Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2250/06.7BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/25/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE
PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE
AÇÕES DE FORMAÇÃO E CONFERÊNCIAS
PROVA DE RESIDÊNCIA NO ESTRANGEIRO/ FORMULÁRIOS
Sumário:I - O CIRC, quanto à extensão da obrigação do imposto, acolhe o princípio da universalidade, pelo que as entidades residentes são tributadas pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional - artigo 4º, nº 1, do CIRC.

II - Quanto às pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português, vale o princípio da territorialidade, pelo que ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos aqui obtidos – artigo 4º, nº 2, do CIRC.

III - As prestações de serviços relacionadas com ações de formação e conferências, não podem ser consideradas como atividades de apoio técnico, investigação e desenvolvimento, nem de algum modo relacionadas com essas atividades, o que significa que o rendimento delas proveniente para a entidade não residente e sem estabelecimento estável que as organizou no estrangeiro, não se encontra sujeito a IRC, ainda que a entidade remuneradora seja residente em Portugal, assim não sendo enquadráveis na previsão do art.º 4, n.º 3, al. c), ponto 7, do C.I.R.C.

IV - Da interpretação dos artigos 103º da CRP e 90º do CIRC resulta que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos ad probationem, pelo que podem ser apresentados a posteriori dentro dos prazos legalmente fixados, podendo ser substituídos nos termos do artigo 364º, nº 2 do Código Civil.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M……………………, S.A., como os demais sinais nos autos, deduziu impugnação judicial pedindo a anulação da liquidação oficiosa nº ………………… relativa a retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e respetivos juros compensatórios, emitida na decorrência de ação inspetiva respeitante ao exercício de 2003.

Por sentença datada de 08/07/20, o Tribunal Tributário (TT) de Lisboa decidiu nos seguintes termos:

“a) julgar a impugnação parcialmente procedente, por provada, e anular a liquidação nº……………………….. , relativa a retenções na fonte de IRC do ano de 2003, na parte em que reflete as correções relativas a:

i) serviços de correio expresso pagos à S …………………., serviços médicos prestados pelo Centro ......... M............ SA e por C ………………….. SA, serviços de restauração e hotelaria, prestados por Cafeteria ……………. e Hotel ………………, a prémios de seguros pagos à M............ Vida, S.A., serviços de aluguer de viaturas pagos a M............ R………. de veículos e a serviços de formação, prestados por D........... & T..........., J........... ……………., MIND ....., Centro Internacional de Formacion de Directivos M............, SA, e Fundacion M............ Estudios, com exceção dos serviços de formação pagos a M…………., em relação aos quais a impugnação é julgada improcedente, e

ii) rendimentos pagos à M............ ……. SA, à M............ Servicios de Informatica SA, a M............ M………………..e ao C………….. - Centro de Experimentacion y Seguridad VIAL M............, respetivamente por serviços de software, serviços de aluguer de licenças e de transmissão de know how específico do grupo M............ a colaboradores da Impugnante, na parte proporcional à diferença entre a retenção na fonte à taxa de 5%, prevista na CDT, e a taxa aplicada na liquidação impugnada, de 15%, tudo com as legais consequências, e improcedente quanto ao demais;

b) julgar parcialmente procedente o pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios relativa à liquidação de retenções na fonte de IRC do ano de 2003 impugnada, na parte em que reflete as correções relativas a rendimentos não obtidos em território português, isto é, aos pagamentos respeitantes aos serviços identificados na alínea a), subalínea i) supra, com as legais consequências, e improcedente quanto ao demais;

c) julgar parcialmente procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor da liquidação respeitante a rendimentos não obtidos em território português, isto é, aos pagamentos respeitantes aos serviços identificados na alínea a), subalínea i) supra, desde a data de pagamento indevido do imposto até ao processamento da respetiva nota de crédito.

(…)”


Inconformada, a Fazenda Pública recorreu para este Tribunal Central Administrativo (TCA), tendo, nas alegações apresentadas, formulado as seguintes conclusões:

«A) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida do ato de liquidação de retenções na fonte de IRC, do exercício de 2003, no valor de €39.576,71, e respetivos juros compensatórios no montante de €4.038,29, no total de €43.615,00, com fundamento em vício de violação de lei decorrente da ilegalidade de que padecem, salvas pequenas exceções, as correções efetuadas em sede da ação de inspeção tributária, com incidência no exercício de 2003.

B) Subjacente às correções promovidas na ação inspetiva, está o facto de a Recorrida ter efetuado, no ano de 2003, diversos pagamentos a entidades não residentes, referentes a diversas prestações de serviço para as quais não foram efetuadas retenções na fonte do imposto devido, em violação do estatuído nas diversas alíneas dos n°s 1 e 2, do art.° 88°do CIRC em conjugação com o disposto nas várias alíneas do n°3, do art.°4° do mesmo Código.

C) Aduz a sentença recorrida que padece de vício de violação de lei a liquidação de retenções na fonte impugnada, na parte referente aos pagamentos relativos a serviços de correio expresso (pagos à sociedade S........... Servicios Externaliz), serviços médicos (prestados à Impugnante pelo Centro Médico de Chequeos M............ SA e por Consultores ………………..SA,) serviços de restauração e hotelaria, (pagamentos à Cafeteria ………… e Hotel …………..l), a prémios de seguros, (pagos à M............ Vida, S.A.), a ações de formação realizadas em Espanha (pagamentos à D........... & T..........., a J........... ………… e M ……………, com respeito a ações de formação atinentes a coaching e desenvolvimento comportamental, designadamente gestão de tempo e gestão de equipas; ações de formação ministradas pelo Centro Internacional de Formacion de Directivos M............, SÁ, e pela Fundacion M............ Estúdios relativas ao setor segurador, contexto económico e financeiro, direção estratégica, marketing e comunicação, gestão de seguros e gestão de riscos) e ainda, a aluguer de viaturas, (pagamentos efetuados à entidade M............ R…………………), por em relação aos mesmos não se verificar, desde logo, o pressuposto da sua sujeição a imposto. (art.°4° n°3 do CIRC).

D) Considerando que tais serviços, sendo prestados, integralmente, fora do território nacional e não se enquadrando em nenhuma das exceções previstas no n° 4, do art° 4° do CIRC, conclui a sentença recorrida que os rendimentos correspondentes não são considerados obtidos em Portugal, não estando dessa forma sujeitos a tributação e, por consequência, objeto de retenção na fonte.

E) Discordamos do assim decidido, no que concerne aos pagamentos relacionados com a prestação de serviços de formação.

F) Relativamente a esta correção, sempre se dirá que reiteramos o entendimento propugnado - em sede de inspeção tributária, no sentido de que tais montantes se enquadram, efetivamente, no citado art°4°, n°3, alínea c), subalínea 7, em conjugação como o preceituado no n° 4, do mesmo artigo do CIRC.

G) Da exegese dos n°s 3 e 4, do citado art.°4° do CIRC, parece resultar que, sendo o serviço a que respeita o pagamento (no caso, ações de formação) prestado integralmente fora do território português, se impõe efetuar a retenção na fonte quando esse serviço respeite a bens situados em território português e esteja relacionado com qualquer uma das seguintes atividades: estudos, projetos, apoio técnico, apoio à gestão, serviços de contabilidade, serviços de auditoria, serviços de consultoria, organização, investigação em qualquer domínio, ou desenvolvimento em qualquer domínio.

H) Conforme se retira da letra da lei, basta que o serviço (a formação) esteja relacionado com qualquer daquelas atividades para que se imponha a retenção. A lei não exige que o serviço consista numa daquelas atividades, bastando que com elas possua uma relação.

I) Os cursos de formação satisfazem desde logo o pressuposto da sua utilização em território português, no sentido de que a utilidade dos mesmos é para ser aplicada na empresa.

J) Com efeito, os conhecimentos adquiridos e/ou partilhados nas ações de formação constituem benefícios económicos que se repercutem no desenvolvimento da atividade da empresa. Sendo que, estas ações de formação visam a aquisição de conhecimentos dos colaboradores para serem aplicados nas tarefas que exercem na empresa, com vista à obtenção de um melhor resultado.

K) Acresce que, os conhecimentos adquiridos em ações de formação, acima descritos, mesmo ministrados fora do território nacional, devem ser considerados como apoio técnico em qualquer área, visto contribuírem para uma maior eficácia das funções exercidas, considerando-se ainda como investigação e desenvolvimento em qualquer domínio, dado que se repercutem no desenvolvimento da atividade exercida pela empresa.

L) Entendido, assim, o serviço que se traduz na prestação de formação, ao correspondente pagamento deve efetuar-se retenção na fonte, por aplicação do disposto no art°4°, n° 3 alínea c), subalínea 7 assim como no art.°88° do CIRC, não devendo, pois, aqueles rendimentos considerar-se abrangidos pela exclusão prevista na parte final do n° 4 do art.° 4° do mesmo compêndio legal.

M) Consequentemente, devem manter-se na ordem jurídico-tributária, por legais, as retenções na fonte efetuadas pela AT, e respeitantes aos pagamentos efetuados pela Recorrida, no ano de 2003, a entidades não residentes, relativos a serviços de formação, (pagamentos à D........... & T..........., a J...........-F………..e M……………., com respeito a acções de formação atinentes a coaching e desenvolvimento comportamental, designadamente gestão de tempo e gestão de equipas; ações de formação ministradas pelo Centro Internacional de Formacion de Directivos M............, SA, e pela Fundacion M............ Estúdios relativas ao setor segurador, contexto económico e financeiro, direção estratégica, marketing e comunicação, gestão de seguros e gestão de riscos), impondo-se a anulação da sentença recorrida neste concreto segmento decisório, por erro de julgamento decorrente de errónea interpretação e aplicação dos comandos normativos ínsitos no art°4°, n°3 alínea c), subalínea 7, e n°4 do mesmo artigo do CIRC.

N) No que concerne aos pagamentos efetuados a entidades não residentes, referentes a prestações de serviço de software, serviços de aluguer de licenças e de transmissão de know how específico do grupo M............, cuja qualificação como royalties não foi contestada pela Recorrida, a AT entendeu que, para beneficiar das taxas reduzidas previstas na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha, a Impugnante deveria ter feito acompanhar os pagamentos, àquelas entidades não residentes em Portugal, de um formulário de modelo apropriado, devidamente certificado pelas autoridades tributárias, até ao termo do prazo estabelecido para entrega do imposto, o que não aconteceu, pelo que é de afastar a possibilidade de acionar a Convenção para evitar a dupla tributação.

M. Diversamente, concluiu a sentença recorrida, que padecem do vício de violação de lei as liquidações de retenções na fonte, efetuadas pela AT, à taxa de 15%, e respeitantes a pagamentos efetuados a entidades não residentes (pela prestação de serviços de software, serviços de aluguer de licenças e de transmissão de know how específico do grupo M............), cuja qualificação como royalties não foi contestada pela Recorrida [Pagamentos à M............ SOFT SA, à M............ Servidos de Informática SA, a M............ Mutualidad ………………. e ao C……………. - Centro de ………………….. M............, respetivamente por serviços de software, serviços de aluguer de licenças e de transmissão de know how específico do grupo M............ a seus colaboradores)], por violação da Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha, na parte em que excede a retenção na fonte à taxa de 5% que esta prevê, mercê da comprovação da residência fiscal em Espanha das entidades beneficiárias (ainda que, a Recorrida somente nestes autos tenha junto os respetivos certificados, emitidos em data posterior àquela em que era devida a retenção na fonte).

O) Neste conspecto, não podemos deixar de concordar com o entendimento propugnado e as conclusões vertidas no relatório final elaborado para término da ação inspetiva que constituem o substrato material do ato de liquidação impugnado.

P) Com efeito, é sabido que as Convenções sobre dupla tributação constituem um complexo de normas convencionais que atribuem a competência tributária ao Estado da residência fiscal dos beneficiários dos rendimentos em prejuízo do Estado da fonte.

Q) Contudo, não são as Convenções que regulamentam os procedimentos a adotar para a comprovação dos pressupostos legais para a sua aplicação e de que depende a exclusão/limitação da incidência do imposto. Pelo contrário, são as próprias Convenções que prevêem ser as autoridades competentes dos Estados contratantes que determinam as modalidades de aplicação da Convenção, estabelecendo uma série de requisitos que devem ser comprovados pelos Estados contratantes.

R) É neste contexto que surge a previsão normativa constante dos n°s 3 e 4, do art°90° do CIRC, na redação então em vigor (Lei n°32-B/2002, de 30/12), a estabelecer que, o pressuposto de que depende a aplicação de convenção destinada a eliminar a dupla tributação, consiste, na apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência. Acrescentando que, quando não seja efetuada até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto a prova da verificação dos pressupostos legais da aplicação da Convenção destinada a eliminar a dupla tributação, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido.

S) Assim, a apresentação no prazo aí cominado da prova da não residência configura um pressuposto essencial para a aplicação das aludidas Convenções, só então se podendo afirmar que o Estado português abdica do seu poder de tributação e, nessa medida, dispensa a retenção na fonte do IRC devido por parte da entidade que, em princípio, estava obrigada e efetuá-la.

T) A obrigação de retenção na fonte resulta decorre da lei interna, nomeadamente do CIRC; só posteriormente se podendo fazer a aplicação do benefício previsto nas CDT, desde que previamente se encontrem verificadas as condições de aplicabilidade.

U) No caso em apreço, verificaram os Serviços de Inspeção Tributária que, a Recorrida não tinha na sua posse, aquando dos pagamentos efetuados a entidades não residentes, pela prestação dos serviços supra mencionados, os certificados de residência para os rendimentos pagos até 31 de Julho de 2003, nem detinha em seu poder os formulários aprovados pelo Despacho Ministerial n°11701/2003 - Formulários/Convenções de 17 de julho, para rendimentos pagos a partir de 1 de agosto de 2003, conforme estabelecido pela Circular n° 12/2003, da ex-DGCI, de 19/07.

V) Uma vez que não foram cumpridas as condições de aplicabilidade da CDT, a AT não podia contrariar o estatuído nos art°103° e n°1, do art.°112° da CRP. A AT limitou-se, pois, a cumprir com a norma imperativa, prevista no art°123° do CIRC e que dispõe: «Não podem realizar-se transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC obtidos em território Português por entidades não residentes, sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.»

W) Em sede da presente impugnação judicial veio a Recorrida apresentar os documentos referentes a certificados de residência emitidos pelas seguintes entidades com quem manteve relações comerciais: "M............ ………….. SA, a M............ Servicios de Informática SA, a M............ M ………………… e o CESVIMAP - Centro de …………………. VIAL M............. _Contudo, relativamente aos rendimentos pagos, no ano de 2003, àquelas entidades não residentes, não podem ser aceites como prova, na medida em que, os documentos apresentados não foram emitidos expressamente no âmbito da CDT celebrada com o país com quem manteve relações comerciais.

X) Com efeito, as Convenções têm vindo a ser estabelecidas de acordo com o Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património, definida pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico - OCDE (vide Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património - Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal do Centro de Estudos Fiscais - Direcção Geral dos Impostos - Ministério das Finanças - Lisboa - 2003), da qual faz parte o país que manteve relações comerciais com a Recorrida.

Y) Pese embora, o Modelo de convenção estabelece uma regra única para cada caso, sempre que possível, os países Membros dispõem, de uma certa autonomia no que respeita à -- escolha do método de eliminação da dupla tributação.

Z) Nos Comentários Relativos aos artigos do Modelo de Convenção Fiscal é referido, nomeadamente que, «na ausência de uma disposição expressa da Convenção, a legislação interna de cada Estado Contraente é aplicável», conforme se pode constatar na leitura supramencionada.

AA) Para poderem beneficiar da não sujeição de rendimentos ao imposto português, ou da redução de taxa de retenção na fonte, e serem tributados nos Estados da residência, o Estado português definiu duas condicionantes cumulativas (requisito de fundo e de forma), devendo os sujeitos não residentes, proceder à ativação, dos mecanismos previstos na CDT, através da apresentação dos formulários adequados e dos competentes certificados de residência fiscal, emitidos e autenticados pelas autoridades fiscais dos Estados em que residem, porquanto as CDT não são de aplicação direta.

BB) Destarte, tendo-se verificado que a Recorrida não tinha na sua posse, aquando dos pagamentos efetuados a entidades não residentes, pela prestação dos serviços supra mencionados, os certificados de residência para os rendimentos pagos até 31 de julho de 2003, nem os formulários devidamente confirmados pela Autoridade Fiscal do Estado da localização da sede dos beneficiários, nomeadamente, Espanha, para os rendimentos pagos a partir de 1 de agosto de 2003, os documentos apresentados em sede dos presentes autos, não poderão ser aceites para efeitos de certificação de residência e de redução de taxa de retenção na fonte, porquanto não foram emitidos no âmbito da CDT.

CC) Pelo que, impõe-se concluir que, os pagamentos efetuados, no ano de 2003, a entidades não residentes, referentes a prestações de serviço de software, serviços de aluguer de licenças e de transmissão de know how específico do grupo M............, cuja qualificação como royalties não foi contestada pela Recorrida, estão sujeitos a retenção na fonte, conforme disposto no art°4°, n°3, alínea c), ponto 1, do CIRC e no art°88°, n°1, alínea a) do mesmo compêndio normativo, à taxa de 15% (conforme dispõem as diversas alíneas do n°2, do art°80° do CIRC), na medida em que se tratam de prestações de serviços efetuadas por entidades não residentes, sem que tenha sido feita prova cabal da isenção/redução que aproveitam.

DD) Face ao exposto, nenhuma ilegalidade se vislumbra nas retenções na fonte efetuadas pela AT, à taxa de 15% e respeitantes aos pagamentos efetuados pela Recorrida às seguintes entidades com residência fiscal em Espanha, cuja qualificação como royalties não foi por ela contestada: pagamentos à M............, SOFT SA, à M............ Servidos de Informática SA, a M............ Mutualidad ………………. e ao C………….- Centro ………………….. M............, respetivamente por serviços de software, serviços de aluguer de licenças e de transmissão de know how específico do grupo M............ a seus colaboradores.

EE) Devendo tais retenções na fonte manter-se, por legais, no ordenamento jurídico-tributário, impõe-se a anulação da sentença recorrida neste concreto segmento decisório, por haver incorrido em erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação dos comandos normativos supra citados, razão pela qual se impõe a sua revogação e substituição por outra que julgue, nesta parte, a impugnação improcedente.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência revogada a douta sentença recorrida, nos concretos pontos do segmento decisório supra recorridos, substituindo-a por outra que, naqueles pontos julgue improcedente a impugnação judicial, com as legais consequências.

Todavia,

Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça! »


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A sociedade recorrida apresentou contra-alegações nas quais formula as seguintes conclusões:

«A- A sentença recorrida não merece qualquer reparo ou agravo;

B- Os pagamentos feitos pela recorrida relacionados com a prestação de serviços de formação foram adequadamente enquadrados pelo tribunal o quo como integralmente realizados fora do território nacional e, porque não enquadráveis nas excepções de extensão territorial do imposto contempladas no nº4 do artº4º CIRC, adequadamente havidos como não sujeitos a imposto sobre o rendimento;

C- Por força do disposto no 8º CRP, a Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Espanha e Portugal prima sobre o direito interno, sendo as suas normas fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários;

D- Nos termos da aludida Convenção, os royalties pagos pela recorrida beneficiavam de uma taxa de retenção na fonte limitada a 5%, por força do estabelecido no nº 2 do seu artº12º, não sendo licito à Administração Tributária opor à sua aplicação qualquer pressuposto material nela não previsto.

Termos em que,

Deve ser integralmente mantida a douta sentença recorrida.»



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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«1. A Impugnante exerce atividade na área de seguros e resseguros do ramo não vida, estando enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação de rendimentos – cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 98 a 118 do PAT;

2. No exercício de 2003, a Impugnante efetuou pagamentos ao Centro Médico de Chequeos M............ SA e a Consultores ……………… SA, com respeito a exames médicos, realizados em Espanha, ao administrador da Impugnante E…………. ………….. que aí se deslocou para o efeito - cfr. depoimento das testemunhas V…………..e A… ………………;

3. No exercício de 2003, a Impugnante efetuou pagamentos Cafeteria ……………. e Hotel …………….., com respeito a serviços de restauração e hospedagem de funcionários da Impugnante que se deslocaram a Espanha em serviço, normalmente para assistir a ações de formação - cfr. depoimento das testemunhas V....... ..... e Ana Teresa Ramos;

4. No exercício de 2003, a Impugnante efetuou pagamentos a D........... & T..........., a J........... Fernandez Aguado e MIND ....., com respeito a ações de formação atinentes a coaching e desenvolvimento comportamental, designadamente gestão de tempo e gestão de equipas, realizadas em Espanha - cfr. docs. 1 a 5, juntos aos autos com a petição inicial, e depoimento das testemunhas V....... ..... e A……………;

5. No exercício de 2003, a D........... & T........... não prestou serviços de auditoria à Impugnante, cabendo a escolha do auditor ao grupo internacional em que a Impugnante se insere, o qual designou a E……….. & ………. - cfr. depoimento da testemunha V....... .....;

6. No exercício de 2003, a Impugnante efetuou pagamentos a Centro ………………. M............, SA, com respeito a ações de formação ao setor segurador, contexto económico e financeiro, direção estratégica, marketing e comunicação e gestão de seguros e de riscos, realizadas em Espanha - cfr. docs. 6 a 13, juntos aos autos com a petição inicial;

7. No exercício de 2003, a Impugnante efetuou pagamentos a Fundacion M............ Estudios, com respeito a “Curso de Gerencia de Riesgos ………………”, realizado em Espanha - cfr. doc. 14, junto aos autos com a petição inicial;

8. No exercício de 2003, a Impugnante efetuou pagamentos a Meta 4 Spain, com respeito a ação de formação atinente à utilização da aplicação informática utilizada pela Impugnante na gestão de recursos humanos, realizada em Portugal - cfr. doc. 15, junto aos autos com a petição inicial, e depoimento da testemunha A ……………;

9. No exercício de 2003, a Impugnante efetuou pagamentos a M............ ………….. e a M............ SOFT SA, com respeito a serviços de manutenção de software - cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 98 a 118 do PAT e admissão por acordo;

10. No exercício de 2003, a Impugnante efetuou pagamentos a M............ Servicios de Informatica SA, com respeito a serviços de aluguer de licenças - cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 98 a 118 do PAT e admissão por acordo;

11. No exercício de 2003, a Impugnante efetuou pagamentos a C…………. - Centro de ………………… V……….. M............, com respeito a know how específico do grupo M............ - cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 98 a 118 do PAT e admissão por acordo;

12. Relativamente ao exercício de 2003, a M............ S…………. SA foi considerada residente fiscal em Espanha – cfr. doc. 16, junto aos autos com a petição inicial;

13. Relativamente ao exercício de 2003, a M............ S ……………… SA foi considerada residente fiscal em Espanha – cfr. doc. 17, junto aos autos com a petição inicial;

14. Relativamente ao exercício de 2003, a M............ Mutualidad ………………….. foi considerada residente fiscal em Espanha – cfr. doc. 18, junto aos autos com a petição inicial;

15. Relativamente ao exercício de 2003, o Centro de ……………… V……….. M............ foi considerada residente fiscal em Espanha – cfr. doc. junto aos autos pela Impugnante a fls. 132 dos autos, em suporte papel;

16. Foi efetuada ação inspetiva incidente ao exercício de 2003 da aqui Impugnante, da qual resultaram correções ao lucro tributável não discutidas nestes autos e a correção relativa a “imposto em falta”, com os seguintes fundamentos:

“Da análise efectuada aos rendimentos pagos a não residentes, designadamente prestações de serviços, através de elementos disponibilizados pelo Sujeito Passivo, constatou-se que o mesmo, sujeito passivo residente, não tinha na sua posse aquando do respectivo pagamento - os certificados de residência, para os rendimentos pagos até 31 de Julho de 2003; e os formulários aprovados pelo Despacho Ministerial n.° 11701/2003 - Formulários/Convenções de 17 de Junho, para os rendimentos pagos a partir de 1 de Agosto de 2003, conforme estabelecido pela Circular 12/2003, da Direcção Geral dos Impostos, de 19 de Julho.
De acordo com o n.° 3 do art.° 90° do CIRC, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção parcial, consistindo esta, no presente caso, na apresentação de formulário de modelo aprovado por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência.
Refere, ainda, o n.° 4 do art.° 90° do CIRC, que caso não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
Face ao exposto o Sujeito Passivo residente não efectuou a retenção devida, de acordo com o previsto nas diversas alíneas do n.° 1 e no n.° 2 do art.° 88° do CIRC, onde é estabelecido quais os rendimentos obtidos em território português que são objecto de retenção na fonte considerando-se, para este efeito, obtidos em território português os rendimentos mencionados no n.° 3 do art.° 4 do mesmo código.
Assim sendo, dado que não foram cumpridos os requisitos estabelecidos na lei e como estamos na presença do pagamento de diversas prestações de serviços, as quais estão sujeitas a retenção na fonte com carácter definitivo, nos termos da alínea b) do n. 3 do art. 88º do CIRC, procedeu-se ao apuramento do imposto em falta, aplicando as taxas previstas no nº 2 do art.º 80º do diploma legal acima mencionado, o qual ascendeu a 39.576,70 €- Anexo 4 (2 fls.)
Paralelamente , são ainda devidos juros compensatórios, conforme estabelecido no art. 94º do CIRC, à taxa e nos termos previstos no art. 35º da LGT. […]
«Texto no original»

“ – cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 98 a 118 do PAT;

17. Em consequência da ação inspetiva, foi emitida a liquidação de retenções na fonte de outros rendimentos de capitais nº …………………., respeitante ao ano de 2003, e respetivas liquidações de juros compensatórios, resultante no valor a pagar de € 43.615,00, com data limite de pagamento em 1.06.2006 – cfr. doc. 19 junto aos autos com a petição inicial;

18. Em 31.05.2006, foi efetuado o pagamento da liquidação identificada no número anterior - cfr. doc. 19 junto aos autos com a petição inicial;

19. Em 22.08.2006, a petição inicial de impugnação dirigida a este Tribunal foi entregue na Repartição de Finanças do 2º Bairro de Lisboa – cfr. carimbo comprovativo de entrega a fls. 4 dos autos, em suporte papel.


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Matéria de facto não provada:


Inexistem factos com relevância para a decisão da causa que importe destacar como não provados.



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Motivação da decisão sobre a matéria de facto:

A convicção do tribunal formou-se com base na análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo tributário apenso, não impugnados, nas posições assumidas pelas partes no processo judicial, bem como nos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Impugnante, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.

Quanto aos números 2 a 8 da matéria de facto provada, a convicção baseou-se no depoimento das testemunhas V....... …………. ..... e A …………………….., respetivamente Diretor Financeiro e Diretora de Recursos Humanos na Impugnante, os quais depuseram de forma clara, segura, e com naturalidade, demostrando conhecimento direto dos factos, nomeadamente sobre a natureza e as circunstâncias em que foram prestados os serviços em causa nas correções contestadas.”


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- De Direito

Como ficou dito, a impugnação judicial foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a liquidação contestada foi correspondentemente anulada.

Da análise efetuada em primeira instância, e quanto às correções anuladas pelo Tribunal de 1ª instância, apenas uma parte merece a discordância da Recorrente, Fazenda Pública, pelo que o segmento não posto em causa mostra-se definitivamente decidido e transitado em julgado.

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, a primeira a questão a apreciar e decidir corresponde ao exposto nas conclusões A) a M) das alegações de recurso.

Vejamos.

Considerou a sentença, naquilo que para aqui importa por agora, que padece de vício de violação de lei a liquidação (de retenções na fonte) impugnada, na parte referente aos pagamentos relativos a ações de formação realizadas em Espanha (pagamentos à D........... & T..........., a J........... ………… e M………. .....), atinentes a coaching e desenvolvimento comportamental, designadamente gestão de tempo e gestão de equipas e, bem assim, a ações de formação ministradas pelo Centro Internacional de Formacion de Directivos M............, SA e pela Fundacion M............ Estúdios relativas ao setor segurador, contexto económico e financeiro, direção estratégica, marketing e comunicação, gestão de seguros e gestão de riscos, por em relação aos mesmos não se verificar, desde logo, o pressuposto da sua sujeição a imposto (artigo 4° n°3 do CIRC).

Para assim concluir, a Mma. Juíza realçou que tais serviços foram prestados integralmente fora do território nacional, não respeitando a estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio, pelo que, atento o teor do nº 4 do artigo 4º do CIRC, os rendimentos correspondentes não são considerados obtidos em Portugal. Assim, não estão sujeitos a tributação e, por consequência, não podem ser objeto de retenção na fonte.

Discordando, defende a Recorrente que os “montantes se enquadram, efetivamente, no citado art°4°, n°3, alínea c), subalínea 7, em conjugação como o preceituado no n° 4, do mesmo artigo do CIRC”, já que “da exegese dos n°s 3 e 4, do citado art.°4° do CIRC, parece resultar que, sendo o serviço a que respeita o pagamento (no caso, ações de formação) prestado integralmente fora do território português, se impõe efetuar a retenção na fonte quando esse serviço respeite a bens situados em território português e esteja relacionado com qualquer uma das seguintes atividades: estudos, projetos, apoio técnico, apoio à gestão, serviços de contabilidade, serviços de auditoria, serviços de consultoria, organização, investigação em qualquer domínio, ou desenvolvimento em qualquer domínio”. Na verdade, para a Fazenda Pública, “basta que o serviço (a formação) esteja relacionado com qualquer daquelas atividades para que se imponha a retenção. A lei não exige que o serviço consista numa daquelas atividades, bastando que com elas possua uma relação”.

Nesta linha de entendimento, reforça a Recorrente que “os cursos de formação satisfazem desde logo o pressuposto da sua utilização em território português, no sentido de que a utilidade dos mesmos é para ser aplicada na empresa”, sendo que “os conhecimentos adquiridos em ações de formação, (…), mesmo ministrados fora do território nacional, devem ser considerados como apoio técnico em qualquer área, visto contribuírem para uma maior eficácia das funções exercidas, considerando-se ainda como investigação e desenvolvimento em qualquer domínio, dado que se repercutem no desenvolvimento da atividade exercida pela empresa”.

Em suma, para a Fazenda Pública, a sentença esteve mal ao não concluir que relativamente ao pagamento da prestação de serviços de formação deve efetuar-se “retenção na fonte, por aplicação do disposto no art°4°, n° 3 alínea c), subalínea 7 assim como no art.°88° do CIRC, não devendo, pois, aqueles rendimentos considerar-se abrangidos pela exclusão prevista na parte final do n° 4 do art.° 4° do mesmo compêndio legal”.

Vejamos o que se nos oferece dizer a propósito dos pagamentos efetuados à (i) D........... & T..........., a J...........-F…………….e MIND ....., com respeito a ações de formação atinentes a coaching e desenvolvimento comportamental, designadamente gestão de tempo e gestão de equipas; e (ii) ao Centro Internacional de Formacion de Directivos M............, SA e à Fundacion M............ Estúdios, por formação relativa ao setor segurador, contexto económico e financeiro, direção estratégica, marketing e comunicação, gestão de seguros e gestão de riscos.

Tenhamos em consideração que a matéria de facto não foi impugnada, pelo que se tem por definitivo o julgamento de facto constante da sentença.

Os factos tributários em análise reportam-se ao exercício de 2003, pelo que importa ter presente o quadro legal à data aplicável. Assim, naquilo que por ora releva, deixamos transcrito o disposto no artigo 4º, nºs 1 a 4 do CIRC.

Assim:


“Artigo 4.º

Extensão da obrigação de imposto


1 - Relativamente às pessoas colectivas e outras entidades com sede ou direcção efectiva em território português, o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

2 - As pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:

a)Rendimentos relativos a imóveis situados no território português, incluindo os ganhos resultantes da sua transmissão onerosa;

b) Ganhos resultantes da transmissão onerosa de partes representativas do capital de entidades com sede ou direcção efectiva em território português ou de outros valores mobiliários emitidos por entidades que aí tenham sede ou direcção efectiva, ou ainda de partes de capital ou outros valores mobiliários quando, não se verificando essas condições, o pagamento dos respectivos rendimentos seja imputável a estabelecimento estável situado no mesmo território;

c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado: ;

1) Rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou cientifico;

2) Rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico;

3) Outros rendimentos de aplicação de capitais;

4) Remunerações auferidas na qualidade de membros de órgãos estatutários de pessoas colectivas e outras entidades; ;

5) Prémios de jogo, lotarias, rifas e apostas mútuas, bem como importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos.

6) Rendimentos provenientes da intermediação na celebração de quaisquer contratos;

7) Rendimentos derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com excepção dos relativos a transportes, comunicações e actividades financeiras;

d) Rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de profissionais de espectáculos ou desportistas, excepto quando seja feita prova de que estes não controlam directa ou indirectamente a entidade que obtém o rendimento.

4 - Não se consideram obtidos em território português os rendimentos enumerados na alínea c) do número anterior quando os mesmos constituam encargo de estabelecimento estável situado fora desse território relativo à actividade exercida por seu intermédio e, bem assim, quando não se verificarem essas condições, os rendimentos referidos no nº 7) da mesma alínea, quando os serviços de que derivam, sendo realizados integralmente fora do território português, não respeitem a bens situados nesse território nem estejam relacionados com estudos, projectos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultadoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio.”

Interessa, ainda, ter presente o artigo 80º, nº 2, alíneas a), b) e e), do CIRC, na redação aplicável, segundo o qual:

“2 - Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, excepto relativamente aos seguintes rendimentos:

a) Rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial, da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico e bem assim da assistência técnica, em que a taxa é de 15%;

b) Rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico, em que a taxa é de 15%; (…)

e) Comissões por intermediação na celebração de quaisquer contratos e rendimentos de prestações de serviços referidos no nº 7) da alínea c) do nº 3 do artigo 4º, em que a taxa é de 15%.”

Vejamos, então, lembrando que o CIRC, quanto à extensão da obrigação do imposto, acolhe o princípio da universalidade, nos termos do qual as entidades residentes são tributadas pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional - artigo 4º, nº 1, do CIRC.

Por seu turno, quanto às pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português vale o princípio da territorialidade, significando isso que ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos aqui obtidos – artigo 4º, nº 2, do CIRC. É no nº 3 do artigo 4º do CIRC que o legislador detalha, por referência ao nº 2, o que se considera serem rendimentos obtidos em território português.

Ora, no que respeita aos pagamentos relativos a ações de formação realizadas em Espanha (pela D........... & T..........., J........... F……………e MIND .....), com respeito a coaching e desenvolvimento comportamental, designadamente gestão de tempo e gestão de equipas, considera a Fazenda Pública, que, diferentemente do decidido, os mesmos se enquadram no artigo 4°, n°3, alínea c), subalínea 7, do CIRC, em conjugação como o preceituado no n° 4, do mesmo artigo.

A sentença assim não considerou, evidenciando que “Estes serviços foram prestados integralmente fora do território nacional, havendo que aferir se se enquadram nas exceções previstas no nº 4 do art. 4º, pois serão tributáveis em Portugal, sendo o pagamento sujeito a retenção na fonte, apenas os serviços relacionados com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio.

Ora, quanto às ações de formação e conferências de teor comportamental ministradas por D........... & T..........., J........... Aguado e MIND ....., respeitantes a coaching e desenvolvimento comportamental, designadamente gestão de tempo e gestão de equipas, evidencia-se, pela própria matéria sobre que incidem, que não podem considerar-se abrangidas pela norma de incidência, por não se reconduzir a qualquer das atividades discriminadas na enumeração dos serviços que não podem beneficiar da cláusula de exclusão de tributação prevista no nº 4 do art. 4.º do Código do IRC”.

Diga-se, desde já, que se sufraga o entendimento acolhido na sentença.

Com efeito, não obstante a previsão do ponto 7, da alínea c), do nº3, do artigo 4º do CIRC, a verdade é que, nos termos do nº 4 do mesmo artigo 4º, exige-se, para efeitos de sujeição a IRC, que os serviços de que derivam os rendimentos, sendo integralmente realizados fora do território português, estejam relacionados com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultadoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio.

Ora, a formação e conferências, levadas a cabo em Espanha, relacionadas com coaching e desenvolvimento comportamental, no âmbito profissional, traduz-se, em termos genéricos, na partilha de conhecimento direcionada à melhoria do desempenho da pessoa em contexto laboral, promovendo o desenvolvimento da inteligência emocional e equilíbrio de cada um e, bem assim, a melhoria do trabalho em equipa, formação que, pela sua natureza, escapa por completo à norma de incidência transcrita (nº 4 do artigo 4 do CIRC) - estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultadoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio.

Diga-se, aliás, que constitui jurisprudência fiscal assente a de que “as prestações de serviços relacionadas com acções de formação e conferências, não podem ser consideradas como actividades de apoio técnico, investigação e desenvolvimento, nem de algum modo relacionadas com essas actividades, o que significa que o rendimento delas proveniente para a entidade não residente e sem estabelecimento estável que as organizou no estrangeiro, não se encontra sujeito a I.R.C., ainda que a entidade remuneradora seja residente em Portugal, assim não sendo enquadráveis na previsão do art.º 4, n.º 3, al. c), ponto 7, do C.I.R.C” – neste sentido, entre outros, os acórdãos do TCAS, de 15/11/18, proc. nº 234/09.2BELRS e de 16/12/20, proc. nº 14/06.7BELSB.

Defende a Recorrente que “basta que o serviço (a formação) esteja relacionado com qualquer daquelas atividades para que se imponha a retenção. A lei não exige que o serviço consista numa daquelas atividades, bastando que com elas possua uma relação”. Para mais, reforça a Fazenda Pública, que “os conhecimentos adquiridos e/ou partilhados nas ações de formação constituem benefícios económicos que se repercutem no desenvolvimento da atividade da empresa…com vista à obtenção de um melhor resultado.”

Salvo o devido respeito, não se podemos acompanhar este entendimento que, diga-se, além de não encontrar o menor apoio na letra da lei, em concreto no citado nº 4 do artigo 4º do CIRC, a ser adotado, retiraria qualquer conteúdo útil à delimitação do âmbito dos serviços visados na norma (i.e, repetindo, estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultadoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio).

Em suma, a fundamentação da correção avançada pela ATA, tal como consta do RIT e aqui reiterada pela Recorrente, é contrária aos preceitos transcritos sobre os limites da extensão da obrigação de IRC (artigo 4.º do CIRC), “dado que não preenche nenhum dos elementos de conexão com a ordem jurídica nacional, que habilite à tributação dos rendimentos em causa. É que os rendimentos pagos a entidades não residentes como contrapartida de acções de formação, efectuadas fora do território nacional, não estão abrangidos pelo IRC português, nos termos do artigo 4.º, n.º 4, do CIRC”vide ac. citado deste TCA, de 16/12/20.

Também caem fora da norma de sujeição os rendimentos derivados dos pagamentos das ações de formação levadas a cabo pelo Centro Internacional de Formacion de Directivos M............, SA e pela Fundacion M............ Estúdios pela formação relativa ao setor segurador, contexto económico e financeiro, direção estratégica, marketing e comunicação, gestão de seguros e gestão de riscos.

A este propósito, e sufragando jurisprudência deste TCA, lê-se na sentença o seguinte:

“Concluindo que as prestações de serviço de formação não se encontram entre as atividades taxativamente elencadas pelo legislador como geradoras de rendimentos obtidos em Portugal nos nº 3 e 4 do art. 4º do Código do IRC, v. o acórdão proferido em 15.11.2018, no proc. 234/09.2BELRS, pelo Tribunal Central Administrativo Sul (seguidamente, TCAS), considerando que no apoio técnico/prestação de serviços técnicos, o foco do serviço é auxiliar terceiros a solucionar problemas específicos de um produto, excluindo-se do seu âmbito o treino ou formação, ou outros serviços de suporte, e também o contrato de Know how.

Bem assim, considerou aquele Tribunal que não pode reconduzir-se o conceito de utilização do serviço em território português à contribuição para a melhoria dos resultados da empresa que sempre advirá das ações de formação, seja de que natureza for, pois tal conduz a uma visão excessivamente restritiva da cláusula de derrogação do regime de extensão territorial da obrigação de imposto que praticamente lhe retiraria qualquer utilidade.

Por outro lado ainda, e continuando a acompanhar o aresto, as ações de formação não se compreendem nos conceitos de investigação e desenvolvimento, ínsitos, à data dos factos, no disposto no art. 31º, nº 2, do Código do IRC, e art.18º, nº 2, do Decreto Regulamentar 2/90, de 12.01, relativos às despesas de investigação e desenvolvimento aceites como custos fiscais, retirados do próprio sistema fiscal português e dos quais resulta que atividades de investigação são aquelas que visam “a aquisição de novos conhecimentos científicos e técnicos” e as atividades de desenvolvimento consistem na “exploração de resultados de trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos com vista à descoberta ou melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de fabrico”.

Pelo que, os serviços em causa, relacionados com ações de formação não podem ser consideradas como atividades de apoio técnico, investigação e desenvolvimento, nem com elas relacionadas, o que significa que o rendimento delas proveniente para a entidade não residente e sem estabelecimento estável que as organizou no estrangeiro, não se encontra sujeito a IRC , ainda que a entidade remuneradora seja residente em Portugal, não sendo enquadráveis na previsão do art. 4º, nº 3, al. c), nº 7) do Código.

Uma vez que os rendimentos correspondentes não são considerados obtidos em Portugal, não estão aqui sujeitos a tributação e, por consequência, a retenção na fonte.”

Esta posição, transposta do acórdão citado, de 15/11/18, proferido no processo nº 234/09.2 BELRS, é de acolher integralmente, concluindo-se nos exatos termos aos que já antes havíamos dito sobre as ações de formação e ao âmbito do nº 4 do artigo 4º do CIRC.

Assim, e sem necessidade de considerações adicionais, há que julgar improcedente esta primeira questão, a que correspondem as conclusões A) a M).


*

Passemos para a segunda questão que nos vem dirigida, a que respeitam as conclusões N) e ss.

Estão em causa pagamentos efetuados a entidades não residentes, referentes a prestações de serviço de software, de aluguer de licenças e de transmissão de know how específico do grupo M............, cuja qualificação como royalties não foi contestada pela Recorrida. Em concreto, a discordância com o decidido prende-se com a prova (e a oportunidade da prova) da residência em Espanha das beneficiárias dos pagamentos, com vista à aplicação da taxa reduzida prevista na CDT celebrada entre Portugal e Espanha.

Para a Fazenda Pública, e na linha do já entendido no RIT, “a Impugnante deveria ter feito acompanhar os pagamentos, àquelas entidades não residentes em Portugal, de um formulário de modelo apropriado, devidamente certificado pelas autoridades tributárias, até ao termo do prazo estabelecido para entrega do imposto, o que não aconteceu, pelo que é de afastar a possibilidade de acionar a Convenção para evitar a dupla tributação”.

A sentença não acolheu este entendimento, considerando que padecem do vício de violação de lei as liquidações de retenções na fonte efetuadas pela AT, à taxa de 15%, e respeitantes a pagamentos efetuados a entidades não residentes (pela prestação de serviços de software, serviços de aluguer de licenças e de transmissão de know how específico do grupo M............), por violação da CDT celebrada entre Portugal e Espanha, na parte em que excede a retenção na fonte à taxa de 5% ali prevista. O Tribunal a quo pôs em evidência que, ainda que apenas nestes autos, foi comprovada, através da junção dos respetivos certificados emitidos em data posterior àquela em que era devida a retenção na fonte, a residência fiscal em Espanha das entidades beneficiárias.

Deixemos nota, naquilo que mais releva, do percurso argumentativo alinhado na sentença. Aí se escreveu, além do mais, o seguinte:

“A CDT entre Portugal e Espanha foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República 6/95 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República 14/95, ambos publicados no Diário da República de 28.01.1995.

O nº 2 do art. 12º da CDT limita a retenção na fonte dos royalties (redevances) à taxa de 5%.

Por força do disposto no artigo 8.º da CRP, as normas constantes da convenção constituem fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários. Portugal está obrigado ao cumprimento da Convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento assinada com Espanha.

Mais decorre do estipulado no art. 1º, nº 1, da LGT que as normas tributárias têm de ter em consideração o disposto nas normas de direito internacional que vigoram na ordem interna, não podendo uma norma interna alterar uma norma constante da convenção ou constituir justificativo da recusa da aplicação da convenção.

Não pode a Administração Tributária impor um pressuposto material de aplicação da convenção, nela não previsto, em violação da convenção.

Por este motivo, os formulários aprovados só podem ser entendidos como documentos ad probationem, ou seja, a sua finalidade é apenas a de obter prova segura dos pressupostos da dispensa ou, como acontece no caso, da limitação da retenção.

Por outro lado, a Lei 67-A/2007, de 31.12, veio possibilitar a prova da residência e dos demais elementos a posteriori, alterando a redação dos arts. 90º e 90º-A do Código do IRC nos seguintes termos:

“2 - Não existe ainda obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, quando os sujeitos passivos beneficiem de isenção, total ou parcial, relativa a rendimentos que seriam sujeitos a essa retenção na fonte, feita que seja a prova, perante a entidade pagadora, da isenção de que aproveitam, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido.

3 - Quando não seja efectuada a prova a que se refere o número anterior, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.

4 - Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.”

“2 - Nas situações referidas no número anterior, bem como na alínea g) do n.º 2 do artigo 80.º, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis:

a) ...”.

Ademais, o art. 48º da mesma Lei 67-A/2007, atribui eficácia retroativa à citada norma. Face à nova redação dada pela Lei 67-A/2007, de 31.12 (LOE 2008), aos então arts. 90.º e 90.º-A do CIRC, a prova da residência dos beneficiários de rendimentos auferidos em Portugal, para efeitos de dispensa de retenção na fonte pode ser efetuada a posteriori.

O que releva é a efetiva verificação dos respetivos pressupostos, não podendo os formulários de modelo oficial aprovado constituir o único meio de prova necessário para certificar a residência das entidades envolvidas, face ao disposto no art. 364º do Código Civil

Resultando, pois, do nº 2 al a) do artigo 90º-A do Código do IRC que o formulário é apenas exigido como meio de prova, pode este ser substituído por documento estrangeiro de igual valor, nos termos do nº 1 do art. 365º do Código Civil.

Neste sentido, v. os acórdãos do STA de 22.06.2011, proc. 0283/11, de 20.01.2016, proc. 01479/13 (do Pleno da Secção do CT) e de 14-12-2016, proc. 0141/14, e do TCAS de 8.02.2018, proc. 46/10.

Revertendo ao caso dos autos:

Na situação sub judicio está em causa o exercício de 2003, no qual já era exigida a prova através dos formulários oficiais, nos termos da redação dada ao art. 90º do Código do IRC pela Lei nº 32-B/2002, de 31.12, os quais foram aprovados pelo Despacho 11701/2003 da Ministra de Estado e das Finanças, publicado em 17.06.2003.

Tendo estes factos em consideração, à data em que seriam devidas as primeiras retenções na fonte impugnadas ainda não haviam sido publicados os formulários, apenas publicados em 17.06.2003, pelo que, nesse momento, não se podia impor aos interessados a obrigatoriedade da sua utilização.

Mesmo após a aprovação destes formulários, porque não constituem requisitos ad substantiam, antes consubstanciam documentos ad probationem, sendo a certificação de residência um ato de mero reconhecimento dos pressupostos dos benefícios previstos nas convenções pela Administração Tributária, podiam os formulários ser substituídos pelos certificados de residência no estrangeiro emitidos pelas entidades competentes.

Assim, é suficiente a declaração da Administração Tributária espanhola para provar a residência do contribuinte e, em consequência, permitir a aplicação da convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre os dois países.

Pelo que, ainda que não utilizando o formulário aprovado, se os certificados de residência apresentados atestam a residência fiscal das entidades beneficiárias dos pagamentos e se mostram certificados pela autoridade fiscal respetiva, os mesmos devem ser aceites como prova efetiva da residência dessas entidades.

Face ao exposto, é ilegal a liquidação de retenções na fonte, efetuada à taxa de 15%, por violação da CDT, na parte em que excede a retenção na fonte à taxa de 5% que esta prevê”.

A Recorrente insiste na legalidade da atuação dos serviços inspetivos e, como tal, no erro da sentença, sublinhando que “para poderem beneficiar da não sujeição de rendimentos ao imposto português, ou da redução de taxa de retenção na fonte, e serem tributados nos Estados da residência, o Estado português definiu duas condicionantes cumulativas (requisito de fundo e de forma), devendo os sujeitos não residentes, proceder à ativação, dos mecanismos previstos na CDT, através da apresentação dos formulários adequados e dos competentes certificados de residência fiscal, emitidos e autenticados pelas autoridades fiscais dos Estados em que residem, porquanto as CDT não são de aplicação direta”. No caso, “tendo-se verificado que a Recorrida não tinha na sua posse, aquando dos pagamentos efetuados a entidades não residentes, pela prestação dos serviços supra mencionados, os certificados de residência para os rendimentos pagos até 31 de julho de 2003, nem os formulários devidamente confirmados pela Autoridade Fiscal do Estado da localização da sede dos beneficiários, nomeadamente, Espanha, para os rendimentos pagos a partir de 1 de agosto de 2003, os documentos apresentados em sede dos presentes autos, não poderão ser aceites para efeitos de certificação de residência e de redução de taxa de retenção na fonte, porquanto não foram emitidos no âmbito da CDT”. Assim, “impõe-se concluir que, os pagamentos efetuados, no ano de 2003, a entidades não residentes, referentes a prestações de serviço de software, serviços de aluguer de licenças e de transmissão de know how específico do grupo M............, cuja qualificação como royalties não foi contestada pela Recorrida, estão sujeitos a retenção na fonte, conforme disposto no art°4°, n°3, alínea c), ponto 1, do CIRC e no art°88°, n°1, alínea a) do mesmo compêndio normativo, à taxa de 15% (conforme dispõem as diversas alíneas do n°2, do art°80° do CIRC), na medida em que se tratam de prestações de serviços efetuadas por entidades não residentes, sem que tenha sido feita prova cabal da isenção/redução que aproveitam”.

Sem hesitações, até por esta ser matéria ampla e reiteradamente tratada na jurisprudência dos tribunais superiores, diremos que nenhuma razão assiste à Recorrente, o que equivale a dizer que a sentença decidiu corretamente.

Vejamos, lembrando que, tal como resulta da matéria de facto, no ano de 2003, a Recorrida efetuou pagamentos à M............ SOFT SA, à M............ Servicios de Informatica SA, à M............ Mutualidad ……………….. e ao C…………………… - Centro de ……………. M............, respetivamente por serviços de software, serviços de aluguer de licenças e de transmissão de know how específico do grupo M............ a seus colaboradores - cfr. nº 9 a 11 do probatório. Tenha-se ainda em consideração que, no referido ano, a M............ ……SA, a M............ Servicios de Informatica SA, a M............ ……………. e o C……….. - Centro de Experimentacion ……………….. M............ foram considerados residentes fiscais em Espanha, tal como resulta dos pontos 12 a 15 dos factos provados.

Com este circunstancialismo presente, lançamos mão, na análise que se segue, do entendimento acolhido em acórdão do STA que, no âmbito de recurso de revista, interposto ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo TCA Sul. Em tal aresto o STA considerou que da interpretação dos artigos 103º da CRP e 90º do CIRC resulta que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos ad probationem, pelo que podem ser apresentados a posteriori dentro dos prazos legalmente fixados, podendo ser substituídos nos termos do artigo 364º, nº 2 do Código Civil – vide, acórdão do STA, de 14/12/16, processo nº 141/14.

Como se verá, tal acórdão responde integralmente à questão que aqui nos ocupa, ainda que a análise aí feita tenha por referência uma situação de aplicação da CDT celebrada entre Portugal e os EUA (e não com o Reino de Espanha, como aqui).

Lê-se no acórdão do STA, de 14/12/16, além do mais, o seguinte:

“O acórdão recorrido considera que esses formulários não são apenas meios “ad probationem” mas antes documentos “ad substantiam”.

Para o Tribunal recorrido o formato do certificado apresentado devendo conter a apresentação dos rendimentos (o facto gerador da Obrigação) assume relevância para a aplicação da Convenção sobre a Dupla Tributação.

A prova documental é a rainha das provas na medida em que assegura ao tráfego jurídico e internacional um crédito sobre a existência e veracidade dos factos que atesta.

Entende-se que um documento é um documento ad substantiam quando o mesmo integra a própria formação do acto ou negócio jurídico que certifica de modo que esses negócio não se considera legalmente constituído sem que essa formalidade não se efective ou seja substituído por outro documento que não seja de força superior cfr artigo 364 do Código Civil.

Como ensina Mota Pinto in Teoria Geral 3ª edição pp 436 um documento é “ad probationem”, quando resultar da lei que a sua finalidade é apenas a de obter prova segura e não outras finalidades possíveis atinente ao acto ou negócio a que se refere “ do acto ou negócio.

Nesta concepção o documento ad substantiam é elemento constitutivo do acto que documenta.

No caso dos autos os formulários impostos por lei como meio de prova não podem considerar-se como constitutivos da obrigação tributária a que se referem ou seja da criação do imposto e dos benefícios fiscais “in casu” a dispensa da retenção na fonte.

Os requisitos constitutivos da criação dos impostos bem como dos benefícios fiscais depende exclusivamente da lei nos termos do disposto no artigo 103 da CRP que assim estatui:

2 “ Os impostos são criados por lei que determina a incidência a taxa e os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

Neste sentido veja-se o acórdão do STA de 22 06 2011 in processo 0283/11.

No caso dos autos os pressupostos de dispensa total ou parcial da retenção na fonte de IRC dos rendimentos em causa são os previstos na convenção sobre a dupla tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América que como bem refere a recorrente são apenas a residência dos beneficiários do pagamento e a natureza do rendimento.

As Convenções sobre a dupla tributação são instrumentos legais que permitem perante à falta de harmonização legislativa fiscal internacional que os rendimentos obtidos num dos países convencionastes por cidadãos estrangeiros oriundos do país convencionado beneficiem de taxa de redução ou de outros benefícios fiscais relativamente aos impostos que discriminam.

E delas constam os pressupostos da sua aplicação.

E embora seja certo que as convenções sobre a dupla tributação deixam à disposição dos estados contratantes a possibilidade de regularem as questões procedimentais como é o caso dos autos, há contudo que ter em consideração que a exigência da prova não pode de forma alguma contender com os elementos materiais que determinam a aplicação da convenção.

O que tornando lícito ao legislador nacional proceder a tal regulamentação para comprovação dos pressupostos dessa aplicação o inibe contudo de criar através do meio de prova utilizado mais um pressuposto dessa aplicação.

Como decorre do preceituado no artigo 1º nº 1 da LGT toda a regulação das normas tributárias tem de ter em consideração o disposto nas normas de direito internacional que vigoram na ordem interna.

Nos termos do artigo 8º nº 2 da CRP as normas constantes das convenções internacionais regularmente ratificadas vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português não podendo por tal razão uma norma interna alterar uma norma constante da convenção.

Nesse sentido veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional nº 107/84 in BMJ nº 365-107.

Ora o Tribunal Central Administrativo Sul considerou que a falta de indicação do valor dos rendimentos nos formulários era motivo para que os mesmos não pudessem ser aceites como prova e como tal justificavam a recusa da aplicação da convenção.

Para tanto considerou acertada a posição da AT que considerara que a falta dessa indicação dado tratar-se de benefício fiscal era ónus do fruidor desse benefício.

Mas tal entendimento que considera o formulário como documento ad substantiam e determina que o seu incorrecto preenchimento implique a não aplicação da convenção não estando previsto como pressuposto da aplicação na convenção traduz-se na imposição de um pressuposto material de aplicação da convenção pela Administração Tributária em nítida violação da convenção.

E de facto formulários não sendo requisitos constitutivos dos benefícios fiscais, não integrando as normas de incidência que visam acautelar, só podem ser entendidos como documentos “ad probationem”. Ou seja, a sua finalidade é apenas a de obter prova segura dos pressupostos da dispensa da retenção.

Este entendimento resulta também do facto de a Lei nº 67-A/2007 de 31 de Dezembro possibilitar a prova da residência e dos demais elementos “a posteriori”.

Estatui de facto o nº 2 do artigo 90-A do CIRC na redacção dada pela lei supra citada:

Artigo 90.º [...]

1 -...

2 - Não existe ainda obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, quando os sujeitos passivos beneficiem de isenção, total ou parcial, relativa a rendimentos que seriam sujeitos a essa retenção na fonte, feita que seja a prova, perante a entidade pagadora, da isenção de que aproveitam, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido. 3 - Quando não seja efectuada a prova a que se refere o número anterior, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.

4 - Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.

Artigo 90.º-A [...]

1 - ...

2 - Nas situações referidas no número anterior, bem como na alínea g) do n.º 2 do artigo 80.º, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis:

a) ...

...

3 - Os formulários a que se refere o número anterior, devidamente certificados, são válidos por um período máximo.

A possibilidade de prova “a posteriori” contende com a natureza que se quer atribuir ao formulário de documento “ad substantiam” na medida em que a existência desse formulário não interfere com o nascimento do benefício ou com a constituição da obrigação tributária que visa excluir.

No caso em apreço, estando embora em causa o exercício de 2003 em que ocorre já a exigência de prova através dos formulários oficiais o certo é que sendo os mesmos documentos ad probationem podiam ser substituídos, como foram, pelos certificados de residência no estrangeiro emitidos pelas entidades competentes.

Por outro lado a indicação do rendimento no campo do formulário não pode pelas razões indicadas ser pressuposto de aplicação da Convenção sobre a Dupla Tributação por a criação do imposto e do benefício fiscal apenas obedecerem ao princípio da legalidade e não estar sujeito a regulamentação administrativa.

Sendo os formulários documentos ad probationem e não ad substantiam há que admitir a prova de residência no estrangeiro baseada em certificados emitidos pelas autoridades respectivas face ao disposto no artigo 364 / 2 do Código Civil.

Resultando, como se deixou dito da interpretação do nº 2 al a) do artigo 90-A do CIRC (anterior nº 3 do artigo 90) que o formulário é apenas exigido como meio de prova, podendo ser apresentado no prazo aí consignado podia o mesmo ser substituído por documento estrangeiro de igual valor nos termos também do nº 1 do artigo 365 do Código Civil”.

Nessa medida, a sentença que julgou procedente a impugnação e anulou a liquidação adicional, na parte acabada de apreciar, deve ser mantida, sublinhando-se que o entendimento da Recorrente que considera o formulário exigido como documento ad substantiam não pode manter-se.

Analisadas que estão as duas questões que nos vinham dirigidas, conclui-se pelo não provimento do recurso e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida.


*

III – DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.


Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 25/11/21


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Jorge Cortês