Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2537/23.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:JOANA MATOS LOPES COSTA E NORA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - Cabe a quem se pretenda valer da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, a demonstração da verificação dos pressupostos previstos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, a qual deve assentar em factos cuja alegação se lhe impõe.
II - Para o efeito, deve o autor descrever uma situação factual de “lesão iminente e irreversível” dos direitos que invoca, não lhe bastando afirmar uma mera lesão dos mesmos.
III - O estrangeiro que não se encontre nem resida em Portugal não goza dos direitos do cidadão português, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

M…, nacional do Brasil, residente nos Estados Unidos da América, intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra o Instituto dos Registos e Notariado, I.P.. Pede a intimação da entidade demandada a decidir o seu pedido de aquisição de nacionalidade e a lavrar o respectivo registo de nascimento por transcrição, averbando-se a aquisição da nacionalidade portuguesa. Alega, para tanto e em síntese, que: (i) É descendente de judeu sefardita português e requereu, em 19.07.2022, a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, invocando urgência na decisão para que o seu filho menor pudesse solicitar a nacionalidade portuguesa; (ii) Em 30.06.2023, esse pedido de tramitação urgente foi indeferido; (iii) À data, os prazos previstos no Regulamento da Nacionalidade Portuguesa já foram ultrapassados e a omissão de decisão do pedido tem prejudicado muito a sua vida pessoal, além de que viola o direito à cidadania, consagrado no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a rejeitar liminarmente a petição por não se encontrar verificado o requisito da indispensabilidade inerente à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias.
O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“I. A situação do Requerente carece de proteção urgente e célere, a qual é incompatível com a ação administrativa, sob pena de poder ficar previsivelmente e irremediavelmente comprometido o exercício em tempo útil dos direitos inerentes à nacionalidade portuguesa, não tendo a Requerida atentado devidamente no facto de estarmos perante um direito fundamental;
II. O Requerente deu cumprimento ao ónus alegatório que contra si impende, fundamentando e provando a má atuação da administração;
III. Por conseguinte, no caso concreto, através num juízo de prognose, conclui- se que o presente meio processual é adequado e idóneo, porquanto foram alegados factos concretos subjacentes à especial urgência da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, por forma a tutelar e pôr termo à lesão dos direitos fundamentais de cidadania e nacionalidade (cuja concessão não é automática, é certo, mas que o requerente entende ter direito), mas cujo reconhecimento e atribuição em tempo útil e a curto prazo por parte da entidade requerida é a única forma de permitir o exercício da nacionalidade;
IV. Assim, não restam dúvidas que a Conservatória tem violado reiteradamente todos os prazos processuais aos quais está vinculado, pelo princípio da legalidade, da boa-fé e da colaboração, nos termos dos artigos 3º, 10º e 11º do CPA;
V. O procedimento de aquisição da nacionalidade por naturalização do Requerente encontra-se a correr seus termos na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa desde 19 de julho de 2022, verificando-se que, face ao tempo já decorrido e de acordo com os prazos processuais estabelecidos no artigo 27º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, já foram ultrapassados os prazos com vista à emissão de uma decisão em tempo útil, encontrando-se este ainda na fase inicial, sem qualquer análise documental desde julho de 2022, ou seja, há mais de uma ano, sem que o mesmo tenha sido objeto de decisão final desde que foi efetuado o pedido de aquisição da nacionalidade por naturalização;
VI. Não foi proferida decisão, nos termos do artigo 27º, nº 10 do Regulamento da Nacionalidade, verificando-se que já foram violados todos os prazos processuais com vista à análise e decisão do pedido de aquisição da nacionalidade, prazos que se encontram previstos, para os procedimentos de aquisição da nacionalidade por naturalização, no mencionado artigo 27º do Regulamento da Nacionalidade, que contém normas de caráter adjetivo e, por isso, de aplicação imperativa;
VII. A Conservatória tem violado reiteradamente todos os prazos processuais aos quais está vinculado, pelo princípio da legalidade, da boa-fé e da colaboração, nos termos dos artigos 3º, 10º e 11º do CPA;
VIII. Pelo que o facto da Conservatória dos Registos Centrais não ter analisado o pedido dentro do prazo legal, como previsto no artigo 27º, nº 2 do Regulamento da Nacionalidade, a que se soma o facto de não ter sido ainda proferida decisão final e lavrado o respetivo registo de nascimento, ofende o disposto no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa e os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias que são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas;
IX. Requerendo a intimação do IRN, I.P., a decidir o processo do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, formulado pelo Requerente, nos termos do artigo 6º, nº 7 da Lei da Nacionalidade, entrado em 19 de julho de 2022, lavrando o respetivo registo de nascimento, atendendo à reiterada violação dos prazos processuais que supra evidenciamos, como o requerente o solicitou, sem sucesso, porém, prosseguindo a respetiva tramitação nos termos do artigo 27º do RNP, com respeito pelos prazos, diligenciando pela sua decisão e pela feitura do registo de nascimento;
X. Pese embora o Requerente não ignore nem desconheça os constrangimentos nos serviços evidenciados pela entidade requerida (grave carência de meios), a verdade é que tal circunstancialismo é alheio ao requerente, pois que, a administração deve adaptar-se e reorganizar-se para responder aos cidadãos dentro de um padrão de eficiência razoável.”
A entidade recorrida respondeu à alegação da recorrente, contendo as suas alegações as seguintes conclusões:
“A. A INTIMAÇÃO PARA A DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS, regulada nos artigos 109º a 111º do CPTA, é um meio principal e urgente de tutela jurisdicional efetiva, assumindo um caráter restrito quanto ao seu objeto e uma natureza subsidiária em relação aos outros meios processuais existentes;
B. O seu objetivo principal é concretizar o disposto no artigo 20º nº 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que estabelece que “para a defesa dos direitos liberdades e garantias pessoas a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”;
C. A mencionada subsidiariedade em relação aos outros meios processuais de reação jurisdicional, configura-se no sentido de que a INTIMAÇÃO PARA A DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS, não é a via normal a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias;
D. A via normal de reação será a propositura de uma AÇÃO ADMINISTRATIVA NÃO URGENTE - neste caso, de condenação à prática de ato devido, regulada nos artigos 66º a 71º do CPTA - associada ou não, conforme o caso concreto, a um pedido de decretamento de uma PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
E. É o que resulta da doutrina e jurisprudência maioritárias bem como, claramente, do disposto nos artigos 26º da LN e 62º do RN;
F. Cabe ao Requerente demonstrar, nos termos do disposto nos artigos 342º do CC e 5º nº 1 do CPC, aplicável “ex vi” artigo 1º do CPTA, que a sua pretensão configura(m) um (vários) “direito”(s), cuja tutela jurisdicional efetiva tem de ser garantida de forma urgente, provando, ainda que sumariamente, a ameaça de lesão ou o início de lesão desse ou desses “direitos”, bem como a indispensabilidade da adoção pela Administração de determinada conduta para assegurar, em tempo útil, o regular exercício do(s) mesmo(s);
G. O Requerente não demonstrou nem provou, o requisito da urgência, a iminência da lesão e a referida imprescindibilidade da adoção por parte da Administração (CRCentrais) da atuação pretendida, como legalmente se lhe impõe;
H. Sendo linear que a urgência não pode resultar e não resulta da mera invocação da natureza fundamental do(s) “direito”(s) alegadamente ofendido(s) ou em vias do o ser. A urgência tem que resultar, inequivocamente, dos factos alegados e provados pelo interessado, o que não aconteceu, de todo, no caso presente.
I. Ora, o Requerente, não fez prova alguma de que a nacionalidade portuguesa seja um requisito imprescindível e inultrapassável para obviar à violação dos seus “direitos” fundamentais ou outros, muito menos concretizou qualquer ameaça iminente ou efetiva;
J. As alegações genéricas e totalmente abstratas daquele de que o seu “direito” à nacionalidade portuguesa, à identidade pessoal e ao exercicio dos diretos conexos à cidadania portuguesa e europeia, porque não concretizam, nem especificam, factos que consubstanciem aquela lesão ou ameaça de lesão, ou seja, as circunstâncias factuais reveladoras da urgência e imprescindibilidade de uma decisão de mérito por parte da Administração, não cumpre os requisitos previstos no artigo 109º nº 1 do CPTA e traduz-se numa utilização indevida do presente meio processual de tutela jurisdicional;
K. Mais ainda, quando se trata de indivíduo que não é apátrida, tem nacionalidade e não reside em Portugal;
L. Poder-se-á até considerar que, não residindo em Portugal, atento o disposto no artigo 15º da CRP, não estará o Requerente habilitado ao gozo de quaisquer direitos constitucionalmente assegurados aos cidadãos portugueses e equiparados, o que determinaria, desde logo, a sua ilegitimidade ativa para a presente intimação;
M. Por outras palavras, não residindo em território português, nos termos do artigo 15º, nº 1 da CRP, não goza o Requerente “dos direitos e deveres do cidadão português, consequentemente, carece de legitimidade para requerer a intimação do recorrido (…).".
N. Destarte, verifica-se existir nos presentes autos UMA EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA OU APENAS INOMINADA, por impropriedade ou inadequação do meio processual utilizado, nos termos do artigo 89º, nºs 1, 2 e 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e dos artigos 576º, nºs 1 e 2 e 577º do Código do Processo Civil (CPC), estes aplicáveis “ex vi” artigos 1º e 35º do CPTA, e/ou A EXCEÇÃO DILATÓRIA DA ILEGITIMIDADE ATIVA DO REQUERENTE, nos termos do artigo 89º, nºs 1, 2 e 4 alínea e) do CPTA e dos artigos 576º, nºs 1 e 2 e 577º alínea e) do CPC, estes aplicáveis “ex vi” artigos 1º e 35º do CPTA, as quais obstam ao conhecimento do mérito da causa e impõem a ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA, nos termos do disposto nos artigos 89.º, número 2, do CPTA, 576º nº 2 e 578º do CPC, estes últimos aplicáveis “ex vi” artigos 1º e 35º do CPTA.
AINDA QUE ASSIM NÃO SE ENTENDA:
O. A CRCentrais e outros serviços do IRN IP, debatem-se atualmente com uma gravíssima carência de meios humanos e materiais, situação que determina, fatalmente, o incumprimento dos prazos legalmente previstos para a análise e decisão dos processos de nacionalidade;
P. No entanto, tais prazos revestem caráter meramente “indicativo” e “ordenador”, atendendo à especificidade da matéria em causa, uma vez que “(...) o conservador de registos ou o oficial de registos determina as diligências que considere necessárias.” como se dispõe no artigo 42º, nº 1 do RN.
Q. Sendo certo que a lei que regulamenta o processo administrativo não toma qualquer posição quanto à natureza do prazo procedimental. Aliás, quer a jurisprudência, quer a doutrina maioritárias consideram que o prazo procedimental tem natureza meramente ordenadora (até mesmo no procedimento disciplinar), vide anotação 2. ao artigo 86 do CPA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, de Luiz S. Cabral de Moncada, 4º edição;
R. E sendo certo também, que o Parecer do IRN IP - Proc. R.C.4/2008 SJC – CT -, que considerou não prorrogável o prazo previsto no artigo 32º nº 4 do RN, na sua redacção inicial, para além de se tratar de uma posição sem efeito vinculante como parecer que é, trata-se também de uma posição/interpretação jurídica que foi condicionada, quer pelo tempo/contexto factual e jurídico em que foi prolatada, quer pelo instituto da Oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, cujo prazo para a interposição da respetiva ação pelo Ministério Público era de um ano a contar da data da recepção do impresso (artigos 10º nº 1 da LN e 32º nº 3 do RN na sua redacção à data daquele parecer) – DOC.2;
S. A concessão de prioridade na tramitação e decisão dos processos de nacionalidade não tem base legal, quer na Lei da Nacionalidade, quer no respetivo Regulamento;
T. Por imperativo de justiça e em obediência aos princípios da legalidade, igualdade e imparcialidade (artigos 3º, 6º e 9º do CPA), foi determinado que os processos entrados na CRCentrais fossem analisados e decididos por ordem de entrada, independentemente da qualidade dos requerentes ou do seu mandatário, salvo os casos de urgência excecionalíssima, devidamente comprovada;
U. Contrariamente ao alegado pelo Requerente quanto à inércia, demora, ineficiência e má atuação da Adminsitração, a Deliberação do Conselho Diretivo do IRN IP datada de 27/10/2020 visou, sobretudo, num tempo de grande escassez de recursos humanos para fazer face a um aumento exponencial de pedidos de nacionalidade, regular a atuação dos serviços de registo tutelados por aquele instituto, com vista ao melhor cumprimento, quer da legalidade, boa administração e eficiência, quer tendo em vista a obtenção de decisões mais justas e equitativas;
V. Até porque devem ser os serviços públicos que analisam e decidem os pedidos de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade, no cumprimento do referido princípio da boa administração, a estabelecer os critérios para uma tramitação mais célere, eficaz e eficiente daqueles decidindo, nomeadamente, quanto aos critérios atendíveis para deferir pedidos de urgência, com vista à melhor organização e capacidade de resposta do serviço a prestar à Comunidade;
W. Cremos assim ser incontornável que este tipo de decisões da Administração, enquadram-se no domínio de reserva da função administrativa e relevam ao nível do mérito ou da oportunidade e não ao nível da legalidade administrativa, pelo que a margem de livre decisão por parte da Administração quanto ao pedido de urgência, não será suscetível de controlo de legalidade e, consequentemente, insuscetível de controlo judicial. É o que decorre do disposto nos artigos 111.º da Constituição e n.º 1 do artigo 3.º do CPTA.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela improcedência do recurso em virtude de o autor não ter demonstrado a existência de uma situação que exija um “especial amparo jurisdicional”, por ser impossível ou insuficiente a protecção jurídica que os demais meios urgentes conferem.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

As questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter considerado não verificados os pressupostos de que depende o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados:
“1. O Requerente não reside em Portugal (facto confessado, cf. intróito do douto r.i. deduzido).
2. Em 19.07.2022, o Requerente apresentou um pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa junto do Requerido (facto confessado, cf. artigo 4.º do douto r.i. deduzido).”


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Alega o recorrente que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, é o meio processual “adequado e idóneo”, tendo sido “alegados factos concretos subjacentes à especial urgência” na tutela dos “direitos fundamentais de cidadania e nacionalidade”, considerando que a ultrapassagem dos prazos previstos no artigo 27.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa por parte da Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, desde 19.07.2022, e a falta de decisão do seu pedido de aquisição de nacionalidade por naturalização, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, viola os princípios da legalidade, da boa-fé e da colaboração, previstos nos artigos 3.º, 10.º e 11.º do CPA, sendo alheios ao mesmo os constrangimentos de serviço na entidade demandada, provocados por uma grave carência de meios, devendo aquela “adaptar-se e reorganizar-se para responder aos cidadãos dentro de um padrão de eficiência razoável.”


A sentença recorrida rejeitou liminarmente a petição por não se encontrar verificado o requisito da indispensabilidade inerente à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Mais precisamente, a sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação:
“(…)
Neste contexto, e compulsados os autos, entende este Tribunal que não se verifica, in concretu, a referida indispensabilidade que necessariamente inere à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, atento o carácter absolutamente excepcional que este meio processual encerra, enquanto mecanismo tendente à prolação de uma decisão urgente e definitiva.
Com efeito, na situação sub judice, o Requerente arrima essencialmente a pretensão que vem a juízo reclamar no facto de o prazo para a conclusão do procedimento de aquisição de nacionalidade já ter transcorrido in totum e de, como tal (e ainda que não explicite porquê), o direito à cidadania plasmado no artigo 26.º da Lei Fundamenta se encontrar já violado.
(…)
Ora, à semelhança do que ali se entendeu, também no caso dos autos há que concluir que o direito à (aquisição da) nacionalidade (ou cidadania, mais propriamente, cf. artigo 26.º, n.º 1, da Lei Fundamental) do Requerente não se encontra aqui minimamente em causa, nada de concreto vindo invocado pela parte para justificar porque é que o seu direito à cidadania se encontra já violado (cf. artigo 27.º do douto r.i. deduzido) ou a sua situação carece de “uma tutela definitiva e urgente, atendendo, muito em particular, ao iminente risco de violação de um direito fundamental – nacionalidade” (cf. artigo 12.º do seu requerimento de fls. 53-55 dos autos no SITAF) – isto pese embora lhe tenham sido concedidas, por duas ocasiões distintas, oportunidades para explicitar e aprofundar os motivos da premência invocada, o que a parte manifestamente não logrou fazer. A isto acresce que, tendo ficado acima demonstrado que o Requerente não reside em território nacional (cf. facto 1. firmado supra), o princípio da equiparação plasmado no artigo 15.º, n.º 1, da Lei Fundamental não lhe é aplicável, não podendo, por isso, a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias ser empregue com vista à defesa indirecta de quaisquer outros bens jurídicos (que, em qualquer dos casos, também não vêm arguidos, em termos minimamente consubstanciados, pela parte).
Dúvidas não restam, assim, que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não se afigura, no caso concreto, um meio processual adequado para a tutela que a parte aqui procura obter, uma vez que não resulta demonstrada a indispensabilidade do recurso ao presente meio processual em termos necessariamente conexionados com a defesa de um direito, liberdade ou garantia, conforme acima se fez menção, circunstância que impõe a rejeição liminar do r.i. apresentado, o que se julga de seguida, sem necessidade de maiores desenvolvimentos.
Não se encontrando observada a previsão do artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA, uma vez que não se aventa, em face do concreto pedido formulado pelo Requerente, a possibilidade de interposição de processo cautelar com idêntico objecto (ou com vista a defender instrumentalmente essa mesma pretensão) nem, bem assim, uma qualquer urgência na obtenção de tal tutela, não se lançará mão da prerrogativa que aí é conferida ao julgador.
(…).”

Vejamos.

A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias “(…) pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.” - cfr. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. Trata-se de um meio processual sumário e principal, pois que visa a prolação de uma decisão urgente e definitiva, recortado para “situações de especial urgência (lesão iminente e irreversível de DLG)” e “destinado a conferir protecção qualificada aos direitos, liberdades e garantias, no âmbito da concretização do comando constitucional consignado no n.º 5 do artigo 20.º da CRP.” – cfr. FERNANDA MAÇÃS, “Meios Urgentes e Tutela Cautelar”, «A Nova Justiça Administrativa», Centro de Estudos Judiciários, 2006, Coimbra Editora, pp. 94 e 95. Por isso mesmo, esta intimação tem carácter excepcional, só se justificando se constituir o único meio para obstar à violação de um direito, liberdade e garantia, sendo a regra a da utilização da acção não urgente, sempre que esta, ainda que conjugada com o processo cautelar, seja apta a satisfazer a pretensão deduzida em juízo.
Nestes termos, a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, apenas pode ser utilizada quando se verifiquem os referidos pressupostos; ou seja, não só (i) que a célere emissão de uma decisão de mérito se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, mas também (ii) que, nas circunstâncias do caso, não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar. Assim, cabe a quem pretenda valer-se deste meio processual alegar factos concretos idóneos ao preenchimento dos referidos pressupostos, de modo a demonstrar que a situação concreta reclama uma decisão judicial definitiva e urgente.
No que concerne ao primeiro pressuposto – o da indispensabilidade da emissão de uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia -, como escrevem Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 883, o seu preenchimento“(…) pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspectos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”
Quanto ao segundo pressuposto – o da impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar -, “A impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa.” – cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, “A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?”, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31-53.

Considerando o descrito enquadramento jurídico, cumpre aferir se se mostram verificados no caso os pressupostos de recurso ao meio processual utilizado pelo autor.

Antes de mais, àquele que lança mão de uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, cabe alegar factos que traduzam uma situação de indispensabilidade de uma tutela definitiva urgente, o que, naturalmente, se associa à demonstração da insuficiência de tutela através de uma acção administrativa, de natureza não urgente, ainda que associada ao decretamento de uma providência cautelar. Dependendo a utilização de tal meio processual da verificação de pressupostos legalmente definidos, a demonstração dessa verificação cabe a quem do mesmo se pretenda valer, devendo tal revelação assentar em factos cuja alegação se lhe impõe.
Na sua petição, o autor recorrente limita-se a alegar que é descendente de judeu sefardita português e requereu, em 19.07.2022, a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, invocando urgência na decisão para que o seu filho menor pudesse solicitar a nacionalidade portuguesa, tendo esse pedido de tramitação urgente sido indeferido em 30.06.2023, e não tendo ainda o seu pedido sido decidido, omissão esta que tem prejudicado muito a sua vida pessoal, além de que viola o direito à cidadania, consagrado no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa.
Todavia, não assiste ao recorrente o direito à cidadania, que invoca. É verdade que o artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa garante a todos os cidadãos o direito à cidadania, e que o artigo 15.º estende o gozo dos direitos do cidadão português aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal. Sucede que o recorrente nem se encontra nem reside em Portugal, como resulta provado nos autos, pelo que, não beneficiando de tal extensão, não lhe assiste aquele direito.
Acresce que o recorrente não concretiza minimamente a ameaça de tal direito, de modo a aferir-se da necessidade de uma tutela definitiva urgente. Efectivamente, o autor recorrente não descreve uma situação factual de “especial urgência”, de “lesão iminente e irreversível” de direitos, liberdades e garantias – necessária ao preenchimento do pressuposto da indispensabilidade de uma tutela de mérito urgente -, limitando-se a afirmar uma mera e eventual lesão de um direito que – repete-se – nem sequer lhe assiste, não sendo possível extrair da sua alegação qualquer “especial urgência” para o recorrente na aquisição de nacionalidade portuguesa. Com efeito, a ultrapassagem dos prazos previstos no artigo 27.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa por parte da Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, desde 19.07.2022, e a falta de decisão do seu pedido de aquisição de nacionalidade por naturalização, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, não consubstanciam uma lesão iminente e irreversível do direito à cidadania, ainda que este lhe assistisse.
Assim, o recorrente cinge a sua alegação à invocação genérica de um direito, sem descrever uma situação factual de lesão iminente e irreversível do mesmo.
Ante o exposto, não se revela indispensável a emissão de uma decisão de mérito urgente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito que o autor invoca, pelo que não se mostra verificado o primeiro dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, pelo que bem andou a sentença recorrida ao rejeitar liminarmente a petição.


Termos em que se impõe julgar improcedentes os fundamentos de recurso invocados.
*
Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Sem custas.


Lisboa, 24 de Abril de 2024

Joana Costa e Nora (Relatora)
Pedro Nuno Figueiredo
Carlos Araújo