no entanto a declaração é datada de maio de 2001, sendo, por isso, a sua contabilização extemporânea relativamente ao período a que respeita;

- Não foi apresentado qualquer meio de pagamento comprovativo, existindo apenas uma contabilização por contrapartida da conta POC 26.8.01.1 Outros Credores-V....

- Inexistem elementos que provem que o indemnizado tenha declarado esse valor para efeitos de IRS, constando, ainda, do sistema informático que o mesmo faleceu em 6 de outubro de 2003.

Concluindo, assim, que “[e]sse custo não possui o carácter qualitativo de ser indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, conforme imposição do corpo do artigo 23.º do Código do IRC.”

Como visto, do teor do Relatório Inspetivo, o normativo convocado para legitimar as correções foi o artigo 23.º do CIRC, e o pressuposto colocado em crise para efeitos de dedutibilidade fiscal, assentou na falta de prova da indispensabilidade dos aludidos custos.

Convoquemos, então, o quadro normativo com as devidas considerações reputadas de relevo.

Importa, salientar, ab initio, que, em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana expressamente do artigo 17.º, nº1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real.

Contudo, conforme dimana da letra do artigo 23.º do CIRC, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Com efeito, dispunha o artigo 23.º do CIRC, à data da prática dos factos tributários, sob a epígrafe de “custos ou perdas” que:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora nomeadamente os seguintes:

a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;

b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias;

c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso;

d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;

e) Encargos com análises, racionalização, investigação e consulta; (…)

A lei, de facto, não recorta o conceito objetivo de custo, podendo, no entanto, aferir-se a existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento e por último, tem de existir um nexo de indispensabilidade entre os encargos e os proveitos para a obtenção de proveitos e/ou para a manutenção da fonte produtora.

Sendo que indispensabilidade não é sinónimo de razoabilidade. “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (...) o Fisco filtra as decisões da empresa em face do escopo da organização, quer sobre o crivo imediatístico (subsunção dos actos ao ramo ou ramos de actividade estatutariamente definida) quer, sobretudo, em função do fim mediato (obtenção de lucros através dessa actividade, com vista à sua posterior repartição entre os sócios). (...) «Reprime os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos inerentes custos (4)”.

O requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.

E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo (5).

Significa, portanto, que um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, em nada podendo relevar, para o efeito, a circunstância da operação económica se apresentar improdutiva ou economicamente prejudicial ou mesmo danosa. Logo, a AT apenas pode desconsiderar os custos que não se inscrevem no objeto social e no âmbito da atividade do sujeito passivo, ou seja, os que foram contraídos para a prossecução de objetivos alheios.

Está, portanto, “[a]rredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.). (6)”

Em termos de ónus probatório, importa, ainda, relevar que impende, a montante, sobre a AT colocar em causa a indispensabilidade dos custos, competindo ao sujeito, após essa sindicância, demonstrar que os custos cumprem, efetivamente, esse desiderato.

Uma vez convocado o regime jurídico e tecidos os considerandos de direito que para os autos relevam, vejamos, então, se o Tribunal a quo incorreu nos erros de julgamento que lhe são assacados.

In casu, como visto, a decisão recorrida entendeu que a AT se ateve a um critério de de nexo causal que não é passível de sustentar a aferição da indispensabilidade, sendo que a Impugnante, ora, Recorrida demonstrou que o gasto em contenda se inseria no objeto social da empresa, sendo, portanto, indispensável para obtenção dos proveitos e por isso subsumível no artigo 23.º do CIRC.

E assim também o entendemos, na medida em que fazendo uma incursão no probatório, não impugnado, ter-se-á de concluir que não tendo sido colocada em causa a efetividade das despesas, mas apenas a sua natureza e função, estando as mesmas, devidamente, suportadas em documentos idóneos, evidenciado o fee pago e os fins para os quais a Recorrida o suporta, e alocando-o ao objeto societário da mesma, tais despesas devem ser integralmente dedutíveis, como custos fiscais.

Explicitemos, então, quais os motivos atinentes a essa assunção.

Ab initio, importa relevar que o facto de o beneficiário da indemnização não a ter declarado, em sede de IRS, não permite, per se , afastar a dedutibilidade do custo, visto que tal incumprimento declarativo se encontra na esfera jurídica do indemnizado, logo realidade não controlável pela Recorrida, não podendo, nessa medida, granjear para efeitos de falta de “consistência e credibilidade desse encargo”, até porque não podemos perder de vista que a Recorrida beneficia da presunção da veracidade da escrita, consignada no artigo 75.º da LGT.

Por outro lado, se é certo que a Recorrida em sede de ação inspetiva não carreou toda a prova documental atinente à situação, a verdade é que em sede judicial, colmatou essa falta, sendo que, como é consabido, nada obsta a essa ulterior demonstração, seja por via da prova documental, seja complementarmente através da prova testemunhal.

Mas atentemos, então, na prova produzida e por reporte ao acervo fático dos autos.

Da factualidade assente resulta que a 25 de outubro de 2000, foi celebrado um escrito com a denominação de “contrato de renúncia à posição de arrendatário” entre J..., na qualidade de 1º contraente e V..., na qualidade de 2º contraente, e em representação da, à data, sociedade designada comercialmente como “N..., LDA” e ulteriormente com a firma “S..., LDA”, atenta a falta de liquidez e urgência da mudança de instalações atento o estado de degradação em que o imóvel se encontrava.

Sendo que, a ratio da outorga estava concatenada com a desocupação do imóvel, uma vez que essa fração era a única que se encontrava ocupada no aludido imóvel, razão pela qual foi estipulado o pagamento de uma quantia pecuniária no valor global de Esc.50.000.000.00, em duas prestações, de Esc. 25.000.000.00, cada, a última das quais a coincidir com a entrega da fração.

Em resultado da aludida estipulação, V... emitiu um primeiro cheque nominativo e à ordem de J..., com data de 29 de novembro de 2000, no montante de Esc.25.000.000.00, e um segundo cheque, com as mesmas caraterísticas e valor, datado de 16 de maio de 2001.

Dimanando, igualmente, provado que o beneficiário da quantia supra expendida emitiu duas declarações de quitação, expressando o pagamento das quantias contratualizadas e alocando-o ao contrato denominado de “renúncia à posição de arrendatário”.

Resultando, por seu turno, que a 6 de maio de 2004, foi outorgada escritura de compra e venda, na qual a Recorrida vendeu à sociedade “C..., SA”, o prédio urbano sito na Praça …, em Lisboa, escritura posteriormente retificada quanto ao valor da venda, €2.285.936,90, em 16 de maio de 2004.

Promanando, ainda, em termos de inscrição e registo contabilístico que no exercício de 2004, constava como custo na conta POC 4413 – imobilizações em curso, o valor de €249.398,95, por contrapartida da conta POC 26.8.01.1 – Outros credores-Sr. V..., tendo o visado bem imóvel sido contabilizado na conta POC 328049 – Mercadorias-prédios para revenda, pelo montante de €2.449.927,42.

Logo, resulta demonstrado o nexo de imputação do custo ao escopo empresarial, e nessa medida, provada a indispensabilidade que foi sindicada pela AT, na medida em que o controlo a efetuar sobre a verificação do requisito da indispensabilidade tem de ser feito pela negativa, ou seja, a entidade fiscalizadora só deve desconsiderar fiscalmente os custos que, claramente, não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, e que tenham sido contraídos para a prossecução de objetivos alheios, o que, como visto, não é o caso (7).

De relevar, neste âmbito, que não logra, outrossim, provimento a esteira de entendimento relacionada com a contabilização extemporânea, e isto porque ainda que a AT não substancie, nem de facto, nem de direito, a razão atinente a essa conclusão a verdade é que a especialização dos exercícios não obedece a um critério financeiro, mas sim económico, ou seja, o gasto não é alocado à data do pagamento ou recebimento, no caso a 2001.

Com efeito, em 2001, existiu, tão-só, uma saída de fluxo financeiro, sendo certo que tratando-se de uma mercadoria o seu custo só é refletido e relevado contabilisticamente aquando da sua venda e não antes, logo nenhuma irregularidade pode ser assacada à conduta da Recorrida, aquando a repercussão desse custo, em 2004, na venda do prédio.

É certo que o pagamento foi feito pelo sócio, mediante um cheque emitido em nome próprio, mas a verdade é que dimana da factualidade assente as razões atinentes a essa realidade, coadunadas, como visto, com a falta de liquidez. Aliás, tal realidade está em sintonia com a contabilização por contrapartida da conta POC 268011-Outros Credores-V....

Não podendo, nessa medida, ter o efeito e relevar o aduzido em IX), relativamente à forma revestida quanto ao contrato subjacente, mormente, se é o mais adequado e apto para o efeito, até porque sendo o único pressuposto sindicado pela AT a indispensabilidade do custo, a concreta adequação do negócio jurídico à substancialidade da operação não pode acarretar, sem mais, a desconsideração e a falta de dedutibilidade fiscal do custo. Noutra formulação, dir-se-á que, neste e para este efeito, não releva se a forma negocial foi a mais adequada e acertada, se podia ter sido formalizado com aquele “nomen iuris” ou se existiria outra mais avalizada, porquanto o que apenas foi sindicado no Relatório Inspetivo coaduna-se com a adequação do encargo à prossecução do objeto social, donde sua indispensabilidade.

Aliás, a adensar o supra expendido está, desde logo, a circunstância da AT ter aceite essa imputabilidade no cômputo do ganho aquando da materialização dos trespasses.

In casu, estando o montante de €249.398,95 associado a um encargo suportado pela Recorrida e que visou compensar pecuniariamente um arrendatário por forma a tornar o bem imóvel devoluto, e permitir a sua ulterior venda, em ordem à prossecução do objeto social da empresa, assume o sindicado “carácter qualitativo” da indispensabilidade para a realização dos proveitos.

Destarte, do exame da factualidade provada deve concluir-se no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, de que nos encontramos perante despesas que se destinam a assegurar o normal desenvolvimento do seu objeto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta, de acordo com a definição do mesmo constante do probatório, assim devendo enquadrar-se no artigo 23.º do CIRC.

E por assim ser, e sem necessidade de mais considerações, improcedem as razões invocadas pela Recorrente, mantendo-se a anulação decretada pelo Tribunal a quo, por as correções impugnadas padecerem, efetivamente, de vício de violação de lei, por errada interpretação dos pressupostos de direito.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.

Lisboa, 09 de junho de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)

(1) Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9 BEPRT, datado de 31.05.2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 618/10.3 BELRS de 07.06.2018.
(2) In Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 2951/09, datado de 07.05.2020.
(3) in Apontamentos ao IRC, Almedina 2007, pág. 80.
(4) TOMÁS TAVARES, «Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos», C.T.F. n.º 396, página 135
(5) Neste sentido, vide, designadamente, os Acórdão do STA, proferidos nos processos 0627/16, 1236/05, datados de 28.06.2017 e de 29.03.2006, respetivamente.
(6) In Acórdão do STA, proferido no processo nº 0627/16, de 28.06.2017.
(7) Neste particular, vide Aresto do STA, proferido em Plenário, no âmbito do processo nº 01402/17, de 27.06.2018, e demais jurisprudência nele citada.