Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:21/19.0 BEPDL
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA
OPERAÇÕES COM ENTIDADES RELACIONADAS
VALOR NORMAL DOS BENS E SERVIÇOS
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - De harmonia com o disposto no art.º 16.º, n.º 10 alínea a), do CIVA, o valor tributável das prestações de serviços é o valor normal, determinado nos termos do seu n.º 4, quando: existam relações especiais entre os intervenientes na operação; a contraprestação convencionada seja inferior ao valor normal do bem ou serviço; o adquirente (no caso, a RAA) não tenha direito a deduzir integralmente o imposto.
II - A verificação desses requisitos está sujeita a um especial dever de fundamentação (art.º 77/3 da LGT).
III - Observados os especiais requisitos da fundamentação, o ónus da prova de que o valor convencionado, inferior ao normal dos bens e serviços, encontra outra explicação que não se prende com a intenção de obter vantagens fiscais ilegítimas ou com propósitos ilisivos, recai sobre o sujeito passivo.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A Representação da Fazenda Pública recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada na parte em que julgou procedente a impugnação judicial dos actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado números 2018023190610, 2018023193817, 2018023193827, 2018023193832 e 2018023194747 e correspondentes acertos de contas, bem como da decisão da reclamação graciosa apresentada contra essas liquidações, que na Direcção de Finanças da Horta correu termos com o n.º 2917201804000340, alegando para tanto, conclusivamente:
«
a) Entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito por posição contrária, que o presente recurso é tempestivo por aplicação do prazo previsto no artigo 282º do CPPT, atendendo à suspensão que decorre da aplicação do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020 de 19 de março.
b) Entende ainda a RFP que a douta Sentença de que se recorre é nula por excesso de pronúncia, já que concluiu, a folhas 83, no ponto “3. Da legalidade do apuramento da base tributável de IVA, respeitante aos serviços prestados no exercício de 2014 ao abrigo dos contratos-programa n.º 3º, 4º, 5º, 7º e 8º” que “O primeiro aspeto a salientar é que o relatório não introduziu as correções com fundamento na prestação gratuita de serviços, ao contrário do que alega a impugnante.”, no entanto, determinou a anulação da correção referida naquele ponto 3, ora, aquilo que resulta da petição inicial é que a Impugnante alega o argumento que o Tribunal afasta nos termos supra transcritos, salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a RFP que, o Tribunal ao afastar a alegação da Impugnante, determinando a anulação da correção referida não tendo a Impugnante atribuído qualquer outra ilegalidade à correção referida com exceção da que o Tribunal considerou não se verificar, incorreu em excesso de pronúncia.
c) Sofre ainda a douta Sentença, na opinião da RFP de erro de julgamento, é que analisando a correção referente à omissão de IVA liquidado por continuação da prestação de serviços [Pontos III.1.3 a III.1.7 do RIT e artigos 114º a 121º da PI] concluiu que “andou mal a administração tributária ao utilizar como base tributável o valor protocolado numa versão do contrato-programa que, no exercício de 2013, já não estava em vigor e que a sociedade S…, S.A., não auferiu.”, considerando que: “Tal atuação afigura-se desproporcional e exagerada por ser desprovida de qualquer nexo ou ligação entre a base tributável e os serviços que eventualmente a sociedade S…, S.A., possa ter concretamente prestado no exercício em questão.
d) Desde logo a douta Sentença em causa apresenta uma certa contradição, uma vez que, analisando a peticionada insuficiência de fundamentação do relatório de inspeção decide pela improcedência do alegado por entender que a mesma não se verifica – ponto III.1 a folhas 59 e seguintes – e analisando a correção em causa parece indiciar que se verifica falta de fundamentação, o que de facto não se verifica.
e) Refira-se desde já que os serviços de inspeção analisaram a versão do contrato-programa que se encontrava em vigor, ao contrário do que refere a Sentença de que se recorre.
f) Analisando os factos que descrevem no relatório de inspeção concluíram os SIT estarmos perante factos que preenchiam o conceito de prestação de serviços previsto no código do IVA, previsto no art.º 4.º, e consequentemente as normas de incidência nos termos do art.º 1.º desse mesmo código, procedendo à liquidação do respetivo IVA.
g) Não demonstrou nunca a Impugnante, nem sequer nesta sede, que os contratos programa não continuaram a ser executados pela S…, ou a afastar todos os factos demonstrados pelos SIT que demonstram a continuidade da prestação de serviços, sendo indiferente o pagamento efetivo dos mesmos, e como tal o seu enquadramento como operação tributável em IVA.
h) Ora, ignorando os factos apurados pela inspeção tributária entendeu a douta sentença que a administração tributária deveria ter apurado a existência concreta de prestações de serviços efetuados ao abrigo do contrato programa, aquilo que a administração tributária fez foi, apurar factos que posteriormente enquadraram na qualificação de prestação de serviços, nos termos da lei, e, que além de estarem devidamente enquadrados a Impugnante não demonstrou, aliás sequer alegou, não corresponder à realidade.
i) Se alguém conseguiria demonstrar que as conclusões do relatório de inspeção se encontravam erradas era a Impugnante o que não se verificou de todo.
j) Assim, errou a douta Sentença de que se recorre por não ter considerado os factos analisados pelos SIT decidindo pela procedência nesta matéria com recurso a conclusões ambíguas nunca invocadas pela Impugnante e atribuindo aos SIT a obrigação de demonstrar a existência de um contrato de prestação de serviços, quando a função dos SIT é enquadrar os factos que encontram e que não se encontram devidamente tratados nos termos da lei fiscal enquadrando-os nos termos da lei, o que de facto ocorreu.

TERMOS EM QUE, COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, POR PROVADO, E EM CONSEQUÊNCIA, DEVERÁ A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE ANALISE CABALMENTE TODAS AS QUESTÕES SUSCITADAS PELA ORA RECORRENTE, COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA.
A FAZENDA PÚBLICA REQUER, MUITO RESPEITOSAMENTE A V. EXAS., PONDERADA A VERIFICAÇÃO DOS SEUS PRESSUPOSTOS, A DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA PREVISTA NO N.º 7 DO ART.º 6º DO RCP.».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Por decisão sumária do Exmo. Sr. Conselheiro-Relator foi o Supremo Tribunal Administrativo julgado incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e julgado competente para o efeito este Tribunal Central Administrativo Sul, para onde os autos foram remetidos.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo que o recurso não deve proceder.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, as questões colocadas prendem-se com a invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia e erro de julgamento na parte em que julgou procedente a impugnação da liquidação de IVA de períodos de 2014, isto é, na parte em que apreciou a legalidade do apuramento da base tributável do IVA respeitante aos serviços prestados no exercício de 2014 ao abrigo dos contratos-programa números 3, 4, 5, 7 e 8.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:







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B.DE DIREITO

A Recorrente invoca nulidade da sentença por excesso de pronúncia na medida em que o tribunal recorrido depois de referir que “o primeiro aspecto a salientar é que o relatório não introduziu as correcções com fundamento na prestação gratuita de serviços, ao contrário do que alega a impugnante” (sublinhado nosso), acabou por determinar a anulação da correcção em causa, relativa ao “…apuramento da base tributável de IVA respeitante aos serviços prestados no exercício de 2014 ao abrigo dos contratos-programa n.ºs 3º, 4º, 5º, 7º e 8º.”

O que se constata é que na douta P.I. a impugnante sob a epígrafe “QUANTO À CORRECÇÃO REFERENTE AOS SUPOSTOS SERVIÇOS PRESTADOS PELA EXTINTA SOCIEDADE … -ESTRUTURAS S… À RAA, EM 2013, NO ÂMBITO DOS 3.º, 4.º. 5.º, 7.º E 8.º CONTRATOS-PROGRAMA”, acaba por imputar à correcção vício de forma por falta de fundamentação de facto e de direito e desenvolver as razões e argumentos por que assim entende ao longo dos artigos 38.º a 55.º do articulado inicial.

E se se atentar na apreciação que fez, verifica-se que o Mmº. Juiz a quo não se afastou do tema em discussão, porquanto, não entrando na apreciação da alegada prestação gratuita de serviços por, a seu ver, não integrar a relatada fundamentação da correcção, acabou por debruçar-se sobre os requisitos especiais da fundamentação da correcção reportada à existência de relações especiais, previstos no art.º 77/3 da Lei Geral Tributária, que é justamente um aspecto da falta de fundamentação que a impugnante invocara na P.I., ora atente-se no seu art.º 41.º: «Ora, por forma a estear a correcção da base tributável dos serviços realizados pela extinta “SOCIEDADE … ESTRUTURAS S…” em 2013, em favor da RAA, relativamente aos contratos-programa em referência, de zero para € 6.203.235,59, nos termos previstos no n.º 10 do art.º 16.º do CIVA, competia à Autoridade Tributária e Aduaneira fundamentar: i) Em primeiro lugar, a existência das operações, e, ii) em segundo lugar, que as mesmas, a valores de mercado, ascendiam a € 6.203.235,59».

Como a jurisprudência o tem salientado em diversos arestos, o excesso de pronúncia gerador da nulidade prevista na 2.ª parte da alínea d) do n.º1 do referido artigo 615.º do CPC, com correspondência no art.º 125/1 do CPPT, só tem lugar quando o juiz conhece de pedidos, causas de pedir ou excepções de que não podia tomar conhecimento (art.º 608/2 do CPC), ou seja, não se reporta aos fundamentos considerados pelo tribunal para a prolação de decisão, nem aos argumentos esgrimidos, aferindo-se antes pelos limites da causa de pedir e do pedido, lembrando-se que, nos termos do art.º 5.º, n.º 3 do CPC, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

Improcede a arguida nulidade da sentença por excesso de pronúncia na medida em que o Mmº juiz a quo não se afastou das questões factuais e jurídicas que lhe foram colocadas.

Quanto à questão de fundo, se atentarmos nos pontos III.1.3 a III.1.7. do relatório de inspecção tributária, deles deriva que as correcções impugnadas se suportam, essencialmente, no art.º 16.º, n.º 10 alínea a) do CIVA.

Estabelece aquele art.º 16.º do CIVA, nos segmentos que importam para os autos:
«Artigo 16.º
Valor tributável nas operações internas

1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 10, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é:

a) Para as operações referidas na alínea d) do n.º 3 do artigo 3.º, o valor constante da factura a emitir nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 38.º;

b) Para as operações referidas nas alíneas f) e g) do n.º 3 do artigo 3.º, o preço de aquisição dos bens ou de bens similares, ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações;

c) Para as operações referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.º, o valor normal do serviço, definido no n.º 4 do presente artigo;

d) Para as transmissões de bens e prestações de serviços resultantes de actos de autoridades públicas, a indemnização ou qualquer outra forma de compensação;

e) Para as transmissões de bens entre o comitente e o comissário ou entre o comissário e o comitente, respectivamente, o preço de venda acordado pelo comissário, diminuído da comissão, e o preço de compra acordado pelo comissário, aumentado da comissão;

f) Para as transmissões de bens em segunda mão, de objectos de arte, de colecção ou antiguidades, efectuadas de acordo com o disposto em legislação especial, a diferença, devidamente justificada, entre o preço de venda e o preço de compra;

g) Para as transmissões de bens resultantes de actos de arrematação ou venda judicial ou administrativa, de conciliação ou de contratos de transacção, o valor por que as arrematações ou vendas tiverem sido efectuadas ou, se for caso disso, o valor normal dos bens transmitidos;

h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário.

3 - Nos casos em que a contraprestação não seja definida, no todo ou em parte, em dinheiro, o valor tributável é o montante recebido ou a receber, acrescido do valor normal dos bens ou serviços dados em troca.

4 - Para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado, entende-se por valor normal de um bem ou serviço:

a) O preço, aumentado dos elementos referidos no n.º 5, na medida em que nele não estejam incluídos, que um adquirente ou destinatário, no estádio de comercialização em que é efectuada a operação e em condições normais de concorrência, teria de pagar a um fornecedor ou prestador independente, no tempo e lugar em que é efectuada a operação ou no tempo e lugar mais próximos, para obter o bem ou o serviço ou um bem ou serviço similar;

b) Na falta de bem similar, o valor normal não pode ser inferior ao preço de aquisição do bem ou, na sua falta, ao preço de custo, reportados ao momento em que a transmissão de bens se realiza;

c) Na falta de serviço similar, o valor normal não pode ser inferior ao custo suportado pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços.

5 - O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, inclui:

a) Os impostos, direitos, taxas e outras imposições, com excepção do próprio imposto sobre o valor acrescentado;

b) As despesas acessórias debitadas, como sejam as respeitantes a comissões, embalagem, transporte, seguros e publicidade efectuadas por conta do cliente;

c) As subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.

6 - Do valor tributável referido no número anterior são excluídos:

a) Os juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações;

b) Os descontos, abatimentos e bónus concedidos;

c) As quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens ou do destinatário dos serviços, registadas pelo sujeito passivo em contas de terceiros apropriadas;

d) As quantias respeitantes a embalagens, desde que as mesmas não tenham sido efetivamente transacionadas e da fatura constem os elementos referidos na parte final da alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º

7 - Em legislação especial é regulamentado o apuramento do imposto quando o valor tributável for determinado de harmonia com o disposto na alínea f) do n.º 2.

8 – (…).

9 – (…).

10 - O disposto no n.º 1 não tem aplicação nas transmissões de bens ou prestações de serviços efectuadas por sujeitos passivos que tenham relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC, com os respectivos adquirentes ou destinatários, independentemente de estes serem ou não sujeitos passivos, caso em que o valor tributável é o valor normal determinado nos termos do n.º 4, quando se verifique qualquer uma das seguintes situações:

a) A contraprestação seja inferior ao valor normal e o adquirente ou destinatário não tenha direito a deduzir integralmente o imposto;

b) A contraprestação seja inferior ao valor normal e o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não tenha direito a deduzir integralmente o imposto e a operação esteja isenta ao abrigo do artigo 9.º;

c) A contraprestação seja superior ao valor normal e o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não tenha direito a deduzir integralmente o IVA.

11 - A derrogação prevista no número anterior não será aplicada sempre que seja feita prova de que a diferença entre a contraprestação e o valor normal não se deve à existência de uma relação especial entre o sujeito passivo e o adquirente dos bens ou serviços.

12 - Para efeitos do n.º 10, consideram-se ainda relações especiais as relações estabelecidas entre um empregador e um empregado, a família deste ou qualquer pessoa com ele estreitamente relacionada.

13 – (…)».

Retira-se daquela disposição que o valor tributável é o valor normal, determinado nos termos do seu n.º 4, quando:
a) Existam relações especiais entre os sujeitos passivos da operação;
b) A contraprestação seja inferior ao valor normal;
c) O adquirente não tenha direito a deduzir integralmente o imposto.

A AT entendeu que existiam relações especiais entre os sujeitos da operação porque o capital social de um deles (S…) é inteiramente subscrito e realizado pelo outro (RAA) e atento o disposto no art.º 63.º, n.º 4, do Código do IRC.

Concluiu que a contraprestação é inferior ao valor normal de mercado porque os valores já entregues à S… eram muito inferiores aos gastos suportados com a gestão dos contratos-programa, devidamente registados nas contas SNC.

E concluiu que o adquirente não tinha direito a deduzir integralmente o imposto por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público e realizar operações no exercício dos seus poderes de autoridade e atento o n.º 2 do art.º 2.º do Código do IVA, segundo qual, «O Estado e demais pessoas colectivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência».


Na sentença recorrida, o Mmº. Juiz a quo veio pôr em causa a segunda conclusão, dizendo, na essência, que a menção do facto de até ao ano de 2013 os valores entregues pela impugnante à sociedade S…, S.A., ficarem “aquém dos gastos devidamente registados nas contas SNC” é “manifestamente insuficiente” para, por si só, justificar “as correcções efectuadas pela administração tributária”.

E é manifestamente insuficiente, no entendimento do Mmº. Juiz a quo por duas ordens de razão.

Uma – retirada dos próprios contratos-programa reproduzidos no relatório e levados ao probatório – segundo a qual os valores protocolados foram fixados por estimativa dos custos totais e sem prejuízo da sua revisão. Revisão que acabou por acontecer e que a administração tributária desvalorizou ao utilizar uma versão do valor protocolado que já não se encontrava em vigor.

Outra – retirada do relatório do Tribunal de Contas que o Mmº. Juiz entendeu juntar aos autos oficiosamente – segundo o qual a S… recorreu a empréstimos junto de instituições financeiras, o que poderia justificar a desnecessidade de transferência dos valores constantes do contrato-programa.

A questão a resolver reconduz-se, pois, a indagar se os factos coligidos no relatório de inspecção tributária são suficientes para levar a concluir que o preço dos serviços é inferior ao valor normal de mercado e, em caso afirmativo, se foi feita prova de que a contraprestação convencionada não se deveu à existência de relações especiais entre os sujeitos intervenientes nas operações tributáveis.

Em caso de relações especiais entre entidades que praticam operações de venda ou prestações de serviços, o Código do IVA prevê, verificadas determinadas condições (art.º 16.º, n.º 10 do CIVA), que o valor tributável da operação possa ser não o da contraprestação recebida (ou a receber) do adquirente, ou seja, a contraprestação convencionada, mas sim, o valor normal do bem vendido ou serviço prestado, determinado de acordo com o n.º 4 do mesmo art.º 16.º do CIVA.

Esta correcção da base de incidência do IVA – da contraprestação recebida ou a receber – para o valor normal do bem ou serviço – está sujeita a especiais requisitos de fundamentação, previstos no art.º 77/3 da Lei Geral Tributária, que estabelece:

«3. - Em caso de existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento, com a qual aquele esteja em situação de relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação, a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:
a) Descrição das relações especiais;
b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;
c) Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito;
d) Quantificação dos respectivos efeitos.».

No que respeita à existência de relações especiais, justifica-a o relatório com “a posição dominante da RAA sobre a S…, criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 2-A/2003/A, de 5 de Fevereiro, cujo capital social é inteiramente subscrito e realizado pela Região Autónoma dos Açores” (cf. fls.55 dos autos).

Embora as operações entre sujeitos passivos do imposto não interfiram com a receita fiscal, já o mesmo não sucede na situação – que é a dos autos – em que, como se relata, “…a redução da contraprestação tem como adquirente uma entidade que não tem direito à dedução integral do imposto [suportado] por se encontrar afastado das normas de incidência do IVA pelo n.º 2 do art.º 2.º do [respectivo] Código” (cf. fls. 55 dos autos).

No que respeita às obrigações incumpridas, contrariamente ao que se refere na sentença recorrida, o relatório remete expressamente para o n.º 6 do art.º 63.º do Código do IRC, que à data estatuía: «O sujeito passivo deve manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º, a documentação respeitante à política adoptada em matéria de preços de transferência, incluindo as directrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros actos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respectivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a selecção do método ou métodos utilizados.», e no desenvolvimento do tema, refere inequivocamente que a S… não apresentou dossier de preços de transferência.

Na determinação do valor normal dos bens e serviços consigna-se no relatório de inspecção tributária, a fls.55v. dos autos: «Numa perspectiva de aproximar o valor tributável ao que seria praticado entre entidades sem relações privilegiadas, será utilizado como referência o montante do valor do contrato que melhor se aproxime da totalidade dos gastos suportados com a execução do contrato-programa, desde o valor da empreitada, passando pelos gastos financeiros resultantes do financiamento, bem como os gastos resultantes do normal funcionamento da empresa.
Da análise ao quadro das alterações ao contrato-programa, constata-se que o valor que melhor se aproxima para o somatório dos gastos, é o que vigorava até à alteração de 12-03-2013, pelo que deverá ser considerado o montante dos fluxos financeiros resultantes da terceira alteração de 20-12-2011».

No que respeita à quantificação da alteração da base tributável do valor da contraprestação convencionada para o valor normal dos bens e serviços, refere-se com relação ao 3.º contrato-programa: «De acordo com o contrato-programa, o valor inclui IVA, pelo que do valor de EUR.1.034.12,00, corresponde à base tributável o montante de EUR.876.281,36 e a IVA, à taxa de 18%, o montante de EUR. 157.730,64, conforme art.º 18.º n.º 9 do Código do IVA.
Da análise efectuada às declarações periódicas do IVA do ano de 2014, a que o SP está obrigado à entrega nos termos do art.º 29.º, n.º 1 alínea a) do CIVA, conclui-se que não reflectiu esta operação tributável».

Igual fundamentação, ressalvados os valores quantificados, consta das correcções aos restantes 4.º, 5.º, 7.º e 8.º contratos-programa.

Cremos estar cumprida a fundamentação legalmente exigível para a alteração da base tributável do IVA, uma vez que os valores incorridos pela S…com a execução das empreitadas e gastos de funcionamento e financiamento, foram superiores às verbas transferidas (ou a transferir) pela RAA ao abrigo dos contratos-programa, verbas essas contabilisticamente tratadas como prestações de serviços.

Na aplicação das normas anti-abuso a intenção de obter uma vantagem fiscal ilegítima afere-se a partir de factos índice como seja o carácter artificial das operações ou a existência de relações especiais entre as entidades intervenientes – vd. Alexandra Martins, “A Admissibilidade de uma Cláusula Anti Abuso em Sede de IVA”, Cadernos IDEFF, n.º 7, pág. 129.

Esta correcção do afastamento do valor da contraprestação convencionada em detrimento do valor normal dos bens e serviços admite prova em contrário por parte do contribuinte,
devendo ser demonstrado de que a diferença entre esses dois agregados (contraprestação convencionada/ valor normal dos bens e serviços) não se deve à existência de uma relação especial entre o sujeito passivo e o adquirente dos bens ou serviços.

Ora, dos autos nada se colhe a tal respeito. O Mmº juiz a quo alvitra que a circunstância de a S… ter contraído empréstimos junto de instituições financeiras, poderá justificar a desnecessidade de transferência da integralidade dos valores contantes dos contratos-programa para fazer face aos custos dos serviços suportados no concreto exercício fiscal, acrescentando, ainda, que as verbas protocoladas assentavam em estimativas, que só seriam efectivamente transferidas em função do estado ou evolução das obras e dos financiamentos obtidos.

Porém, salvo o devido respeito, entendemos que essas eventuais justificações não se mostram substanciadas em quaisquer factos concretos a partir dos quais se possa concluir que não se está perante uma contraprestação artificialmente baixa por razões que se prendem com a intenção dos intervenientes de obter vantagens fiscais ilegítimas, o que era decisivo para afastar a correcção, sendo que a falta de prova se resolve contra a parte onerada, ou seja contra a impugnante e ora Recorrida.

A sentença incorreu no apontado erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica. O recurso merece provimento.
*

Ao processo foi atribuído o valor de EUR. 1.598.820,49.

O art.º 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais refere que «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.».

Trata-se, portanto, de uma dispensa excepcional que, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no n.º 7 do artigo 7.º do mesmo Regulamento, depende de concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma da decisão - Ac. deste Supremo Tribunal (Pleno) de 1510-2014, Proc. nº 01435/12, www.dgsi.pt.

Ora, constata-se que, no caso, a questão decidida não a vimos tratada na jurisprudência e a sua resolução envolveu complexidade superior à comum, mas por outro lado, o processo reclamou uma tramitação processual simples, potenciada pela adequada conduta processual das partes.

Assim, considerando a concreta e casuística avaliação, assente nos supra apontados pressupostos que, no caso, se têm por verificados, entende-se justificado e proporcional na ponderação do serviço público prestado e do valor do processo, conceder às partes dispensa de 75% do remanescente da taxa de justiça.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial totalmente improcedente.
ii. Conceder às partes dispensa de pagamento de 75% do remanescente de taxa de justiça devida no recurso.

Condena-se a Recorrida em custas, que não são devidas no recurso por não ter contra-alegado.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024


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Vital Lopes



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Susana Barreto



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Tânia Meireles da Cunha