Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 315/21.4 BEBJA |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 01/24/2024 |
Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
Descritores: | ADUANEIRO CONTROLO ADUANEIRO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO VALOR ADUANEIRO DIREITO DE AUDIÇÃO APROVEITAMENTO DO ATO |
Sumário: | I - A administração aduaneira, nas decisões que profira, está obrigada ao respeito pelo dever de fundamentação, respeito esse fundamental para assegurar o direito de defesa do administrado e, dessa forma, assegurar a tutela jurisdicional efetiva. II - Não está cabalmente fundamentada a decisão proferida pela administração aduaneira (na sequência da qual foi emitida liquidação de direitos e IVA, por existirem dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado), quando nessa decisão não resulta cabalmente explanada a motivação subjacente à existência de dúvidas fundadas, à não consideração dos elementos adicionais apresentados pelo administrado e ao motivo pelo qual foi tomada uma determinada opção em termos de método adotado, não sendo suficientes meras fórmulas conclusivas. III - A falta de fundamentação só pode ser considerada como irregularidade não invalidante quando foi possível concluir, com a certeza exigível, que a decisão seria sempre a mesma, o que não ocorre quando nem se conseguem alcançar os pressupostos de base da atuação da administração. |
Votação: | Unanimidade |
Indicações Eventuais: | Subsecção tributária comum |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acórdão
I. RELATÓRIO Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 11-05-2022, que julgou procedente a impugnação supra identificada, por ter entendido que a liquidação impugnada, objecto mediato da presente impugnação, padecia de falta de fundamentação, o que determinava a sua anulação e prejudicava a apreciação das demais questões e dos demais vícios nos termos do art.º 124.º n.º 2 b) do CPPT; B) Com a devida vénia não pode a Fazenda conformar-se com tal sentido decisório, considerando que existe erro, quer quanto à apreciação da matéria de facto, quer de direito, entendendo que, na sua perspetiva, não existem razões válidas para julgar a impugnação procedente. C) Com efeito, existe erro de julgamento quanto à matéria de facto, porquanto a douta sentença faz uma errada valoração e apreciação da prova carreada para os autos, na medida em que suporta conclusões em factos do probatório, factos esses que não permitiriam retirar tais ilações. Pelo contrário! D) Existe erro de julgamento em matéria de direito por errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 60.º n.º 7 e 77.º, n.º 1, da LGT não se conformando a Fazenda Pública com a interpretação e conclusões daquele douto tribunal; E) Desde logo, porque resulta da prova carreada para os autos, que a Administração cumpriu o dever de fundamentação do ato de liquidação notificado à impugnante. Do erro de julgamento da matéria de facto e errada valoração da prova: F) Analisados os elementos de suporte para onde remete a decisão em causa, verifica-se que a fundamentação da decisão da DAS é clara e congruente e permite à impugnante ora recorrida, a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração Tributária. G) Na verdade, a fundamentação que é dada a conhecer à recorrida, consta do probatório nomeadamente através do ofício 59/2020, (que consta do ponto F) da matéria de facto provada), da informação para o exercício do direito de audição (informação n.º 78/2020 que consta da al. K) da matéria de facto provada) e da notificação de cobrança (que consta do ponto O) da matéria de facto provada); H) São factos que foram relevados no probatório, e que se mostram suficientes para que a impugnante, aqui recorrida, pudesse ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na génese da liquidação. I) Os referidos documentos, nomeadamente a informação n.º informação n.º 78/2020 que consta da al. K) da matéria de facto provada), contêm os elementos bastantes para que a recorrida tenha - ao contrário do que concluiu o douto tribunal a quo – conhecimento do porquê do valor declarado ter sido considerado pela DAS como excecionalmente baixo, tenha conhecimento do valor base AMT proposto ou “valores médios” e valor declarado (melhor identificados no ponto 11 das alegações), e da “fonte” desse valor proposto; J) Encontram-se ainda indicadas [no ponto 8 daquela informação n.º 78/2020 que consta da al. K) da matéria de facto provada), a taxa de direitos, a taxa de IVA, o montante dos direitos apurados (pela “diferença” entre o valor declarado e o valor proposto), a base tributável do IVA e o montante de IVA (calculado pela “diferença”). K) Dos elementos levados ao probatório, nomeadamente a informação n.º 78/2020 que consta da al. K) da matéria de facto provada), consta ainda que o cálculo é efetuado pela diferença, apurada pela dedução do valor declarado ao valor proposto AMT, sendo este conjunto de elementos suficiente, para o cabal esclarecimento sobre a motivação da liquidação e para sindicar o seu cálculo por mera operação aritmética. L) Considerou o douto Tribunal a quo que, não obstante a documentação e as explicações dadas pela Impugnante, aqui recorrida, não se extrai da fundamentação da liquidação o porquê desses elementos não serem esclarecedores. Ora, M) A motivação das razões pelas quais as explicações e documentos não foram suficientes para afastar as dúvidas da DAS, quer quanto ao valor declarado, quer quanto à aplicação do método de determinação do valor aduaneiro, encontra-se devidamente explanada na informação n.º 78/2020 (que consta da al. K) da matéria de facto provada). N) Nesta informação que foi levada ao probatório, complementada pelo ofício 59/2019 (que consta do ponto F) da matéria de facto provada) remetido pela recorrente, são expressas as razões, pelas quais a recorrida não conseguiu afastar as “dúvidas fundadas” que, nos termos do disposto no n.º2 do art.º140.º do AE-CAU, legitimam a Administração Tributária a decidir que o valor das mercadorias, não pode ser determinado de acordo com o artigo 70.º, n.º1 do Código Aduaneiro da União. O) De igual forma, a Administração Tributária informou também a ora recorrida, que a apresentação de documentos autênticos que atestassem o valor transacional declarado não invalidava que as autoridades aduaneiras mantivessem as dúvidas fundadas «caso esses documentos não permitam justificar o valor transacional declarado. P) Ora, sendo certo que a impugnante não juntou prova bastante para justificar o preço declarado para a mercadoria em questão face ao valor AMT correspondente, nem esclareceu, sem margem para qualquer dúvida, a razão de tal preço, não se vislumbra que outras considerações adicionais poderiam ter sido formuladas pela DAS relativamente às explicações dadas pela Impugnante ora recorrida. Q) Considerou ainda a douta sentença recorrida que não se consegue compreender o porquê de ter sido excluída a aplicação do método de determinação do valor aduaneiro baseado no valor transacional e a necessidade de adotar métodos secundários, com o argumento de que não foi possível aceder às características das mercadorias; S) Impossibilidade de aceder às características das mercadorias importadas ao abrigo de outras declarações aduaneiras, que não a declaração aduaneira aqui em causa. Com efeito, só assim se entende a menção ali feita ao «valor de mercadorias idênticas ou similares» ou se fale em «faturas» (quando a mercadoria aqui em causa está abrangida por uma única fatura). T) Deveras, a AT não dispunha de outros elementos com vista a estabelecer um valor de substituição, que não fosse o recurso aos valores médios constantes das bases de dados disponibilizados na ferramenta AMT. U) Posto isto é forçoso concluir, que a fundamentação usada pela DAS para efeitos da rejeição do método do valor transacional, encontra-se plenamente realizada e é perceptível para o administrado “colocado na posição de um destinatário normal”. V) Concluiu ainda o douto tribunal a quo que a Administração não ponderou nem se pronunciou, sobre o exercício do direito de audição exercido pela ora recorrida. Vejamos, W) Segundo jurisprudência assente, encontram-se as Administrações dos Estados membros sujeitas ao respeito dos direitos de defesa sempre que tomem decisões que recaem no âmbito de aplicação do direito da União, contudo, o cabal cumprimento deste dever basta-se com a observância do prazo decorrido entre o momento em que a Administração em causa recebeu as observações da pessoa ou empresa em causa em sede de audição prévia e a data em que tomou a sua decisão, mas já não, que tenha em conta nas suas decisões as observações suscitadas; X) Por outra via, a legislação aduaneira da União estabelece regras próprias em matéria de audição prévia do interessado antes de ser tomada uma decisão, pelas autoridades aduaneiras, que tenha consequências adversas para o interessado, veja-se o disposto no artigo 22.º, n.º 6 do CAU (aplicável no contexto da cobrança de uma dívida aduaneira em face do que dispõe o artigo 29.º do CAU), nos artigos 8.º a 10.º do AD-CAU e nos artigos 8.º e 9.º do AE-CAU. Y) Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma violação dos direitos de defesa, só implica a anulação da decisão se, na inexistência dessa irregularidade, o procedimento pudesse conduzir a um resultado diferente. Z) Em face do acima exposto, a audição prévia do interessado, no quadro de uma ação de cobrança de uma dívida aduaneira, deve atender ao regime legal consagrado no Direito da União, o qual deve ser interpretado à luz do principio fundamental do direito da União do respeito dos direitos de defesa, e a forma como esse princípio é interpretado pela jurisprudência designadamente do Tribunal de Justiça da União Europeia. AA) Termos em que, é forçoso concluir que a Administração Tributária não violou o disposto nessa norma. BB) Por outra via, no âmbito do exercício do direito de audição, face aos requerimentos (anteriormente) apresentados pela recorrida, apenas foi trazido um elemento novo, ou seja, a recorrida contesta o facto da DAS arguir que não teve a possibilidade de aceder às mercadorias quando as mesmas foram objeto de controlo físico. Ora este elemento novo apresentado assenta no pressuposto errado de que a DAS se refere às mercadorias que constam da declaração aduaneiro objeto de liquidação. CC) Por outro lado, esse argumento é apenas uma conclusão, e baseada numa errada interpretação do conteúdo da declaração da DAS, pelo que, não se impunha, em face do que dispõe o n.º 7 do artigo 60.º da LGT, que a DAS tivesse de se pronunciar quanto à mesma em sede da fundamentação do ato de liquidação. DD) Por fim, no cenário hipotético de se vir a concluir que as autoridades aduaneiras violaram o disposto no n.º 7 do artigo 60.º do LGT, sempre seria de considerar a jurisprudência do Tribunal de Justiça suprarreferida, que dita que o Tribunal nacional não deve, ainda assim, anular o ato de liquidação, já que, e pelas razões acima indicadas, na ausência dessa alegada irregularidade, o procedimento não conduziria a um resultado diferente. EE) Daí que não se acompanhe a sentença recorrida quando conclui pela não fundamentação do ato de liquidação. FF) Pelo exposto, entende a Fazenda Pública que a douta sentença errou no seu julgamento, sendo imperioso concluir que a liquidação em apreço não padece do apontado vício de falta de fundamentação, impondo-se a revogação da sentença aqui em escrutínio. Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com todas as legais consequências”. A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: “1. As presentes Contra-Alegações têm por objeto o Recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (“TAF de Beja”), em 11/05/2022, no processo n.º 315/21.4BEBJA, a qual julga procedente a Impugnação Judicial apresentada pela aqui Recorrida do ato de liquidação praticado pela DAS no montante global de € 37.046,97 (trinta e sete mil, quarenta e seis euros e noventa e sete cêntimos), relativo a direitos aduaneiros e IVA, entendendo que tal ato de liquidação não se encontra devidamente fundamentado, 2. O que por sua vez, determina a anulação do mesmo, obstando ao conhecimento dos demais vícios invocados pela Recorrida em sede de Impugnação Judicial. 3. Em concreto, decorre da Sentença Recorrida que tal falta de fundamentação é particularmente evidente nos seguintes aspetos: por que motivo a documentação apresentada pela Recorrida não foi suficientemente esclarecedora para dissipar as dúvidas sobre o preço pago; por que motivo o valor faturado (i.e., preço pago pelas mercadorias que corresponde ao valor declarado na importação) é considerado excecionalmente baixo e com base em que critérios; por que motivo não foi possível aplicar um outro método alternativo para determinação do valor aduaneiro; e por que motivo não foram os argumentos invocados pela Recorrida em sede de audição prévia tidos em consideração pela DAS. 5. Ora, a este respeito, sempre se dirá que, não obstante tal valor médio AMT/THESEUS ter sido indicado, onde claramente a DAS falhou na fundamentação do ato de liquidação em crise foi na indicação das normas legais que alegadamente justificariam e permitiriam que a suposta diferença entre o valor transacional declarado pelo importador (considerado “excecionalmente baixo”) e um “valor médio AMT” constante de uma base de dados de exclusivo conhecimento da Autoridade Aduaneira, poder ser, por si só, suficiente e legítimo para que a DAS desconsidere o valor transacional como método de determinação do valor aduaneiro, não obstante o importador ter demonstrado que o valor declarado corresponde inequivocamente à totalidade do preço de compra negociado e pago ao fornecedor e, em consequência. 6. Da mesma forma, e na sequência do que se acaba de referir, não indicou igualmente a DAS quais normas legais que alegadamente permitem e legitimam a substituição do valor transacional declarado pelo importador pelo referido valor médio da ferramenta AMT para efeitos de determinação do valor aduaneiro da importação. 7. Sendo certo que a justificação para esta ausência de referência às normas legais que legitimassem o entendimento da DAS é simplesmente o facto de tais normas não existirem, uma vez que a legislação aduaneira, e muito em particular os artigos 70.º e seguintes do Código Aduaneiro da União (CAU), são muito claros no que toca a estabelecer que a determinação do valor aduaneiro para efeitos de cálculo das imposições devidas pela importação de mercadorias é feita, regra geral, com base no valor transacional das mesmas, isto é, com base no preço pago pelo importador ao vendedor, independentemente de tal preço ser reduzido ou não. 8. Em segundo lugar, continua a Fazenda Pública, nas suas Alegações de Recurso, a desconsiderar e ignorar em absoluto o teor e valor probatório da informação e documentação fornecidas pela Recorrida para dissipar as alegadas dúvidas das autoridades aduaneiras. 9. Ora, tal como amplamente demonstrado nos presentes autos e confirmado pela Sentença Recorrida, ao longo do procedimento de liquidação foi junta pela Recorrida documentação diversa (incluindo Ordem de Compra e comprovativo de pagamento), bem como informação sobre os contornos da negociação com o fornecedor, assim se justificando que o valor declarado corresponde efetivamente ao valor pago pelas mercadorias. 10. Sucede que, nas Alegações de Recurso, continua a Recorrente a referir apenas que a Recorrida “não juntou prova bastante para justificar o preço declarado para a mercadoria em questão face ao valor AMT correspondente, nem esclareceu, sem margem para dúvida fundada, a razão de tal preço”. 11. Ora, a este respeito importa esclarecer que não existe, no direito internacional, nem no direito da União Europeia, e menos ainda no direito nacional, qualquer norma que imponha aos importadores o dever/obrigação de explicarem às autoridades aduaneiras uma diferença entre o valor transacional declarado (correspondente ao preço por si negociado e pago – e, assim conhecido) e um “valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares” que naturalmente desconhecem. 12. O que a legislação prevê é apenas a obrigação de os importadores, sempre que instados a tal, demonstrarem às autoridades aduaneiras que o valor transacional declarado nas importações corresponde ao preço efetivamente pago, 13. Sendo que, para este efeito, podem os importadores – tal como fez a aqui Recorrida – e tendo em vista a cabal demonstração da circunstância de terem efetivamente pago o valor (transacional) que declararam, procurar explicar às autoridades aduaneiras o modo como o preço das mercadorias foi negociado, bem como fornecer todos os documentos e informações inerentes a tal negociação, como sejam as ordens de compra, as fichas técnicas dos produtos e os comprovativos de pagamento. 14. Ora, fornecida que foi toda esta documentação e informação e, adicionalmente, mantida à disposição das autoridades os registos contabilísticos para a consulta e verificações que se identifiquem adicionalmente necessárias. não concebe a Recorrida que a Recorrente entenda não ter sido junta “prova bastante”, 15. Sendo ainda certo que a DAS, em momento algum, solicitou qualquer informação ou documento em concreto que não tenha sido fornecido, ou mesmo procurou aceder aos registos contabilísticos da Recorrida, aos quais pode aceder a todo o momento. 16. Por fim, não se aceita também a argumentação invocada pela Fazenda Pública no que respeita à impossibilidade de utilização de outro método de determinação do valor aduaneiro que não seja o método do último recurso, com utilização dos valores médios estatísticos AMT. 17. Desde logo porque, em primeiro lugar, tendo em consideração as circunstâncias do caso em apreço, não podem as autoridades aduaneiras simplesmente recusar a aplicação do método do valor transacional dado que os pressupostos de tal afastamento não se encontram reunidos. 18. Em segundo lugar, ainda que tais pressupostos efetivamente se verificassem no caso em discussão – o que não se admite e apenas se equaciona por cautela de patrocínio -, sempre seriam as autoridades aduaneiras obrigadas a realizar todas as diligências necessárias à utilização dos outros métodos, não se limitando a remeter tal obrigação para o importador, como aconteceu neste caso. 19. Em conformidade é o próprio TJUE que refere que “tendo em conta essa obrigação de diligência que lhes é imposta na aplicação dessa disposição, as autoridades aduaneiras são obrigadas a consultar todas as fontes de informação e bases de dados de que dispõem”, 20. O que aparentemente não aconteceu na importação em crise, ou se aconteceu, tal não foi demonstrado pela DAS. Subsidiariamente à cautela, 22. Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por cautela de patrocínio, e na eventualidade deste Tribunal vir a dar razão à Recorrente, e bem assim determinar que o ato de liquidação que impugnado se encontra efetivamente bem fundamentado, à luz dos princípios do direito administrativo, fiscal e aduaneiro aplicáveis, sempre se dirá que, nos termos do disposto no artigo 665.º, n.º 2 do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo tributário (nos termos do artigo 2.º, e) do CPPT), se impõe a apreciação dos restantes vícios invocados pela Recorrida em sede de Impugnação Judicial, designadamente: a. Da ilegalidade da recusa do Método do Valor Transacional (artigos 34.º a 56.º da petição inicial) b. Da ilegalidade da interpretação da ATA do artigo 140º, do AE-CAU ao caso em apreço (artigos 57.º a 129.º da petição inicial) c. Da ilegalidade da utilização dos valores médios (artigos 130.º a 151º da petição inicial) d. Da ilegalidade da aplicação do Método do Último Recurso (artigos 152.º a 205.º da petição inicial) e. Da inconstitucionalidade e da ilegalidade resultantes da ingerência das autoridades aduaneiras nos negócios celebrados entre privados (artigos 238.º a 268.º da petição inicial) Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, caso assim não se entenda, decidindo-se pela procedência do recurso quanto à inexistência de falta de fundamentação do ato de liquidação, deverão ser apreciados os vícios arguidos pela recorrida em sede de impugnação judicial, concluindo-se pela ilegalidade do ato de liquidação em apreço e a consequente anulação do mesmo, com todas as demais e legais consequências. Assim se fazenda Justiça!”. O Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP) junto do TAF de Beja apresentou igualmente contra-alegações, onde concluiu nos termos que se seguem: “1. Não se conformando com a douta sentença proferida nos autos, vem a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) interpor o presente recurso alegando, em síntese, que a sentença recorrida sofre do vício de erro de julgamento em matéria de facto por errada valoração da prova e do vício de erro de julgamento por errada aplicação e interpretação dos artigos 70.º e 74.º do CAU e artigos 140.º e 144.º do AE-CAU; da prova carreada para os autos resulta que a ATA cumpriu o dever de fundamentação do acto de liquidação notificado à impugnante. 2. No âmbito da declaração aduaneira de importação n.º 2020PT00067060761275 de 12.02.2020 foi notificada do Ofício n.º 59/2020 de 17.02.2020, do Exmo. Senhor Chefe da Delegação Aduaneira de Sines através do qual lhe foi solicitada “informação adicional que justifique os valores transacionais extremamente baixos declarados” na importação das mercadorias importadas uma vez que se terão suscitado dúvidas sobre se o valor declarado no mencionado DAU corresponde de facto ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas ditas mercadorias. 3. Na sequência deste ofício, a Impugnante disponibilizou diversa documentação, designadamente, ordens de encomenda, faturas comerciais, ficha técnica dos artigos e comprovativos de pagamento, todos devidamente referenciados, a qual, no seu entender, não deixa margem para dúvidas quanto ao facto de o valor aduaneiro declarado corresponder efetivamente ao valor pago pelos bens importados. 5. Considerando a ATA que “o valor transacional deve refletir o valor económico real de uma mercadoria” (…) decidiu “afastar o preço declarado das mercadorias importadas e recorrer aos métodos secundários de determinação do valor aduaneiro das mesmas mercadorias”, e como consequência, decidiu a AT “na impossibilidade de aplicação dos métodos previstos no artigo 70.º e nos números 1 e 2 do artigo 74.º do CAU, o valor aduaneiro deverá ser calculado através do método previstos no n.º 3 do artigo 74.º daquele Regulamento Comunitário, que assim se assume como o método de último recurso”. 6. A Impugnante discordou de tal entendimento aquando do exercício do seu direito de audiência prévia mas foi entretanto notificada do Ofício nº 392/2020 de 10.11.2020 através do qual foi informada de que a “AT mantém fundadas dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado pelo que aplicará o método do último recurso previsto no n.º 3 do artigo 74.º do Código Aduaneiro da União” exigindo o pagamento do montante de 37.046,97 € que resulta da correção do valor aduaneiro inicialmente declarado, nos termos descritos no ponto antecedente. 7. Os actos tributários estão sujeitos a fundamentação conforme decorre o disposto no artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 77.º da Lei Geral Tributária e no artigo 152.º do Código do Procedimento Administrativo. 8. Nos termos do estatuído no artigo 77.º da LGT, a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 9. De acordo com o artigo 153.º, n.º 1 do CPA, “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso, parte integrante do respetivo ato”, completando o n.º 2 do mesmo preceito, “equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato”. 10. Embora o art.º 77º, nº 2 da LGT estabeleça que “A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária” não deixa de exigir que essa fundamentação sumária contenha “as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. 11. De entre os vários vícios apontados à liquidação impugnada, a Impugnante alega que tal decisão sofre de falta de fundamentação. 12. A douta sentença recorrida analisou o primeiro dos vícios alegados pela Impugnante, a falta de fundamentação do acto tributário, uma vez que, a verificar-se, tornava inútil a apreciação dos restantes vícios invocados. 13. É hoje entendimento jurisprudencial pacífico que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareçam concretamente a motivação do acto e, desse modo, não seja perceptível para um homem médio colocado na situação concreta do destinatário o raciocínio do emitente do acto e que o conduziu a essa decisão e não a uma outra. 14. Salvo o devido respeito por opinião contrária, o acto de liquidação ora impugnado não se encontra devidamente fundamentado, não cumprindo as exigências legais supra mencionadas pois, apesar de a Impugnante ter junto documentos quando tal lhe foi solicitado pela ATA para justificar os valores da mercadoria por si declarados e que a ATA considerou bastante baixos, a ATA não fez constar das suas decisões ao longo do procedimento porque considerou tais documentos insuficientes para suportar tal justificação, limitando-se a afirmar “o valor faturado das mercadorias importadas, se encontrar bastante baixo, em comparação com os valores AMT”. 15. Apenas no âmbito da Impugnação judicial veio a ATA esclarecer o seu raciocínio e a sequente conclusão. 16. Na verdade, é só na sua contestação no âmbito destes autos que a ATA vem indicar a percentagem dos valores por comparação com os valores médios AMT e as premissas do seu raciocínio para ter realizado a liquidação impugnada, o que não fez no próprio acto de liquidação. 17. Em momento algum do procedimento a Administração Tributária cumpre o dever de fundamentação esclarecendo que documentos ou outros elementos deveria a Impugnante apresentar para afastar definitivamente tais dúvidas, nem identifica ou quantifica os elementos concretos a que recorreu nas operações de cálculo da liquidação que realizou, ou seja, a que valores médios concretos dos valores AMT recorreu de entre os dados estatísticos do comércio externo da União Europeia, recolhidos a partir das declarações aduaneiras apresentadas nos 28 Estados-Membros; 18. E não é legalmente possível que o visado na liquidação só conheça a fundamentação da mesma já no âmbito da Impugnação judicial. 19. Além de não concretizar tais operações ao longo do procedimento e no acto de liquidação, a AT afasta a aplicação dos métodos do valor transacional das mercadorias idênticas ou similares por considerar que a descrição dos itens das facturas é demasiado genérica o que impede uma caracterização objectiva o que, a nosso ver, se encontra em contradição com a fundamentação do cálculo de liquidação, ou seja, se a AT desconhece a caracterização objectiva dos artigos não se percebe como sem esse conhecimento recorreu aos valores AMT para, comparando a relação artigopreço de produtos similares, concluir que os preços declarados daqueles artigos são excepcionalmente baixos. 20. Todos as expressões utilizadas pela ATA na sua fundamentação, como bastante baixos, produtos ou mercadorias similares, valores médios, traduzem conceitos abstractos que não são preenchidos com factos concretos, como deveriam ser até porque, como a própria ATA refere, procedeu ao controlo físico da mercadoria com recolha de amostras podendo ter integrado tais conceitos com dados concretos relativos à qualidade do material, da confecção ou do design dos produtos, o que não fez. 21. Nos termos do disposto no art.º 153.º do CPA “Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”. 22. Esta exigência da lei quanto à clareza e suficiência dos fundamentos dos actos da Administração destina-se a assegurar o pleno exercício do direito de defesa dos visados nesses actos pois só conhecendo na íntegra as motivações do acto e o raciocínio que conduziu à sua decisão final pode contra ele reagir. 23. O vício da fundamentação legalmente exigida constitui fundamento para a impugnação ao abrigo do disposto no art.º 99º, alínea c) do CPPT e conduz à anulação do acto. Por todo o exposto, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida nos seus precisos termos a douta Sentença recorrida. Fazendo-se JUSTIÇA!”. Subidos os autos, foram os mesmos apresentados a vista do IMMP neste TCAS, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
É a seguinte a questão a decidir: a) A decisão recorrida padece de erro de julgamento, dado que o ato de liquidação não padece de falta de fundamentação?II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “A) A Impugnante é uma sociedade comercial que tem por objeto o comércio de diversos produtos, nomeadamente peças de vestuário – por acordo; B) No exercício da sua atividade a Impugnante importa artigos de confeção originários de diversos países – por acordo; C) Como tal, a sociedade Impugnante necessita de proceder a importação de tal mercadoria – por acordo; D) A sociedade Impugnante importou, para território nacional, mercadorias ao abrigo de declaração de importação com o nº 2019PT00067061275, de 12/02/2020, apresentada na Delegação Aduaneira de Sines – cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 222 a 424; E) A citada declaração foi submetida a controlo documental - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 222 a 424; F) Os serviços da Delegação Aduaneira de Sines remeteram à Impugnante pedido de informação adicional respeitante a essa declaração, através do ofício nº 59/2020, de 17/02/2020 - cfr. doc. nº 2 e processo administrativo instrutor junto de fls. 222 a 424; G) Em resposta ao ofício antes citado, a Impugnante apresentou a Fatura Comercial, a ordem de encomenda, o comprovativo de pagamento e as Fichas Técnicas dos artigos em questão na declaração de importação citada - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 222 a 424 e doc. nº 3 junto com a pi; H) Os serviços da Delegação Aduaneira de Sines enviaram à Impugnante o ofício nº 74/2020, de 21/02/2020, mediante o qual a instaram a apresentar documentos justificativos dos preços, por si considerados desproporcionalmente baixos ou fornecer dados que permitissem passar à aplicação dos sucessivos métodos secundários de determinação do valor aduaneiro, mais informando o montante proposto para garantia - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 222 a 424 e doc. nº 4 junto com a pi; I) A Impugnante, em resposta, apresentou requerimento escrito mediante o qual justificou o negócio subjacente e peticionou a concessão da autorização de saída das mercadorias importadas ao abrigo do DAU citado mediante garantia a prestar - cfr. doc. nº 5 junto com a pi; J) A Impugnante prestou garantiu no montante que lhe foi notificado, tendo assim obtido autorização de saída da mercadoria - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 222 a 424; K) Em 02/11/2020, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines, emitiram a informação nº 78/2020 em conformidade com a qual foi projetada decisão de liquidação e cobrança com o seguinte teor:- cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 222 a 424 e doc. nº 6 junto com a pi; L) Com data de 02/11/2020, recaiu sobre tal informação despacho de concordância - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 222 a 424 e doc. nº 6 junto com a pi; M) A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição sobre a proposta constante desta informação, através de ofício nº 373/2020, de 02/11/2020 - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 222 a 424; N) A Impugnante exerceu o direito de audição sobre o supra referido projeto de decisão – cfr. doc. nº 7 junto com a pi; O) Mediante ofício datado de 10/11/2020, foi remetida à Impugnante a decisão de liquidação com o seguinte teor:- cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 222 a 424 e doc. nº 8 junto com a pi; P) A Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação antes referida - cfr. doc. nº 9 junto com a pi; Q) Não se conformando com a mesma a Impugnante apresentou, em 09/03/2021, reclamação graciosa desta decisão, para o Diretor da Alfândega de Setúbal - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 222 a 424; R) Até 29/09/2021 a reclamação graciosa não havia sido decidida - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 222 a 424; S) Nessa data a sociedade Impugnante apresentou a petição inicial que deu origem ao presente processo de impugnação”.II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “Com relevo para a decisão inexistem outros factos, alegados ou de conhecimento oficioso, que devam ser considerados provados”.
II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “A convicção do Tribunal sobre toda a matéria de facto resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos, quer pela Impugnante quer pela Entidade Impugnada constantes do processo administrativo - os quais não foram impugnados - conforme referência efetuada em cada uma das alíneas da matéria de facto provada”.
II.D. Atento o art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, e considerando o disposto no art.º 249.º do Código Civil, corrigem-se o lapso constante do facto D) supratranscrito, que passará a ter a seguinte redação: D) A sociedade Impugnante importou, para território nacional, mercadorias ao abrigo de declaração de importação com o n.º 2020PT00067060761275, de 12/02/2020, apresentada na Delegação Aduaneira de Sines – cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 222 a 424;
F) Os serviços da Delegação Aduaneira de Sines remeteram à Impugnante pedido de informação adicional respeitante a essa declaração, através do ofício n.º 59/2020, de 17/02/2020, do qual consta designadamente o seguinte: “…… ” – cfr. doc. nº 2 e processo administrativo instrutor junto de fls. 196 a 282.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Do erro de julgamento Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que o ato de liquidação não padece de falta de fundamentação, estando o itinerário cognoscitivo percorrido cabalmente explanado, de facto e de direito. Ademais, defende a Recorrente, a decisão do procedimento não poderia ser outra se não a que foi proferida. Vejamos, então. A questão controvertida respeita a direitos aduaneiros e IVA respetivo. Como decorre do art.º 3.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), ambos são tributos, sendo, por isso, aplicado este diploma legal ao respetivo procedimento, sem prejuízo, naturalmente, das especificidades que decorram do direito da União Europeia, nomeadamente do Código Aduaneiro da União [CAU – Regulamento (UE) n. ° 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013] e respetivos atos delegados [cfr. designadamente o Regulamento Delegado (UE) 2015/2446 da Comissão, de 28 de julho de 2015] e de execução [cfr. designadamente o Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015] – cfr. art.º 1.º, n.º 1, da LGT. Nos termos do art.º 1.º, n.º 1, do CAU, este “determina as normas e procedimentos gerais aplicáveis às mercadorias à entrada ou à retirada do território aduaneiro da União”, sendo, em termos de procedimento, aplicável a legislação nacional naquilo que não esteja especificamente regulamentado na legislação da União Europeia. Do ponto de vista da fundamentação, não pode, pois, deixar de ser atentar nas exigências previstas no nosso ordenamento interno. Assim, o dever de fundamentação dos atos administrativos em geral insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”. Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que: “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado. Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos. Compulsada a factualidade assente, não impugnada [a menção ao erro de julgamento quanto à matéria de facto, constante de C) das conclusões, não configura qualquer impugnação da mesma, mas tão-só discordância face ao decidido pelo Tribunal a quo considerando os factos assentes], designadamente o primeiro pedido de informação adicional remetido à Impugnante, a informação proferida após o exercício do direito de audição e a notificação de cobrança, conclui-se que:a) No documento referido em F) do probatório, é feita menção à existência de um valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares, disponibilizado através de ferramenta de monitorização automática (descrita genericamente, na primeira das informações, como “tecnologia de informação que usa métodos estatísticos avançados, através de um algoritmo estatístico, para a deteção de padrões de fraude aduaneira”); b) É indicada a existência de dúvidas fundadas que implicam a obtenção de informação adicional que justifique os valores transacionais extremamente baixos declarados; c) São, nessa sequência, pedidos elementos adicionais para justificação de tal valor (provas adicionais); d) Após a apresentação de elementos pela Impugnante, é proferida nova informação [cfr. facto K)], na qual a administração aduaneira refere que a documentação / informação apresentada não veio trazer qualquer esclarecimento adicional ou clarificar as dúvidas existentes, dado que os elementos apresentados não justificam o facto de o valor faturado das mercadorias importadas ser bastante baixo, em comparação com os valores de referência; e) A administração concluiu que continuavam a persistir as dúvidas fundadas quanto ao valor aduaneiro declarado; f) Nessa sequência, após uma menção meramente conclusiva a conceitos de direito (cfr. ponto 3.), é referido que “uma diferença de preço como a constatada parece ser suficiente para justificar as dúvidas da autoridade aduaneira e a rejeição por parte desta do valor aduaneiro declarado das mercadorias em causa”; g) No ponto 7. da referida informação, a administração menciona que a informação facultada pela Impugnante não permite determinar o valor aduaneiro por aplicação das disposições relativas ao método do valor transacional e descreve os diversos métodos existentes, para, a final, afirmar que se aplica o método previsto no art.º 74.º, n.º 3, do CAU, como método de último recurso; h) Na sequência, e por referência ao concreto documento de importação, refere-se: a. “Algumas das mercadoras importadas têm um preço de aquisição unitário por quilograma mais baixo, relativamente aos preços médios declarados para o mesmo tipo de mercadorias, no território nacional, nos últimos 6 meses”; b. Não são exequíveis os métodos referidos nas als. a) a c) do n.º 2 do art.º 74.º do CAU, por inexistir possibilidade de aceder às caraterísticas das mercadorias importadas, referindo-se, ainda, que a descrição dos itens das faturas é demasiado genérica; c. O método previsto no art.º 74.º, n.º 2, al. d), do CAU não pode ser utilizado, porque não há possibilidade de apurar os custos das matérias-primas e das operações de fabrico, utilizadas para produzir na China as mercadorias importadas; d. Conclui com um projeto de liquidação e com o valor da garantia a prestar; i) A Impugnante foi notificada para se pronunciar, o que fez; j) Foi emitida a notificação de cobrança, na qual se refere que, face à informação complementar prestada pela Impugnante, se mantêm as fundadas dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado, concluindo-se, como na informação precedente, pela aplicação do método previsto no art.º 74.º, n.º 3, do CAU e novamente reafirmando-se o valor de liquidação e garantia. Considera a Recorrente que, quanto ao valor anormalmente baixo, tal fundamentação foi dada a conhecer à Recorrida, como decorre dos ofícios e decisão proferida [cfr. factos F), K) e O)]. O Tribunal a quo entendeu que a mera remissão para a fonte dos dados é insuficiente, sendo um juízo meramente conclusivo. E de facto assim é. Com efeito, compulsados todos os elementos juntos aos autos, verifica-se que a administração aduaneira se limita a fazer reiteradamente uma menção a valores estatísticos médios, que nunca densifica se não em termos de valor final global, ficando por perceber quais os elementos concretos e específicos de confronto, a amostragem considerada (se é que foi feita alguma amostragem) e por que motivo conclui como concluiu. Não nos estamos a referir ao cálculo final, que está claramente efetuado, mas sim nas premissas que o sustentaram, carecendo, pois, de pertinência o referido nas conclusões J) e K). Por outro lado, entende a Recorrente que se encontra devidamente explanada a motivação pela qual as explicações e os documentos apresentados pela Recorrida não foram suficientes para afastar as dúvidas. Sem razão. Com efeito, a posição da administração surge de forma que nos parece claramente conclusiva. Não se consegue perceber por que motivo as explicações e os documentos apresentados são insuficientes, na medida em que não está expressa qualquer análise dos mesmos. O exercício do direito de audição, quando traz ao procedimento novos elementos de facto ou de direito, como in casu, carece necessariamente de ser apreciado, apartando-os ou acolhendo-os. Daí que o art.º 60.º, n.º 7, da LGT, aplicável in casu, que respeita ao dever de fundamentação, ainda que sistematicamente esteja inserido em disposição legal atinente ao princípio da participação, refira expressamente que “[o]s elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”. E, naturalmente, essa tomada em consideração dos elementos apresentados pelo administrado tem de estar vertida na fundamentação do ato. Apenas dessa forma o dever de fundamentação se pode considerar cabalmente cumprido. Este dever não é uma mera formalidade a se; é por respeito ao mesmo que se deve sustentar de forma cabal a posição da administração para, dessa forma, levar ao conhecimento do administrado os fundamentos de facto e de direito que a suportaram na sua decisão. Apenas o cumprimento deste dever assegura o adequado exercício do direito de defesa [princípio geral do direito da União Europeia – cfr., v.g., os Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 18.12.2008, Sopropé, C‑349/07, EU:C:2008:746, n.ºs 36 a 38, e de 09.11.2017, Ispas, C-298/16, EU:C:2017:843, n.º 26] por parte do administrado (incluindo o de impugnação judicial), sendo fundamental para assegurar a tutela jurisdicional efetiva, garantida pela nossa lei fundamental, no seu art.º 20.º. Não se põe em causa que pudessem subsistir dúvidas fundadas à administração. No entanto, essa subsistência tem de estar fundamentada. Ora, tal não sucede nos autos, dado que a administração se quedou, como referido, por fórmulas conclusivas, vazias de conteúdo. Assistia à administração o dever de esclarecer por que motivos os elementos juntos pela ora Recorrida não eram suficientes. E tal não ocorreu.Entende ainda a Recorrente, quanto à questão do método secundário que veio a ser adotado, que está perfeitamente esclarecida a opção tomada, na medida em que é convocada a impossibilidade de aceder às caraterísticas das mercadorias e o facto de a descrição das faturas ser demasiado genérica. Ora, neste caso, a administração limita-se a elencar os diversos métodos e a concluir, sem o detalhe exigível, pela impossibilidade de não se aceder às caraterísticas das mercadorias e ao facto de haver uma descrição muito genérica das faturas, não explicando por que motivo os elementos apresentados pela Impugnante, designadamente as fichas técnicas das mercadorias importadas, não respondem ou não permitem ultrapassar as alegadas limitações. Logo, a fundamentação usada não permite sustentar a rejeição do método do valor transacional. Alega ainda a Recorrente que existem regras próprias em matéria de direito de audição. Ora, in casu, tal não se põe em causa. Com efeito, o art.º 22.º, n.º 6, do CAU (aplicável ex vi art.º 29.º do CAU) faz menção à obrigatoriedade de as autoridades aduaneiras ouvirem o requerente antes da decisão que pretendem tomar [cfr. igualmente o art.º 8.º do Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 e o art.º 8.º do Regulamento Delegado (UE) 2015/2446, ambos já referidos supra]. Ora, a decisão recorrida não vai no sentido de não ter sido ouvido o administrado. Vai, sim, no sentido de tal exercício não ter sido minimamente analisado (ou pelo menos externada essa análise), razão pela qual é convocado o disposto no art.º 60.º, n.º 7, da LGT [cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28-11-2019 - Processo: 9032/15.3BCLSB]. Aliás, veja-se que o próprio n.º 3 do art.º 8.º do Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015, vai no sentido de ser registada a posição do administrado tomada na sequência da sua audição, sendo que, tratando-se de procedimento decisório, é para nós exigência consentânea com essa menção a explicação em torno do afastamento dos argumentos, de facto ou de direito, esgrimidos. Ou seja, a questão é que, como aliás já referido anteriormente, os elementos trazidos pelo administrado em sede de exercício de audição foram, ad limine, afastados, sem mais. Não há, como referimos, qualquer fundamentação a este respeito. Finalmente, carece de razão a Recorrente, quanto ao referido nas conclusões Y) a EE), onde, no fundo, se apela à teoria do aproveitamento do ato. Sendo certo que a chamada teoria do aproveitamento do ato (há muito acolhida entre a doutrina e a jurisprudência) encontra consagração no art.º 163.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo, não se pode afirmar perentoriamente, in casu, que o conteúdo do ato não pudesse ser outro. A verdade é que, in casu, não se consegue, na concreta circunstância da causa, concluir com a certeza exigível que a decisão seria sempre a mesma, justamente por nem se conseguir alcançar os pressupostos de base da atuação da administração, nos termos já expressos supra. Como tal, não assiste razão à Recorrente.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Negar provimento ao recurso; b) Custas pela Recorrente; c) Registe e notifique. Lisboa, 24 de janeiro de 2024 (Tânia Meireles da Cunha) (Jorge Cortês) (Susana Barreto) |