Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:926/09.1BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:DISPENSA DE PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL
NULIDADE PROCESSUAL VS NULIDADE DA SENTENÇA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
FALTA DE PONDERAÇÃO ELEMENTOS NOVOS EM SEDE DE AUDIÇÃO
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - O ato de dispensa de prova testemunhal está na esfera decisória do Juiz do Tribunal a quo, não podendo ser entendido como um ato que tem de ser realizado obrigatoriamente, mormente como uma nulidade processual, em nada podendo traduzir uma nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.
II - O princípio do contraditório, representa um princípio estrutural do processo, com consagração no n.º 4 do artigo 20.º da CRP e genericamente reconhecido no artigo 3.º,nº3, do CPC, que visa assegurar não só a igualdade das partes, como evitar as decisões-surpresa.
III - Inexiste violação do princípio do contraditório, quando resulta, de forma inequívoca, da tramitação dos autos que todos os atos, alegadamente, lesivos foram objeto de notificação.
IV - A simples afirmação de que se impugna um documento apresentado pela parte, no caso o Relatório de Inspeção Tributária, não configura, de todo, impugnação da letra ou assinatura a que se refere o artigo 374.º, do CC nem arguição da falsidade do documento a que se refere o artigo 376.º, do mesmo diploma legal.
V - O valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem como praticados pela Autoridade, não podendo, portanto, inferir-se que os factos são verdadeiros e que existe correspondência fática desses factos com o, efetivamente, materializado.
VI - Realizadas correções meramente aritméticas por falta de liquidação de IVA, relativamente a um conjunto de operações, concretamente obras de alteração e melhoramento nos imóveis, devidamente substanciadas e atestadas por prova documental idónea, concretamente, termo de Declarações dos adquirentes e adjudicatários das obras visadas, e respetivos meios de pagamento, particularmente, cheques, a contraprova a realizar tem de ser inequívoca e fidedigna.
VII - A dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, especialmente do Impugnante, sobre quem recai o dever de comprovar os factos constitutivos do direito alegado (artigo 342.º, nº1 do Código Civil).
VIII - O Tribunal não está vinculado a conhecer, por omissão de substanciação, da violação de princípios constitucionais basilares, quando a parte se limita a afirmar, conclusivamente, uma desconformidade de interpretação e de aplicação das normas, sem apresentar, as razões de facto e de direito, em que radica esse discurso jurídico fundamentador.
IX - A aplicação do disposto no n.º 5, do artigo 45.º da LGT, pressupõe que a instauração do inquérito criminal ocorra quando o prazo de caducidade do direito à liquidação ainda não se esgotou.
X - A interpretação em sentido distinto atenta contra o princípio da proteção da confiança.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO


U… - Sociedade de Construções, Lda (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respetivos Juros Compensatórios (JC), respeitantes aos exercícios de 2003, 2005 e de 2006, no valor global de €16.085,80.


***


A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando, as conclusões que infra se reproduzem:

“1) A Alegante veio impugnar nos termos do artigo 102º do CPPT, impugnação judicial contra as Liquidações de IVA, relativas ao exercício de 2003, 2005 e 2006, bem como os respectivos juros compensatórios;

2) A Recorrente impugnou a decisão que deu causa a esta impugnação, contestou o relatório elaborado pela administração fiscal, como já havia contraditado o relatório que foi dado como provado na sentença recorrida aquando da inspecção, arrolou prova, etc;

3) Na sentença recorrida nada é dito sobre todas as questões apresentadas pela Recorrente na impugnação, e decide-se como se de facto a Recorrente nada tivesse dito em concreto, indicando as normas legais violadas, a violação da interpretação e aplicação da lei por parte da entidade impugnada, etc;

4) Nesta decidiu-se pelo que consta do relatório, sendo certo que o mesmo foi impugnado pela Recorrente, pelo que teria obrigatoriamente de ter sido marcada data para julgamento e inquirem-se todas as testemunhas arroladas e apreciada toda a prova indicada em audiência de julgamento;

5) Do despacho que decretou não ser necessário ouvir prova, não é possível interpor recurso, pois é um despacho de mero expediente;

6) Na sentença recorrida poderá ser levantada esta questão. O que a Impugnante aqui requer a sua apreciação, pois há matéria alegada na p.i., da impugnação que só poderá ser apreciada depois de ser inquirida a prova testemunhal;

7) A Impugnante poderá sempre até ao final da audiência de julgamento, requerer a junção aos autos de prova suplementar ou essencial ao que se discute na impugnação, estando apenas sujeito a tributação ao nível de custas e mais nada;

8) A Recorrente apresentou questões novas e que deveriam ter sido tomadas em conta pela administração fiscal, ou caso não fossem, deveria ter sido emitido despacho sobre estas questões e comunicado à Recorrente a decisão final, antes da elaboração do relatório final;

9) Foi violado o princípio do contraditório previsto no nº 3 do artigo 3º, do CPC, a violação deste princípio gera a nulidade;

10) Deverá ser apreciada esta nulidade cometida pela autoridade tributária, visto que na sentença recorrida, se interpretou mal esta questão e se decidiu deficientemente como acima já se disse;

11) Uma das questões que se discute é saber se a Recorrente recebeu as quantias que constam das fotocópias dos cheques e a descrição em dinheiro - o que não recebeu de forma alguma, pois se tais montantes fossem recebidos os mesmos constavam da contabilidade;

12) A Impugnante por forma a fazer prova do não recebimento das quantias aqui impugnadas, apresentou prova testemunhal, nomeadamente, na p.i. são arroladas quatro testemunhas, sendo que a sua inquirição foi rejeitada por Despacho de fls.;

13) Não foi dada oportunidade à Impugnante de fazer prova dos factos por si alegados na petição inicial;

14) A Sentença não formou convicção probatória sobre as asserções de facto constantes da p.i que sustentam a tese segundo a qual a Impugnante não recebeu as quantias impugnadas a título de IVA;

15) A resposta às questões suscitadas, com base nos meios de prova juntos aos autos ou requeridos pelas partes, constitui pressuposto do correcto enquadramento jurídico da causa;

16) A falta de realização das correspondentes diligências de prova e a decisão fundada das questões suscitadas implica défice instrutório, determinante da anulação do processado, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, al. c), do CPC – vide o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul no Processo de Recurso Jurisdicional nº 05425/12, em 13/02/2014;

17) Devem os autos serem remetidos ao Tribunal a quo, para que se proceda às referidas diligências, o que desde já aqui se requer;

18) A Impugnante não está sujeita à tributação de IVA, visto que a mesma nunca prestou serviços a terceiros que esteja sujeito a esse imposto, sendo a sua tributação em sede deste imposto ilegal;

19) Consta da certidão de matrícula da Impugnante, já junta aos autos, que devido ao objecto da Impugnante, a sua actividade está isenta de IVA, visto que somente constrói para venda;

20) Não poderia o Meritíssimo Juiz ter decidido, sem ter procedido às diligências probatórias requeridas pela Impugnante, como decidiu;

21) Deve a Sentença ser revogada quanto à decisão de improcedência da Impugnação das liquidações adicionais de IVA respeitante aos anos de 2003, 2005 e 2006 e respectivos juros, o que, desde já, aqui se requer;

22) Atendendo que a Impugnante nunca recebeu as quantias em causa nos presentes autos, conforme admite a Recorrida, logo nunca a mesma poderia ser tributada em sede de IVA;

23) Decidiu-se na sentença recorrida que a Impugnante deveria ter juntado documento aquando da impugnação que contrariasse os factos apurados;

24) Quando a Impugnante, ora Recorrente apresentou a impugnação, não necessitava de juntar logo todos os documentos de prova, pois segundo o disposto nesta norma legal, o que implicava era a condenação em multa, caso não justificasse a junção tardia do documento;

25) Nunca poderia ter-se decidido como de facto se decidiu na sentença recorrida, dizendo simplesmente que caberia à Impugnante ter apresentado prova na p.i. da impugnação que contrariasse os factos apurados;

26) A Lei não permite que se decida como de facto se decidiu nesta sentença recorrida, e por isso pede a Recorrente a revogação da decisão, devendo o processo ser reenviado à 1ª instância para se poderem conhecer de todos os vícios apontados na p.i. da impugnação, inquirindo-se as testemunhas arroladas, bem como aquelas que caso a impugnante decida inquirir, desde que o requeira nos termos do disposto no artigo 512º-A do CPC, e apreciando-se todos os documentos juntos aos autos de acordo com o que impõe a lei;

27) A entidade impugnada não provou nada do que disse no seu relatório, pois este foi impugnado pelo Impugnante nos termos da lei, e como tal não pode servir para provar o que foi decidido na sentença recorrida;

28) Tendo sido impugnado, teria de ter sido apresentada prova pela administração fiscal, e pelo Impugnante;

29) E só depois dessa prova poderia eventualmente decidir-se pelo relatório ou por outras provas, nunca como se decidiu como se de facto tal relatório não tivesse sido impugnado;

30) Caso o Exmo. Sr. Dr. Juiz do processo, pretendesse considerar provado o que consta do relatório, teria obrigatoriamente de ouvir testemunhas e toda a prova que as partes cariassem para o processo, podendo ainda solicitar mais prova oficiosamente;

31) Nada disso foi feito, conforme consta do processo – admitiu-se como bom o relatório e teve-se este em conta para condenação final da Recorrente esse mesmo relatório, quando nesse relatório existem contradições, omissões e erro de aplicação das normas legais, bem como dos cálculos, etc;

32) Não é verdade que por si só, o procedimento de inspecção tributária, neste caso em concreto obedeceu aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação – basta para o efeito analisar-se o que consta do relatório e o que consta das resposta e p.i. da impugnação – não inquirição testemunhas durante da resposta do artigo 60º da LGT, não tiveram em conta e nada disseram sobre as questões levantadas na resposta, etc;

33) Ao decidir-se como se decidiu na sentença recorrida, foram violados também tais princípios na sentença recorrida;

34) Este processo nunca poderia se decidido sem a inquirição de testemunhas, e análise de documentos constante do relatório, pois tal relatório foi impugnado, tanto aquando dos disposto no artigo 60º da LGT, como na impugnação;

35) É sabido que quando os documentos são impugnados, não podem servir para uma parte provar o que quer que seja, sem que seja realizada a audiência de julgamento ou outros meios de prova – pericial, documental, etc;

36) As escrituras públicas descritas no relatório, obedeceram à forma prevista na Lei, e apenas os valores aí declarados podem ser impugnados, ou alterados, caso seja pedida essa alteração, ao Tribunal competente, e dentro do prazo legal;

37) Este processo nunca poderia se decidido sem a inquirição de testemunhas, e análise de documentos constante do relatório, pois tal relatório foi impugnado, tanto aquando dos disposto no artigo 60º da LGT, como na impugnação;

38) É sabido que quando os documentos são impugnados, não podem servir para uma parte provar o que quer que seja, sem que seja realizada a audiência de julgamento ou outros meios de prova – pericial, documental, etc;

39) O Meritíssimo Juiz viu o relatório e deu como provado o que consta de tal relatório, sem sequer ter em conta o que disse o impugnante sobre todas as questões na impugnação, dando valor ao relatório que de modo algum pode ser dado naquela fase processual;

40) É assim nula a decisão recorrida, por erro de interpretação e aplicação da lei, como da interpretação da prova documental;

41) As escrituras públicas descritas no relatório, obedeceram à forma prevista na Lei, e apenas os valores aí declarados podem ser impugnados, ou alterados, caso seja pedida essa alteração, ao Tribunal competente, e dentro do prazo legal, na sentença recorrida decidiu-se em contrário do requerido;

42) A escritura pública é um documento autêntico e que por si só faz prova plena do que dela consta, nos termos do disposto no artigo 371º, do Código Civil;

43) E a falsidade apenas pode ser declarada pelo Tribunal, não pela Administração fiscal, ou por outra qualquer administração pública ou privada;

44) Dúvidas não existem, de que para se poder alterar o valor declarado numa escritura pública, seria necessário primeiramente, quem tem legitimidade, propor uma acção em Tribunal, requerer-se a nulidade da escritura, e só depois da sentença transitada em julgado, caso esta fosse favorável à tese da nulidade, poderia a administração fiscal alterar os valores declarados e notificar a Recorrente de notas de liquidação adicional;

45) Tem também a sentença recorrida nesta parte, tem de ser revogada, pois sendo documento autêntico, não pode por si só um simples técnico tributário declarar o contrário da escritura pública e entender por si só que está errada tal escritura;

46) Até ao momento a nossa lei não permite este tipo de situações, pelo que foi erradamente decidido na sentença recorrida, e o que implica a sua revogação;

47) Um documento autêntico faz prova plena, até ser posto em causa perante a autoridade competente, não perante um técnico tributário;

48) Não é porque alguém diz que pagou mais do que está escrito na escritura pública, que pode por si só ser aceite, sem que seja feita essa prova em audiência de julgamento e provado para que se destinou tal quantia, como se decidiu na sentença recorrida;

49) A lei não permite que se decida deste modo, pelo menos sem que seja dada oportunidade à parte de provar o contrário, como de facto sucedeu neste caso em concreto, e daí ter de ser também revogada a sentença recorrida nesta parte.

50) Para se poder alterar o valor declarado numa escritura pública, seria necessário primeiramente, quem tem legitimidade, propor uma acção em Tribunal, requerer-se a nulidade da escritura, e só depois da sentença transitada em julgado, caso esta fosse favorável à tese da nulidade, poderia a administração fiscal alterar os valores declarados e notificar a Recorrente de notas de liquidação adicional;

51) Nenhuma norma legal, nomeadamente as indicadas na sentença recorrida, permite que por si só e sem mais, nomeadamente quando é impugnada essa decisão da administração tributária, aplicarem-se as normas legais referidas na sentença recorrida;

52) Assim, não há dúvidas que assiste razão aa Recorrente e que não pode a administração fiscal calcular outros valores, sem antes no tribunal competente conseguir uma “decisão judicial que declare a sua nulidade”;

53) Na prova já constante dos autos, verifica-se a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, conforme acima se alegou e já provou;

54) Essa dúvida também está descrita no relatório, e daí ter a administração fiscal, fixado à impugnante o valor de IVA e juros compensatórios;

55) Não se pode aceitar que consta da sentença recorrida que a Impugnante recebeu os valores constantes do relatório;

56) Para chegar a essa conclusão, teria o Exmo. Sr. Juiz de ter marcado audiência de julgamento, ouvir a prova, ou requerer outros meios de prova suplementar, pois a Recorrente impugnou essa questão;

57) Tem o processo, assim, de ser declarado nulo, pois a Lei não permite que seja feita um processo deste modo – ouvirem-se algumas pessoas sem que tenha sido dada a oportunidade aa Recorrente de exercerem o contraditório, e depois fixarem-se valores que não correspondem de facto aos valores reais recebidos por quem fez o negócio, que não foram aa Recorrente, etc;

58) Todas as vendas efectuadas foram realizadas pelo valor das escrituras públicas, e não pelos valores que o Sr. Inspector Tributário, entendeu no despacho que deu causa à impugnação e sentença recorrida – nenhuma prova foi feita em contrário do que alegou a Recorrente, pois nenhuma prova foi feita na audiência de julgamento e como o relatório foi impugnado, não pode ser tido em conta para estes efeitos;

59) Na sentença recorrida não se apreciou também esta questão;

60) E, tendo sido alegada esta questão, obrigatoriamente teria de ter sido emitida decisão sobre a mesma;

61) Nos termos do artigo 45º da Lei Geral Tributária, mesmo que por mera hipótese existisse a possibilidade de à Impugnante ser fixado o valor de IVA qualquer, que não aquele que consta da decisão sob impugnação, tal direito de liquidar os respectivos tributos, já havia caducado nos termos das normas indicadas;

62) Dado que, segundo a parte final do nº 2 do artigo 45º da L.G.T., “o prazo de caducidade é de três anos”;

63) Como as liquidações se referem ao ano de 2003, 2005 e 2006, e, estamos em Maio de 2009. Portanto já há muito caducou tal direito;

64) Caducidade esta, que aqui se invoca para todos os efeitos legais, e que deverá ser apreciada previamente;

65) Neste caso em concreto a notificação foi levada a efeito à Impugnante no dia 28/02/2009 – portanto passados mais de 4 anos;

66) Dúvidas não existem de que se porventura existisse o direito da administração fiscal, fixar os valores que deram causa a esta impugnação – IRC do ano de 2003 e juros compensatórios – já o mesmo direito havia caducado há muito tempo, caducidade esta que aqui e desde já se requer a sua apreciação;

67) Caducidade esta, que aqui se invoca para todos os efeitos legais, e que deverá ser apreciada previamente;

68) Sendo certo que na sentença recorrida, esta questão foi deficientemente apreciada, pelo que se impõe a sua revogação;

69) A interpretação das normas legais enumeradas na sentença recorrida, não é aquela que entendemos ser mais apropriada;

70) O interesse da Impugnante é legalmente protegido, o que faz com que a decisão impugnada tenha de ser apreciada e julgada de acordo com o que se requereu;

71) Julgar-se improcedente por não provada a impugnação – quando nenhuma prova foi ouvida ou inquirida - tal Sentença viola também o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 668º da C. P. C.;

72) Deixando o Meritíssimo Juiz “a quo” de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, nomeadamente as já alegadas nesta peça processual;

73) Lendo, atentamente, a Sentença recorrida, nesta parte, ou noutra parte seguinte qualquer, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo de poder decidir-se como de facto se decidiu;

74) Isto é, o (Tribunal) o Meritíssimo Juiz “a quo” com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos da Recorrente, e não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e ao ter interpretado deficientemente as normas legais que enumera na sentença recorrida;

75) Acresce que, a decisão recorrida, viola do disposto no artigo 207º da C. R. P., uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem “os princípios nela consignados”;

76) A sentença recorrida violou: a) Artigos 124º e 125º, do Código do Procedimento Administrativo;

b) Artigo 1º – a) do Decreto-lei n.º 256-A/77de 17 de Junho;

c) Artigos 20º, 13º, 205º, 207º, 208º, 266º, e nºs 3, 4 e 5, do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa;

d) Artigo 3º, nº 3, alíneas b), c) e d) do artigo 668º da C. P. C., aplicáveis por força do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho.

Termos em que, se requer a V. Exas. a Revogação da Sentença recorrida, por ser de Lei, Direito e: JUSTIÇA.”


***


A Digna Representante da Fazenda Pública, devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações.

***


O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

***


Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***


II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a factualidade que infra se descreve:


“A)


Em 09 de Agosto de 2007, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém emitiram a Ordem de Serviço n.º OI200701403 em nome de U… – Sociedade de Construções, Lda., com o NIF 5…, para efeitos de fiscalização aos exercícios de 2003 a 2006. – (cfr. processo administrativo apenso).

B)


Em 25 de Fevereiro de 2008 a Direcção de Finanças de Santarém endereçou ao Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Ourém, o oficio n.º 445, a informar da instauração de processo de inquérito, a que coube o n.º 1/2008-0 IDSTR. – (cfr. doc. de fls. 54 do processo administrativo apenso).

C)


Em 18 de Junho de 2008 a Direcção de Finanças de Santarém endereçou à impugnante o ofício n.º 4580 para efeitos do exercício do direito de audição sobre o projecto de relatório de Inspecção tributária respeitante à ordem de serviço mencionada em A). – (cfr. doc. de fls. 75 do processo administrativo apenso).

D)


Em 28 de Junho de 2008 a impugnante remeteu para o endereço de correio electrónico dpit2dsantarem@dgci.min-financas.pt resposta a exercer o direito de audição referido na alínea anterior. - (cfr. doc. de fls. 32 destes autos).

E)


Em 10 de Julho de 2008, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém elaboraram o relatório final de inspecção tributária relativo ao sujeito passivo identificado em A), onde consta, além do mais, o seguinte:

“(…)
I - 2. Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
De acordo com os factos descritos no ponto III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas, em face da acção de inspecção, realizada aos exercícios de 2003, 2004, 2005 e 2006 resultaram as correcções abaixo referidas quer em sede de IRC quer em sede de IVA, conforme discriminação por imposto, apresentada de forma resumida.
Deste modo tal como é referido no ponto IX - Direito de Audição, propõe-se o encerramento desta acção de inspecção com as correcções indicadas.
1. Em sede de IRC:

Quadro 1

2. Em sede de IV A:
2.1. Ano de 2003
Iva em falta - 5.700,00€ (Conforme ponto III - n.º 3.1 quadro 12)
2.2. Ano de 2005.
Iva em falta - 8.319, 74€ (conforme ponto III - n.º 3.2 quadro 13)
II. OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ANÁLISE EXTERNA
1. Credencial e período em que decorreu a acção
A análise externa foi realizada com base na Ordem de Serviço no OI200701403, sendo de âmbito Geral, e respeita aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 tendo sido iniciado o procedimento inspectivo em 13 de Novembro de 2007, e concluídos os actos inspectivos, em 12 de Junho de 2008, nos termos dos artigos 51° e 61° do RCPIT.
Prorrogação do procedimento de inspecção
Esta acção inspectiva iniciada em 13 de Novembro de 2007 foi prorrogada nos termos do disposto no artigo 36° no 3 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, propondo-se um tempo adicional de três meses sendo a data prevista do seu terminus 11 de Agosto de 2008.
Para tal foi notificada a entidade inspeccionada com a indicação da data previsível do termo do procedimento, nos termos do n.º 4 daquela legislação através do ofício n.º 3251 datado de 28 de Abril de 2008, enviado à U… Sociedade de Construções, Lda. com data registo de 29 de Abril de 2008.
2. Motivo, âmbito e incidência temporal
De acordo com o trabalho efectuado de análise prévia, no âmbito dos projectos de verificação de mútuos duvidosos detectaram-se indícios de omissão de proveitos em sede de IRC, resultantes da detecção de divergências entre os valores de venda declarados para efeitos de escritura e o valor real de venda das fracções.
Face a tais indícios foi emitida a ordem de serviço OI200701403 acima referida para verificação da contabilidade da "U… Sociedade de Construções, Lda. (que passará a ser aqui identificada por sujeito passivo ou "U…") com o NIPC 5… e sede no C… em F…, aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006.
A acção foi desencadeada com o objectivo de promover à inspecção do sujeito passivo permitindo o correcto apuramento da situação tributária do mesmo, dado que no âmbito das diligências efectuadas até àquela data, já se possuem fortes indícios de omissão de vendas.
Âmbito da presente acção:
PNAIT 222,37 - Classificada como âmbito Geral (alínea a) do n.º 1 do art.º 14.º do RCPIT.
3. Outras situações
3.1. Enquadramento fiscal
Em sede de IVA o sujeito passivo esteve enquadrado no regime Normal Trimestral do CIVA no período de 2001-09-17 até 2008-01-01, data em que passou a estar enquadrada no Regime de Isenção pelo artigo 9° do CIVA;
Em sede de IRC o sujeito passivo esteve enquadrado no Regime Geral de determinação do Lucro Tributável por opção desde 2001-01-01 até 2004-01-01, data em passou a estar no Regime Geral de determinação do Lucro Tributável por imposição legal.
O sujeito passivo possui Contabilidade organizada, sendo segundo o nosso sistema informático, o Técnico Oficial de Contas responsável pela mesma durante o ano de 2003, o Sr. A…, nif. 2…, e para os anos de 2004, 2005 e 2006 o Sr. O…, nif. 2…, contudo a contabilidade foi elaborada e esteve centralizada durante o período em causa (2003, 2004, 2005 e 2006), no gabinete de contabilidade F… GES com estabelecimento na F…, onde ainda se encontra actualmente.
3.2. Actividade exercida
O sujeito passivo era tributado em IRC nos anos em análise pelo exercício das seguintes actividades:
- Como actividade principal "Construção de Edifícios, com o CAE 45211;
- Como actividade secundária "Compra e Venda de Bens Imobiliários", com o CAE 70120.
De acordo com a análise efectuada aos elementos da contabilidade constatou-se que efectivamente foram exercidas aquelas actividades, nos anos em análise.
Desde 01-01-2008 a sociedade em análise passou a exercer a actividade de "Construção de Edifícios (Residenciais e não Residenciais), a qual tem o CAE 41200.
A construção dos imóveis, levada a cabo pela sociedade, era efectuada com recurso a subempreitadas, pelo que a mesma não tinha ao seu serviço empregados.
3.2.1. Contabilidade - Contas Bancárias
Por análise à contabilidade do sujeito passivo verificou-se que a esta estavam afectas as contas bancárias tituladas pela "U… Sociedade de Construções, Lda", que a seguir se identificam:
3.2.1.1. Ano de 2003; 2004; 2005
Instituição Bancária – M… (M…)
Conta n.º …-2
Conta n.º …-5
Conta n.º …-1
Conta n.º …-9
Instituição Bancária – C… (C…)
Conta n.º …-03
3.2.1.2. Ano de 2006
Instituição Bancária – C… (C…)
Conta n.º …-03
Instituição Bancária – B… (B…)
Conta n.º …-25
Instituição Bancária – B… (B…)
Conta n.º … 6
Instituição Bancária – M… (B…)
Conta n.º …6
3.3. Sociedade (capital social, quotas e gerência)
Trata-se de uma sociedade comercial por quotas constituída por escritura pública "Contrato de Sociedade", em 11 de Setembro de 2001 no Vigésimo Primeiro Cartório Notarial de Lisboa, com o capital social de 6.000,00€ (seis mil euros) repartido igualmente por três quotas iguais de 2.000,00€ (dois mil euros), cada, pertencentes cada uma delas a cada um dos sócios H…, nif. 2…, H…, nif. 2.. e B…, nif. 2…. A gerência da sociedade ficou a cargo dos três sócios, que foram nomeados no mesmo dia e pelo mesmo documento gerentes.
A forma de obrigar a sociedade foi estabelecida com a assinatura de um gerente.
O objecto social da sociedade estabelecido naquele contrato era a construção de edifícios para venda e a compra e venda de terrenos, compra e venda de bens imobiliários.
A gerência da sociedade foi exercida durante os anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 quer de direi to como acima já se refere quer de facto pelos sócios-gerentes, H…, H… e B…, tal como se pode comprovar não só pelas escritura públicas de compra e venda (arquivadas junto do processo de evidência de trabalho) celebradas por estes em representação da sociedade, quer por cópias de alguns dos cheques emitidos pelos adquirentes dos imóveis alienados pela sociedade à ordem destes, (muitas dessas cópias fazem parte dos anexos a este relatório), quer ainda por outros documentos que fazem parte do processo de evidência de trabalho, nomeadamente actas, balanços, recibos de rendas, relatórios de gestão, cópias dos cheques emitidos em nome da U…, e assinados pelos sócios, e outros.
Em Termo de Declarações foi ouvido o actual TOC Sr. O…, em 12 de Junho de 2008, tendo-lhe sido colocado a questão, como chegavam ao seu poder os documentos da "U…-Sociedade de Construções, Lda." nomeadamente, facturas, escrituras," extractos bancários e demais documentos? Ao que o mesmo declarou ditando:
"Chegavam à sua posse através dos sócios-gerentes da U…", Sr. B…, H… e H…, que aleatoriamente entregavam nas instalações do gabinete de contabilidade F… GES, Lda. Onde sempre esteve centralizada a escrita."
Portanto por tudo o que foi referido se verificou que a gerência da "U…", foi exercida durante os anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, de facto e de direito pelos sócios gerentes desta sociedade.
3.3.1. Relações "Inter-sujeito passivo" dos sócios gerentes da U…
Segundo informação disponível no nosso sistema informático os sócios-gerentes da sociedade em análise a seguir identificados, tiveram/têm as seguintes relações inter-sujeito passivo:
3.3.1.1. H…
Sócio – M… Imobiliária, Lda. de 2002 a 2004;
Sócio – N… Construções, Lda. desde 2004;
Sócio – S… Sociedade da Construções, Lda. desde 2003;
Presidente – S…Construções AS desde 2007
3.3.1.2. H…
Presidente -I… Oeste, Lda. de 2004 a 2006;
Sócio – N… Construções, Lda. desde 2004;
Sócio – S… Sociedade de Construções, Lda. desde 2003;
Administrador – S… Construções AS desde 2007.
3.3.1.3. B…
Outros -I… Oeste AS em 2004;
Sócio – N… Construções Lda. desde 2002;
Sócio – S… Sociedade de Construções Lda. desde 2003;
Administrador – S… Construções AS desde 2007.
3.4. Forma de realização dos actos jurídicos celebrados (Compra e Venda de Imóveis)
Durante os actos inspectivos e através da análise aos elementos recolhidos, verificou-se que os sóciosgerentes da "U…":
- H…
- H…;"
- B….
1. Realizavam as vendas dos imóveis, junto dos adquirentes, mostrando-os e finalizando o negócio, e só em casos pontuais utilizaram para intermediação do negócio os serviços de Imobiliárias;
2. Assinavam e representavam a "U…” nas Escrituras Públicas e nos contratos de Promessa de Compra e Venda, e outros documentos;
3. Nas alienações ocorridas, e aqui em causa, o pagamento por parte dos adquirentes dos imóveis, era realizado na sua grande maioria através de cheques, sendo emitido para pagamento de cada imóvel em regra, mais do que um cheque, tendo sido também em alguns casos efectuado entregas de valores em numerário em regra como sinal ou reforço de sinal à excepção da alienação ocorrida em 30-01-2004 (em que o pagamento do imóvel foi efectuado na totalidade em numerário);
4. Em, regra o "modus operandi”, do pagamento por parte dos adquirentes a pedido dos sócios-gerentes da "U…" era a emissão de um cheque igual ao valor que era declarado para efeitos de Escritura Pública de Compra e Venda, e ao declarado na contabilidade do sujeito passivo, emitido à ordem da "U…", e os restantes cheques eram emitidos uns ao portador, outros à ordem de um dos sóciosgerentes acima identificados;
5. Os cheques emitidos à ordem dos Srs. H…; H… e B…, eram por estes endossados e em regra depositados em contas que não faziam parte da contabilidade.
6. Em algumas das alienações levadas a cabo pelos sócios-gerentes em representação da "U…", parte do pagamento efectuado pelos adquirentes dos imóveis, era realizado em “espécie" através da entrega (por escritura de compra e venda) ao sujeito passivo de um imóvel de sua propriedade, que em regra era a habitação dos mesmos, (tratou-se de "retomas" camufladas de "compras e vendas", quando efectivamente se tratou de uma permuta);
7. Em relação ao referido no ponto “6" podem-se tipificar duas situações: .
7.1. Casos houve em que o adquirente de um imóvel da "U…”, efectuava o pagamento deste através de cheques e/ou numerário e com entrega de um outro imóvel (do qual era proprietário) como pagamento do restante em espécie, sendo que a "entrada" desse imóvel na contabilidade do sujeito passivo (através de uma escritura de Compra e Venda) era registada como uma compra, na "Conta 31 - Compras de Mercadorias" como contrapartida da "Conta 11 - Caixa", camuflando assim o recebimento em "espécie" e possibilitando a omissão de proveitos na esfera do IRC;
7.2. Casos houve em que o adquirente de um imóvel da "U…”, efectuava o pagamento através de cheques e/ou numerário e o restante com a entrega de um outro imóvel (da qual era proprietário) como pagamento em espécie, sendo que esse imóvel não "entrava" na contabilidade do sujeito passivo, pois era vendido (por Escritura (3-Pelo proprietário ou por um dos sócios-gerentes da "U…" por procuração do proprietário) a um terceiro (4-Pessoa a quem uma Imobiliária contratada pela ''U…'' ou um dos sócios-gerentes da “U…", negociavam o imóvel), sendo que esse (terceiro) efectuava o pagamento directamente a um dos sócios-gerentes da "U…", possibilitando assim esta prática a omissão de proveitos na esfera de IRC e IRS.
III. DESCRICÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECCÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Para uma melhor visão da actividade desta sociedade apresentamos quadro elucidativo da evolução proveitos/custos para os quatro exercícios:
Quadro 2

(a) Nesta rubrica o sujeito passivo declarou os proveitos provenientes da actividade de “Compra e Venda de Bens imobiliários”. Trata-se da alienação dos imóveis que o sujeito passivo recebe de permuta ou ainda como pagamento em “espécie”;
(b) Nesta rubrica o sujeito passivo declarou proveitos provenientes da actividade de “Construção de Edificios”;
(c) No ano de 2004 o valor de 148.310,34 € inclui 126.560,00 € proveniente de rectificações impostas pelo Código do IRC, n.º 4 do art.º 58.º -A no ano de 2005 o valor de 29.515,13 inclui 10.600,00 €, e no ano de 2006 o valor de 87.668,61 € inclui 6.610,00 €, nos mesmos termos.
Para determinação do lucro tributável estipula o artigo 17.º do CIRC, que transcrevemos, o seguinte:
(…)
A relevância fiscal da contabilidade determina, assim, que esta deve obedecer a determinadas regras, nomeadamente, estar organizada de acordo com a normalização contabilistica e a outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade (aI. a), do n. º 3 do artigo 17° do CIRC), e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo (aI. b), do n. º 3 do mesmo artigo), estar organizada nos termos da lei comercial e fiscal e permitir o controlo do lucro tributável (n.º 1 do artigo 115° do CIRC).
Durante o procedimento inspectivo constatou-se:
- Que os registos contabilísticos do sujeito passivo, colocados à disposição da Administração Fiscal, relevam omissões e inexactidões que afectam, de forma clara e inequívoca, o resultado tributável em sede de IRC;
- Através de diligências efectuadas no apuramento dos negócios jurídicos celebrados pelo sujeito passivo (Venda de Imóveis) apuraram-se omissões em sede de IRC;
Passamos a descrever:
1. Análise contabilística
Por análise aos documentos de contabilidade nomeadamente balancetes e extractos de conta verificamos que a conta do POC 11-Caixa apresentava sistematicamente nos anos em análise saldo credor, ora a Caixa é uma conta de disponibilidades que inclui os meios líquidos de pagamento.
Assim, “A conta caixa é debitada por todas as entradas de fundos (recebimentos) e creditada pelas saídas (pagamentos). O saldo é sempre devedor ou nulo nunca credor." .
Questionado o TOC acerca deste ponto (a conta Caixa apresentar sistematicamente saldo credor)· referiu o mesmo em Termo de Declarações já referido, que:
"O motivo é que a conciliação é efectuada durante o ano, mas apenas no final do ano é que são lançadas as regularizações anuais de documentos a conciliar.
Sendo esta falta de conciliação motivada pelo atraso na entrega de alguns documentos por parte dos sócios-gerentes da U…, nomeadamente extractos bancários, depósitos e demais documentos, e a falta de anotação nas Escrituras do meio de pagamento.".
Ora esta prática não observa o estipulado na alínea, b) do n.º 3 do artigo 17.º do CIRC, não espelhando portanto na contabilidade a realidade.
2. Em sede de IRC - Omissões de proveitos resultantes de diligências efectuadas no apuramento dos negócios jurídicos celebrados pelo sujeito passivo (Venda de Imóveis)
Tendo por base os objectivos desta acção inspectiva foram efectuados pelos Serviços de Inspecção Tributária os seguintes procedimentos:
I - Numa análise prévia efectuou-se a recolha e tratamento da informação constante das escrituras dos imóveis alienados pela sociedade em comparação com os mútuos a que os adquirentes recorreram;
II - Recolha dos valores reais de aquisição dos imóveis reconhecidos pelos adquirentes e confronto com os valores das respectivas escrituras, sendo que esse confronto teve em linha de conta os seguintes elementos:
a) Elementos bancários dos adquirentes, (cheques, transferências bancárias...) por autorização dos mesmos;
b) Termos de declarações dos adquirentes;
c) Pagamento de SISA/IMT Adicional sobre as diferenças, por reconhecimento dos adquirentes e/ou detecção de diferenças pela Administração Tributária;
III - Confronto entre os valores constantes dos registos contabilisticos da sociedade e os reais de venda.
Portanto numa primeira análise após confronto entre os valores totais dos mútuos efectuados pelos próprios adquirentes e o valor que consta da escritura de aquisição, verificaram-se divergências em todos os exercícios.
Ora, tendo em conta que os valores dos empréstimos concedidos pelas Instituições Bancárias têm como única garantia real o imóvel objecto de aquisição, ou seja, parece não haver dúvidas, que a avaliação feita peles Instituições Bancárias, regem-se por critérios objectivos, que assentam em valores de mercado, que determinam que o valor do imóvel seja superior, em princípio, ao valor total dos empréstimos contraídos pelos adquirentes.
E, se regra geral os valores declarados para efeitos de escritura pública de Compra e Venda com Mútuo e Hipoteca, diferem para menos daqueles valores, e sendo que estes como já se referiu, são a garantia do pagamento dos imóveis, foram pedidas informações aos adquirentes acerca da aquisição dos imóveis, nomeadamente os valores pagos efectivamente pelos imóveis em questão.
Nesta fase, vieram alguns adquirentes das fracções vendidas nos anos em causa (2003, 2004, 2005 e 2006), pela "U..." proceder ao reconhecimento de que o valor real da efectivação de tais transacções foi superior ao valor declarado para efeitos de Escritura de Compra e Venda, sendo que os que reconheceram procederem ao pagamento de SISA/IMT Adicional.
Após essa fase com o trabalho desenvolvido no âmbito do decurso do procedimento inspectivo foram ouvidos em termos de declarações os adquirentes envolvidos, nomeadamente alguns dos que já voluntariamente tinham procedido ao pagamento de SISA/IMT Adicional, já que persistiam algumas dúvidas à Administração Tributária, e a todos os que numa primeira fase não havia reconhecido divergências de valores.
Nesta fase muitos dos adquirentes ouvidos pela Administração Tributária, reconheceram voluntariamente divergências entre o valor real de aquisição e o valor declarado para efeitos de escritura. Procederam também estes, nesta fase ao pagamento voluntário de SISA/lMT Adicional.
As diferenças apuradas entre os valores reais e os declarados para efeitos de escritura pública têm como suporte:
- Autos de declarações;
- Cartas dos adquirentes;
- Cópias dos cheques frente e/ou frente e verso que serviram para pagamento dos imóveis;
- Documentos comprovativos de transferências efectuadas para contas bancárias tituladas pela sociedade e/ou sócios;
- SISA/lMT Adicionais pagas voluntariamente pelos adquirentes;
- Contratos de promessa de compra e venda celebrados entre a sociedade vendedora e os compradores;
- Contratos de promessa de permuta;
Finalmente e noutra fase constatou-se que na contabilidade os valores registados são iguais aos valores declarados para efeitos de Escritura de Compra e Venda, (celebradas entre a sociedade e os diversos adquirentes), valores esses que no caso de alguns imóveis foram pelo sujeito passivo, acrescidos das rectificações impostas pelo Código do IRC, nomeadamente as do n.º 4 do artigo 58.º-A, (corrigidas no campo 257 da declaração mod. 22), após a fixação do valor patrimonial tributário definitivo (se superior ao da escritura).
Portanto, de todos os elementos recolhidos, ficou apurado que houve omissão aos valores declarados para efeitos das escrituras e consequentemente para efeitos de contabilidade do sujeito passivo alvo da acção inspectiva, tendo-se verificado aos valores declarados (mapas em anexo 1 -folhas 1, 2, 3 e 4) as seguintes omissões:
(…)
3. Em sede de IVA
O sujeito passivo exerceu durante os anos em análise (tal como é referido no número 3.2 do ponto II) como actividade principal a "Construção de Edifícios". Contudo nos anos de 2003 e 2005 o sujeito passivo efectuou diversas "Prestações de Serviços", conforme já se referiu neste relatório, nomeadamente nos números 2.1 e 2.3 do ponto III, e que se passam a resumir:
3.1. Ano de 2003
Segundo Termo de Declarações do adquirente M… o sujeito passivo ("U...") executou a seu pedido obras de alteração no imóvel que transaccionaram em 26 de Março de 2003 (a "U..." como alienante e M… como adquirente), (conforme se refere no número 2.1 - I do ponto III e quadro 3 linha I), pelas quais foi efectuado um pagamento de 30.000,00€ (12 cheques de 2.500,00€).
Por estas obras não foi emitida factura recibo ou qualquer outro documento equivalente. Assim, há que proceder conforme quadro seguinte, à correcção em sede de IVA, uma vez que o mesmo não foi indevidamente liquidado e entregue ao Estado.
Quadro 12

3.2. Ano de 2005.
a) Segundo Termo de Declarações da adquirente P… procedeu à elaboração de obras de melhoramento no imóvel que adquiriu, tendo esta "Prestação de Serviços" sido efectuada pela "U..." no imóvel que lhe havia adquirido em 15 de Abril de 2005. Pela elaboração dessas obras efectuou um pagamento de 20.946,00€ através da entrega de dois cheques que perfazem o valor de 20.946,00€ (17.168,00 € e 3.778,00 €), conforme se refere no número 2.3 - II do ponto III e quadro 7 linha II);
b) Segundo Termo de Declarações do adquirente A…, foram contratadas com a "U..." obras no valor de 3.500,00 € no imóvel que adquiriu em 18 de Abril de 2005 também à "U...", sendo que a realização dessas obras ocorreram antes da data da celebração da escritura (18-04-2005), e o pagamento foi efectuado no dia da escritura (número 2.3 -
III do ponto III e quadro 7 linha III);
c) Segundo Termo de Declarações do adquirente J…, pagou à 'U..." através da entrega de um cheque de 17.500,00€, pelas obras realizadas na sua antiga habitação devido ao mau estado de degradação (pintura, chão, azulejos, etc.). As obras foram realizadas pela "U..." aquando da aquisição da sua actual residência também à "U..." em 12 de Dezembro de 2005, (conforme se refere número 2.3 - XIV do ponto III e quadro 7 linha XIV).
Pelas obras referidas nas alíneas a), b) e c) não foram emitidas quaisquer facturas, recibos ou outro documento equivalente.
Assim, em relação a estas três "Prestações de Serviços" há que proceder à correcção em sede de IVA, conforme quadro seguinte, uma vez que o mesmo não foi indevidamente liquidado e entregue ao Estado.
Quadro 13

IV. MOTIVO E EXPOSICÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
(…)
VIII. OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES
No decurso do prazo para o exercício do direito de audição chegaram à posse dos Serviços de Inspecção desta DF, fotocópias de cheques, documentos estes que já haviam sido solicitados em data anterior à elaboração do Projecto de Relatório notificado ao sujeito passivo através do ofício 4580 datado de 18 de Junho de 2008, para efeitos do exercício do direito de audição. Os documentos em causa e os adquirentes de imóveis aos quais os documentos dizem respeito são os seguintes:
Adquirente – M…;
Doc. 1 - Cópia de cheque n.º 4531481732 datado de 21 de Agosto de 2002 no valor de 5.000,00€ emitido à ordem de H…;
Adquirente – C…;
Doc. 2 - Cópia de cheque n.º 5145792538, datado de 20 de Junho de 2004 no valor de 1.000,00€ emitido à ordem de H…;
Doc. 3 - Cópia do cheque n.º 7781332461, datado de 12 de Agosto de 2004 no valor de 107.83€ emitido ao portador;
Doc. 4 - Cópia de cheque n.º 2581332456, datado de 12 de Outubro de 2004 no valor de 200,00€ emitido ao portador;
Doc. 5 - Cópia de cheque n.º 1681332457, datado de 12 de Novembro de 2004 no valor de 200,00€ emitido ao portador;
Doc. 6 - Cópia de cheque n.º 8681332460, datado de 12 de Dezembro de 2004 no valor de 200,00€ emitido ao portador;
Adquirente – M… e J…:
Doc. 7 - Cópia de cheque n.º 6300000014, datado de 24 de Junho de 2004 no valor de 30.000,00€ emitido à ordem de H…;
Adquirente – J…:
,Doc. 8 - Cópia de cheque n.º 1146149615, datado de 10 de Maio de 2005 no valor de 2.500,00€ emitido à ordem de H…;
Adquirente – N…
Doc. 9 - Cópia de cheque n.º 5006341587, datado de 27 de Outubro de 2006 no valor de 60.000,00€. encontrando-se endossado por este;
Adquirente – S…:
Doc. 10 - Cópia de cheque n.º 2129215468, datado de 20 de Setembro de 2006 no valor de 5.000,00€ emitido à ordem de U...;
Saliente-se que estes documentos não originam qualquer alteração à descrição dos factos susceptíveis de alterar a situação tributária do SP e respectiva quantificação que já constava no Ponto III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável do Projecto de Relatório notificado ao sujeito passivo, tendo deles sido dado oportuno conhecimento através da sua menção no referido ponto III do Projecto de Relatório, com a consequente possibilidade do SP, querendo, poder pronunciar-se sobre estes.
Não se tratam assim de elementos que relevam ou comprovem factos novos, visando tão só completar o suporte documental já existente relativamente a factos já levados ao conhecimento do sujeito passivo.
Nestes termos, foi adicionado a este Relatório o anexo 38, o qual inclui as fotocópias dos cheques atrás referidas e adicionada a menção "anexo 38" na descrição dos factos que constam do ponto III, do Relatório, sem que tal importe qualquer alteração à situação de facto e de direito que já constava do Projecto de Relatório.
IX. DIREITO DE AUDICÃO - FUNDAMENTAÇÃO
Foi o sujeito passivo notificado, através do ofício 4580 desta Direcção de Finanças, datado de 18 06-2008, por "carta registada" com a data de registo de 19-06-2008 de modo a exercer no prazo de 15 dias, o direito de audição previsto nos artigos 60° da Lei Geral Tributária e 60° do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária. No decurso desse prazo tal direito não foi exercido, pelo que se propõe o encerramento desta acção de inspecção com as correcções propostas no ponto III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável, e resumidas no Quadro 1 do ponto I-2 Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção.
(…).”. – (cfr. doc. de fls. 55 a 344 do processo administrativo apenso a estes autos).

F)


Com data de 13 de Dezembro de 2008, a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IVA n.º 08344979, em nome da ora impugnante, relativa ao período 0303T, com o montante a apagar de € 5.700,00. - (cfr. docs. de fls. 22 dos autos).

G)


Com a mesma data a Autoridade Tributária emitiu a liquidação n.º 08344980 de juros compensatórios do período 0303T, incidentes sobre a quantia de € 1.176,23, de 15 -05-2003 a 10- 07-2008, na quantia a pagar de € 1.176,23. - (cfr. doc. de fls. 23 dos autos).

H)


Com data de 13 de Dezembro de 2008, a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IVA n.º 08344981, em nome da ora impugnante, relativa ao período 0506T, com o montante a apagar de € 4.644,74. - (cfr. docs. de fls. 24 dos autos).

I)


Com a mesma data a Autoridade Tributária emitiu a liquidação n.º 08344982 de juros compensatórios do período 0506T, incidentes sobre a quantia de € 539,84, de 16 -08-2005 a 10-07-2008, na quantia a pagar de € 539,04. - (cfr. doc. de fls. 25 dos autos).

J)


Com data de 13 de Dezembro de 2008, a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IVA n.º 08344983, em nome da ora impugnante, relativa ao período 0512T, com o montante a apagar de € 3.675,00. - (cfr. docs. de fls. 26 dos autos).

K)


Com a mesma data a Autoridade Tributária emitiu a liquidação n.º 08344984 de juros compensatórios do período 0512T, incidentes sobre a quantia de € 350,79, de 20 -02-2006 a 10-07-2008, na quantia a pagar de € 350,79. - (cfr. doc. de fls. 27 dos autos).

I)


Consta a fls. 55 a 62 do processo administrativo apenso informação da Direcção Geral de Informática Tributária e Aduaneira (DGITA) de que o endereço de correio electrónico identificado em D) é inexistente e que o sistema informático emite ao remetente mensagem de NDR (Entrega não conseguida).

M)


Em 27 de Maio de 2009 deu entrada no Serviço de Finanças de Ourém a petição inicial da presente impugnação judicial. – (cfr, carimbo aposto no rosto da petição inicial a fls. 2 destes autos).”

***


A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes dos presentes autos, todos objecto de análise concreta, não se provaram quaisquer outros passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito e que importe registar como não provados.


***


A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes destes autos e do processo administrativo apenso, conforme se refere em cada alínea do probatório.”


***



III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IVA, e respetivos JC, respeitantes aos anos de 2003, 2005, e 2006, no valor de €16.085,80.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece:


- De nulidade por:


o Omissão de pronúncia;


o Falta de fundamentação;


o Oposição entre os fundamentos e a decisão.


o Não ter sido produzida prova testemunhal, sendo a mesma indispensável; por o despacho interlocutório ser insuscetível de interposição de recurso; e por traduzir nulidade por violação do princípio do contraditório.


- De erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que:


i. Se verifica falta de ponderação dos novos elementos apresentados em audição prévia, donde preterição de formalidade essencial constante no artigo 60.º, nº7 da LGT;


ii. Incorreu em erro na valoração da prova, mormente, no domínio do Relatório de Inspeção Tributária e das escrituras públicas, estas enquanto documento autêntico;


iii. Foi valorada incorretamente a atividade da Impugnante, mormente, no domínio da isenção de IVA, donde, subsistência dos atos impugnados;


iv. Patenteia violação dos princípios do inquisitório, da colaboração, da participação, da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade, boa fé e celeridade e bem assim do consignado no artigo 207.º da CRP.


v. Ocorre fundada dúvida e sua concreta valoração a favor do sujeito passivo.


vi. Se verifica a caducidade do direito à liquidação;


Apreciando.


Ab initio, importa, desde logo, relevar que a Impugnante, ora Recorrente, não interpôs recurso relativamente aos seguintes vícios nos quais, expressamente, decaiu, concretamente, falta de fundamentação de facto e de direito da notificação das liquidações e das próprias liquidações, vício atinente à delegação de competências, falta de notificação para o exercício da audição prévia, e ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, encontrando-se, por conseguinte, firmados na ordem jurídica, donde vedada qualquer apreciação nesta sede.


Feito este introito, e delimitação, atentemos, então, na nulidade por omissão de pronúncia.


A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.


Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.


Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida apreciação do Tribunal.


Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas a apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.


Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS (1-Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.) “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” .


Apreciando.


A Recorrente começa por sustentar que a decisão recorrida padece da aludida nulidade, porquanto nada é dito sobre todas as questões apresentadas pela Recorrente na impugnação, na parte que julgou improcedente a impugnação, decidindo como se de facto a Recorrente nada tivesse dito em concreto, não indicando as normas legais violadas, e sem sustentar a violação da interpretação e aplicação da lei por parte da entidade impugnada.


Porém, não lhe assiste razão, na medida em que o Tribunal a quo conheceu de todas as questões que foram convocadas na petição inicial, concretamente, falta de fundamentação de facto e de direito das notificações das liquidações e das próprias liquidações; vícios na delegação de competências, falta de notificação para o exercício do direito de audição prévia, falta de consideração dos elementos novos levados ao processo na resposta, erro na quantificação da matéria coletável; violação dos princípios do inquisitório, da colaboração, da participação, da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade, e celeridade; caducidade do direito à liquidação; fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário e Ilegalidade dos juros compensatórios.


Sendo que, inversamente ao aduzido pela Recorrente, foram elencados todos os fundamentos de facto e de direito que permitiam sustentar o seu juízo de entendimento.


É certo que, se bem interpretamos as conclusões das alegações de recurso, a aludida nulidade reside, outrossim, na circunstância da decisão recorrida ter limitado o seu juízo ao que consta do Relatório de Inspeção Tributária, sendo certo que o mesmo foi impugnado, pelo que teria obrigatoriamente de ter sido marcada data para julgamento e produzida prova testemunhal.


Porém, não lhe assiste, de todo, razão porquanto o Tribunal a quo estabeleceu um juízo crítico sobre os vícios arguidos pela Recorrente, e considerou, como legalmente se impõe, a fundamentação contemporânea do ato, analisando da sua concreta legalidade, concluindo, para o efeito, pelo acerto da posição da AT e manutenção do ato de liquidação, logo, como é bom de ver, tal realidade em nada pode traduzir uma nulidade por omissão de pronúncia, quando muito erro de julgamento.


No concernente à vinculação da realização da prova testemunhal, cumpre evidenciar que o ato de dispensa de prova testemunhal está na esfera decisória do Juiz do Tribunal a quo que, desde logo, pondera e decide em conformidade, logo não pode ser entendido como um ato que tem de ser realizado obrigatoriamente, mormente como uma nulidade processual, em nada podendo traduzir uma nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.


Uma última nota para referir que, inversamente ao aduzido pela Recorrente, a decisão recorrida apreciou a questão atinente ao concreto valor probatório das escrituras públicas, apartando-a -é certo e em sentido dissonante com o propugnado pela própria- no entanto, tal em nada configura nulidade por omissão de pronúncia, quanto muito erro de julgamento.


E no mesmo sentido se terá de ajuizar quanto ao aduzido a propósito do “erro de interpretação e aplicação da lei, como da interpretação da prova”, na medida em que, como é bom de ver, tal alegação poderá, quando muito, redundar numa errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.


E por assim ser, improcede, na íntegra, o alegado em termos de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.


Prosseguindo, ora, com a nulidade atinente à falta de fundamentação da decisão recorrida.


A Recorrente alega que a sentença recorrida é nula por não ter especificado os fundamentos de facto e de direito, plasmados no artigo 125.º n.º 1 do CPPT.


Apreciando.


Dispõe o artigo 123.º, nº2, do CPPT que: “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.”


Mais preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que:

“ 1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

Dir-se-á, neste particular, que esta norma corresponde ao regulamentado no normativo 615.º, nº1, alínea b), do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.

De convocar, ainda neste conspecto, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Com efeito, a nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607.º, nº 3, do CPC, que impõe ao juiz não só o dever de discriminar os factos que considera provados, como também de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

Como doutrina Alberto dos Reis (2-Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139.), “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base.”

Mais importa ter presente que, no atinente à falta de fundamentação de facto, a doutrina tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (3-Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29.06.2016.)

”.

No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que no item III, epigrafado de “fundamentação” estão elencados os factos provados deles constando, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade.

No atinente à factualidade não provada, o Tribunal a quo consignou que inexistem factos a registar enquanto tal, evidenciando depois na motivação da decisão de facto as razões em que se fundou o seu juízo de entendimento.

Ora, face ao supra aludido não assiste qualquer razão à Recorrente quando aduz que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, porquanto, contrariamente ao por si propugnado, a mesma contempla toda a factualidade relevante para dirimir o litígio nos moldes em que foi decidido, explicitando, na motivação da matéria de facto, e ulteriormente, na fundamentação de direito quais os motivos porque entendeu julgar improcedente os vícios invocados. Note-se que, se a interpretação dos pressupostos de facto ao regime jurídico vigente não traduz a solução perfilhada pelo Tribunal a quo, tal situação em nada traduz nulidade, quando muito erro de julgamento (4-A propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, diz-nos Alberto dos Reis que é preciso distinguir-se entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”, In Ob. citada, Vol. V, pág. 140.).

E por assim ser não pode, pois, sustentar-se que a decisão em crise seja nula por falta de fundamentação de facto e de direito, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido na decisão recorrida se mostram nele evidenciados de forma objetiva, lógica e racional, com a devida apreciação crítica da prova produzida nos autos.

Improcede, assim, a arguida nulidade por falta de fundamentação.

Subsiste, ainda, por analisar a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.

Preceitua o artigo 125.º, nº1, do CPPT, que constitui causa de nulidade da sentença “[a] oposição dos fundamentos com a decisão.”


Dimanando tal nulidade também do artigo 615.º alínea c) do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando: “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.


De relevar, desde já, que são realidades díspares e não confundíveis a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e a mera discordância com a fundamentação jurídica.


A nulidade em análise concatena-se com a necessidade de um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do CPC.


Com efeito, o vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada (5-Vide Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985.).

No atinente a esta nulidade a Recorrente limita-se a convocar a mesma, sem a concreta e necessária substanciação, o que, per se, vota a sua arguição ao insucesso.

Sem embargo do exposto, sempre se dirá que atentando no teor da decisão recorrida constata-se, inequivocamente, que a mesma não padece da aludida nulidade, uma vez que ponderando o seu teor conclui-se, inequivocamente, que a mesma não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que tendo decidido pela improcedência dos vícios formais e substanciais do ato impugnado, a fundamentação jurídica vai no mesmo sentido.


De relevar, neste particular, que a factualidade convocada e concatenada com a fundamentação de direito está em total harmonia com o decidido pelo Tribunal a quo. Com efeito, cotejando a fundamentação da decisão supra expendida, resulta que o decisor enuncia a factualidade e, depois, convocando o direito que entende aplicável ao caso vertente, decide, de forma coerente e lógica-ainda que a Recorrente discorde da aludida fundamentação jurídica.

E por assim ser, improcede, na íntegra, a aduzida nulidade.

Atentemos, ora, na arguida nulidade por não ter sido produzida prova testemunhal, sendo a mesma indispensável.

De relevar, desde logo, que pese embora as alegações da Recorrente não sejam claras quanto ao concreto âmbito da nulidade, mormente, nulidade da decisão recorrida ou nulidade processual, a verdade é que a mesma não se verifica em qualquer um desses âmbitos e vertentes.

Não configura, desde logo, nulidade da decisão recorrida, desde logo, por não integrar o elenco taxativo consignado no artigo 125.º do CPPT e bem assim do normativo 615.º do CPC.

E no mesmo sentido se terá de concluir no atinente à subsunção enquanto nulidade processual e violação do princípio do contraditório.

Senão vejamos.

De harmonia com o consignado nos artigos 195.º e seguintes do CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.

De relevar, outrossim, que as mesmas se subdividem em nulidades principais e nulidades secundárias, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos.

Com efeito, as nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, estando, por seu turno, as nulidades secundárias/irregularidades incluídas na previsão geral do artigo 195.º CPC, cujo regime de arguição está sujeita ao contemplado no artigo 199.º CPC.

Atentando nos aludidos normativos, retira-se como, é bom de ver, que a falta de produção de prova testemunhal não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, sendo certo que a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, subsume-se normativamente no artigo 195.º do CPC, pelo que configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no artigo 199.º CPC (6-Vide neste sentido, designadamente, Acórdão do STJ 02 de julho de 2015, processo nº 2641/13.7TTLSB.L1.S1, Ac. STJ 29 de janeiro de 2015, Proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de abril de 2018, processo nº 533/04.0TMBRGK6.1.).

No atinente ao alcance da expressão “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”, visto que a lei não fornece uma definição para esse efeito, convoca-se o doutrinado por ALBERTO DOS REIS, o qual, a este propósito, tecia as seguintes considerações:“[o]s atos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela (7-JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra Editora., pag. 486) “.

Mais importa ter presente que “ [o]legislador em parte alguma esclarece quando é que se deve entender que a irregularidade cometida influiu no exame ou na decisão da causa, pelo que “só caso por caso a prudência e a ponderação dos juízes poderão resolver”– vide Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, 1982, pág. 109 (8-Vide Aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 00545/08.4BEBRG, de 30 de novembro de 2011.).”

Ora, tendo presente os considerandos supra, e o recorte probatório dos autos é por demais evidente que, no caso vertente, o Juiz a quo não estava vinculado a proceder à marcação de inquirição de testemunhas, estando a atuação do Juiz, inteiramente, conforme com o princípio da legalidade.

Com efeito, a avaliação da prova testemunhal depende de uma apreciação casuística do Juiz, competindo, assim, ao mesmo aferir se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que regulamentam a admissibilidade desse meio de prova, e, em caso afirmativo, aquilatar da pertinência e acuidade da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, sendo possível a sua dispensa caso a mesma seja manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.

Aliás, tal é o que dimana do consignado no artigo 13.º, n.º 1, do CPPT segundo o qual “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.”

Ora, in casu, o Tribunal a quo dispensou a produção de prova testemunhal porquanto entendeu que a realidade fática a que a Recorrente tinha manifestado intenção de produzir prova testemunhal é insuscetível de tal produção, carecendo, exclusivamente, de prova documental.

Aduza-se, em abono da verdade, que não se pode perder de vista tendo, natural e necessariamente, que ser valorado que a prova inerente a pagamentos, meios financeiros tem, naturalmente, de ter pendor documental. Ademais, in casu, a Recorrente nada densifica, nesse e para esse efeito, limitando-se, sem a devida substanciação –e a concreta alocação à factualidade constante no articulado inicial- a evidenciar que a prova testemunhal era relevante, sem concretizar, com rigor, porque motivo a mesma era, efetivamente, importante para a descoberta da verdade material, não afastando, de resto, a concreta e específica necessidade de prova documental.

De resto, há que sublinhar que em nada pode relevar, neste e para este efeito, a circunstância de a prova documental poder ser apresentada, como alega a Recorrente, até ao encerramento da discussão em primeira instância, apenas estando sujeita a condenação em multa, na medida em que, independentemente da bondade dessa concreta alegação, a verdade é que a Recorrente não logrou, de todo, produzir essa prova documental, sendo certo que o ónus probatório da factualidade que alega se encontra, efetivamente, na sua esfera jurídica não podendo, como é bom de ver, ser desonerada de tal ónus legal.

Ademais, estabelecendo uma análise cuidada da pi. retira-se, inequivocamente, que as alegações constantes no articulado inicial são, outrossim, conclusivas, sem a inerente substanciação espácio temporal, conforme se infere, designadamente, dos artigos 55.º a 62.º 123.º a 140.º

Assim, tendo presente, como vimos, que a realização das diligências instrutórias pressupõem a sua utilidade, com vista ao esclarecimento da factualidade alegada relevante para a decisão da causa, e que, em ordem ao prosseguimento desse desiderato, no caso sub judice, a inquirição das testemunhas arroladas não se mostra útil, atendendo à natureza dos factos para cuja prova foram arroladas, por redundarem em meras conclusões e tendo presente, outrossim, que os autos reúnem todos os elementos necessários para a prolação da decisão final, conclui-se que a dispensa da produção de produção de prova testemunhal não acarretou qualquer violação do inquisitório e da descoberta da verdade material, tendo o Tribunal a quo atuado dentro dos meandros da lei sem que lhe possa ser apontado qualquer deficit instrutório.

No mesmo sentido, se expendeu no âmbito do Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 06885/13, de 08 de março de 2018, convocando, outrossim, o Acórdão deste TCAS, proferido no âmbito do processo nº 06886/13, de 22 de janeiro de 2015, ambos com identidade fática e similitude jurídica, dimanando as correções do mesmo Relatório Inspetivo, e referindo, de forma expressa, que:

“[c]omo bem considerou o Mmo. Juiz a quo, os artigos indicados pela Impugnante, constantes da p.i, ou são conclusivos, ou mostram-se documentalmente provados ou, até, se apresentam inócuos para a decisão do caso concreto.(…)

Em suma, a inquirição das testemunhas arroladas revela-se ab initio uma diligência

espúria e inútil, pelo que bem andou o Juiz do TAF de Leiria, no uso dos seus poderes-deveres, ao dispensar aquela diligência.(…)

Neste sentido, e como se escreveu no acórdão citado de 22/01/15, proferido no processo n° 6886/13, "Não assiste razão à recorrente. É que, por um lado, lida a p.i. de impugnação, da mesma não consta a impugnação da matéria de facto constante do relatório inspectivo; da mesma também não consta a impugnação dos meios de prova com base nos quais foi apurada a matéria de facto. Por outro lado, do probatório resulta que os elementos coligidos pela ATpara inferir a ocorrência de simulação de preço nas transacções em causa correspondem, no essencial, a elementos documentais, indicados no relatório de inspecção, cuja veracidade não é contestada pela recorrente. Em relação aos mencionados elementos, a prova testemunhal, por natureza, nada acrescenta de relevante [artigos 371.º 372.º 393º/2, do Código Civil].”

Não se vislumbrando, outrossim, qualquer violação do princípio do contraditório na medida em que, o Ilustre Mandatário foi notificado de todos os despachos atinentes ao efeito, mormente, de dispensa de prova testemunhal e para apresentar alegações escritas, nada tendo requerido, arguido ou mesmo recorrido de qualquer despacho interlocutório que se afigurasse lesivo.

Inversamente ao alegado pela Recorrente, o Juiz prolatou despacho no qual justificou o motivo pelo qual não existiria produção de prova, sendo, portanto, incorreta a asserção de que decidiu sem dar oportunidade às partes de exercerem o direito ao contraditório.

E, igualmente, e em sentido antagónico ao propugnado pela Recorrida, o despacho atinente à prova testemunhal é suscetível de interposição de recurso, podendo consistir numa apelação autónoma se configurar, efetivamente, uma rejeição de um meio de prova que não uma mera dispensa, ou ser objeto de interposição de recurso aquando a interposição de recurso da decisão final, caso consubstancie, efetivamente, uma dispensa tout court da prova testemunhal e ao abrigo do nº 3, do artigo 644.º do CPC.

De relevar, neste concreto particular, que o princípio do contraditório, representa um princípio estrutural do processo (9-cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/5/2011, proc.3514/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6900/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8167/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/3/2016, proc.8981/15; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.368), com consagração no n.º 4 do artigo 20.º da CRP e genericamente reconhecido no artigo 3.º,nº3, do CPC, segundo o qual “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

O aludido princípio visa assegurar não só a igualdade das partes, como evitar as decisões-surpresa traduzindo-se “[f]undamentalmente, no direito de a parte, em qualquer fase do processo, «influenciar a decisão» [artigo 3º do CPC], e, no plano da prova, «exige que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos [principais e instrumentais] da causa […]” (10-José Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, 1996, páginas 98 e 99).

No caso vertente, não se aquilata -nem tão-pouco a Recorrente o substancia como era seu ónus- de que forma, em que medida e qual a extensão dessa violação, sendo certo que tendo em consideração a realidade fática dos autos não se vislumbra, de todo, qualquer violação do aludido princípio.

Note-se e reitere-se que face à tramitação dos autos, ao despacho proferido em 24 de fevereiro de 2010, ao próprio uso das alegações escritas consignadas no artigo 120.º do CPPT, não se vislumbra, de todo, qualquer decisão surpresa.

Uma última nota para evidenciar que, em nada consubstancia qualquer violação do contraditório a questão atinente à falta de ponderação atinente ao artigo 60.º, nº7 da LGT, não só porque, a mesma não é, de todo, suscetível de ser configurada enquanto tal, e porque, conforme veremos em sede própria, inexistiu essa concreta preterição de formalidade essencial.

Destarte, a atuação do Meritíssimo Juiz a quo, encontra-se estribada na letra da lei, em total cumprimento do princípio da legalidade, inexistindo qualquer nulidade e violação dos convocados princípios basilares.

Termos em que improcedem as alegações de recurso atinentes à dispensa de produção de prova testemunhal e às cominações a ela inerentes.

Atentemos, ora, nos erros de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

Iniciemos pela falta de ponderação dos novos elementos apresentados em audição prévia, donde preterição de formalidade essencial constante no artigo 60.º, nº7 da LGT.

Alega a Recorrente que apresentou questões novas em sede de audição prévia as quais deveriam ter sido tomadas em conta pela AT, ou caso não fossem, deveria ter sido emitido despacho sobre estas questões e comunicado à Recorrente a decisão final, antes da elaboração do relatório final.

O Tribunal a quo esteou, por seu turno, a improcedência, relevando, para o efeito, designadamente, o seguinte:

“Ora, conforme resulta da matéria de facto assente, a impugnante foi notificada para o exercício do direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, facto que é comprovado por si própria no artigo 47.º da sua petição inicial. O que significa que, nesta parte, é falsa a alegação da impugnante quando diz que não lhe foi enviado o projeto de decisão da ação de inspecção. Daí que, apenas por uma questão de lapso se compreende tal argumentação.
De outro lado aduz que os factos novos invocados no exercício do seu direito de audição não foram tidos em consideração pela Administração que nem se pronunciou sobre os mesmos.
Todavia a impugnante, contrariamente ao que afirma, para além de não indicar quais os factos novos que invocou no exercício de tal direito, visto o relatório de inspecção e o teor da sua exposição, constata-se que não o fez, ou seja, não invocou factos novos em relação aos quais a AT ainda não se tivesse pronunciado ou tivesse o dever de se pronunciar, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3 do mesmo artigo.
Com efeito, do documento de resposta por si remetido à entidade impugnada quando decorria o prazo para o exercício do direito à audição prévia, relativo ao projecto do relatório inspectivo, segundo o que consta destes autos e do processo administrativo apenso, não é acompanhado de qualquer documento nem ali é alegada qualquer factualidade ou circunstância que a AT não tivesse tido em conta no relatório inspectivo e que possa originar qualquer alteração à descrição dos factos apurados no predito relatório e que sejam susceptíveis de alterar a sua
situação tributaria e respectiva quantificação já constante do mesmo.
Por conseguinte é de concluir que a Administração Tributária não estava obrigada a pronunciar-se sobre o alegado pela impugnante em sede de audição prévia.
Para além do referido, conforme também resulta do probatório, sucedeu que o requerimento para o exercício de audição prévia não chegou ao conhecimento da Administração Tributária devido a erro da impugnante na digitação do endereço do correio electrónico, que endereçou o seu requerimento para um endereço inexistente, facto que só a si lhe pode ser imputável. Daí que no relatório final de inspeção conste que a impugnante não exerceu o direito de audição.”

Apreciando.

Comecemos por dar nota do respetivo regime normativo.

O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento do comando constitucional contemplado no artigo 267.º da CRP, obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.

Tal princípio veio, igualmente, a ser acolhido no âmbito do procedimento tributário no artigo 60.º da LGT, sob a forma de “direito de audição do contribuinte”, e no artigo 45.º do CPPT.

De harmonia com o disposto no artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe de direito de participação, com a redação, à data, aplicável dispunha-se que:

“1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou ato administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, quando não haja lugar a relatório de inspeção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária.
2 - É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no nº 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projeto da decisão e sua fundamentação.
6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.”
7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.”

Importa, outrossim, ter presente o consignado no artigo 60.º do RCPIT, que sob a epígrafe de “conclusão do procedimento de inspeção tributária” dispõe que:

“1 - Concluída a prática de atos de inspeção e caso os mesmos possam originar atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspecionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projeto de conclusões do relatório, com a identificação desses atos e a sua fundamentação.
2 - A notificação deve fixar um prazo entre 10 e 15 dias para a entidade inspecionada se pronunciar sobre o referido projeto de conclusões.
3 - A entidade inspecionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo.
4 - No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior será elaborado o relatório definitivo.”

Resulta, assim, do regime jurídico traçado anteriormente e na parte que para os autos releva que é imposto o direito de audição antes da liquidação, antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, e antes da conclusão do relatório da inspeção tributária, só sendo dispensada tal formalidade quando o sujeito passivo já teve oportunidade de o fazer na fase do procedimento de inspeção, que culminou nos atos de liquidação, quando a liquidação se efetue com base na declaração do contribuinte ou quando a decisão lhe seja favorável.

Dimanando, outrossim, que os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes têm de ser, obrigatoriamente, ponderados na fundamentação da decisão.

Razão pela qual, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada podendo, todavia, degradar-se em formalidade não essencial ou em mera irregularidade, se independentemente do exercício de tal direito, aquele ato sempre tivesse de ser da mesma natureza e medida.

Feitos estes considerandos, vejamos, então, o que resulta do acervo probatório dos autos.

Da factualidade provada resulta que a 18 de junho de 2008, a Direção de Finanças de Santarém endereçou à Impugnante, ora Recorrente, o ofício n.º 4580 tendente ao exercício do direito de audição prévia relativo ao projeto de Relatório de Inspeção tributária donde promanaram as correções em discussão nos presentes autos.

Mais resulta que, a 28 de junho de 2008 a Impugnante, ora Recorrente, remeteu para o endereço de correio eletrónico dpit2dsantarem@dgci.min-financas.pt -endereço que não consubstancia qualquer endereço válido para o efeito- resposta a exercer o direito de audição referido na alínea anterior, e nessa sequência foi prolatado o Relatório definitivo de Inspeção Tributária.

Ora, como é bom de ver, a AT não se pronunciou sobre o aludido direito de audição, na medida em que existe um facto a montante que a exonera dessa análise e sem que possa existir qualquer imputabilidade na sua esfera de responsabilidade, porquanto, e como bem evidenciou o Tribunal a quo e sem que mereça qualquer censura, o articulado de audição foi remetido para um endereço de correio eletrónico inapto para o efeito.

Note-se, neste concreto particular, que a Recorrente nada advoga que permita justificar, ou mesmo alcançar o envio do expediente processual para esse endereço de correio eletrónico.

Uma nota final, para relevar que, não obstante o supra expendido, a verdade é que a AT, ainda que não mediante análise e atendibilidade de um articulado de defesa intitulado de audição prévia e face às razões expendidas anteriormente, no decurso do prazo para o exercício do direito de audição prévia analisou e ponderou as fotocópias de cheques, que chegaram à sua posse e que já haviam sido requeridos, conforme, aliás, resulta atestado no Relatório de Inspeção Tributária, integrando-os enquanto anexo 38.

E por assim ser, inexiste qualquer violação do consignado no artigo 60.º, nº7, da LGT e, naturalmente, carece de qualquer pronúncia a concreta apreciação da existência de factos novos, porquanto, a jusante, donde, prejudicada.

Atentemos, ora, no alegado erro na valoração da prova, mormente, no domínio do Relatório de Inspeção Tributária e das escrituras públicas, estas enquanto documento autêntico.

Alega a Recorrente, neste particular, que a AT não provou nada do que disse no seu Relatório, sendo que o mesmo foi impugnado, não podendo, como tal, servir para provar o que foi decidido na sentença recorrida.

Densifica, para o efeito, que a Recorrente limitou-se a admitir como bom o Relatório quando o mesmo padece de contradições, omissões e erro de aplicação das normas legais, bem como dos cálculos.

Mais advogando que, as escrituras públicas descritas no Relatório, obedeceram à forma prevista na Lei, assumindo valor probatório pleno, não podendo, assim, assumir-se que alguém pagou mais do que está escrito na escritura pública, e sem que se requeira judicialmente a nulidade desses mesmos negócios jurídicos.

Vejamos, então.

No atinente ao valor probatório do Relatório de Inspeção Tributária o alegado pela Recorrente não pode, de todo, proceder na medida em que, por um lado, estabelece uma incorreta análise do próprio teor do Relatório de Inspeção Tributária e do que o mesmo representa, e por outro lado, não se vislumbra qualquer errónea ponderação das asserções nele constantes, sendo certo que inexistiu, inversamente, ao aduzido pela Recorrente, qualquer incidente de genuinidade e falsidade do mesmo.

Senão vejamos.

O Relatório de Inspeção Tributária, é um meio de prova, sendo que a asserção, no probatório, de excertos do seu teor apenas permite concluir pela existência de um documento com o conteúdo nele exarado, competindo ao Tribunal valorá-lo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.

Realidade que, no caso vertente, foi realizada e sem que lhe possa ser apontado qualquer erro de julgamento. Sem embargo do exposto, sempre se dirá que a Recorrente limita-se a invocar essa realidade sem a concreta substanciação, não requerendo, ademais, qualquer alteração ao probatório, seja mediante aditamento ou supressão, e ao abrigo dos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Mais importa relevar e sublinhar que, no caso inexistiu qualquer impugnação do Relatório de Inspeção Tributária, sendo certo que, como é consabido, a simples afirmação de que se impugna um documento apresentado pela parte, no caso o Relatório de Inspeção Tributária, não configura, de todo, impugnação da letra ou assinatura a que se refere o artigo 374.º, nem arguição da falsidade do documento a que se refere o artigo 376.º, ambos do CC (11-Vide, designadamente, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo nº 1004/14, de 21.04.2016.).

Por outro lado, a questão atinente à outorga das escrituras públicas não pode ser valorada da forma realizada pela AT.

De facto, o Tribunal não descura que nos encontramos perante a outorga de diversas escrituras públicas, donde instrumentos públicos com força probatória plena, mas a verdade é que os mesmos apenas abrangem a realidade aí descrita, mas não que os mesmos são verdadeiros e que existe correspondência fática desses factos com o, efetivamente, materializado.

Como evidenciado no Aresto do STJ, prolatado no processo nº 28252/10, datado de 09 de julho de 2014, “No documento autêntico, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos, que documenta, se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade.”

Como doutrinam Pires de Lima e Antunes Varela (12-In Código Civil Anotado, Volume I, 1987, 4ª edição, Coimbra Editora, pág, 327.):“O valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo (ex.: procedi a este ou àquele exame), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora. Se, no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o ato não seja simulado.”

É certo que, os mesmos podem ser afastados por prova em contrário, naturalmente, no caso e face a disponibilidades financeiras, mediante prova documental fidedigna, não carecendo, inversamente, ao aduzido pela Recorrente, de qualquer arguição de falsidade do documento (13-Vide, neste particular, Acórdão deste Tribunal prolatado no âmbito do processo nº 356/10, de 28.02.2019.) ou mesmo que seja intentada qualquer ação judicial que declare a nulidade dos negócios jurídicos.

Note-se, ademais, que no caso vertente o que sucedeu, em concreto, é que a AT procedeu a uma análise criteriosa da contabilidade, nomeadamente balancetes e extratos de conta tendo, desde logo, verificado que a conta do POC 11-Caixa apresentava sistematicamente nos anos em análise saldo credor.

E bem assim que foi constatada, em sede de IRC, omissões de proveitos relativamente a diversas alienações de bens imóveis suportadas pelas respetivas escrituras públicas, mediante um cruzamento de diversos elementos documentais, concretamente, mútuos a que os adquirentes recorreram, elementos bancários dos adquirentes, (designadamente, cheques e transferências bancárias) por autorização dos mesmos, contratos de promessa de compra e venda celebrados entre a sociedade vendedora e os compradores, contratos de promessa de permuta, pagamento de SISA/IMT adicional sobre as diferenças, e bem assim dos respetivos termos de declarações dos adquirentes com expressa assunção dos valores reais de venda e não correspondentes aos escriturados, corporizando, assim, omissão de proveitos, em sede de IRC.

E relativamente a essa realidade nenhuma prova documental foi granjeada e que permitisse ilidir o ónus probatório que sobre si impendia, ou seja, de que as vendas correspondiam, efetivamente, aos valores escriturados e, por conseguinte, que inexistiu qualquer omissão de proveitos.

Neste âmbito, e em situação similar à dos autos, respeitando, inclusivamente, à mesma Impugnante, e com correções dimanantes do mesmo Relatório Inspetivo, convoca-se, novamente, o Acórdão proferido por este TCAS no âmbito do processo nº 06886/13, de 22.01.2015, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a seguinte:

«O artigo 39.° da LGT não impede a Administração Fiscal de, perante uma escritura pública da qual consta determinado preço de venda, tributar em IRS o correspondente provento, considerando, por presunção, um preço superior ao declarado. // Aquela disposição legal não impõe à Administração que, para assim proceder, obtenha a declaração judicial de nulidade do negócio jurídico simulado, porque constante de escritura pública, pois a mera simulação do preço não é causa da nulidade de tal negócio, não existem, no caso, dois negócios, um real e outro simulado, e o Fisco pode recorrer a métodos presuntivos, quando a lei lho autorize [Acórdão do STA de 19-2-2003, proferido no P. 01757/0]. // «O art. 32.º do CPT (actualmente, o art. 39.º da LGT) não impede a administração tributária de, perante uma escritura pública da qual consta determinado preço de venda, tributar em IRC, se para tanto tiver razões juridicamente válidas, o correspondente provento, considerando, por presunção ou por mera correcção, um preço superior ao declarado. // E não há, nisso, ofensa do princípio da reserva de jurisdição, pois a lei não exige, para tanto, declaração judicial de nulidade do negócio jurídico simulado, porque constante de escritura pública, já que a mera simulação do preço não é causa da nulidade de tal negócio» [Acórdão do TCAS de 22-5-2007, P. n.º 01068/06].

No caso em exame, verifica-se que a AF recolheu indícios de que o preço declarado nas escrituras de compra e venda era inferior ao real, fixando a matéria colectável em causa com base no valor considerado efectivo dos preços aplicados (artigo 74.º/1 e 39.º/2, 1.ª parte) da LGT), tendo por base os elementos probatórios coligidos no relatório de inspecção [acima referidos]. Não existe, por isso, violação do disposto no artigo 371.º do Código Civil, dado que a correcção em causa, desconsiderando preço declarado em favor do efectivo do preço aplicado em cada transacção, não contende com efeito jurídico translativo imposto pelas partes em cada escritura pública de compra e venda, nem põe em causa a veracidade do documento, o qual atesta o que foi declarado pelas partes perante a autoridade pública, atendendo apenas ao preço efectivo para efeito do cômputo dos proveitos em IRC, do exercício de 2003, em causa nos autos.” (vide, igualmente, no mesmo sentido, os Acórdãos TCAS, proferidos nos processos nºs 06885/13, de 08.03.2018, e 389/09, de 11.04.2019).

No mesmo sentido, e em situação similar à dos autos, atente-se, outrossim, no teor do Acórdão proferido por este TCAS, no âmbito do processo nº 390/09, de 16.12.2020 do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“Não existe violação do disposto no artigo 371.º do Código Civil, dado que a correcção em causa, desconsiderando preço declarado em favor do efectivo do preço aplicado em cada transacção, não contende com efeito jurídico translativo imposto pelas partes em cada escritura pública de compra e venda.”

De todo o modo, sempre se dirá que no caso dos autos o que se discute, efetivamente, é o IVA e a falta de faturação de prestações de serviços, efetivamente, realizadas, e relativamente a essa concreta assunção nada foi contraditado, apartado e, devidamente, atestado no sentido de que inexistiu qualquer prestação de serviços.

O que nos leva, portanto, ao outro vício alegado pela Recorrente, como visto, concatenado com a incorreta valoração da atividade da Impugnante, mormente, no domínio da isenção de IVA, donde, subsistência dos atos impugnados, e a naturalmente, concluir pela sua improcedência.

Senão vejamos.

A Recorrente, neste concreto particular, limita-se a alegar que não está sujeita à tributação, em sede de IVA, visto que a mesma nunca prestou serviços a terceiros que estejam sujeitos a esse imposto, sendo a sua tributação em sede deste imposto ilegal.

Evidenciando, para o efeito, que a atividade da Recorrente se encontra isenta de IVA, visto que somente constrói para venda, e bem assim que a Impugnante nunca recebeu as quantias em causa nos presentes autos, conforme admite a Recorrida, logo nunca a mesma poderia ser tributada em sede de IVA.

Mas, a verdade é que tais alegações para além de não se afigurarem corretas em função do probatório dos autos, mais não consubstanciam do que alegações genéricas e conclusivas e sem que, como visto, tenha sido apresentada qualquer prova documental atinente ao efeito.

Note-se que, no caso vertente, resulta do probatório, concretamente do Relatório de Inspeção Tributária, que, em sede de IVA, o sujeito passivo esteve enquadrado no regime Normal Trimestral do CIVA no período de 2001-09-17 até 2008-01-01, data em que passou a estar enquadrado no Regime de Isenção pelo artigo 9.° do CIVA, realidade, portanto, em desconformidade com o que alega.

E, em termos de exercício de atividade, que exerceu enquanto atividade principal "Construção de Edifícios”, com o CAE 45211 e enquanto atividade secundária "Compra e Venda de Bens Imobiliários", com o CAE 70120.

Sendo certo que, independentemente da inscrição formal da atividade da Impugnante, ora Recorrente, o certo é que foram carreados documentos idóneos quanto a essa omissão de faturação, e nada foi apartado, reitere-se documentalmente, que afaste, desde logo, os fluxos financeiros e as concretas intervenções nos imóveis.

Com efeito, e conforme já tivemos oportunidade de evidenciar anteriormente, no âmbito das correções aritméticas realizadas em sede de IVA, o que dimana é a falta de liquidação de IVA, relativamente a um conjunto de operações, concretamente obras de alteração e melhoramento nos imóveis, devidamente, substanciadas e atestadas por prova documental idónea, concretamente, termo de Declarações dos adquirentes e adjudicatários das obras visadas, e respetivos meios de pagamento, particularmente, cheques e sem que tenham sido emitidas as correspondentes faturas.

E, quanto a essas realidades a Recorrente limita-se a, conclusivamente, alegar que nada recebeu, nada prestou, sem qualquer substanciação fática atinente ao efeito, conforme resulta de uma leitura atenta do seu articulado inicial, e sem a inerente produção de prova documental capaz de afastar, de forma fidedigna, as entradas de meios financeiros, e quando, ademais, existe expresso reconhecimento por parte dos adquirentes que tais obras se concretizaram, de facto.

Secundando-se, assim, o aduzido pelo Tribunal a quo neste concreto particular, e que se transcreve infra:

“Concretamente em sede de IVA, foram identificadas pela Inspeção Tributária diversas prestações de serviços de construção civil e pelas quais não foi emitida factura, recibo ou qualquer outro documento equivalente, ou seja, o imposto não foi devidamente liquidado e entregue ao Estado o que levou a AT a proceder à correcção em sede de IVA.

Ora, a impugnante não alega, em concreto, qualquer factualidade que infirme as conclusões dos serviços inspectivos, antes apontando à validade das escrituras publicas e das vendas dos imóveis que efectuou, sendo certo que para o caso dos autos, em que está em causa a não emissão de faturas por obras realizadas, a argumentação da impugnante é totalmente irrelevante.

Portanto, como se disse. cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos.

No caso presente, a AT recolheu factos bastantes de que existiu omissão de facturação, não só através das declarações dos adquirentes dos serviços como justificadas através dos cheques emitidos à impugnante, pelo que cumpriu o ónus da prova da existência dos pressupostos de facto e de direito do recurso à correcção do IVA.”

De relevar, in fine, e neste concreto particular e inversamente ao propugnado pela Recorrente, que inexiste qualquer fundada dúvida que possa reclamar a subsunção no artigo 100.º do CPPT, e concreta valoração a favor do sujeito passivo.

Com efeito, dispõe expressamente o citado normativo sob a epígrafe de “Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indiretos” que : “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”, resultando, assim, do seu teor literal um princípio estruturante do direito tributário que estabelece, per se, que a fundada dúvida alicerçada na prova produzida -e não na inércia probatória- terá de reverter a favor do contribuinte.

Daí que, doutrine Alberto Xavier que a AT só deve praticar o ato tributário-liquidação, quando : “formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável” (14-Alberto Xavier-Conceito e natureza do acto tributário, página 150.). Significa isto que, em caso de subsistência de dúvida “acerca do objeto do processo deve a Administração Fiscal abster-se de praticar o ato tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum” (15-vide ob. citada, páginas 158 e 169.)

Ora, no caso vertente, não se verifica a convocada preterição legal, na medida em que a dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, no caso da Impugnante, ora Recorrente, sobre quem recaía, conforme já devidamente evidenciado anteriormente, o dever de comprovar os factos constitutivos do direito alegado (artigo 342º, nº 1, do Código Civil e 74.º da LGT). Significa isto, então, que não tendo a Recorrente cumprido o seu ónus probatório, não pode reclamar a subsunção normativa no normativo 100.º do CPPT, e aplicação da regra ínsita no seu nº1.

De chamar, outrossim, à colação o Aresto do TCA Norte, prolatado no âmbito do processo nº 00438/12.0BEPRT, datado de 17 de setembro de 2015, no qual se sumariou, o seguinte:

“1. Nos termos do art. 100º/1 do CPPT, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.

2. Este preceito constitui aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova, enunciada no art. 74º/1 LGT. Regra que também encontramos no art. 414º do CPC (anterior art. 516º) fazendo recair sobre o onerado com a prova de um facto a desvantagem da dúvida.

3. A norma é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário.

4. A prova produzida de que há-de resultar a «fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário» deverá ser não só a prova mobilizada pelas partes mas também aquela que o juiz deverá impulsionar (art. 13º/1 do CPPT).

5. A dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, especialmente do impugnante, sobre quem recai o dever de comprovar os factos constitutivos do direito alegado (art. 342º/1 do Código Civil). “(destaques e sublinhados nossos).

E por assim ser, face a todo o exposto e sem necessidade de quaisquer considerações adicionais, improcede na íntegra o alegado pela Recorrente, devendo, por conseguinte, confirmar-se a decisão recorrida.

Prosseguindo.


A Recorrente volta a convocar a violação de princípios constitucionais basilares, concretamente, violação dos princípios do inquisitório, da colaboração, da participação, da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade, boa fé e celeridade, e bem assim do artigo 207.º da CRP, mas nada substancia para o efeito, limitando-se a, genérica e conclusivamente, enumerar os aludidos princípios, sem concretizar de que forma, em que medida, e qual a concreta extensão dos aduzidos vícios de violação de lei, o que determina, naturalmente, a sua improcedência.


Sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, e conforme vem sendo entendido pela Jurisprudência que “não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios do CPA ou princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado” [Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 02758/99, de 19-02-2004, in www.dgsi.pt.]


E por assim ser improcede, igualmente, o aduzido erro de julgamento.


Subsiste, então, apenas por analisar a caducidade do direito à liquidação.


Neste âmbito, defende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que o prazo de caducidade aplicável ao caso vertente era de três anos, em ordem ao consignado no artigo 45.º, nº2, da LGT, mais evidenciando que, mesmo que assim não se entendesse e reputado como aplicável ao caso vertente o prazo de quatro anos, já havia, igualmente, decorrido o respetivo prazo de caducidade.


O Tribunal a quo, após convocar o respetivo quadro normativo e tecer os considerandos de direito reputados de relevo para o caso vertente, fundamentou a improcedência da arguida caducidade do direito à liquidação, da seguinte forma:

“Ora, encontra-se provado que o IVA aqui em causa reporta-se aos exercícios dos anos de 2003, 2005 e 2006 e que a liquidações ora impugnadas foram emitidas em 2009, e, não se verificando nenhuma das situações previstas no n.º 2 do sobredito normativo, uma vez que foram utilizadas pela Administração Tributária apenas correcções aritméticas, o prazo de caducidade é de 4 anos, estabelecido no n.º 1 desse artigo e não o de três anos como diz a impugnante. E sendo este o prazo aplicável no caso presente, a Administração podia exercer o seu direito à emissão da liquidação de IRC e respectiva notificação, até, respectivamente, ao final de 2008, 2010 e 2011, oque, como resulta do probatório, ocorreu para estas duas últimas, pelo que não se verifica a invocada caducidade do direito à liquidação.
Face ao acabado de referir, apenas quanto ao ano de 2003 se pode, então, colocar a questão da caducidade do direito à liquidação, Sucede, porém, que a Direcção de Finanças de Santarém instaurou e participou inquérito criminal em 25-02-2008, sendo, por isso, de aplicar também ao caso em apreço o disposto no n.º 5 daquele normativo, nos termos do qual o prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do mesmo artigo é alargado até ao arquivamento ou ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, disposição legal que apesar de ter sido aditada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, entrada em vigor desde 1-01-2006, é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data de entrada da sua entrada em vigor, por aplicação do princípio geral em matéria da aplicação da lei no tempo consignado no artigo 297.º, n.º 2 do Código Civil.
Veja-se, neste sentido, o decidido no Acórdão do STA de 02-07-2008, no Proc.º n.º 0343/08, onde se diz que “I - O prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos (artigo 45.º, n.º 1 da LGT).
II - Tal prazo suspende-se, porém, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT, durante o período de duração da acção de inspecção externa aí referida, se esta for concluída antes de seis meses após a notificação do seu início.
III - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano (n.º 5 do artigo 45.º da LGT, aditado pela Lei n.º 60 -A/2005, de 30/12, em vigor desde 1/1/2006).
IV - O disposto no número anterior é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data de entrada em vigor da lei n.º 60-A/2005, de 30/12.”.
Por conseguinte é inequívoca a conclusão de que não ocorreu a invocada caducidade do direito à liquidação dos anos em causa, pelo que improcede este vicio invocado pela impugnante.”

Vejamos, então.


Começando por atentar no quadro normativo atinente à caducidade do direito à liquidação.


Preceituava, à data, o artigo 45.º da LGT sob a epígrafe de caducidade do direito à liquidação, e na parte que, ora, releva o seguinte:

“1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2 - Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indiretos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objetivos da atividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos. (…)

4-O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”

Ulteriormente, a Lei n.º 60 -A/2005, de 30 de dezembro, em vigor a partir de 1 de janeiro de 2006 -mas aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da sua entrada em vigor- passou a consignar que sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.


Mais consignava o artigo 46.º, nº1, do mesmo diploma legal, relativamente à suspensão e interrupção do prazo de caducidade que:

“1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação”.

Sendo, outrossim, de chamar à colação o consignado no artigo 36.º do RCPIT relativamente ao “início e prazo do procedimento de inspeção”, segundo o qual:

“1 - O procedimento de inspeção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.

2 - O procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.

3 - O prazo referido no número anterior poderá, no caso de procedimento geral ou polivalente, ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas seguintes circunstâncias:

a) Situações tributárias de especial complexidade resultante, nomeadamente, do volume de operações, da dispersão geográfica ou da integração em grupos económicos nacionais ou internacionais das entidades inspecionadas;

b) Quando, na ação de inspeção, se apure ocultação dolosa de factos ou rendimentos;

c) Outros motivos de natureza excecional, mediante autorização fundamentada do diretor-geral dos Impostos.

4 - A prorrogação da ação de inspeção é notificada à entidade inspecionada com a indicação da data previsível do termo do procedimento. (…)”

No atinente à conclusão do procedimento de inspeção importa ter presente o consignado no artigo 62º do RCPIT, o qual estatuía que para conclusão do procedimento deve ser elaborado um Relatório Final com vista à identificação e sistematização dos factos detetados e sua qualificação jurídico-tributária, consagrando, por seu turno, o seu nº2 que a notificação ao contribuinte deve ser concretizada “por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no n.º 4 do artigo 60.º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação. (…)”.


Visto o regime normativo, é por demais evidente, que a situação em contenda não se subsume em qualquer das situações elencadas no nº2, do artigo 45.º da LGT, não sendo, portanto, aplicável o prazo de três anos, em sentido, aliás, consonante com o ajuizado pelo Tribunal a quo [vide, neste sentido, designadamente, Acórdão do STA, proferido no processo nº 0319/10, de 08.09.2021, e demais doutrina e jurisprudência aí citada].


O que significa, portanto, que no caso vertente o prazo aplicável é de quatro anos, de harmonia com o artigo 45.º, nº 4, da LGT, cujo cômputo inicial, no caso do IVA, respeita ao início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto. (16-Vide, designadamente, Aresto do STA, proferido no processo nº 0777/09, de 28.04.2010 e Acórdão deste TCAS, prolatado por este coletivo, no processo nº 220/14, de 14.10.2021.)


Ora, transpondo para o caso vertente, dir-se-á que a questão apenas se coloca, naturalmente, quanto ao IVA do ano de 2003 -não obstante o articulado inicial e a própria decisão recorrida convoquem liquidação adicional respeitante ao ano de 2006, a verdade é do teor do Relatório de Inspeção Tributária, respetivas correções técnicas e atos de liquidação correspondentes, constata-se que as correções e atos, em sede de IVA, respeitam, tão-só, a 2003 e 2005- atenta a data da notificação dos demais atos de liquidação contemplados no probatório [(alíneas H) a K)], e bem assim da suspensão inerente à instauração do processo crime, sendo, aliás, este o sentido das alegações de recurso.


Vejamos, então.


No caso vertente, encontramo-nos perante IVA do primeiro trimestre do ano de 2003, logo o cômputo inicial do prazo ocorria a 01 de janeiro de 2004, donde o seu termo ocorria a 31 de dezembro de 2007, sendo que no caso vertente, o ato de liquidação de imposto e respetivos juros apenas foram emitidos a 13 de dezembro de 2008.


Ora, da leitura da factualidade supra expendida, haveria que concluir, sem mais, que o prazo de caducidade relativamente ao ano de 2003, estaria caducado, no entanto, há que ponderar se ocorreu alguma causa de suspensão, mormente, a decorrente da ação inspetiva e da instauração de inquérito criminal, conforme ponderado na decisão recorrida.


Neste concreto particular, ainda que o Tribunal a quo tenha estabelecido uma correta enunciação do regime jurídico, entendemos que não terá realizado a melhor interpretação do mesmo aquando da concreta transposição para o recorte probatório dos autos.


Senão vejamos.


Do probatório resulta que a ação de Inspeção Tributária em contenda, foi credenciada por Ordem de Serviço datada de 09 de agosto de 2007, tendo o início, efetivo, do procedimento inspetivo ocorrido a 13 de novembro de 2007, o projeto de relatório sido emitido a 18 de junho de 2008 e a concreta prolação do Relatório definitivo ocorrido, a 10 de julho de 2008.


Daí resulta, portanto, que até 31 de dezembro de 2007, não ocorreu qualquer causa suspensiva do prazo de caducidade, na medida em que a ação de inspeção tributária teve duração superior a seis meses, o que motivou, aliás, despacho de prorrogação do prazo de ação inspetiva, e nessa medida, o prazo de caducidade conta-se desde o seu início -tudo se passando, portanto, como se não tivesse existido qualquer causa suspensiva, porquanto a mesma tem como pressuposto que a mesma tenha ocorrido dentro do prazo de seis meses, após a notificação ao contribuinte da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa(17- In Acórdão do STA proferido no processo nº 0669/10, de 30.11.2010. No mesmo sentido, vide, designadamente, Acórdão do STA, prolatado do STA, no processo nº 01147/15, de 19.11.2016.).


É certo que, a 25 de fevereiro de 2008, nos encontramos perante uma causa suspensiva decorrente do início do inquérito criminal-sendo de sublinhar, neste concreto particular, que não é, de todo, controvertido que o ato tributário de liquidação e a investigação criminal se reportem aos mesmos factos, ou seja, da exigível coincidência factual objetiva-mas a verdade é que, essa causa suspensiva para ser, verdadeiramente, operativa pressupõe, naturalmente, que o prazo de caducidade ainda esteja em curso, realidade que, face ao supra expendido, e quanto ao período em análise, não sucede no caso vertente.


Como expendido no sumário do Acórdão deste TCAS, prolatado no âmbito do processo nº 566/13, de 25 de fevereiro de 2021:


“I-A aplicação do disposto no n.º 5 do art.º 45.º da LGT pressupõe que a instauração do inquérito criminal ocorra quando o prazo de caducidade do direito à liquidação ainda não se esgotou.

II.A interpretação em sentido distinto atenta contra o princípio da proteção da confiança.”

Doutrinando, de forma clara e na qual nos revemos por inteiro, designadamente, o seguinte:


“[h]á que atentar na ratio do mencionado n.º 5 do art.º 45.º da LGT.

Este n.º 5 foi aditado ao art.º 45.º pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro (lei do orçamento do estado para 2006).

O objetivo subjacente a este aditamento prende-se com a necessidade de salvaguardar situações em que está pendente inquérito criminal sobre os mesmos factos, permitindo-se, nestes casos, que se aguarde pelo arquivamento ou pelo trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida, dispondo a administração, a partir desse momento, do prazo de um ano para proceder à liquidação do tributo.

Como referido por José Maria Pires e outros (18-José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 412.), “[o] n.º 5 destina-se a impedir o decurso do prazo de caducidade na pendência do processo criminal por se entender que encontrando-se a liquidação dependente de sentença a proferir no âmbito desse processo tal liquidação não pode ser prejudicada pela demora da decisão judicial. Para o efeito alarga-se o prazo de caducidade até arquivamento do inquérito ou ao trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano”.

A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 06.12.2017 (Processo: 073/16), onde se refere:

“[A] norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT resulta da necessidade de garantir uma boa decisão da causa em matéria fiscal, aguardando-se assim o desfecho dos inquéritos ou dos processos-crime em que o facto tributário se encontra em discussão” [no mesmo sentido, vejam-se, v.g., o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 05.09.2018 (Processo: 0777/18), e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07.05.2020 (Processo: 666/10.3BELRA)].

Ainda que se possa admitir que este alargamento do prazo de caducidade abranja situações em que o processo de inquérito seja instaurado quando esse o prazo de caducidade esteja em decurso, mesmo que a liquidação já tenha sido emitida [cfr. neste sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.10.2016 (Processo: 00090/12.3BECBR)], tal não é o caso dos autos.

Com efeito, em relação aos períodos compreendidos entre agosto de 2006 e março de 2009 e inexistindo qualquer outra causa de suspensão do prazo de caducidade, claramente à data da instauração do inquérito criminal já tinha decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação no caso dos períodos em análise.

Interpretação distinta atentaria contra o princípio da proteção da confiança, porquanto permitiria, depois de um determinado prazo já ter decorrido integralmente (gerando, legitimamente, uma expetativa na esfera jurídica do administrado), um renascimento de um prazo já expirado e sua extensão.”

Assim face ao exposto, e tendo presente que a causa suspensiva decorrente do inquérito criminal, ocorreu após o decurso do prazo de caducidade, e que a causa suspensiva inerente ao próprio procedimento de Inspeção Tributária, acabou por não ser operativa, em face, como visto, da ultrapassagem do prazo de seis meses, há que julgar procedente o vício da caducidade do direito de liquidação, relativamente ao ato de liquidação impugnado e respetivos juros compensatórios, respeitantes ao primeiro trimestre de 2003.


Destarte, improcede a presente impugnação relativamente a todos os vícios impugnados, donde manutenção dos atos de liquidação de imposto e respetivos juros compensatórios, atenta a sua ligação intrínseca, ressalvado o vício da caducidade do direito à liquidação, e no concreto particular do período de imposto supra expendido (primeiro trimestre de 2003) determinando, assim, a procedência parcial do presente recurso.



***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul em:

CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, conforme infra se determina:

- REVOGAR A SENTENÇA RECORRIDA, e julgar procedente a impugnação judicial quanto ao IVA do primeiro trimestre de 2003, com a consequente anulação do ato de liquidação e respetivos juros compensatórios.

- CONFIRMAR A SENTENÇA RECORRIDA, com a consequente manutenção dos demais atos de liquidação e respetivos juros compensatórios, impugnados.

Custas pela Recorrente e pela Recorrida, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 74%, e 26%, respetivamente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 14 de março de 2024
(Patrícia Manuel Pires)
(Ana Cristina Carvalho)
(Susana Barreto)